A luta de classes nos EUA segundo o “New York Times”
A grande crise de 2008 significou um
ponto de viragem no desenvolvimento mundial do capitalismo. O
desenvolvimento relativamente pacífico, que remontava os anos 90 (queda
da União Soviética e o auge da ofensiva econômica e ideológica
neoliberal) deu lugar a um contexto de choques cada vez maiores entre as
classes sociais e as próprias burguesias imperialistas. É evidente que
cada país tem adentrado este novo estágio da luta de classes em ritmos e
de formas distintas. E, no geral, os países dependentes são aqueles em
que essas mudanças se verificam de maneira mais nítida e catastrófica,
no atual estágio.
Ainda assim, não deixa de ser animador observar
o desenvolvimento pelo qual tem passado a classe trabalhadora dos
“Estados Unidos da América” do Norte, desde 2008. O acirramento da luta
de classes nos EUA confirma os prognósticos críticos ao Ocuppy Wall
Street: prognósticos que souberam ler naquele movimento o início de uma
guinada da política estadunidense para além da política de cúpula,
tendente à crescente participação e luta de massas, mas um protesto
ainda encoberto de muitas ilusões e sem distinções nítidas dos
interesses das diversas classes envolvidas.
Desde então, contudo, vislumbramos o aumento do número de greves, principalmente das categorias com as piores remunerações, e o nascimento de um movimento de massas de combate ao racismo
nos EUA. Nas eleições passadas, despontaram no cenário eleitoral o
pré-candidato socialista-democrático Bernie Sanders e o
reacionário-populista Donald Trump, oferecendo mais um indício da
crescente polarização ideológica na base da sociedade anglo-americana.
A vitória de Donald Trump teve como
efeito, em meio à onda de oposição popular mais ou menos
liberal-democrática, oferecer um fôlego ao movimento socialista
estadunidense, que há muitos anos não aparecia com tamanho vigor e expressividade.
Por ocasião do “Dia do Trabalho” de 2018
(que, nos EUA, é um feriado nacional não no 1º de Maio, mas na primeira
segunda-feira de setembro!), o New York Times publicou dois artigos
bastante interessantes, que permitem ter uma boa compreensão do atual
estágio das lutas de classes nos EUA. Steven Greenhouse, “repórter
trabalhista” dos NYT por 19 anos, oferece em seu artigo uma boa amostra dos efeitos concretos do governo Trump para a classe trabalhadora:
“Donald Trump se
promove como sendo um amigo dos trabalhadores ‘esquecidos’, mas de
inúmeras formas seu governo têm minado aqueles quem têm sido
tradicionalmente os maiores defensores dos trabalhadores: os sindicatos.
Recentemente, ele se
valeu de sua autoridade como presidente para enviar uma mensagem dura de
‘Dia do Trabalho’ para 2,1 milhões de pessoas que trabalham para ele,
cancelando aumentos salariais para os funcionários civis do governo
federal. Em maio, ele emitiu três ordens executivas a fim de enfraquecer
os sindicatos dos funcionários federais, limitando, entre outras
coisas, os assuntos sobre os quais eles poderiam negociar. (Em 25 de
agosto, um juiz determinou que essa medida violava a lei federal.) Em
março de 2017, Trump assinou uma lei que revogava a ordem executiva do
presidente Obama, que procurava impedir o governo federal de conceder
contratos públicos a empresas que violem leis de proteção do direito dos
trabalhadores de sindicalizar, bem como as leis de salário e segurança
do trabalho.
Desde que assumiu o
cargo, Trump instalou uma maioria conservadora no ‘National Labor
Relations Board’ [Conselho Nacional de Relações Laborais], que agiu
rapidamente para dificultar a organização de sindicatos. Em dezembro
passado, o conselho anulou uma regra, apreciada pelos sindicatos, que
facilitava a organização de contingentes menores de trabalhadores em
grandes fábricas e lojas. Em outra decisão do conselho, tornou-se mais
difícil a sindicalização dos trabalhadores de restaurantes de fast-food e
de outras operações de franquias, embora essa decisão estabelecendo um
‘empregador conjunto’ tenha sido anulada mais tarde, quando um membro do
conselho se declarou impedido devido a um conflito de interesses. O
conselho também está tentando retardar ainda mais o já demorado processo
eleitoral para constituição de sindicatos, uma medida à qual os
sindicatos se opõem, já que daria às corporações mais tempo para
pressionar os trabalhadores a votarem contra a criação do sindicato.
O primeiro indicado de
Trump ao Supremo Tribunal, Neil Gorsuch, foi o voto decisivo em um caso
que resultou no maior golpe para os trabalhadores em 2018. Em Janus v.
AFSCME, a maioria conservadora do tribunal, com 5 votos a 4, decidiu em
junho que os empregados do governo não podem ser obrigados a pagar
quaisquer taxas associativas aos sindicatos que negociam por eles. Ao
permitir que muitos funcionários do governo se tornem ‘negociadores
livres’, espera-se que a decisão corte as receitas de muitos sindicatos
de funcionários públicos em proporção de cerca de um décimo a um terço.
Com os sindicatos do
setor privado bastante enfraquecidos pela paralisação das fábricas
[desaceleração e ‘exportação’ da atividade industrial] e pela
resistência corporativa aos sindicatos, os sindicatos dos funcionários
públicos tornaram-se a parte mais poderosa do movimento operário. Essa é
uma das razões pelas quais os bilionários e fundações anti-sindicatos
subscreveram o litígio da Janus: para criar obstáculos à parte mais
forte da classe trabalhadora. Os irmãos Koch e outros bilionários
aproveitaram Janus para financiar esforços, através de e-mails e
campanhas de porta em porta, para estimular os funcionários do governo –
professores, policiais, bombeiros, assistentes sociais e muitos outros –
a deixar seus sindicatos e parar de pagar as taxas sindicais.
[…] Os sindicatos podem
receber algum impulso graças aos esforços de Trump em aumentar a
produção [nacional] de carvão, aço e alumínio, e de seu esforço para
renegociar o Nafta e estimular a produção nacional de automóveis. A
administração Trump e muitos sindicatos esperam que esses movimentos
tragam de volta dezenas de milhares de empregos em mineração e
manufatura. Isso poderia engrossar as fileiras dos sindicatos, mas
dificilmente essa adesão aumentada superarias as perdas de arrecadação
dos sindicatos resultantes da decisão do caso Janus. Alguns
especialistas estimam que mais de um milhão de trabalhadores deixarão
seus sindicatos nos próximos anos, como resultado dessa decisão.
Mas há boas notícias
para o movimento sindical. Uma nova pesquisa da Gallup descobriu que a
aprovação pública dos sindicatos atingiu seu nível mais alto em 15 anos.
Os sindicatos obtiveram algumas conquistas significativas recentemente,
especialmente entre trabalhadores ‘de colarinho branco’: professores
adjuntos de muitas universidades constituíram sindicatos, assim como os
jornalistas do Los Angeles Times, do The Chicago Tribune, do The New
Yorker, do HuffPost e do Slate, e assistentes de ensino de pós-graduação
em Harvard, Columbia, Brandeis e outras universidades. Também houve
aumentos de sindicalização entre enfermeiros e motoristas de ônibus, bem
como trabalhadores do setor de serviços no Vale do Silício.
O movimento trabalhista
nos Estados Unidos já é muito mais fraco do que em qualquer outro
grande país industrializado. Apenas um em cada 10 trabalhadores
americanos pertence a um sindicato, abaixo do índice mais de um em cada
três nos anos 50. Mas em face de décadas de feroz resistência patronal,
agravada pela hostilidade do governo Trump, os sindicatos não estão
obtendo os ganhos de que precisam para reverter seu declínio. Se os
sindicatos americanos não se recuperarem, isso provavelmente significará
ainda mais desigualdade de renda e estagnação salarial e ainda mais
controle sobre as alavancas do poder por corporações e doadores ricos.”
Ainda que o autor trace um panorama
importante dos desafios que se impõem ao movimento operário, sob o
governo Trump, é evidente sua perspectiva puramente sindical, sem
qualquer traço de socialismo ou classismo revolucionário. O autor está
certo em ver com preocupação os ataques aos orçamentos sindicais – mas
essa tendência negativa parece atrair sua atenção mais do que a
tendência positiva que ele mesmo aponta: o aumento na mobilização
sindical das massas proletárias, e mesmo na radicalidade dessas
mobilizações. Só dessa perspectiva burocrática é possível compreender o
comentário do autor que, ao trata do possível engrossamento das fileiras
dos sindicatos, se lamenta que esse aumento não cobrirá as perdas na
arrecadação! Também o jornalista expõe toda sua confusão em matéria de
política proletária, quando define professores, assistentes
universitários e jornalistas como “trabalhadores de colarinho branco”.
Por sua vez, o artigo de Sarah Jaffe permite um panorama muito mais preciso do estado da mobilização dessas bases sindicais:
“No ano passado, o
movimento sindical americano foi dominado por duas questões. Primeiro, a
decisão do caso Janus, em que a Suprema Corte determinou que os
trabalhadores do setor público cobertos por contratos sindicais não
precisavam mais pagar os custos de sua representação. E segundo, o
movimento ‘Red for Ed’ [Vermelho pela Educação], a onda de greves de
professores, principalmente em estados conservadores com poucas
proteções sindicais.
As revoltas dos
professores, desde a Virgínia Ocidental alcançando todo o país,
produziram semanas de notícias de primeira página e, sem dúvida, estão
ajudando a alimentar as greves que já acontecem ou estão pendentes neste
outono: milhares de professores do estado de Washington estão nos
piquetes e os professores de Seattle e Los Angeles votaram a favor de
indicativos de greve.
Essa crescente
militância trabalhista têm suas raízes nos esforços lentos e duros
feitos, nos últimos anos, por camadas dos trabalhadores que são
constantemente atacadas por ambos os principais partidos políticos e até
mesmo menosprezadas por grande parte do próprio movimento sindical
organizado. Os trabalhadores estão se esforçando ao longo de semanas,
meses e anos para construir novos sindicatos, fortalecer e reivindicar
os moribundos, e até começar mesmo desbravar o muro das novas leis
contra as contribuições sindicais compulsórias, aprovadas desde 2012.
Seu trabalho significou um ligeiro aumento no número de membros de
sindicatos, e um aumento na aprovação pública dos sindicatos – sugerindo
que quanto mais os americanos vêm os sindicatos lutarem, em greve, pelo
que eles acreditam, mais queremos nos unir a eles.
No Missouri, um
movimento obteve a convocação de um plebiscito estadual sobre a lei
contra a contribuição sindical compulsória. Não só os eleitores
derrubaram a lei esmagadoramente, mas o referendo atraiu mais votos do
que os elencados nas primárias do partido, que ocorrem no mesmo dia. Os
sindicatos do Missouri e organizações trabalhistas como ‘Trabalhos com
Justiça’ lideraram a luta, mas em um estado onde apenas cerca de 9% da
força de trabalho é representada por um sindicato, a classe trabalhadora
teve que mobilizar muitos trabalhadores não-sindicalizados para
rejeitar esta lei. A coalizão dependia fortemente dos eleitores negros e
latinos, quase certamente se beneficiando das forças emergidas da
revolta de 2014 em Ferguson.
É cedo demais para
dizer se a votação no Missouri é um ponto de virada para o movimento dos
trabalhadores. Mas talvez seja hora de relembrar os protestos dos
trabalhadores em 2011, em Wisconsin, como tal. Apesar da onda de ataques
aos sindicatos públicos e privados, um estado após o outro, ter seguido
na toada da ‘bem-sucedida’ lei antissindical do governador Scott Walker
[o Ato Número 10], os sindicatos de Wisconsin já começaram a mostrar
seu poder novamente. Os protestos do ‘Red for Ed’ lembraram o Capitólio
ocupado de Wisconsin, no inverno de 2011, e se o setor público de
Wisconsin tem sido o parâmetro para o movimento operário sob a vigência
do julgamento do caso Janus, há motivos para otimismo, mas também para
um indicativo do quão duro será nosso trabalho daqui em diante.
Amy Mizialko,
presidente da Associação de Professores de Milwaukee, disse que o
sindicato teve que vencer as lutas – apesar de ser legalmente impedido
de barganhar qualquer outra coisa além de aumentos de custo de vida –
organizando-se ao lado dos pais e mães, e conquistando a comunidade para
seu lado através de bandeiras como a defesa de turmas menores e até
mesmo de mais recesso para os alunos.
‘Mesmo que o Ato Número
10, tenha sido sentido e, de muitas maneiras, tenha inclusive sido um
enceramento”, disse Mizialko, “é um capítulo do livro, e há muitos
outros capítulos que vêm depois dele. Isso é o que os membros vêm
dizendo e sentindo há sete anos e meio – estamos escrevendo o capítulo
de sobrevivência, de luta ou morte, mas não estamos interessados apenas
em sobreviver. Nós queremos tudo de volta.’
Barbara Madeloni,
ex-presidente da Associação de Professores de Massachusetts, e que agora
trabalha para o ‘Labor Notes’, um projeto de mídia e organização para
ativistas sindicais, disse que a organização de professores sob regimes
legais hostis inspirou a organização em vários setores: ‘Os
trabalhadores estão mostrando uns aos outros como obter e fazer uso do
seu poder – e espero ver mais greves e lutas dos trabalhadores quando
eles ensinam uns aos outros.’
Esses trabalhadores
estão mudando a forma como os líderes sindicais pensam sobre poder
político. ‘É um verdadeiro desafio para os líderes sindicais reconhecer
que nossa força está no povo trabalhador – em nos recursamos a trabalhar
– e não nas casas legislativas e governo’, disse Madeloni.”
É um relato verdadeiramente animador. De
fato, o movimento dos trabalhadores da educação tem alcançado nos EUA
uma envergadura cada vez maior. Mas também emergiram fortes lutas, no
último período, entre os trabalhadores das redes de fast food; trabalhadores do transporte de mercadorias; trabalhadores da tecnologia da informação; taxistas assalariados; enfermeiras; além das camadas mais tradicionais do proletariado, como os operários metalúrgicos, e muitas outras frações do proletariado!
O mais notável, nesse aspecto, além dos
avanços organizativos nas lutas econômicas, é o impacto ideológico dessa
luta: no caso do Missouri, é bastante emblemático que a votação
pró-trabalhadores no plebiscito tenha superado o número de eleitores das
prévias Democratas e Republicanas. Também a disposição em ir além das
revindicações econômicas defensivas é um tremendo passo em frente – em
especial se levarmos em conta o predomínio do liberalismo sindical, do
burocratismo legalista, que segue dominante nas entidades sindicais nos
EUA (esse sindicalismo que vê um desafio gigantesco em reconhecer sua
verdadeira força na greve de massas; e que por décadas se habituou a
atuar principalmente através das negociações e conciliações com os
políticos e empresários, a despeito da mobilização de massas).
A classe trabalhadora estadunidense está
aprendendo as importantes lições de sua independência, condição
essencial para que desenvolva até o fim a sua força. “Se os liberais
dizem aos operários: ‘sois fortes quando a sociedade simpatiza
convosco’, o marxista diz aos operários uma coisa diferente: ‘a
sociedade simpatiza convosco quando sois fortes’”. Não é precisamente a
comprovação deste postulado leninista que a autora do artigo deixa escapar?
Com os duros ataques da Trump à antiga
legislação sindical, cada vez mais a classe operária é encurralada entre
a derrota e a revolta, sendo forçada a passar por cima das barreiras
legais à luta de classes, ou perecer. Talvez receando falar claramente
em uma radicalização, é isso que a autora permite escapar quando afirma
que as lutas do movimento proletário se assemelham cada vez mais às
lutas do inverno de 2011, em Wisconsin, contra o “Ato Número 10”
– medida que eliminava a possibilidade de acordos coletivos no setor
público e autorizava ao governador a declarar estado de emergência como
resposta a tais greves, inclusive autorizando expressamente o uso do
poder de fogo contra os grevistas. Naquele ano, a capital do estado,
Madison – uma cidade com pouco mais de 255 mil habitantes – foi tomada
por protestos de massas, que envolveram ao menos 100 mil pessoas em
solidariedade à greve dos professores, e culminaram na ocupação do
parlamento estadual por 17 dias, em meio a uma intensa agitação em favor de uma greve geral.
Temos bastante acordo com a Sra. Jeffe:
essa é precisamente a tendência futura das lutas proletárias nos EUA.
Quanto a isso, apenas temos motivos para otimismo: parece que finalmente
a classe trabalhadora estadunidense está despertando de sua longa
letargia política, e, ainda sem direção, buscando os caminhos de sua
emancipação. Esperamos que o movimento revolucionário socialista
encontre, mais cedo do que tarde, o seu caminho em direção à mais firme
união com o movimento das massas proletárias!
in LavraPalavra blogspot.com
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