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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O Capitalismo deu certo e o Socialismo fracassou? O que a História diz

Desde a queda da URSS o Capitalismo segue triunfante e impondo sua hegemonia, mas será que isso o torna algo bom e o socialismo algo que deve ser esquecido? A História tem a resposta.


“A causa a que devotei boa parte da minha vida não prosperou. Eu espero que isto me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e esta é uma pergunta muito mais relevante.” (Eric Hobsbawm)

Imagine uma comunidade ideal, numa ilha distante. Isolada do restante do mundo. Tal sociedade seria formada por 54 distritos e não haveria propriedade privada. A terra, principal fonte de riquezas, seria de uso comum. A jornada de trabalho duraria no máximo seis horas. Haveria também total liberdade de crença, de religião e todos os homens seriam iguais ao nascer. Seria um mundo ideal, sem hierarquias. Enfim, uma utopia. E foi exatamente esse o nome escolhido pelo escritor do texto no qual aparecem essas confabulações, “Utopia”, escrita em 1516. Seu autor não foi Marx, Engels ou Lênin. Mas do filósofo inglês Thomas More. More morreu em 1535, decapitado por se recusar a abandonar a fé católica. Por tal motivo, tornou-se Santo da Igreja.
Apesar das semelhanças, More não pode ser considerado um socialista. A palavra socialismo, tal qual conhecemos hoje, aparece somente em 1820. Tal doutrina é produto dos desdobramentos daquilo que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou de Dupla Revolução, ou seja, a Revolução Industrial (1750) e a Revolução Francesa (1789). Porém, há uma semelhança fundamental entre ambas. Tanto as ideias de More, quanto as socialistas, nascem do espanto ante as imperfeições da realidade. No primeiro caso, era a Inglaterra de Henrique VIII. No segundo, os desdobramentos da Revolução Industrial.
A palavra utopia quer dizer “lugar nenhum”. Utopias são, portanto, modelos ideais. Aparentemente perfeitos e, por isso, inalcançáveis para sociedades formadas por homens imperfeitos. Mas nem por isso elas podem ser descartadas. A ideia de perfeição nos permite perceber as contradições e as injustiças do mundo em que vivemos. Pensar outras realidades, outros mundos possíveis, nos obriga a caminhar, a agir, mesmo sabendo que não há uma linha de chegada.

O Mundo antes do Socialismo

A Fome, de Henri Jules Jean Geoffroy — 1886
Até 1789, o liberalismo era a ideologia dominante. Os liberais pregavam a liberdade irrestrita do indivíduo. Seus teóricos argumentavam que a busca do prazer individual seria o caminho para o bem estar geral. O problema é que, a despeito da coerência teórica, a realidade cotidiana teimava em demonstrar o contrário.
A Revolução Industrial mudou em definitivo o modo de vida das populações europeias. A máquina substituiu o trabalho manual. Quem ditava o ritmo do trabalho, doravante, seriam as indústrias. Eram elas que davam emprego à população que saía dos campos e migrava para as cidades. E esse número aumentava de forma jamais vista. Entre 1801 e 1851, a população de Birminghan cresceu de 73 mil para 250 mil. Em Liverpool, de 77 mil para 400 mil habitantes. Os efeitos desse crescimento descontrolado dos centros urbanos são bem conhecidos por nós brasileiros: miséria, violência, epidemias, poluição, entre outros.
O trabalho nas fábricas requeria pouca especialização. Poderia ser realizado por qualquer pessoa. O amplo mercado mundial, criado pelas navegações que vinham ocorrendo desde o século XVI, proporcionava uma demanda quase que infinita para os produtos manufaturados. O fluxo de ouro e prata, do novo para o velho mundo, garantia excedente de capital. Foram tais condições — 1) demanda elástica, 2) mão de obra barata, 3) grande quantidade de capital, que permitiram o surto industrial europeu.
Sem maiores preocupações com a demanda, a lógica nas primeiras décadas da modernidade era aumentar incessantemente a produção. O trabalhador era levado ao limite da exaustão física e mental. Se o trabalho era repetitivo e simples, por que não poderia ser realizado por mulheres e crianças? A mão de obra infantil e feminina foi amplamente utilizada, em jornadas diárias que chegavam a 18 horas. Três vezes mais do que a imaginada por More três séculos antes.
Aos poucos, as cidades inglesas foram sendo divididas em grupos com interesses antagônicos. Não havia direitos sociais. O Estado pouco intervia, e quando o fazia era em favor dos empresários. Um exemplo é a Lei dos Pobres que entregava às fabricas os filhos dos indigentes que passavam a trabalhar por contrato, muitas vezes sem nenhuma remuneração. O livro Oliver Twist, de Charles Dickens, retrata esse drama de forma magistral.
A negociação salarial era feita entre o funcionário e o patrão. Ora, num ambiente de miséria, de fome e de superlotação das cidades, seria fácil supor que qualquer valor seria aceito como salário. Não era uma negociação trabalhista, mas uma luta pela sobrevivência. As cidades estavam amontoadas de gente, os trabalhadores competiam entre si e poderiam ser trocados sem grandes dificuldades. Segundo Hobsbawm, havia três alternativas para o trabalhador pobre: 1) lutar para se tornarem parte do patronato, o que era quase impossível para quem não possuía o mínimo de recursos; 2) poderiam se resignar com a realidade de exploração; 3) poderiam se rebelar. Mas se rebelar em nome do quê? Um dos primeiros métodos foi a quebra das máquinas. O maior símbolo do progresso era visto também, pelo homem pobre, como a causa da sua exploração. Mas tal gesto não transformaria a sociedade. Seria preciso pensar em novas formas de organizar a produção.

O Socialismo como uma reação a uma ordem injusta

Levantando a Bandeira, de Geli Korzhev.
A Europa estava cada vez mais distante do modelo de More. Porém, é justamente quando os sonhos se afastam das expectativas palpáveis que eles se tornam utopia. O estilo vida tradicional se esvaía, as certezas sumiam. O futuro era incerto. A realidade esmagava os homens. Só restava o desejo de um futuro diferente. Mas quando? Sem perspectivas concretas, o horizonte seria preenchido por novas utopias. “Tudo o que é sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profano e os homens são finalmente obrigados a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os outros homens”, escrevia um inspirado Karl Marx no Manifesto Comunista.
A atomização do indivíduo liberal os deixava vulneráveis. O trabalhador precisava se alimentar e o empresário detinha os meios de produção. Numa “negociação livre”, o segundo ditaria as regras. A organização dos operários era uma necessidade básica. Uma estratégia de sobrevivência. Porém, não seria simples. O Estado não era um árbitro imparcial, como muitos pensavam. Em 1791, a Lei Chapelier, escrita ainda no início da Revolução Francesa, proibia as associações operárias. Argumentava-se que os sindicatos prejudicavam a livre concorrência e o funcionamento natural da economia. Sem amparo legal, as manifestações contra a precarização da vida urbana logo tomariam a forma de motins e rebeliões.
Na França, a “Conspiração dos Iguais”, liderada por Graco Babeuf, fazia a incômoda pergunta se o homem pobre era realmente um cidadão. Na Inglaterra, segundo levantamento do historiador Eric Hobsbawm, houve sublevações nos anos de 1811–1813, 1815–1817, 1819, 1826, 1829–1835, 1836–1842, 1843–1844 e 1846–1848. Muitos desses levantes eram reativos e tinham caráter espontâneo. As insatisfações eram generalizadas, porém havia poucas propostas verdadeiramente revolucionárias. O socialismo emergiu desses descontentamentos difusos. Seu objetivo era canalizar essas forças e transformá-las num projeto político genuinamente operário.
O socialismo, portanto, pode ser definido como uma resposta alternativa a um contexto social de intensa exploração e desigualdade. Mas como se organizaria a sociedade socialista? E como seria possível alcançar tal transformação? A base comum do movimento era a crítica à propriedade privada. Porém, a partir desse momento, as divergências parecem não ter fim. Como transformar a sociedade: reforma ou revolução? Tais noções não são antagônicas. As reformas, caso sejam feitas num ritmo acelerado, podem também ser revolucionárias. A modernidade havia dado dois exemplos. A Revolução Industrial fora social e econômica. Novos métodos de trabalho, de disciplina, de organização e novas tecnologias haviam suprido de forma mais eficiente as demandas existentes. Num curto espaço de tempo, a paisagem urbana dos grandes centros urbanos seria transformada de forma definitiva. O outro modelo seria o da Revolução Francesa. Protótipo de uma revolução armada, em que a população sai às ruas para derrubar um governo pela força. Qual desses métodos era mais eficaz para superar o capitalismo? Sobravam respostas, mas faltavam consensos.

Utópico, cristão, libertário ou reformista: as diversas vertentes do socialismo

Nova Harmonia, a comunidade cooperativista-comunista de Robert Owen.
O economista suíço Jean de Sismundi apresentou uma teoria rival à tese liberal sobre a concorrência capitalista. Segundo Sismundi, o livre mercado não favoreceria o interesse coletivo. Muito pelo contrário, a disputa entre capitalistas os obrigaria a baixar os salários dos operários e a aumentar o número de horas trabalhadas, para conquistar uma vantagem temporária sobre seus rivais. O resultado seria um mundo de instabilidade econômica, de guerras, de violência e de miséria. Após a crise de 1929, tais ideias ajudariam a reformar o capitalismo com o aparecimento da socialdemocracia.
Aprendemos a relacionar o socialismo ao ateísmo. Hitler, por exemplo, afirmava nos seus discursos a necessidade de se combater o “bolchevismo/ateísmo”, como se ambos fossem sinônimos. Porém, no início do movimento havia uma estreita correlação entre os princípios religiosos e as práticas socialistas. Robert Owen, um rico empresário, orientado pela ética cristã, passou a defender o socialismo. Na sua concepção, o socialismo seria simplesmente a melhoria da qualidade de vida dos operários. Seus funcionários desfrutavam de melhores condições de trabalho, os filhos deles recebiam educação e os salários eram muito acima da média. Com tais práticas, Owen colocou em questão o dogma liberal que dizia ser necessário baixar os custos de produção para obter lucros crescentes. No século XX, empresários conservadores, como Henry Ford, defenderiam ideias parecidas.
Um rico burguês, cristão, pode ser um socialista. Owen demonstrou que sim. Mas nem todos concordavam. Marx irá comparar, mais tarde, o socialismo cristão à água benta com que o padre abençoa o despeito da aristocracia. Se os operários seriam capazes de se organizar, se a intervenção de um empresário fora capaz de melhorar a vida dos trabalhadores, por que tal modelo não poderia ser ampliado? Outras correntes socialistas defendiam a necessidade de uma interferência externa para garantir o interesse coletivo. O francês Saint Simon, por exemplo, queria uma economia planificada e organizada pelo Estado. Com certeza você já ouviu essas teses em algum lugar. Pois bem, ela foi defendida pela primeira vez por um Conde, isso mesmo, um nobre Francês.
Atualmente, muitos criticam a economia planificada, a nacionalização das empresas e da terra. Dizem que seria um caminho para o totalitarismo. Pois bem, as primeiras críticas ao despotismo Estatal vieram dos próprios socialistas. A “utopia” do Charles Fourier, por exemplo, seria organizada por unidades de produção e consumo, denominados “falanstérios”. Os falanstérios seriam como “feudos comunais”. Ou seja, unidades independentes, formadas por associação voluntárias de indivíduos, em que todos viveriam em cooperação mútua. O filósofo também defendia a liberdade sexual e nos falanstérios a prática sexual era livre de interdições morais. Tais experiências serão resgatadas no século XX pelas comunidades hippies e pelos movimentos de defesa das minorias.
O filósofo anarquista/socialista francês Joseph Proudhon criou uma proposta mais refinada de uma sociedade livre da coerção do Estado. Conhecida como mutualismo, tais noções defendiam o fim da competição capitalista e sua substituição pela cooperação. As propriedades seriam coletivas e os lucros seriam repartidos de acordo com o volume de trabalho. Esta proposta se tornou a base daquilo que hoje é conhecido como “economia solidária”. Organizações sindicais do mundo inteiro, como no caso brasileiro da CUT, organizaram-se tendo o mutualismo como referência.
Mas, sem dúvida, o pensador socialista mais importante do século do XIX foi o alemão Karl Marx. Ao contrário do que muitos imaginam, a obra de Marx foi dedicada ao estudo do capitalismo, não do comunismo. Não existe um manual de como organizar uma sociedade comunista em seus escritos. Há apenas algumas indicações vagas. No “Manifesto Comunista”, por exemplo, que foi escrito para ser um panfleto político, há algumas indicações interessantes. Em um trecho, por exemplo, é dito que o operário organizado “arrancará pouco a pouco” o capital da Burguesia. Em outra parte, o Manifesto propõe algumas medidas que poderiam ser imediatas, como: confisco da propriedade dos emigrados rebeldes, a expropriação da propriedade fundiária, a nacionalização das comunicações e dos bancos, a criação de um ensino público e gratuito, a adoção do imposto progressivo e o fim do direito a herança. Muitas dessas propostas acabaram sendo adotadas, com êxitos variados. O imposto progressivo é, ou foi, aplicado por praticamente todos os países de capitalismo avançado. A Finlândia, principal referência em educação no século XXI, oferece ensino público e gratuito a toda população. O fim do direito a herança pode ser perfeitamente justificado usando o discurso liberal de meritocracia. Num mundo pautado pela livre concorrência, a riqueza individual deveria vir do esforço, não da posição familiar.

O Socialismo real

Os pensadores socialistas tinham países como França e Inglaterra como base para suas reflexões. Imaginavam que a revolução aconteceria num país industrializado. Isso tinha um motivo. Todas as nações haviam se desenvolvido por meio de intensa exploração da mão de obra. Era preciso excedentes financeiros para investir em indústrias. Para Marx, por exemplo, o socialismo nasceria de uma contradição básica do capitalismo. Se, por um lado, nesse sistema a capacidade produtiva é ampliada, por outro, o trabalhador é relegado à miséria. O socialismo seria encalçado quando o operário organizado passasse a controlar os meios de produção, que seria usado para o bem estar coletivo. Nada disso aconteceu na Rússia.
Os bolcheviques conquistaram o poder num país atrasado, em ruínas. Destruído por sucessivas guerras. Pior, a esperada “Revolução Mundial” não ocorreu. Estavam isolados e cercados por inimigos. A modernização era uma questão de sobrevivência. Mas como ela seria realizada? Nesse caso, a literatura marxista pouco poderia ajudá-los. Os bolcheviques tinham muitas suposições, mas não havia um plano de governo. Estavam lidando com problemas novos, para os quais não havia soluções claras.
Segundo o historiador Daniel Aarão Reis, após medidas emergenciais como o Comunismo de Guerra e a NEP, duas propostas para a construção do socialismo passaram a dominar os debates. A primeira, cujo o principal expoente era N. Bakharin, defendia uma aliança entre o camponês e o operário. O desenvolvimento industrial seria precedido do enriquecimento da população rural. O projeto era interessante, mas havia um problema. A URSS era um país pária num mundo em desordem. O desenvolvimento industrial era urgente, pois a qualquer momento outra guerra poderia “explodir”. Por isso, homens como Preobrazhensky afirmavam ser prioridade o investimento na indústria pesada.
Quando Stalin assumiu o controle do país, o segundo modelo seria adotado. O georgiano dizia que a Rússia estava 100 anos atrasada em relação ao ocidente. Ou os soviéticos se modernizavam em 10 anos ou desapareceriam. O desenvolvimento comunista foi, portanto, uma luta contra o relógio.
Sob o comando de Stalin, a URSS começou um novo processo de transformações. Uma revolução imposta de cima. A modernização foi realizada de improviso e de modo forçado. Foi fortalecido o órgão central, a GOSPLAN, responsável pelo planejamento econômico. Este estabelecia metas de produção a serem alcançadas de cinco em cinco anos, eram os planos quinquenais. O capital excedente viria do campo. Mas como ficaria o camponês? A agricultura seria coletivizada de modo forçado, bem diferente do modelo de associações voluntárias. Os trabalhadores também pouco opinavam, as determinações vinham da burocracia do partido.
O modelo stalinista se estruturaria da seguinte forma: 1) Estado monopartidário; 2) cultura ideológica única; 3) centralização política; 4) economia planificada; 5) mobilização do operário; e 6) coletivização da agricultura.
As unidades produtivas foram dividias em Kolkhozes (cooperativas agrícolas) e Sovkhozes (fazendas estatais). Ao contrário do que se imaginava, a revolução não acabou com o antagonismo entre as classes; muito pelo contrário, eles se intensificaram. A conformação do socialismo soviético foi uma verdadeira guerra contra os chamados Kulaks, como eram conhecidos os agricultores mais abastados. Stalin iniciou uma cruzada contra os camponeses, com resultados catastróficos. Os números são assustadores. Em retaliação, os trabalhadores do campo se recusavam a semear a terra, matavam o gado. A produção de grãos despencava enquanto a população das cidades crescia vertiginosamente. Em 1913, fora produzido 80,1 toneladas de grãos. Até a Segunda Guerra Mundial, tal marca só foi superada em duas oportunidades — em 1930 e em 1937 — no restante houve queda. Havia constantes crises de desabastecimento. O regime ia endurecendo. Stalin acusava os kulaks de estarem sabotando a revolução. Muitos deles foram presos e enviados para os gulags, campos de trabalho forçado.
Se o modelo stalinista pode ser considerado como a concretização da utopia socialista, certamente é uma utopia bem diferente daquela proposta por More. Na Utopia havia um rei, mas as cidades mandavam representantes para discutir os problemas locais. Tal medida visava impedir que houvesse uma centralização excessiva. Todo cidadão deveria trabalhar no campo e na cidade. Isso seria uma forma de cada indivíduo experimentar diferentes formas de trabalho e entender as dificuldades de cada área. Tal prática também uniria o mundo rural ao urbano. Nada poderia estar mais distante da experiência soviética.
Mas seria precipitado afirmar categoricamente o fracasso da economia planificada. Olhando para os números da indústria, os resultados foram mais positivos. Foi esse setor que impulsionou o crescimento econômico. A produção de aço, por exemplo, saltou de 4,9 milhões de toneladas em 1929 para 18,4 milhões de toneladas em 1940. Nunca houve tamanha expansão na história russa. O I Plano Quinquenal ostentou uma média de crescimento de 13,2% ao ano. O II Plano Quinquenal atingiu a impressionante marca de 16,1%. Até a década de 1950, o crescimento dos países socialistas era superior ao dos países capitalistas. A Rússia finalmente alcançaria o patamar de uma potência mundial. Houve bons resultados também na área da educação. O analfabetismo foi erradicado. Antes de 1917, metade da população não sabia ler. O nível de escolaridade obteve avanços em todas as áreas. Como podemos ver, os resultados foram contraditórios. Não é tarefa simples, avaliá-los. Na verdade, dependendo do olhar, é possível chegar a conclusões totalmente díspares. Se, por um lado, os socialistas pegaram um país destruído, atrasado, e o transformaram na segunda maior potência mundial em poucas décadas; por outro, isso foi conquistado com enormes custos humanos. Por ironia da história, a Revolução Industrial carrega essa mesma ambiguidade.
Outra questão importante. O socialismo soviético, depois dessa disparada inicial, foi perdendo fôlego e se mostrou incapaz de se reformar. O modelo era eficiente como forma de desenvolver países dependentes, atrasados. Mas quando a modernização era conquistada, ele ia perdendo fôlego. Hobsbawm usa uma interessante imagem para explicar tal fenômeno. Segundo o historiador, é como um condutor que entrasse num carro e acelerasse fundo até atingir a marca de 100 km/h, nesse momento o freio de mão é acionado e o carro vai perdendo velocidade até finalmente retornar ao repouso.
Por que isso ocorreu? O regime não conseguiu fazer a transição de uma produção extensiva, baseada no aumento da capacidade produtiva; para a intensiva, que buscava o crescimento da produtividade do trabalho. A principal causa era que desde o início os bolcheviques apelaram para o voluntarismo do operário. Havia pouco estímulo para as empresas já existentes procurarem modernizar as bases produtivas para aumentar a produção. A inovação tecnológica era limitada. A corrida armamentista também deslocava parte do excedente produzido para a fabricação de armas. Para isso, os bens de consumo eram relegados a um plano secundário. Com poucas opções de consumo, o trabalhador tinha poucos estímulos para aumentar sua renda. Criando um círculo vicioso. Se ele não produzia, não havia o que comprar. Se não havia o que comprar, não havia motivo para trabalhar. Quando, após da década de 1970, os países capitalistas sofreram um boom tecnológico com a invenção do microchip, os soviéticos não tinham mais forças para acompanhar tais transformações.

Considerações finais

Após essa rápida retomada do processo histórico, podemos chegar a algumas conclusões. Como vimos, o socialismo emerge das promessas não cumpridas da modernidade. Praticamente todos os intelectuais socialistas eram entusiastas da Revolução Industrial. Diante da diversidade de modelos, seria impossível afirmar de forma categórica se o socialismo deu certo ou não. Apenas análises descontextualizadas e simplificadoras responderiam tal questionamento de modo cabal. Nossa análise tentou mostrar que não existe o socialismo, mas socialismos. Tal tradição doutrinária é muito mais fértil se analisada como práticas que buscam reformar o capitalismo e não apenas pelo seu corpo doutrinário. Isto é: tão importante quanto entender a concepção de propriedade privada em Proudhon, seria analisar como o mutualismo poderia ser, e foi, aplicado em contexto específicos. Tão importante quanto conhecer o materialismo histórico de Marx, é pensar sobre as propostas contidas no Manifesto Comunista, como o ensino público e universal ou o imposto progressivo, e como tais ideias poderiam transformar a realidade.
O capitalismo produz crises cíclicas. Ao mesmo tempo em que o livre mercado expande a produção, ele achata a renda de grande parte da população. Portanto, buscar formas de reformar o capitalismo não é apenas uma postura ideológica, mas uma necessidade. Em 1920 isso ficou claro, e a socialdemocracia emergiu como uma tentativa de encontrar um meio termo entre doutrinas antagônicas. Deu certo. Os trinta anos mais prósperos da história da humanidade (1945/1975) foram pensados dessa forma.
Desconsiderando tais fatos, nos anos 1990, alguns especialistas chegaram a dizer que a história havia acabado com o fim da cortina de ferro. A liberdade e a democracia haviam vencido. A globalização traria progresso econômico para todos. Nada poderia estar mais distante da realidade. Em 2008, outra grave crise cíclica foi produzida. O livre mercado está sendo questionado até na maior economia mundial, a vitória do Donald Trump é fruto dessas insatisfações. E o socialismo começa a ser reformulado e atualizado. Não é mais possível simplesmente descartá-los como algo que não funciona. Vivemos num mundo em desordem, imperfeito. E, como tal, a ideia de perfeição sempre subsistirá, como um espectro.
O documentário “Era das Utopias”, de Sílvio Tendler traz uma interessante frase: Com lágrimas e sangue se construiu a história do socialismo. Lutar por igualdade consumiu muitas vidas. Transformou os sonhos em pesadelos, pesadelos geraram novos sonhos, novas utopias. E desse modo a história continua. Rumo a lugar-nenhum.

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