Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
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_____________________________________________ Do Livro “UM OUTRO OLHAR SOBRE STÁLINE”, de Ludo Martens, edição de “Para a História do Socialismo”, Documentos, agosto de 2009 (pp. 149 a 172), também postado em: http://www.hist-socialismo.com/docs/UmOutroOlharStaline.pdf
Colocado em linha em: 2017/03/10
A colectivização e o «holocausto ucraniano» [1]
Ludo Martens *
[A publicar em 2 partes; hoje, publica-se a primeira]
As mentiras debitadas sobre a colectivização foram sempre as armas predilectas da burguesia na guerra psicológica contra a União Soviética. Analisamos aqui o mecanismo de uma das mentiras mais «populares», a do holocausto cometido por Stáline contra o povo ucraniano. Esta calúnia brilhantemente elaborada devemo-la ao génio de Hitler. No seu Mein Kampf, escrito em 1926, já tinha indicado que a Ucrânia pertencia ao «lebensraum» [espaço vital] alemão. A campanha lançada pelos nazis, em 1934-1935, sobre o tema do «genocídio» bolchevique na Ucrânia, destinava-se a preparar os espíritos para a projectada «libertação» da Ucrânia. Veremos por que esta mentira sobreviveu aos seus criadores nazis para se tornar numa arma americana. Eis como nasceram as fábulas sobre os «milhões de vítimas do stalinismo».
Em 18 de Fevereiro de 1935, nos Estados Unidos, a imprensa de Hearst - o grande magnata da imprensa e simpatizante dos nazis - inicia a publicação de uma série de artigos de Thomas Walker, apresentado como grande viajante e jornalista, que viajou através da União Soviética durante vários anos. À cabeça da primeira página do Chicago American, de 25 de Fevereiro, surgiu um título enorme: «A fome na União Soviética faz seis milhões de mortos. Colheita dos camponeses confiscada, homens e animais rebentam». A meio da página, um outro título: «Jornalista arrisca a vida para obter fotos da carnificina». No rodapé: «Fome – crime contra a humanidade»1.
Na altura, Louis Fischer trabalhava em Moscovo para o jornal The Nation. A «cacha» do seu colega, um ilustre desconhecido, intriga-o profundamente. Por isso investiga o caso e apresenta as conclusões aos leitores do seu jornal.
«O senhor Walker informa-nos que entrou na Rússia na última Primavera, ou seja, a Primavera de 1934. Ele viu a fome. Fotografou as suas vítimas. Recolheu
1 Douglas Tottle, Fraud, Famine and Fascism, The Ukranian Genocide Mith From Hitler to Harvard, Progress Books, Toronto, 1987, pp. 5-6.
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testemunhos em primeira mão sobre a devastação da fome que vos despedaçaram o coração. A fome na Rússia tornou-se um tema muito quente. Por que razão teria o senhor Hearst guardado estes artigos sensacionais durante dez meses antes de publicá-los? Decidi consultar as autoridades soviéticas sobre o assunto. Thomas Walker esteve uma única vez na União Soviética. Recebeu um visto de trânsito no consulado soviético, em Londres, no dia 29 de Setembro de 1934. Entrou na URSS a partir da Polónia, de comboio, em Negoréloe, no dia 12 de Outubro de 1934. Não na Primavera, como afirmou. No dia 13 chegou a Moscovo. Permaneceu em Moscovo de sábado, 13, a quinta-feira, 18, e tomou em seguida o Transiberiano que o levou à fronteira entre a União Soviética e a Manchúria em 25 de Outubro de 1934 (...) Teria sido impossível a Mr. Walker, nos cinco dias compreendidos entre 13 e 18, percorrer um terço dos pontos que “descreve” por experiência própria. Minha hipótese é que permaneceu tempo suficiente em Moscovo para obter no azedume de terceiros a “cor local” ucraniana de que necessitava para dar a seus artigos a falsa verosimilhança que têm.»
Um amigo de Fisher, também americano, Lindsay Parrot, havia estado na Ucrânia no começo de 1934. Não viu qualquer sequela da fome de que fala a imprensa de Hearst. Pelo contrário, a colheita de 1933 tinha sido abundante. Fisher conclui: «A organização de Hearst e os nazis desenvolvem uma cooperação cada vez mais estreita. Não vi que a imprensa de Hearst tivesse publicado os relatos do Sr. Parrot sobre uma Ucrânia soviética próspera. O Sr. Parrot é o correspondente do Sr. Hearst em Moscovo...»2.
Na legenda da fotografia de uma pequena rapariga e uma criança esquelética, Walker escreveu: «Terrível! A Norte de Khárkov, uma rapariga muito magra e o seu irmão de dois anos e meio. Esta criança rastejava pelo chão como um sapo e seu pobre pequeno corpo estava tão deformado por falta de comida que não parecia humano.».
Douglas Tottle, sindicalista e jornalista canadiano, que consagrou um livro notavelmente bem documentado sobre o mito do «genocídio ucraniano», descobriu a fotografia da criança-sapo, supostamente datada da Primavera de 1934, numa publicação de 1922 sobre a fome na Rússia. Uma outra foto de Walker foi identificada como sendo a de um soldado da cavalaria austríaca, ao lado de um cavalo morto, tirada durante a I Guerra Mundial3.
Triste senhor Walker: a sua reportagem é falsa, as suas fotos são falsas, até ele próprio é falso. O verdadeiro nome deste homem é Robert Green. Evadiu-se da prisão do Estado de Colorado após ter cumprido dois anos de uma pena de oito. Depois foi inventar a sua reportagem para a União Soviética. No regresso aos Estados Unidos foi preso e reconheceu diante do Tribunal jamais ter posto os pés na Ucrânia.
2 Louis Fisher, «Hearst’s Russian Famine», The Nation, vol. 140, n.º 36, 13 de Março de 1935, citado em Tottle, op. cit., pp. 7-8.
3 Casey James, in Daily Worker, 21 de Fevereiro de 1935, citado em Tottle, op. cit, p. 9.
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O multimilionário Wiliam Randolph Hearst encontrou-se com Hitler no final do Verão de 1934 para concluir um acordo estipulando que a Alemanha passaria a comprar as suas notícias internacionais ao International New Service, uma agência que pertencia ao grupo Hearst. Nessa época, a imprensa nazi já tinha iniciado uma campanha sobre «a fome na Ucrânia». Hearst dará a sua contribuição graças à imaginação do seu grande explorador, o sr. Walker4.
Na imprensa de Hearst apareceram outros testemunhos do mesmo género sobre a fome. Um certo Fred Beal pô-los em letra de forma. Operário americano condenado a 20 anos de prisão na sequência de uma greve, Beal refugiou-se na União Soviética no ano de 1930, trabalhando durante dois anos na fábrica de tractores de Khárkov. Em 1933, publica um pequeno livro intitulado Foreign workers in a Soviete Tractor Plant, onde relata com simpatia os esforços do povo soviético. No final de 1933, regressa aos Estados Unidos. Encontra o desemprego, mas também a prisão. Em 1934, começa a escrever sobre a fome na Ucrânia, após o que as autoridades reduzem de forma significativa a sua pena. Quando o seu «testemunho» é publicado por Hearst, em Junho de 1935, J. Wolynec, um outro americano que tinha trabalhado cinco anos na mesma fábrica em Khárkov, apontará as mentiras que entremeavam o texto. Sobre as inúmeras conversas que Beal alegava ter registado, Wolynec nota que Beal não falava nem russo nem ucraniano. Em 1948, Beal ofereceu outra vez os seus serviços à extrema-direita como testemunha de acusação contra comunistas perante o Comité McCarthy5.
Um livro com a chancela de Hitler
Em 1935 é publicado em alemão o livro Muss Russland hungern?, do Dr. Ewald Ammende. Tem como fontes a imprensa nazi alemã, a imprensa fascista italiana, a imprensa dos emigrados ucranianos e «viajantes» e «especialistas», assim citados, sem qualquer outra precisão. Publica fotografias que afirma «constarem entre as fontes mais importantes sobre a realidade actual da Rússia». «A maior parte foi tirada por um especialista austríaco», explica laconicamente Ammende. Há também fotos pertencentes ao Dr. Ditloff, que foi, até Agosto de 1933, director da Concessão Agrícola do governo alemão no Cáucaso do Norte. Didoff afirma ter fotografado, no Verão de 1933, «nas regiões agrícolas da zona da fome». Ora sendo Ditloff funcionário do governo nazi, como teria podido deslocar-se do Cáucaso até à Ucrânia para caçar tais imagens? Das fotos de Ditloff, sete já tinham sido publicadas por Walker, entre as quais está a da «criança-sapo». A fotografia que mostra dois jovens esqueléticos, símbolos da fome ucraniana de 1933, pôde ser vista na série televisiva La Russie, de Peter Ustinov. Foi retirada de um filme-documentário sobre a fome na Rússia de 1922! Uma outra foto de Ammende, afinal também já tinha sido publicada pelo órgão nazi Volkischer Beobachter, em 18 de Agosto de 1933, e foi igualmente identificada em livros datados de 1922.
Ammende tinha trabalhado na região do Volga em 1913. Durante a Guerra Civil de 1917-1918, ocupou cargos nos governos contra-revolucionários germanófilos da
4 Tottle, op. cit., pp. 13 e 5.
5 Ibidem, pp. 19-21.
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Estónia e da Letónia. Depois trabalhou para o governo de Skoropádski, instalado pelo exército alemão na Ucrânia, em Março de 1918. Afirmou ter participado nas campanhas de ajuda humanitária durante a fome na Rússia de 1921-1922, o que explica a sua familiaridade com o material fotográfico dessa época. Durante anos, Ammende foi o secretário-geral do denominado «Congresso Europeu das Nacionalidades», próximo do Partido Nazi, que reunia emigrados da União Soviética. No final de 1933, Ammende torna-se secretário honorário do «Comité de Ajuda às regiões atingidas pela fome na Rússia», dirigido pelo cardeal pró-fascista Innitzer, em Viena. Ammende esteve portanto estreitamente ligado a toda a campanha anti-soviética dos nazis.
Quando Reagan lançou a sua cruzada anticomunista no começo dos anos 80, o professor James E. Mace, da Universidade de Harvard, julgou oportuno reeditar e prefaciar o livro de Ammende sob o título Human Life in Rússia. Estávamos no ano de 1984. Desta forma, todas as falsificações nazis, os falsos documentos fotográficos e a pseudo-reportagem de Walker na Ucrânia obtiveram a respeitabilidade académica associada ao nome de Harvard.
No ano anterior, emigrados de extrema-direita ucranianos haviam publicado, nos Estados Unidos, The Great Famine in Ukraine: The Unknow Holocaust. Douglas Tottle pôde verificar que todas as fotografias deste livro datam dos anos 1921-1922. Por exemplo, a foto da capa pertence ao doutor F. Nansen, do Comité Internacional de Ajuda à Rússia, e foi publicada em Information n.º 22, Génova, 30 de Abril de 1922, pág. 66.
O revisionismo dos neonazis «revê» a história para justificar, antes de tudo, os crimes bárbaros do fascismo contra a União Soviética. Os neonazis negam também os crimes cometidos pelos hitlerianos contra os judeus. Negam a existência dos campos de extermínio onde pereceram milhões de judeus. E inventam «holocaustos» pretensamente cometidos pelos comunistas e pelo camarada Stáline. Com esta mentira, fabricam uma justificação das matanças bestiais que os nazis cometeram na União Soviética. E para este revisionismo ao serviço da luta anticomunista, receberam o pleno apoio de Reagan, Bush, Thatcher e companhia.
Um livro com a chancela de MacCarthy
Milhares de nazis ucranianos conseguiram entrar nos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. Durante o período MacCarthy, testemunharam na qualidade de vítimas da «barbárie comunista». Relançaram a fábula da fome-genocídio num livro em dois volumes, Black Deeds of the Kremlin, publicados em 1953 e 1955, sob edição da «Associação Ucraniana das Vítimas do Terror Comunista Russo» e da «Organização Democrática dos Ucranianos Perseguidos sob o Regime Soviético». Neste livro, caro a Robert Conquest que o cita abundantemente, encontramos a glorificação de Petliúra6, responsável pelo massacre de várias dezenas de milhares de
6 Símone Vassílievitch Petliúra (1879-1926), militar e político ucraniano, ocupa a chefia do país em Fevereiro de 1919 e resiste ao avanço do Exército Vermelho. Depois da derrota dos seus exércitos, em 1920, foge para a Polónia e acaba assassinado em Paris por um judeu ucraniano, que vingou a morte de 15 familiares, incluindo os pais, chacinados durante os pogroms de Petliúra (NT).
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judeus entre 1918-1920, e uma homenagem a Chukhévitch7, o comandante nazi do batalhão Rossignol e do Exército Insurreccional Ucraniano.
Black Deeds of the Kremlin contém também uma série de fotos da fome-genocídio de 1932-33. Todas falsas. Deliberadamente falsas. Uma imagem, intitulada «Pequeno canibal», provém do Information n.º 22, do Comité Internacional de Ajuda à Rússia, publicado em 1922, onde a foto tem como legenda «Canibal de Zaporóje: ele comeu a irmã». Na página 155, Black Deeds inclui uma foto de quatro soldados e um oficial que acabam de executar homens. Título: «A execução dos kulaques». Detalhe: os soldados vestem o uniforme tsarista! E assim nos mostram execuções tsaristas como prova dos «crimes de Stáline.»8.
Um dos autores do volume I é Alexandre Hay-Holowko, que foi ministro da Propaganda no governo da Organização dos Nacionalistas Ucranianos de Bandera9. Durante a sua breve existência, este governo matou vários milhares de judeus, polacos e bolcheviques em Lvov.
Entre as pessoas citadas como «apoiantes» deste livro está Bilotserkiwsky, aliás Anton Chpak, um antigo oficial da polícia nazi em Bila Tserkva, onde, segundo o testemunho do escrivão Skrybnyak, dirigiu o extermínio de dois mil civis10.
Entre 1 e 15 milhões de mortos
Em Janeiro de 1964, o professor Dana Dalrymple publicou o artigo «A fome soviética de 1932-34», no Soviet Studies, onde alega que houve 5,5 milhões de mortos, a média de 20 estimativas de diversos autores.
Uma questão coloca-se de imediato: em que fontes se baseiam as «estimativas» do professor?
A primeira fonte é Thomas Walker, o homem da falsa viagem à Ucrânia, o qual, segundo Dalrymple, «falava provavelmente o russo»! A segunda fonte: Nicholas Prychodko, um emigrado de extrema-direita, que foi ministro da Cultura e da Educação da Ucrânia durante a ocupação nazi! Cita o número de sete milhões de mortos.
Em seguida vem Otto Schiller, funcionário nazi, encarregado da reorganização da agricultura na Ucrânia, sob a ocupação dos hitlerianos. Dalrymple cita o seu texto publicado em Berlim, em 1943, onde estabelece o número de mortos em 7,5 milhões.
7 Románe Ióssifovitch Chukhévitch (1907-1950), contra-revolucionário ucraniano e colaborador nazi. Foi morto em 1950, no seu esconderijo perto de Lvov, quando tentava escapar ao cerco montado pelos órgãos de segurança soviéticos (NT).
8 Tottle, op. cit., pp. 38-44.
9 Stepan Andréievitch Bandera (1909-1959) contra-revolucionário ucraniano, líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos entre os anos 30 e 50 (NT).
10 Tottle, op. cit., p. 41.
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A quarta fonte é Ewald Ammende, o nazi que esteve pela última vez na Rússia em 1922. Em duas cartas publicadas em Julho e Agosto de 1934, no The New York Times, Ammende fala de 7,5 milhões de mortos e afirma que, em Julho, as pessoas morriam nas ruas de Kíev. Alguns dias mais tarde, o correspondente deste jornal nova-iorquino, Harold Denny, desmentiu as informações de Ammende.
«O vosso correspondente esteve em Kíev durante vários dias em Julho último, no momento em que supostamente as pessoas morriam, mas nem na cidade nem nos campos em redor havia fome.» Algumas semanas mais tarde Harold Denny regressou ao tema: «Em nenhuma parte reinava a fome. Em nenhuma parte havia o receio de fome. Havia comida, inclusive pão, nos mercados locais. Os camponeses sorriam e eram generosos com os alimentos.»11.
Segue-se Frederick Birchall, que refere mais de quatro milhões de mortos num artigo de 1933. Nessa altura, Birchall foi um dos primeiros jornalistas americanos em Berlim a exprimir a sua simpatia pelo regime hitleriano.
William H. Chamberlain é a sexta e a sétima fonte e Eugene Lyons a oitava. Chamberlain começa por falar em quatro milhões, mas mais à frente cita os 7,5 milhões de mortos determinados «segundo estimativas de residentes estrangeiros na Ucrânia», simplesmente. Os cinco milhões de mortos de Lyons são também fruto de boatos e rumores, «estimativas de estrangeiros e de russos em Moscovo»! Chamberlain e Lyons eram dois anticomunistas profissionais. Tornaram-se membros do comité de direcção do «Comité Americano para a Libertação do Bolchevismo», que era financiado em 90 por cento pela CIA. Este comité dirigia a Radio Liberty.
O número mais elevado, dez milhões, foi fornecido sem explicações por Richard Sallet na imprensa pró-nazi de Hearst. Em 1932, a população propriamente ucraniana era de 25 milhões de habitantes...12.
Entre as 20 fontes do trabalho «académico» do senhor Dalrymple, três tinham origem na imprensa pró-nazi e cinco em publicações de direita dos anos McCarthy (1949-1953). Dalrymple utiliza dois autores fascistas alemães, um antigo colaboracionista nazi ucraniano, um emigrado russo de direita, dois agentes da CIA e um jornalista simpatizante de Hitler. Um grande número de dados foi fornecido por vagos «residentes estrangeiros na União Soviética» não identificados.
As duas estimativas mais baixas datadas de 1933 vêm de jornalistas americanos colocados em Moscovo e conhecidos pelo seu rigor profissional, Ralph Barnes, do New York Herald Tribune, e Walter Duranty, do New York Times. O primeiro fala de um milhão, o segundo de dois milhões de mortos pela fome.
Dois professores em socorro dos nazis ucranianos
Para apoiar a sua nova cruzada anticomunista e justificar a corrida louca aos armamentos, Reagan estimulou uma grande campanha sobre o «50.º Aniversário da
11 Ibidem, p. 50.
12 Ibidem, p. 51.
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Fome-Genocídio na Ucrânia» em 1983. Era preciso provas de que o comunismo é o genocídio para tornar sensível a ameaça terrível que pesava sobre o Ocidente. Essas provas serão fornecidas pelos nazis e seus colaboradores. Dois professores norte-americanos deram-lhes cobertura com a sua autoridade académica: James E. Mace, de Harvard, co-autor de Famine in the Soviet Ukraine, e Walter Dushnyck, que escreveu Há 50 anos: O Holocausto pela Fome na Ucrânia. Terror e Miséria como Instrumento do Imperialismo Russo Soviético, prefaciado por Dana Dalrymple.
A obra de Mace inclui 44 fotografias «da fome-genocídio de 1932-1933». Vinte e quatro são extraídas de duas obras nazis escritas por Laubenheimer. Esse último atribui a maior parte das imagens a Ditloff e começa a exposição com uma citação do Mein Kampf: «Se o judeu, graças à sua religião marxista, conseguir vencer os outros povos deste mundo, a sua coroa será a coroa funerária da humanidade e o planeta evoluirá no universo, como há milhões de anos, sem seres humanos.» Todas as fotos de Laubenheimer-Ditloff são falsificações provenientes da I Guerra Mundial e da fome de 1921-1922!13. O segundo professor, Dushnyck, foi identificado como quadro da Organização Nacionalista Ucraniana, de obediência fascista, activo desde o final dos anos 30.
Cálculo científico...
Dushnyck inventou um método «científico» para calcular as mortes da «fome-genocídio» e Mace seguiu-o nesta linha. «Se compararmos os dados do recenseamento de 1926 (...) com os do recenseamento de 17 de Janeiro de 1939 (...) e levarmos em conta o aumento médio da população antes da colectivização (2,36 por cento), podemos calcular que a Ucrânia (...) perdeu 7,5 milhões de pessoas entre os dois recenseamentos.»14.
Estes cálculos não valem absolutamente nada. A I Guerra Mundial, as guerras civis e a grande fome 1920-1922 provocaram uma redução da natalidade; ora, a nova geração atingiu os 16 anos, a idade da procriação, precisamente a partir de 1930. A estrutura da população tinha assim necessariamente de conduzir a uma queda da natalidade durante os anos 30.
O aborto livre também provocou uma redução notória da natalidade nos 30, a ponto de o governo o ter suspendido em 1936 com o objectivo de aumentar a população.
Os anos 1929-1933 caracterizaram-se por grandes e violentas lutas no campo, que foram acompanhadas por momentos de fome. Tais condições económicas e sociais provocaram uma queda das taxas de natalidade. Também o número de pessoas registadas como ucranianas se alterou devido aos casamentos interétnicos, às mudanças de nacionalidade e às migrações.
Para além disso, as fronteiras da Ucrânia não eram as mesmas em 1929 e em 1926. Os cossacos do Kuban, entre dois a três milhões de pessoas, foram recenseados como
13 Ibidem, p. 61.
14 Ibidem, pp. 70-71.
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ucranianos em 1926 e reclassificados como russos no final da década de 20. Só por si, esta nova classificação explica 25 a 40 por cento das «vítimas da fome-genocídio» calculadas por Dushnyck-Mace15.
Acrescentemos que a população da Ucrânia, segundo os números oficiais, aumentou três milhões e 339 mil pessoas entre 1926 e 1939. Compare-se este crescimento com a evolução da população judaica que foi sujeita a um real genocídio organizado pelos nazis...16.
Para testar a validade do «método Dushnyck», Douglas Tottle fez um exercício sobre a província de Saskatchewan, no Canadá, onde decorreram grandes lutas camponesas nos anos 30. A repressão foi em geral sangrenta. Tottle propôs-se «calcular» as vítimas da «repressão-genocídio» praticada pelo exército burguês canadiano na província de Saskatchewan:
População em 1931: 921 785
Crescimento em 1921-1931: 22%
Projecção da população em 1941: 1 124 578
População real em 1941: 895 992
Vítimas da repressão-genocídio: 228 586
Vítimas em percentagem de 1931: 25%
Este «método científico» aplicado ao Canadá seria qualificado por qualquer homem razoável de farsa grotesca; no entanto, aplicado à União Soviética é largamente utilizado nas publicações da direita como uma «prova» do terror «stalinista».
O uso indevido do cinema
A campanha da «fome-genocídio», lançada pelos nazis em 1933, atingiu o seu auge meio século mais tarde, em 1983, com o filme Harvest of Despair [A Colheita do Desespero], destinado ao grande público, e com o livro Harvest of Sorrow [A Colheita da Dor], de Robert Conquest (1986), dirigido à intelectualidade.
Os filmes A Colheita do Desespero, sobre o «genocídio ucraniano», e The Killing Fields [Terra Sangrenta], sobre o «genocídio» no Cambodja, foram as duas obras mais importantes, criadas pelo séquito de Reagan, para convencer as pessoas de que o comunismo era sinónimo de genocídio.
Harvest of Despair obteve a medalha de ouro no 28.° Festival Internacional do Cinema e da TV de Nova Iorque, e em 1985. Os mais importantes testemunhos sobre o «genocídio» que aparecem neste filme são apresentados por nazis alemães e seus antigos colaboradores. A primeira testemunha, Stepan Skrípnik, foi redactor-chefe do jornal nazi Volin durante a ocupação alemã. Em três semanas, com o beneplácito das autoridades hitlerianas, este homem foi promovido de leigo à posição de bispo da
15 Ibidem, p. 71.
16 Ibidem, p. 74.
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Igreja ortodoxa ucraniana e, em nome da «moral cristã», fez uma ruidosa propaganda a favor da Nova Ordem. No final da guerra, refugiou-se nos Estados Unidos.
O alemão Hans Von Herwarth é outra testemunha. Trabalhou na União Soviética no serviço que recrutava homens para o exército do general Vlássov17 entre os prisioneiros soviéticos. O seu compatriota Andor Henke, que era um diplomata nazi, figura também no filme.
Para ilustrar a «fome-genocídio» de 1932-1933, os autores utilizaram sequências de notícias filmadas anteriores a 1917, fragmentos dos filmes A Fome do Tsar, de 1922, Arsenal, de 1929, e excertos de O Cerco de Leningrado, filmado durante a II Guerra Mundial.
Atacado publicamente em 1986 por tais falsificações, Marco Carynnik, que esteve na base deste filme e foi responsável pelas pesquisas, fez a seguinte declaração pública: «Nenhum dos fragmentos filmados de arquivo data da fome ucraniana e só em muito poucos casos foi possível confirmar a autenticidade das fotografias apresentadas de 1932-33. No final do filme, a sequência dramática de uma jovem macilenta, que também tem sido usada na promoção do filme, não data da fome de 1932-33.» (…) «Fiz questão de notar que este género de inexactidões é inadmissível, mas não me quiseram ouvir», disse Carynnik numa entrevista18.
(continua)
* Ludo Martens, nascido em 1946, na Bélgica, é um autor conhecido pelos seus livros e artigos sobre política africana e sobre a União Soviética. Participante no movimento pela flamenquização da Universidade de Louvain, em 1967, adere ao movimento maoísta e funda, em 1968, a organização Alle macht aan de arbeiders, AMADA (Todo o Poder aos Trabalhadores), que dá origem, em 1979, ao Partido do Trabalho da Bélgica, do qual foi Secretário-geral até 2007.
Para além de numerosos artigos e estudos sobre o socialismo, grande parte dos quais publicados na revista Études marxistes et auteurs, Ludo Martens publicou várias obras sobre África, designadamente: Argent du PSC-CVP (1984), Pierre Mulele ou la seconde vie de Patrice Lumumba (1985), Sankara, Compaoré et la revolution burkinabé (1989), Abo: une femme du Congo (1991), Kabila et la révolution congolaise: panafricanisme ou néocolonialisme? (2002).
Na sequência da derrota do socialismo na URSS e no leste europeu, publica o livro L’URSS et la contre-revolution de velours (1991), a que se sucedeu Un autre regard sur Stáline (1994), que agora é editado pela primeira vez no nosso país. Faleceu em 5 de junho de 2011.
17 Andréi Andréievitch Vlássov, (1901- 1946), membro do Partido desde 1930. Comandante de Divisão de Atiradores, esteve na China como conselheiro militar (1938-39). Major-general (1940) é nomeado em 1941 comandante do corpo mecanizado da região militar de Kíev. Em Março de 1942 é nomeado vice-comandante da Frente de Volkhovski e logo a seguir enviado como comandante do 2.º Exército de Choque, que estava envolvido em duros combates de defesa. Sitiadas pelos alemães, uma parte das suas tropas consegue furar o cerco e juntar-se a outras unidades. Vlássov abandona os seus homens e entrega-se aos nazis com quem passa a colaborar, vindo mais tarde a criar o Exército Libertador da Rússia (DIA), a organização militar dos colaboracionistas (NT).
18 Tottle, op. cit., pp. 78-79.
21.04.2017 às 8h00