Existe fascismo no Brasil? O bolsonarismo como terror e ideologia
Por Gabriel Landi Fazzio
Nas últimas décadas, o termo
“fascista” foi utilizado de modo bastante impreciso, arremessado
indiscriminadamente contra qualquer ideia conservadora ou autoritária.
Agora, em um momento em que o termo poderia ser usado com muito mais
segurança, muitas dúvidas e confusões se tornam evidentes. O que é,
afinal, o fascismo? Existe fascismo no Brasil?
Existe fascismo no Brasil?
Para que possamos explicar amplamente o
que significa o perigo fascista, precisamos antes de mais nada ter uma
compreensão nítida do que seja esse perigo. A esse respeito,
infelizmente, muita atenção é dada às características ideológicas do fascismo (diga-se de passagem, muito bem sintetizadas pelo camarada Leandro Konder em sua “Introdução ao fascismo”).
Muitas vezes, uma pessoa qualquer que
emite uma opinião conservadora é prontamente etiquetada como fascista.
De modo exatamente oposto, existe quem afirme que Bolsonaro e seu PSL
não são organizações fascistas porque, por exemplo, seus discursos não
contém traços essenciais do nacionalismo radical fascista.
Em ambos os casos, uma importância
excessiva é dada aos componentes ideológicos do fascismo, em detrimento
de sua existência social concreta, orgânica, enquanto força política. É
nesse sentido mais preciso que uma perspectiva materialista da história
deve compreender o fascismo.
O fascismo não é todo conjunto de ideias
conservadoras em termos de costumes e identidades. O fascismo não é, nem
mesmo, todo tipo de defesa política do autoritarismo. O fascismo é uma expressão organizada da violência política de todos elementos mais reacionários da sociedade – financiados, é claro, pelos empresários mais reacionários.
Existem diversos regimes políticos
reacionários que, em tempos de crise, se utilizam da mais feroz
repressão para esmagar a resistência das massas exploradas e oprimidas
(o exemplo mais óbvio são as ditaduras militares). Mas o fascismo se
diferencia justamente porque não se trata de uma repressão baseada
puramente de uma violência estatal: o fascismo se utiliza de métodos de
guerra civil e terrorismo para aplicar sua dominação reacionária, mesmo
antes de conseguir se levantar ao poder.
Há grandes diferenças ideológicas e
históricas entre o perigo fascista em nossa época e o fascismo clássico.
O fascismo clássico teve, talvez em muitos casos, um discurso mais
marcadamente corporativista, nacionalista, secular, etc. Essas
distinções podem até mesmo justificar a utilização de termos como
“neo-fascismo”, ou “fascistização” para lidar com o fenômeno atual. O
grau ainda embrionário de organização e concentração dessas forças
reacionárias pode também explicar a utilização do termo “proto-fascismo”
– mas, infelizmente, a cada dia menos, conforme esses grupos
reacionários dispersos ganham coerência e unidade.
De todo modo, essa caracterização permite
compreender a insuficiência de termos como “populismo de direita”. Não
seria também o fascismo clássico um tipo de populismo de direita? E este
tipo não seria bastante diferente de um outro populismo de direita puramente retórico,
que não se combine a uma violência de grupos organizados? Por isso, tal
terminologia apenas lança mais confusão sobre toda a questão.
Existe uma gigantesca massa de pessoas
politicamente inativas que se agarram a ideias conservadoras que lhe
confiram algum tipo de privilégio ou “segurança” aparentes – isso em
especial entre as camadas de pequenos proprietários, mas também entre a
classe trabalhadora. Esta massa de pessoas é uma reserva moral
em potencial de apoio político ao fascismo. Mas se esse contingente de
pessoas com valores conservadores não se organiza para a luta política e
física (porque o fascista nunca separa esses dois momentos da luta
social), o fascismo não pode existir em sentido próprio. Apenas durante
as mais prolongadas crises sociais esse fenômeno pode alcançar uma
envergadura de massas, que crescentemente amplia as fileiras desses
corpos de combate e seus laços com essa sua base de massas conservadora.
Mas, no geral, é bastante comum que boa
parte dessas pessoas, conservadoras em costumes, sejam razoavelmente
liberais em política. Podem até mesmo ser profundamente autoritárias e
opressivas em seus ambientes familiares e advogar a mais firme
obediência aos costumes tradicionais; mas dificilmente darão seu apoio à
violência aberta e pública. Por isso, é um erro imperdoável não atrair
para a luta antifascista mesmo as camadas mais atrasadas do povo, que
ainda partilham de ideais conservadoras sem, contudo, darem apoio à
violência reacionária.
É preciso combater ideologicamente o conservadorismo a todo tempo. Mas para combater o fascismo
não basta esse combate ideológico. Expor amplamente a violência
fascista é nossa primeira tarefa. A partir de amplas campanhas de
denúncia é preciso, por um lado, preparar a resistência efetiva contra a violência reacionária; e, por outro lado, atrair para a luta política de massas contra o fascismo mesmo os setores mais vacilantes do povo.
Devemos explicar pacientemente a relação que existe entre o fascismo e a prolongada crise sistêmica do capitalismo,
que a cada dia conduz a novos e mais intensos choques entres as classes
sociais e potências nacionais. É preciso explicar de que modo esta
crise empurra os grandes capitalistas em direção a renovados ataques
contra a maioria assalariada e trabalhadora do povo. Em países
periféricos, como o Brasil, a burguesia, associada ao imperialismo,
mobiliza todas as suas forças para atacar os direitos trabalhistas,
sociais e previdenciários, diminuir os salários, cortar investimentos
públicos e programas sociais, aumentar a exploração, privatizar e
desnacionalizar empresas estatais estratégicas e entregar recursos
naturais. O golpe burguês de 2016, midiático e institucional, buscou
acelerar esses ataques de todas as formas.
Não é simples disseminar amplamente a
compreensão dos interesses econômicos e sociais das classes dominantes;
os grupos monopolistas, os banqueiros, os latifundiários, etc. Mas é
evidente que, sem isso, é impossível fazer ver à ampla maioria do povo
que o fascismo, a despeito de sua retórica “antissistema” de corte
popular, significa, em última análise, apenas uma forma de imposição
violenta do programa econômico comum dos grandes capitalistas em face da
crise.
Do ponto de vista do seu conteúdo,
o fascismo é um movimento reacionário que pode muito bem ser definido
como “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários do
capital financeiro”, nos termos da fórmula clássica do búlgaro Dimitrov.
Mas esse significado último do fascismo não capta sua especificidade,
que está em sua forma enquanto movimento reacionário. Nesse aspecto, o fascismo foi bem representado já nas resoluções do 4º Congresso da Internacional Comunista:
“A diferença
característica do fascismo italiano, do fascismo “clássico”, que
conquistou momentaneamente todo o país, está no fato de que os fascistas
não somente constituem organizações de combate estritamente contrarrevolucionário e armados até os dentes, mas também tratam, mediante uma demagogia social, de criar uma base entre as massas,
na classe camponesa e na pequena burguesia e até em certos setores do
proletariado, utilizando habilmente para seus objetivos
contrarrevolucionários decepções provocadas pela chamada democracia”.
Nestes termos, está em curso no Brasil um
claro processo de “fascistização” da política burguesa, de
fortalecimento dos grupos e da alternativa fascista. É preciso evitar a
todo custo que os reacionários fortaleçam suas posições na luta contra a
classe trabalhadora e as camadas oprimidas do povo – e isso significa,
em alguns casos (como já tratei em outro lugar), o apoio eleitoral aos liberais. Mas é preciso muito mais do que isso.
É preciso ter em mente que a eleição de
Bolsonaro não implicaria apenas a intensificação da violência estatal
contra as massas, mas a intensificação de todo o tipo de violência
reacionária. Todo o tipo de miliciano reacionário, clubes de tiro de
direita, bandos armados dos latifundiários e gangues urbanas (os neonazi
em sentido estrito) seriam estimulados e encorajados, erguendo-se
moralizados contra a classe trabalhadora organizada, o povo negro, as
mulheres, as LGBT, toda a massa precarizada de trabalhadores imigrantes,
assentados rurais, indígenas, etc.
Hoje, o “risco do fascismo” ainda precisa
amadurecer para poder se impôr plenamente. Ainda carece de mais
organicidade política e de tropas centralizadas (ainda que estas tropas
sejam, já no atual momento, muitos mais preparadas que as forças dos
revolucionários e mesmo da autodefesa popular em geral). A eleição de
Bolsonaro oferece as condições mais propícias para acelerar esse
amadurecimento.
O fascismo nasceu por causa da classe média em junho de 2013?
Neste tema do fascismo no Brasil, existe
um argumento recorrente nos discursos petistas que é profundamente
equivocado e problemático. É a tal teoria do “ovo da serpente” de
Marilena Chauí, Jessé de Souza, entre outros: de que as manifestações de
massas de junho de 2013 seriam as “culpadas” pela onda reacionária no
Brasil; e que estas teriam sido apenas manifestações impulsionadas pela
“classe média fascista”.
Essa interpretação é ela própria, na verdade, extremamente reacionária no sentido mais científico
da palavra, uma vez que ela avalia o presente com a régua de um passado
idealizado. Os reformistas raciocinam assim: como a explosão espontânea
das massas precipitou a crise da política de conciliação de classes
petista sem que a classe trabalhadora tivesse condição de superar essa
crise em um sentido progressivo; então seria melhor mesmo que a massa
tivesse ficado em casa, sem se mobilizar, sem pôr em risco o “Brasil feliz” regido pelo PT.
É uma interpretação reacionária porque
não enxerga a necessidade histórica da crise do reformismo, e deseja
retornar a essa “época idílica”, em que as massas pacientemente
aguardavam a lenta e gradual reforma social, e em que as classes
dominantes não buscavam obstruir o reformismo petista por todo tipo de
golpe. Em vez de avançar à esquerda com as lições de junho (e do
posterior impeachment de Dilma), lições históricas sobre a instabilidade
do reformismo; o petismo se abraça a essa reacionária “lição” sobre o
mal que a luta espontânea das massas significa, pois “provoca” a reação.
Argumentos como esses só escancaram como a
intelectualidade e as direções petistas são incapazes de compreender o
novo estágio das lutas de classes no Brasil. Com isso, contribuem cada
dia menos para orientar suas bases de maneira consequente, e cada vez
mais confundindo-as com discursos de ódio à “classe média” ou de
idealização do período petista. Não conseguem compreender a crise social
que se abriu sob os pés do reformismo de esquerda, qual a relação desta
crise com o fascismo e quais as possibilidades históricas abertas.
Mas não deveria ser novidade para essa
intelectualidade de esquerda o fato de que toda explosão espontânea de
insatisfação popular traz à tona elementos contraditórios, tanto
reacionários quanto progressivos. Comentando a Revolução Russa de 1905, Lenin já dizia que esta:
“Consistiu em uma série
de lutas, onde todas as classes descontentes, grupos e elementos da
população participaram. Entre esses, estavam as massas que possuíam os
preconceitos mais grosseiros, com os objetivos mais vagos e fantasiosos
de luta, havia pequenos grupos que aceitaram dinheiro japonês, havia
especuladores e aventureiros; etc. […] A revolução socialista na Europa
não pode ser outra coisa senão uma explosão de uma luta de massas por
parte de todos os diversos elementos descontentes e oprimidos.
Inevitavelmente, segmentos da pequena-burguesia e dos trabalhadores
atrasados irão participar nela — sem tal participação, a luta de massas é
impossível, e sem ela, a revolução é impossível — e quase que
inevitavelmente eles trarão para o movimento seus preconceitos, suas fantasias reacionárias,
suas fraquezas e seus erros. Mas objetivamente, eles irão atacar o
capital, e a vanguarda consciente da revolução, o destacamento avançado
do proletariado, expressando essa verdade objetiva de uma luta de massas variada e discordante, heterogênea e exteriormente fragmentada, será capaz de unir e dirigi-la,
tomar o poder, expropriar os bancos, e os trustes que todos odeiam
(ainda que por diferentes motivos!), e introduzir outras medidas
ditatoriais que em sua totalidade equivalerão à derrubada da burguesia e
a vitória do socialismo, que, no entanto, de nenhuma maneira, imediatamente se ‘expurgará’ da escória pequeno-burguesa.”
Ao raciocinar de modo semelhante, o camarada Antonio Gramsci
destaca a responsabilidade das forças politicamente organizadas da
classe trabalhadora em apontar direções para os movimentos que emergem
espontaneamente. Alerta para a grave consequência da negligência a essa
responsabilidade histórica:
“Descuidar – e mais
ainda, depreciar – os movimentos chamados espontâneos, ou seja,
renunciar a dar-lhe uma direção consciente, a elevá-los a um plano
superior inserindo-os na política, pode amiúde ter consequências sérias e
graves. Ocorre quase sempre que um movimento espontâneo das classes
subalternas coincide com um movimento reacionário da direita da classe
dominante, e ambos por motivos concomitantes: por exemplo, uma
crise econômica determina descontentamento nas classes subalternas e
movimentos espontâneos de massas, por uma parte, e, por outra, determina
complôs dos grupos reacionários, que se aproveitam da debilitação
objetiva do governo, para intentar golpes de estado. Entre as causas
eficientes destes golpes de estado há que se incluir a renúncia dos
grupos responsáveis em dar uma direção consciente aos movimentos
espontâneos para convertê-los assim num fator político positivo.
[…] Os movimentos espontâneos dos estratos populares mais vastos
possibilitam a chegada ao poder da classe subalterna mais adiantada pela
debilitação objetiva do Estado. Este é um exemplo progressivo, porém no
mundo moderno são mais frequentes os exemplos regressivos.”
Não deveria ser difícil, portanto, chegar à conclusão de Walter Benjamin:
de que “cada ressurgimento do fascismo dá testemunho de uma revolução
fracassada”. Ou seja, cada crescimento do fascismo seria o resultado do
fracasso da esquerda e, simultaneamente, prova de que subsiste um
potencial revolucionário; uma insatisfação radical sob a crise; um
conflito violento entre as classes sociais que a esquerda é incapaz de
mobilizar em um sentido revolucionário, permitindo assim que parcelas
significativas da massa sejam manobradas pelo movimento reacionário das
classes dominantes.
Junho de 2013 trouxe à tona inúmeros
elementos até então inertes na luta social – por isso o inevitável mote
do “gigante que acordou”. Fez emergir os elementos que hoje se alinham
sob Bolsonaro, que já ali atuaram (ainda em pequena escala) com
truculência e puderam se desenvolver sob o signo do posterior movimento
“Vem Pra Rua” e Cia. Ltda.
Por outro lado, pôs em movimento toda uma nova geração de combatentes das fileiras proletárias e populares, cuja organização ainda carece de amadurecimento, mas que se expressa em todas as lutas de massas desde então: nas greves que aumentam ano após ano, no ascenso do movimento de luta por moradia, nas ocupações escolares e universitárias, nos movimentos de massa de mulheres, nas lutas indígenas, etc.
Por outro lado, pôs em movimento toda uma nova geração de combatentes das fileiras proletárias e populares, cuja organização ainda carece de amadurecimento, mas que se expressa em todas as lutas de massas desde então: nas greves que aumentam ano após ano, no ascenso do movimento de luta por moradia, nas ocupações escolares e universitárias, nos movimentos de massa de mulheres, nas lutas indígenas, etc.
A explicação para o fortalecimento muito
maior do fascismo em detrimento do movimento das organizações de massas
não se explica apenas pela existência de uma explosão de massas
como junho de 2013: pelo contrário, a explicação é precisamente a
dificuldade dos pequenos partidos revolucionários em chegarem a essas
massas; e a renúncia consciente dos grandes partidos reformistas, que se
recusam a avançar na direção em que essas massas radicalizadas exigem,
rompendo seus velhos compromissos com a política burguesa.
Não espanta, portanto, que toda a agitação midiática contra a “corrupção” (essa norma
do capitalismo) tenha se enraizado nas massas dia após dia e as atire
nos braços do fascismo. Isso ao mesmo tempo em que o petismo patina
vacila, sem romper seus velhos acordos com toda a escória golpista e
corrupta da política burguesa. De modo semelhante ocorria, segundo a
comunista alemã Clara Zetkin,
em 1923: “o fascismo se tornou uma espécie de refúgio para os
politicamente sem abrigo”, para todas as camadas sociais que “ficaram
desapontados em suas esperanças” na “reforma social por vias
democráticas”.
“Eles podem agora ver
que os líderes reformistas estão em acordo benevolente com a burguesia, e
o pior de tudo é que essas massas perderam a fé não apenas nos líderes
reformistas, mas no socialismo como um todo. Essas massas de
simpatizantes socialistas decepcionados são acompanhadas por grandes
círculos do proletariado, de trabalhadores que desistiram de sua fé não
apenas no socialismo, mas também em sua própria classe.”
Aspectos ideológicos do fascismo que amadurece em torno de Bolsonaro
Das entranhas da crise econômica e
social, fruto combinado da repulsa popular ao sistema político
desacreditado e das necessidades do grande capital; fortaleceu-se uma
alternativa radicalizada de extrema direita: o bolsonarismo. Se
aproveitando dos preconceitos mais difundidos entre o povo, essa força
política busca organizar sob as bandeiras do grande capital as massas de
pequenos proprietários e trabalhadores.
Quais são os principais traços desse proto-fascismo brasileiro?
Em primeiro lugar, o núcleo duro do
movimento em torno do capitão dos empresários consiste precisamente nos
bandos mais reacionários e violentos, além do apoio de parcela
significativa do generalato. Bolsonaro unifica os grupelhos neonazistas
aos bandos armados empregados pelos ruralistas, clubes de tiro
reacionários e toda tipo de milícia e grupo de extermínio; todos sob a
bandeira de um partido político, o PSL (que, num reviravolta, se tornou o
segundo maior da Câmara. Contra o risco de um impeachment, Bolsonaro
escolheu sua arma sabiamente: um vice-presidente general.
Em segundo lugar, se Bolsonaro não
dispõe, como dispunham os fascistas do século passado, de grandes
sindicatos fascistas que permitam a ligação ideológica dos seus “corpos
de combate” às massas; por outro lado ele dispõe ao menos do apoio de
inúmeras organizações religiosas, que legitimam ideologicamente seu
discurso “tradicionalista” de apoio à violência reacionária. Ninguém
duvida do papel exercido pelos pastores charlatães
na arregimentação dos votos do PSL. Vale lembrar, além disso, um ensaio
muito mais ousado da Igreja Universal nesta direção: as suas tropas de “Gladiadores do Altar” de natureza ambígua.
Marchando em meio a este carnaval da barbárie, a família real deposta empresta a Bolsonaro direto das fileiras monarquistas um príncipe deputado; e o integralismo empresta, muito mais importante, sua palavra de ordem: “Deus, Pátria e Família”.
No lugar da demagogia nacional-social
corporativista, Bolsonaro mescla charlatanismo religioso conservador e
uma retórica anticorrupção que, na verdade, serve apenas como veículo da
popularização de uma agenda economicamente liberal ao extremo. Esse
elemento é um dos argumentos recorrentes para refutar o caráter fascista
de Bolsonaro: o fascismo seria estatista, enquanto Bolsonaro é um
ultra-liberal.
Esse argumento está duplamente
equivocado. Primeiramente, se é verdade que o fascismo clássico atendeu,
no essencial, aos interesses específicos do capital financeiro
monopolista por meio de uma política estatista; isso não significa que a
mesma política estatista corresponderia aos interesses gerais do
imperialismo, ou mesmo dos capitais monopolistas que atuam sobre o
Brasil, em nossa época. Muito ao contrário, em nossos dias, diante da
crise sistêmica do capitalismo, a palavra de ordem desses grupos é
precisamente o anti-estatismo, sob o qual se justifica o saque aos
fundos públicos (por meio das políticas de austeridade que salvaguardam
as prestações aos credores dívidas públicas) e a acumulação mediante a
expropriação de direitos e bens públicos.
Mas, ainda que essa hipótese não fosse
pertinente, mesmo assim o “anti-estatismo” de Bolsonaro não deveria ser
levado a sério demais. Não só porque se trata desse incrível liberalismo
econômico conjugado a um clamor por maior policiamento, mais penas,
mais represão de Estado. Também porque, como lembra Mauro Iasi:
“Programaticamente
aponta para o que tem se chamado de ‘ultraliberalismo’, mas que,
parodiando Lênin, poderíamos chamar de ‘ultrabobagens’ que nem mesmo os
mais neoliberais com ainda alguma capacidade de intelecção acreditam ser
viáveis. Isto é, coisas como realizar a total privatização dos
serviços oferecidos pelo Estado, implementar uma simplificação grosseira
do imposto de renda com porcentagens iguais diante de uma realidade de
profunda desigualdade de rendimentos e rendas da população, levar a cabo
o desmonte das universidades federais do ensino público gratuito, dotar
o famigerado movimento “escola sem partido” de retaguarda legal para
operar uma cruzada de perseguições políticas e obscurantismo no sistema
educacional, eliminar todos aos “ativismos” (sabemos o que isso
significa) e acabar com o 13 salário e do adicional de férias, entre
outras sandices. […]
[Mas] a história nos
ensina que os verdadeiros planos aparecem depois da solução de força.
[…] Podemos ver esse processo mesmo nos clássicos casos do nazi-fascismo
europeu, quando a retórica nacionalista e a crítica ao grande capital
se transformou na aliança prática do capital financeiro e monopolista
com o nazismo e o fascismo. […]
A extrema direita é um
instrumento do grande capital que lança mão da barbárie para salvar sua
civilização diante do risco da democracia. Seu método, como já
discutíamos em outra oportunidade, é a estigmatização do inimigo, a
manipulação dos valores da Nação, da família, da moral, do perigo
comunista, deslocando a responsabilidade pela crise e seus efeitos para
os ombros de seus adversários. Por isso, não nos espanta que a mentira
seja a principal arma política daqueles que defendem os interesses de
uma minoria e precisam do apoio das massas para suas aventuras. Não foi o
Facebook nem o WhatsApp que criou o fenômeno. Ainda que esses
dispositivos sejam veículos eficientes da mentira e das falsificações, a
‘propaganda’ é reconhecidamente um instrumento do fascismo, pois a
verdade os destrói como a luz aos vampiros.”
Como combater o fascismo?
A história da luta antifascista apresenta diversos exemplos, antigos e recentes, de como enfrentar
o fascismo. Por isso, para a militância revolucionária, a palavra de
ordem que melhor resume nossa tarefa permanente, uma tarefa que se faz a
cada dia mais urgente, é “Organizar, estudar, agitar”.
Só estreitando cada vez mais os laços
práticos e cotidianos entre todas as forças populares antifascistas será
possível organizar uma defensiva e um combate coletivo a essa ameaça
crescente.
É preciso estudar e difundir a
experiência histórica de luta das camadas oprimidas. Enquanto
desenvolvemos nossa agitação alertando o povo contra a ameaça que
representa a eleição de Bolsonaro, nos preparemos para combater o
fascismo para além das eleições – já que, mesmo se derrotado nas urnas presidenciais, o fascismo seguirá atuando e atacando, em maior ou menor grau.
A ofensiva das forças reacionárias
marcará a próxima década da luta política no Brasil. É preciso firmeza e
disposição para não apenas ceder diante de sua violência, e mobilizar
contra esse terror reacionário a ampla maioria do povo explorado e
oprimido.
Quando a crise se torna incontornável, a
esquerda deve ser capaz de ir à raiz dos problemas a serem solucionados –
em outras palavras, ser revolucionária. É preciso paciência e
serenidade para lutar não só nos próximos dias, sob a bandeira do
desespero, mas pelos próximos anos, sob a bandeira da esperança.
Nenhuma reação é tão forte que não possa
ser vencida pela luta de massas da classe trabalhadora e das parcelas
oprimidas do povo.
in LavraPalavra blogspot.com
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