Polarização, justicialismo e desprezo pelas instituições. Os nossos populistas
Se
não nos ficarmos pelo automatismo que apelida chama populista à
popularidade de quem nos desagrada, podemos atribuir a essa catalogação
política tão em voga e tão pouco rigorosa três características: a
dicotomia entre povo e elite (por vezes há um terceiro elemento, como os
imigrantes), a utilização dos casos de corrupção ou sinais exteriores
de privilégio do poder político como síntese da decadência moral do
regime e o desprezo pelas instituições que o compõem. Muito mais do que o
BE ou o CDS, quem encaixa neste padrão é uma direita que saltou da
academia, dos jornais e dos blogues para o poder, às cavalitas de Passos
Coelho e da intervenção da troika. E que hoje organiza o cerco a Rio e a
Marcelo, vistos como resquícios de uma velha direita complacente.
Quais
são os três grandes temas dos representantes desta direita nos media?
Uma polarização entre “nós”, a classe média e os empreendedores, e
“eles”, a oligarquia instalada e, como terceiro elemento, os parasitas
que se alimentam dos nossos impostos; a associação permanente dos
adversários políticos à corrupção; e o retrato de todas as instituições
do Estado que não tenham funções repressivas como incompetentes e
inúteis.
Um dos últimos artigos de Rui Ramos no
“Observador” (jornal financiado pela fina flor da nossa elite
económica) confirma o primeiro traço do populismo nacional. Nele,
assume-se que a geringonça foi gerada pelos “oligarcas” como nova forma
de poder depois do ajustamento financeiro, que os abalou. Diz o autor
que na rede que engendraram, ainda protagonizada pelos amigos e famílias
que estiveram com Sócrates, há lugar para o PCP, “com os seus
sindicatos de funcionários”, o BE, “com a sua universidade e o seu
jornalismo”, e Rui Rio. Quase todo o sistema partidário e institucional,
tirando a Justiça e os principais homens de negócios do país, claro. E
foi essa rede que liquidou Joana Marques Vidal, comprando o silêncio dos
portugueses com “mais uns euros de ordenado ou pensão, de preferência à
custa dos impostos do vizinho”. As teses conspirativas de Rui Ramos
resumem bem um Tea Party à portuguesa.
Se
Ramos protagoniza o discurso polarizador típico dos populistas, João
Miguel Tavares dedica-se à obsessão quase monotemática pela corrupção.
Qualquer pessoa que defenda garantias de arguidos é amiga da bandidagem,
qualquer militante do PS é eticamente suspeito. Não preciso de fazer a
ligação a nenhum texto, podem escolher quase ao calhas.
A
nossa direita populista vê as instituições democráticas do Estado como
um empecilho ao mercado totalmente livre, é revolucionária nos seus
objetivos, antidemocrática na sua natureza e demagógica na sua retórica.
Como todos os populistas, alimenta-se de meias-verdades e
ressentimentos
A carta aberta de Passos Coelho a Joana Marques Vidal completa
a tríade “populista” (polarização, justicialismo e desprezo pelas
instituições) que afastam esta direita dos conservadores tradicionais.
Nela, Passos insinua que o Governo e a Presidência conspiraram contra a
Justiça em defesa de criminosos, não se preocupando com a inaudita
gravidade desta acusação e pondo, sem qualquer temor, as instituições
democráticas ao serviço de corruptos.
Muitas
vezes atribuímos à histeria ou ao desespero a retórica cada vez mais
agressiva desta direita. Eu acho que ela resulta do seu carácter
revolucionário. Helena Matos explica:
“No passado os militares resolviam o assunto (...) Na democracia
portuguesa as falências têm cumprido esse papel. E agora como vai ser?
Esperamos que um novo pedido de resgate resolva o assunto?” Para Helena
Matos e Rui Ramos, os resgates não são apenas financeiros. São morais,
políticos e criminais. São purificadores e regeneradores.
Rui
Ramos, com as suas dicotomias simplificadoras entre os “oligarcas” e as
suas vítimas, João Miguel Tavares, com a sua cruzada para a
criminalização do PS, Passos Coelho, com a sua suspeita moral sobre toda
a cúpula da democracia, e Helena Matos, com a sua fé purificadora nas
intervenções externas, constroem um retrato completo desta direita
populista. Ela vê as instituições democráticas do Estado como um
empecilho ao mercado totalmente livre, é revolucionária nos seus
objetivos, antidemocrática na sua natureza e demagógica na sua retórica.
Como todos os populistas, alimenta-se de meias-verdades e
ressentimentos. Mas não é a nossa liberdade que os ocupa. É a destruição
dos limites que subsistem ao poder dos que verdadeiramente mandam.
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