A estratégia pseudo-religiosa que serve a Bolsonaro
Alexandre Weffort 24.Oct.18 Outros autores
Desde
2015 até aos dias de hoje, foi-se observando como o fascismo se incutia
na sociedade brasileira. O Golpe de 2016, concretizado por meio do
impeachment de Dilma, teve vários protagonistas ligados a meios
religiosos e adquiriu forte expressão de massas. Hoje as seitas
evangélicas mobilizam boa parte do apoio a Bolsonaro entre as camadas
populares.
Mantemos
na memória o triste episódio protagonizado por Janaína Paschoal,
jurista contratada pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)
para a concretização do impeachment a Dilma Rousseff, que não se coibiu
de exprimir o seu destempero publicamente, com a face transfigurada pelo
ódio a Lula e ao PT, uma personagem hoje guindada à categoria de
deputada estadual, tendo conquistado um recorde de votação: mais de 2
milhões de votos! O seu desempenho mediático na praça e no Senado, nos
momentos que antecederam o impeachment, pesou certamente para ter
alcançado tal votação.
A imagem destemperada “colou” e o desempenho (mesmo quando o qualificamos de “triste episódio”) foi massivamente reproduzido nas redes sociais. O terreno foi propício para a fixação do modelo de atitude extremada, intolerante, diabolizante do “outro” (ou seja, apostando na divisão da sociedade brasileira) que marca o tom dos apoiantes de Bolsonaro.
Uma interessante tentativa de explicação dessa intolerância diabolizante surge num pequeno vídeo publicado no youtube, sob o título “A sua tia não é fascista. Ela está sendo manipulada”. O título evoca a divisão instalada na sociedade brasileira, expressa no interior das próprias famílias, divisão que tem, todavia, outras explicações possíveis (até porque a tal tia pode ser fascista, mesmo).
A intolerância está frequentemente presente nos gestos e discursos dos actores políticos de ultra-direita, que receberam expressiva votação nestas eleições, colocando o PSL (Partido Social Liberal) na posição de líder da direita no Congresso e o seu candidato quase conquistando a presidência à primeira volta nas eleições do passado dia 7. Ao mesmo tempo, será no PSL que encontraremos irmanadas figuras tão díspares como a jurista Janaína, o ex-actor pornográfico Alexandre Frota e o capitão reformado J. Bolsonaro, personagens que atuam como símbolos contraditórios (1).
O peso do fundamentalismo evangélico e da WhatsApp
Alguns elos da estratégia de Bolsonaro tornam-se visíveis, mesmo quando ofuscados pelos traços que fazem dele o campeão da antipatia política. Até mesmo a líder da ultradireita francesa, Marine Le Pen, o considera “extremamente desagradável”. Entre esses elos mais relevantes, está o movimento religioso, de obediência pentecostal e neopentecostal, elos que se estendem, a nível global, até aos EUA de Donald Trump.
As correlações encontradas entre Trump e Bolsonaro são muitas, mas interessa-nos aqui referir as que ligam aqueles dois personagens da política de direita ao movimento pentecostal. Encontramos um elo importante quando observamos a ligação entre Donald Trump e Billy Graham, influente pastor evangélico recentemente falecido, por um lado, e entre Bolsonaro e as lideranças pentecostais brasileiras (2). São estruturas que se espalham a nível mundial, dando corpo a uma espécie de partido de aspiração global que, a coberto do discurso religioso, desempenha um papel verdadeiramente político, recorrendo com eficácia às novas tecnologias da informação, embora também haja pastores evangélicos que se posicionam contra o radicalismo de Bolsonaro.
Dois detalhes ressaltam para o momento atual: a) o movimento de evangelização on-line IEC (Internet Evangelism Coalition), criado em 1999 e ligado ao movimento evangélico de Billy Graham, que visa articular a ação das estruturas evangélicas a nível internacional, à semelhança do projeto “Pastores Juntos” agora promovido por Silas Malafaia; b) os anúncios em pop-up com uma pergunta sobre religião (que aparecem frequentemente na internet) e, na sequência desses anúncios, a entrada num site (3), que pede ao visitante os dados de contato e dados pessoais que serão, consentidamente ou não, partilhados, criando a gigantesca base de dados que permite o desenvolvimento de campanhas agressivas como a de Bolsonaro, recheadas de Fake News, disseminadas por via de aplicações de comunicação como o WhatsApp. A contradição atrás referida, do símbolo que diaboliza (a mensagem fracturante da sociedade brasileira passada pela propaganda do PSL e demais apoiantes de Bolsonaro), domina o momento político no Brasil e insere-se numa lógica mais abrangente, de transformação dos processos de construção da vontade colectiva.
Ferramentas informáticas que foram concebidas para finalidades comerciais (como os algoritmos produzidos pelo Google ou o Facebook) ou para a comunicação pessoal (com o WhatsApp), ou ainda ferramentas de gestão (como o software InChurch), tornam-se instrumentos essenciais de manipulação política à escala global, num ambiente virtual onde o ódio real floresce, circunstância em que a ação política de líderes religiosos entra em flagrante contradição com as palavras que fazem o culto cristão.
Mais do que apontar um problema imediato e restrito ao processo político brasileiro, importa considerar a natureza global do processo de manipulação da consciência social, realizado com recurso a novas tecnologias e recorrendo ao condicionamento psicológico tradicionalmente praticado em ritos religiosos, no caso concreto, das igrejas pentecostais que, dessa forma, dão corpo a uma radicalização em muito semelhante à que se tem observado em outras paragens e quadrantes religiosos e associadas ao terrorismo.
*Alexandre Weffort é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura.
Notas:
(1) Contradição que resulta da junção entre o que é simbólico e o diabólico, atendendo à origem etimológica dos conceitos tomando os termos (’simbólico’ e ‘diabólico’) na sua acepção etimológica - de sun/bolé, da imagem que une, e dia/bolé, da imagem que separa (ver Moisés Lemos Martins, Crise no Castelo da Cultura – das Estrelas para os Ecrãs, Braga, 2011, Grácio Editor, p. 72).
(2) Sendo as mais importantes: a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo e a Assembleia de Deus, de José Wellington Costa ou uma vertente desta, a Vitória em Deus, de Silas Malafaia. Estas organizações, que apoiaram Dilma em 2014, migraram paulatinamente para a direita, desde o impeachment, convertendo-se a Bolsonaro.
(3) Dados pessoais que não serão protegidos, considerando o que afirma a Billy Graham Evagelistic Association: “Recolhemos as informações que nos forneces, incluindo dados de opinião ou afiliação religiosa, para te oferecer acompanhamento no âmbito deste ministério. Mantemos esses dados em servidores localizados em Portugal e nos EUA, e podemos partilhá-los com os nossos parceiros de ministério no teu país para te proporcionar acompanhamento de proximidade. Ao enviares as tuas informações, concordas com estes termos”, em https://pazcomdeus.net/mobile.
in O Diário info
A imagem destemperada “colou” e o desempenho (mesmo quando o qualificamos de “triste episódio”) foi massivamente reproduzido nas redes sociais. O terreno foi propício para a fixação do modelo de atitude extremada, intolerante, diabolizante do “outro” (ou seja, apostando na divisão da sociedade brasileira) que marca o tom dos apoiantes de Bolsonaro.
Uma interessante tentativa de explicação dessa intolerância diabolizante surge num pequeno vídeo publicado no youtube, sob o título “A sua tia não é fascista. Ela está sendo manipulada”. O título evoca a divisão instalada na sociedade brasileira, expressa no interior das próprias famílias, divisão que tem, todavia, outras explicações possíveis (até porque a tal tia pode ser fascista, mesmo).
A intolerância está frequentemente presente nos gestos e discursos dos actores políticos de ultra-direita, que receberam expressiva votação nestas eleições, colocando o PSL (Partido Social Liberal) na posição de líder da direita no Congresso e o seu candidato quase conquistando a presidência à primeira volta nas eleições do passado dia 7. Ao mesmo tempo, será no PSL que encontraremos irmanadas figuras tão díspares como a jurista Janaína, o ex-actor pornográfico Alexandre Frota e o capitão reformado J. Bolsonaro, personagens que atuam como símbolos contraditórios (1).
O peso do fundamentalismo evangélico e da WhatsApp
Alguns elos da estratégia de Bolsonaro tornam-se visíveis, mesmo quando ofuscados pelos traços que fazem dele o campeão da antipatia política. Até mesmo a líder da ultradireita francesa, Marine Le Pen, o considera “extremamente desagradável”. Entre esses elos mais relevantes, está o movimento religioso, de obediência pentecostal e neopentecostal, elos que se estendem, a nível global, até aos EUA de Donald Trump.
As correlações encontradas entre Trump e Bolsonaro são muitas, mas interessa-nos aqui referir as que ligam aqueles dois personagens da política de direita ao movimento pentecostal. Encontramos um elo importante quando observamos a ligação entre Donald Trump e Billy Graham, influente pastor evangélico recentemente falecido, por um lado, e entre Bolsonaro e as lideranças pentecostais brasileiras (2). São estruturas que se espalham a nível mundial, dando corpo a uma espécie de partido de aspiração global que, a coberto do discurso religioso, desempenha um papel verdadeiramente político, recorrendo com eficácia às novas tecnologias da informação, embora também haja pastores evangélicos que se posicionam contra o radicalismo de Bolsonaro.
Dois detalhes ressaltam para o momento atual: a) o movimento de evangelização on-line IEC (Internet Evangelism Coalition), criado em 1999 e ligado ao movimento evangélico de Billy Graham, que visa articular a ação das estruturas evangélicas a nível internacional, à semelhança do projeto “Pastores Juntos” agora promovido por Silas Malafaia; b) os anúncios em pop-up com uma pergunta sobre religião (que aparecem frequentemente na internet) e, na sequência desses anúncios, a entrada num site (3), que pede ao visitante os dados de contato e dados pessoais que serão, consentidamente ou não, partilhados, criando a gigantesca base de dados que permite o desenvolvimento de campanhas agressivas como a de Bolsonaro, recheadas de Fake News, disseminadas por via de aplicações de comunicação como o WhatsApp. A contradição atrás referida, do símbolo que diaboliza (a mensagem fracturante da sociedade brasileira passada pela propaganda do PSL e demais apoiantes de Bolsonaro), domina o momento político no Brasil e insere-se numa lógica mais abrangente, de transformação dos processos de construção da vontade colectiva.
Ferramentas informáticas que foram concebidas para finalidades comerciais (como os algoritmos produzidos pelo Google ou o Facebook) ou para a comunicação pessoal (com o WhatsApp), ou ainda ferramentas de gestão (como o software InChurch), tornam-se instrumentos essenciais de manipulação política à escala global, num ambiente virtual onde o ódio real floresce, circunstância em que a ação política de líderes religiosos entra em flagrante contradição com as palavras que fazem o culto cristão.
Mais do que apontar um problema imediato e restrito ao processo político brasileiro, importa considerar a natureza global do processo de manipulação da consciência social, realizado com recurso a novas tecnologias e recorrendo ao condicionamento psicológico tradicionalmente praticado em ritos religiosos, no caso concreto, das igrejas pentecostais que, dessa forma, dão corpo a uma radicalização em muito semelhante à que se tem observado em outras paragens e quadrantes religiosos e associadas ao terrorismo.
*Alexandre Weffort é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura.
Notas:
(1) Contradição que resulta da junção entre o que é simbólico e o diabólico, atendendo à origem etimológica dos conceitos tomando os termos (’simbólico’ e ‘diabólico’) na sua acepção etimológica - de sun/bolé, da imagem que une, e dia/bolé, da imagem que separa (ver Moisés Lemos Martins, Crise no Castelo da Cultura – das Estrelas para os Ecrãs, Braga, 2011, Grácio Editor, p. 72).
(2) Sendo as mais importantes: a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo e a Assembleia de Deus, de José Wellington Costa ou uma vertente desta, a Vitória em Deus, de Silas Malafaia. Estas organizações, que apoiaram Dilma em 2014, migraram paulatinamente para a direita, desde o impeachment, convertendo-se a Bolsonaro.
(3) Dados pessoais que não serão protegidos, considerando o que afirma a Billy Graham Evagelistic Association: “Recolhemos as informações que nos forneces, incluindo dados de opinião ou afiliação religiosa, para te oferecer acompanhamento no âmbito deste ministério. Mantemos esses dados em servidores localizados em Portugal e nos EUA, e podemos partilhá-los com os nossos parceiros de ministério no teu país para te proporcionar acompanhamento de proximidade. Ao enviares as tuas informações, concordas com estes termos”, em https://pazcomdeus.net/mobile.
in O Diário info
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