“Coletes amarelos” em Portugal?
João Ramos de Almeida 11.Dic.18 Outros autores
A
mobilização dos “coletes amarelos” em França está manifestamente a
alarmar a classe dominante. Não só pela expressão que vem tendo naquele
país, mas pelo facto de as razões que levaram a este protesto de massas
existirem igualmente em muitos outros países. Compreende-se assim melhor
que alguém com Augusto Santos Silva se tenha sentido na obrigação de
tentar amedrontar e desmobilizar portugueses que estejam em França.
O que se passa em França assemelha-se cada vez mais a um movimento de revolta popular
que tem por base uma acumulação de desigualdades sociais, agravadas
pelas consequências de uma política orçamental associada à manutenção do
euro.
Parte dessa movimentação pareceu, no início, erguer bandeiras de direita - contra uma subida dos impostos - o que já recebeu uma oportunística resposta por parte do ministro da Economia e Finanças de que era preciso reduzir os impostos e… a despesa pública. Mas o mal-estar geral parece tornar-se transversal, com críticas à esquerda ao governo Macron, pela redução dos impostos aos mais ricos e aumento dos impostos aos mais pobres. Após algumas hesitações, o movimento conta já com a participação política da população de esquerda.
Essas condições materiais para a revolta explodiram em França. Mas poderão eclodir em qualquer país. Porque a mãe de todos os populismos - como a direita gosta de lhe chamar - está na perpetuação de injustiças sociais.
Veja –se o que se passa em Portugal em termos fiscais, nomeadamente no IRS.
O IRS era suposto ser o imposto único sobre o rendimento recebido individualmente. Antes de 1989, o imposto que incidia sobre as diversas formas de rendimento tinha taxas diferenciadas. A reforma fiscal levada a cabo em 1989, era Cavaco Silva primeiro-ministro, pretendeu criar um imposto único, mas ao arrepio da comissão de reforma fiscal, o governo manteve a diferenciação de taxas e regimes, em nome da competitividade fiscal entre países. Os rendimentos de capitais não estão sujeitos à progressividade constitucional da tributação sobre o rendimento. O englobamento de todos os rendimentos não é obrigatório. O ónus da prova da veracidade das declarações fiscais apresentadas pelos contribuintes ficou do lado do Fisco.
Resultado: apenas os assalariados e pensionistas – cujos rendimentos não podiam deixar de ser declarados – declararam na totalidade os seus rendimentos. Os outros parecem mal contribuir para a sociedade.
De 2001 a 2016, os agregados familiares cujos principais rendimentos eram salariais e de pensões representaram sempre cerca de três quartos do universo de contribuintes. Quanto ao rendimento bruto declarado, detinham em 2001 cerca de 86% de rendimento bruto declarado. Mas em 2016 era já 92%!
As outras categorias de rendimento pesavam em 2016 apenas… 8% do total declarado!
Os agregados que viviam sobretudo de rendimentos empresariais e profissionais ou em regime de transparência fiscal (por exemplo, escritórios de advogados) representavam, em 2001, cerca de 10% dos agregados e pouco cresceram até 2016. Mas o peso do seu rendimento reduziu-se de 10% para 5%, o que é inverosímil.
Quanto aos detentores de rendimentos de capitais e mais valias, pouco variaram entre 2001 e 2016: situaram-se ao redor dos 5 a 6%. Mas o seu peso no rendimento bruto declarado nunca atingiu o 1% nos 16 anos analisados!
Já os rendimentos prediais chegavam, de 2001 a 2016, a cerca de 8% do universo de contribuintes. E o seu peso no rendimento global passou de 3 para 2%!
Ou os rendimentos individuais passaram para a esfera empresarial; ou os assalariados e pensionistas passaram a ser os maiores beneficiários de rendimento de capitais (em contas de poupança bancária); ou verifica-se uma enorme – enormíssima, gigantesca! – evasão fiscal. Um buraco, um passadouro monumental que se torna visível naqueles regimes extraordinários de regularização tributária (RERT) de que beneficiaram por exemplo Ricardo Espírito Santo e tantos outros, que os amnistiam, limpam, branqueiam e que proíbem o Estado de os perseguir, tudo com o aval do Parlamento quando PS e PSD/CDS tinham maioria. Mais uma causa para populismos futuros.
De qualquer forma, o IRS – tal como está - não reflecte neste momento nada do que era suposto representar. Qualquer medida relativamente ao IRS atingirá apenas quem é obrigado a declarar rendimentos, tal como acontecia há duas décadas atrás. As outras categorias de rendimento mal pagam para o Orçamento de Estado e, um dia, alguém terá o desplante de os isentar de imposto porque não é eficaz tributá-los…
E tudo isso obriga a uma vasta reforma fiscal. Era isto que um governo de esquerda faria, caso quisesse mudar alguma coisa em Portugal; caso não queira passar, daqui a pouco tempo, por aquilo que está a viver-se em França.
Nessa altura, os arautos da direita falarão de populismos. Mas os populismos são gerados por desigualdades agravadas que protegem durante décadas uma minoria. A periferização da sociedade e das cidades representa uma continuada expulsão de um centro, uma ghetização social e urbana, como se escreve no The Guardian. “A classe trabalhadora e classe média baixa estão de novo visíveis e, com eles, os locais onde eles vivem”. O risco é que, como nos Estados Unidos ou em Italia, possam ser cavalgadas pela extrema-direita, evitando na prática outro tipo de movimentos sociais e, no final, para que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma.
Por que será que a direita portuguesa não fala do que se passa em França?
Fonte: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/12/coletes-amarelos-em-portugal.html#more
Parte dessa movimentação pareceu, no início, erguer bandeiras de direita - contra uma subida dos impostos - o que já recebeu uma oportunística resposta por parte do ministro da Economia e Finanças de que era preciso reduzir os impostos e… a despesa pública. Mas o mal-estar geral parece tornar-se transversal, com críticas à esquerda ao governo Macron, pela redução dos impostos aos mais ricos e aumento dos impostos aos mais pobres. Após algumas hesitações, o movimento conta já com a participação política da população de esquerda.
Essas condições materiais para a revolta explodiram em França. Mas poderão eclodir em qualquer país. Porque a mãe de todos os populismos - como a direita gosta de lhe chamar - está na perpetuação de injustiças sociais.
Veja –se o que se passa em Portugal em termos fiscais, nomeadamente no IRS.
O IRS era suposto ser o imposto único sobre o rendimento recebido individualmente. Antes de 1989, o imposto que incidia sobre as diversas formas de rendimento tinha taxas diferenciadas. A reforma fiscal levada a cabo em 1989, era Cavaco Silva primeiro-ministro, pretendeu criar um imposto único, mas ao arrepio da comissão de reforma fiscal, o governo manteve a diferenciação de taxas e regimes, em nome da competitividade fiscal entre países. Os rendimentos de capitais não estão sujeitos à progressividade constitucional da tributação sobre o rendimento. O englobamento de todos os rendimentos não é obrigatório. O ónus da prova da veracidade das declarações fiscais apresentadas pelos contribuintes ficou do lado do Fisco.
Resultado: apenas os assalariados e pensionistas – cujos rendimentos não podiam deixar de ser declarados – declararam na totalidade os seus rendimentos. Os outros parecem mal contribuir para a sociedade.
De 2001 a 2016, os agregados familiares cujos principais rendimentos eram salariais e de pensões representaram sempre cerca de três quartos do universo de contribuintes. Quanto ao rendimento bruto declarado, detinham em 2001 cerca de 86% de rendimento bruto declarado. Mas em 2016 era já 92%!
As outras categorias de rendimento pesavam em 2016 apenas… 8% do total declarado!
Os agregados que viviam sobretudo de rendimentos empresariais e profissionais ou em regime de transparência fiscal (por exemplo, escritórios de advogados) representavam, em 2001, cerca de 10% dos agregados e pouco cresceram até 2016. Mas o peso do seu rendimento reduziu-se de 10% para 5%, o que é inverosímil.
Quanto aos detentores de rendimentos de capitais e mais valias, pouco variaram entre 2001 e 2016: situaram-se ao redor dos 5 a 6%. Mas o seu peso no rendimento bruto declarado nunca atingiu o 1% nos 16 anos analisados!
Já os rendimentos prediais chegavam, de 2001 a 2016, a cerca de 8% do universo de contribuintes. E o seu peso no rendimento global passou de 3 para 2%!
Fonte: Números calculados com base nos dados da Autoridade Tributária
Por agregado, verifica-se a situação mais inacreditável possível
depois de tudo o que se passou na última década: os rendimentos
salariais e as pensões são, em média, os rendimentos mais elevados por
agregado e subiram de 2001 para 2016. Ao mesmo tempo, os rendimentos
empresariais e profissionais desceram, bem como os prediais. Os
rendimentos de capital por agregado que eram em 2001 de 766 euros
anuais, passaram em 2016 para 2319 euros anuais! Qualquer coisa como
193 euros mensais! Ou os rendimentos individuais passaram para a esfera empresarial; ou os assalariados e pensionistas passaram a ser os maiores beneficiários de rendimento de capitais (em contas de poupança bancária); ou verifica-se uma enorme – enormíssima, gigantesca! – evasão fiscal. Um buraco, um passadouro monumental que se torna visível naqueles regimes extraordinários de regularização tributária (RERT) de que beneficiaram por exemplo Ricardo Espírito Santo e tantos outros, que os amnistiam, limpam, branqueiam e que proíbem o Estado de os perseguir, tudo com o aval do Parlamento quando PS e PSD/CDS tinham maioria. Mais uma causa para populismos futuros.
De qualquer forma, o IRS – tal como está - não reflecte neste momento nada do que era suposto representar. Qualquer medida relativamente ao IRS atingirá apenas quem é obrigado a declarar rendimentos, tal como acontecia há duas décadas atrás. As outras categorias de rendimento mal pagam para o Orçamento de Estado e, um dia, alguém terá o desplante de os isentar de imposto porque não é eficaz tributá-los…
E tudo isso obriga a uma vasta reforma fiscal. Era isto que um governo de esquerda faria, caso quisesse mudar alguma coisa em Portugal; caso não queira passar, daqui a pouco tempo, por aquilo que está a viver-se em França.
Nessa altura, os arautos da direita falarão de populismos. Mas os populismos são gerados por desigualdades agravadas que protegem durante décadas uma minoria. A periferização da sociedade e das cidades representa uma continuada expulsão de um centro, uma ghetização social e urbana, como se escreve no The Guardian. “A classe trabalhadora e classe média baixa estão de novo visíveis e, com eles, os locais onde eles vivem”. O risco é que, como nos Estados Unidos ou em Italia, possam ser cavalgadas pela extrema-direita, evitando na prática outro tipo de movimentos sociais e, no final, para que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma.
Por que será que a direita portuguesa não fala do que se passa em França?
Fonte: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2018/12/coletes-amarelos-em-portugal.html#more
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