Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
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Publicado em 2015/02/25, em: http://www.voltairenet.org/article186833.html
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2015/03/02
A Balcanização da Ucrânia
Miroslav Lazanski*
A guerra que devasta atualmente a Ucrânia internacionaliza-se. As clivagens que
aparecem nos Balcãs não são novas. Já existiam durante o desmembramento da
Jugoslávia e, anteriormente, durante a Segunda Guerra mundial. Para Miroslav
Lazanski, é uma velha divisão que se repete.
Enquanto os voluntários croatas se juntam ao exército ucraniano para combater os
Novorrussos, a pró-Estados Unidos Kolinda Grabar-Kitarović tornou-se, em 18 de
fevereiro de 2015, presidente da Croácia. O seu país, que se prepara pra facilitar o
desmembramento da Sérvia amputando-a da Voivodina, deveria logicamente implicarse
oficialmente na guerra na Ucrânia. Repetindo o passado, os Croatas aliam-se ao
império do momento contra a Rússia.
Lev Tolstoi escreveu, em Guerra e paz, que «Na véspera do ano de 1812, houve uma
concentração dos poderes na Europa ocidental, partindo do oeste para leste, em
direção às fronteiras da Rússia». Não sei o que diria hoje este grande escritor e
pensador se pudesse dar uma olhadela sobre a Europa no princípio do Século XXI. É
como se ele tivesse já previsto na sua época «a natização»1
, o cerco da Rússia e as
pressões políticas e psicológicas sobre os Estados neutros para que se juntem à
Aliança.
O que começou na Europa em 1999 com os bombardeamentos da República federal
da Jugoslávia continua hoje com a tragédia na Ucrânia. As imagens dos edifícios e
pontes destruídos são inacreditáveis; as casas queimadas, os cadáveres nas ruas.
Tudo isso na Europa do século XXI! E isto não é um filme mas a crua realidade. A
Europa política calou-se em relação às mesmas imagens na Jugoslávia em 1999, e
hoje fica indiferente ao sofrimento humano na Ucrânia.
A Europa política impôs ao povo da Ucrânia uma escolha «ou/ou» e, por isso, a
guerra. Depois dos Acordos de Minsk 2 2, algumas pessoas pensam ainda, na Europa,
1
De NATO. – [NT]
2 «Paquet de mesures en vue de l’application des Accords de Minsk [Pacote de medidas para a
aplicação dos Acordos de Minsk]», Réseau Voltaire, 12 de fevereiro de 2015.
mas especialmente nos Estados Unidos, que o facto de enviar ajuda militar a Kiev
poderia mudar a situação militar no terreno. Mas nenhum míssil antitanque
ocidental pode mudar a correlação de forças porque os soldados de Kiev não foram
treinados para os utilizar, teriam necessidade pelo menos de seis meses de treino e
aprendizagem. Os sistemas de artilharia da NATO não são compatíveis com os
sistemas em poder das forças armadas ucranianas. O ocidente pode fornecer à
Ucrânia simples veículos blindados para transporte de artilharia, o que os britânicos
já fizeram, eletrónica para as comunicações rádio e radares de artilharia, o que já foi
entregue a Kiev.
Entretanto, se a NATO entregasse a Kiev outros tipos de armamento, ou se enviasse
os seus próprios especialistas de treino militar, poder-se-ia ver aparecer em Donbass
tanques T-80 e T-90 em vez dos T-72. Ver-se-ia então que mísseis eram eficazes. A
entrada de uma unidade da NATO na Ucrânia provocaria a entrada das forças
armadas russas no teatro de operações. Num conflito convencional no terreno,
nenhum exército ocidental, mesmo o dos Estados Unidos, poderia vencer o exército
russo, porque os generais ocidentais esquecem completamente a doutrina do
Marechal Otarkov, sempre atual no exército russo: vencer na primeira fase do
conflito convencional pela destruição dos alvos em profundidade no território
inimigo nos primeiros momentos da guerra e conquistar rapidamente o território
inimigo para fazer avançar as forças terrestres.
É uma vitória total na primeira fase da guerra, uma vitória sem utilização de
armamento nuclear tático. A estratégia da ofensiva, com o objetivo de penetração
profunda no território inimigo sem utilizar armas nucleares, foi a essência da visão
soviética da guerra na Europa. Os Estados Unidos tentaram fazer melhor com a
doutrina da «batalha ar-terra 2000»
É precisamente esta a razão pela qual nem os EUA nem a NATO enviaram as suas
forças para a Ucrânia, porque não teriam nenhuma hipótese de vencer numa guerra
convencional. Com efeito, se as tropas da NATO ou dos EUA se encontrassem em
situação de inferioridade na Ucrânia face ao exército russo, Bruxelas e Washington
teriam de escolher entre admitir a derrota com todas suas consequências políticas e
militares, ou utilizar os seus lançadores munidos com armas nucleares táticas.
Nesta situação, sabendo que os Tomahawks podem atingir alvos na Rússia em cinco
ou seis minutos, o Kremlin teria pouco tempo para decidir, ordenar e executar uma
resposta nuclear. Teria de intervir ao fim de três minutos no máximo, caso contrário
não poderia lançar a contraofensiva, tendo os mísseis dos Estados Unidos atingido já
os seus alvos russos.
Dito de outra maneira, a fronteira entre a utilização tática e estratégica de armamento
nuclear é perigosa. O risco de implosão é assustador, uma e outra parte poderia
interpretar a utilização de armamento tático nuclear como a introdução da utilização
de armamento nuclear estratégico. Neste caso, só Deus poderia ajudar o planeta.
Segundo a opinião do professor Lowell Wood, do Laboratório Nacional de Livermore
(Estados Unidos), com data de 1982, entre 500 milhões e 1,5 mil milhões de pessoas 3
pereceriam. E como a tecnologia nuclear progrediu entretanto, o número de mortos
seria muito maior.
Será que os que querem internacionalizar o conflito ucraniano pensam nisto ?
A opinião pública na Rússia está surpreendida nestes dias com a chegada de cidadãos
croatas para reforçar o exército de Kiev, do Pravyi Sektor e da Guarda Nacional da
Ucrânia. Apenas os que não conhecem a história ficam surpreendidos. Os soldados do
Estado Independente croata bateram-se, durante a Segunda Guerra mundial, ao lado
de Hitler em Estalinegrado, enquanto na frente leste não esteve nenhum sérvio. O
Estado Independente croata enviou a sua aviação para a frente leste. O general Franjo
Dzal era um dos pilotos que abatia aviões russos. Na época da ex-Jugoslávia, a
Croácia tinha excelentes relações com a Ucrânia e a Sérvia com a Rússia. Em que
medida a religião teve influência na situação (na Ucrânia há católicos e uniatas3) é
uma longa história. De qualquer modo, os croatas estiveram ao lado da Ucrânia e os
sérvios, segundo os seus voluntários, do lado de Donbass.
Balcanizou-se a Ucrânia. Continua a guerra que parámos em 1945…
Miroslav Lazanski
Tradução: Svetlana Maksovic
Fonte: Politika (Serbie)
* Miroslav Lazanski: Nasceu em 1950 em Karlovac, Croácia. Diplomado pela Faculdade de
Direito em Zagreb, onde começou a sua carreira de jornalista. Depois de ter trabalhado
para vários jornais e revistas, em 1991 começa a trabalhar para o diário sérvio Política,
onde ainda hoje trabalha. Foi repórter de guerra na Síria, Afeganistão, Chechénia, Congo,
Iraque, Irão, Líbano, Iémen e Líbia. Realizou diversas entrevistas a personalidades da
NATO, da URSS e de meia centena de ministros dos Negócios Estrangeiros, altos militares
das forças armadas russas, chinesas e japonesas. É o único jornalista jugoslavo que esteve
a bordo do submarino atómico USS Tautog, que voou num F-14, que visitou o porta-aviões
USS John F. Kennedy e que voou num Mig-29. Foi convidado das Academias militares da
Rússia, Japão, Estados Unidos, Austrália, Grã-Bretanha, Roménia, etc. Manteve uma
rubrica no jornal grego Kathimerini, no jornal japonês Securitarien e no The Diamond
Weekly. É autor de dez obras.
3 Uniata: católico de rito oriental
(http://pt.wikipedia.org/w/index.php?search=uniata&title=Especial%3APesquisar&go=Ir=). – [NT]
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