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quinta-feira, 22 de outubro de 2009
A MINHA GERAÇÃO
A minha geração não sabia o sabor da coca-cola, proibida mais a cobiçava. Bebia pirolitos e laranjadas, e quando calhava. Não acorria ao MacDonnald, nem enfardava fast-food. Levava um naquito de pão para a escola, com uma sardinha ou apenas um sabor a toucinho, pequeno-almoço e almoço. Não via nos cinemas filmes porno, proibidos mais os cobiçavam. Não conhecia telemóveis, consolas e internet. Jogava-se às cartas e bebia-se vinho tinto. Não praticava surf, íamos para a pesca do bacalhau. Não calçava ténis de marca, andava-se descalço. Levávamos porrada na escola, não estudávamos nos colégios, saíamos pedreiros e electricistas. A minha geração não esperava dezoito anos para conduzir um automóvel, recebia uma enxada nova no dia do aniversário. Não nos beijávamos nos bancos dos jardins, esfregávamo-nos no desvão das escadas. Proferíamos os mesmos palavrões que os meninos de agora, porém evitando os ouvidos dos adultos. Jogávamos à pedrada uns contra os outros nos lugares onde hoje os meninos fazem rapel. Não fazíamos wild-surf, lançávamo-nos das escarpas sobre os rios, em pelota. Aos vinte anos escrevinhava-se cartas para as futuras noivas, amontoados nos paquetes a caminho do Ultramar. Sonhava-se com elas debaixo do fogo da metralha. Alguns ambicionavam ser rambos e regressavam como inválidos. Desejavam esconder-se no chão quando as granadas explodiam à volta, e era realmente a sete palmos de terra que os esperava o destino. Organizávamos greves nas universidades entre o medo e a coragem e acordávamos sobressaltados quando alguém nos batia à porta. A minha geração saltava a cerca e as fronteiras, regressando mais velha e desenraizada. Ousávamos fazer greves nas fábricas e alguns desapareciam sem deixar rasto. Não aprendemos a tocar piano nem conhecíamos música clássica, Elvis abanou-nos, os Beatles encantavam-nos, os Rolling Stones provocavam-nos uma agitação quase dolorosa, os hippies seduziam-nos, a erva animava-nos, o Zeca Afonso lançou-nos para a aventura. No dia 25 de Abril já éramos crescidos e maduros. Colhemos o trigo que semeáramos.
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