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sábado, 8 de dezembro de 2018

ALEMANHA EM VIAS DE GANHAR A I GUERRA MUNDIAL

2018-12-07
A chanceler alemã dando as cartas no jogo planetário
Jorge Fonseca de Almeida*,  especial para O Lado Oculto

A guerra é a continuação da política por outros meios
Carl von Clausewitz

Quando, a 5 de Julho de 1914, a Alemanha prometeu ajuda ao Império Austro-húngaro contra a Sérvia tinha plena consciência de que uma guerra à escala mundial se seguiria. Era um momento planeado. A Alemanha iniciava por mão alheia a I Grande Guerra.
Cem anos depois, a Alemanha está em vias de alcançar grande parte dos objetivos que então traçou para a guerra que preparara cuidadosamente.
Weltmacht oder niedergang (Poder Mundial ou Declínio)
E, de facto, logo que os austríacos declararam guerra à Sérvia (28 de Julho), os Alemães declararam guerra à Rússia (1 de Agosto) e pouco depois à França (3 de Agosto), ao mesmo tempo que iniciavam uma invasão em larga escala da Bélgica. No dia seguinte (4 de Agosto), o Reino Unido entrava na contenda. A I Guerra Mundial começava com o ribombar dos canhões e com os soldados alemães marchando em direção à França, mas envolvendo desde o início um largo conjunto de países. A Alemanha balançava, como o proclamava o slogan da época, entre o Poder Mundial e o Declínio (weltmacht oder niedergang).

Invasão da Bélgica pelas tropas alemães em Agosto de 1914
As grandes potências europeias, com os seus vastos impérios africanos e asiáticos, envolviam-se numa guerra imperialista que os povos europeus rejeitaram imediatamente.
Conhecem-se os detalhes do Conselho de Guerra entre o Imperador alemão e os seus chefes militares de 8 de Dezembro de 1912, em que a guerra foi planeada e decidida e em que os acontecimentos de Julho de 1914 foram previstos com grande detalhe (Röh, 1975). Nessa reunião, entre outros temas, decidiu-se: i) elaborar planos para a invasão do Reino Unido; ii) usar a imprensa para preparar a opinião pública para a necessidade da guerra; iii) uma acção diplomática de apoio ao Império Austro-húngaro junto da Roménia, Turquia e Bulgária no conflito com a Sérvia (Wilson, 1984).
Mas que objetivos estabelecia a Alemanha ao desencadear uma guerra mundial por um motivo aparentemente menor e que opunha o Império Austríaco à pequena Sérvia?
Que pretendiam o Imperador Guilherme II (1859-1941), neto da Rainha Vitória, o seu primeiro-ministro Theobald von Bethmann-Hollweg e o seu Chefe-de-estado-maior Paul von Hindenburg? Que pretendiam as elites económicas alemãs cujos interesses estes três personagens representavam?

Paul vom Hindenburg o cruel comandante-chefe das tropas alemãs
Nenhum país inicia uma guerra a esta escala sem definir claramente quais os seus objetivos estratégicos, quais as suas ambições territoriais, quais as vantagens políticas e económicas que pretende. Estes objetivos, nem sempre claramente enunciados por razões de segurança, estão sempre presentes na mente do agressor. Sem eles torna-se impossível conduzir a guerra.
Contudo, no caso alemão da I Guerra Mundial os objetivos são bem conhecidos porque Theobald von Bethmann-Hollweg os plasmou num documento conhecido por Septemberprogramm datado de Setembro de 1914. Naturalmente que à medida que a Alemanha enfrentava dificuldades no terreno esses objetivos iniciais sofreram alterações, encolhendo em ambição e cobiça. O que nos preocupa aqui, contudo, é recordar esses objetivos e determinar se foram alguma vez abandonados. 
Septemberprogramm
O que queriam então as elites alemãs? Basicamente:
i) Pequenos ganhos territoriais;
ii) A imposição de indemnizações de guerra;
iii) O estabelecimento de Estados vassalos;
iv) A criação de uma união aduaneira dos países da Europa Central que excluísse o Reino Unido e a Rússia.
Adicionalmente, alguns autores referem um outro objetivo esquecido no memorado de Setembro: o afastamento dos russos dos Balcãs.
Os ganhos territoriais de reduzida extensão referiam-se essencialmente a zonas militarmente importantes e incluíam uma pequena faixa na Bélgica e outra na França. Na Bélgica, desejavam a província do Luxemburgo, que seria entregue ao Grão-Ducado do Luxemburgo que seguidamente integrariam no Estado federado alemão. Note-se que, neste ultimo caso se tratava de território anteriormente pertencente ao Luxemburgo e ocupado pelos belgas; e recorde-se que o Luxemburgo já integrara o Zollverein, a União Aduaneira que esteve na base da unificação alemã sob controlo da Prússia, desde 1842.
No continente africano, os alemães queriam alargar as suas colónias à custa das colónias francesas contiguas. No Leste, desejavam alguns territórios russos, nomeadamente parte do que é hoje o Leste da Polónia, espaço que serviria para criar um novo Estado tampão entre a Alemanha e a Rússia – a Polónia.
As indemnizações de guerra incidiriam sobre a França.
A Holanda transformar-se-ia num país vassalo, conservando a sua independência e costumes, mas associada à Alemanha por laços fortes.
Quanto a afastar a Rússia dos Balcãs, essa tarefa estava destinada às forças conjuntas do Império Otomano e dos Austro-Húngaros, eventualmente ajudados pela Roménia e Bulgária.
A União Aduaneira da Europa Central constituía, no fundo, o principal objectivo. Aí entrariam a França, a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Áustria-Hungria, a Polónia, a Itália, a Suécia e a Noruega. Esta União Aduaneira era concebida para, mantendo uma fachada formalmente igualitária entre os países membros, assegurar e consolidar a supremacia alemã económica e militar sobre a Europa Central.
A União Aduaneira, integrando os principais países europeus com exceção da Rússia e do Reino Unido, seria o instrumento do poder alemão na Europa e uma forma de replicar a absorção pela Prússia de todos os Estados, Principados e Bispados alemães e de os unificar na Federação Alemã.
Derrota e ressurgimento

A entrada dos Estados Unidos na guerra veio acelerar a derrota alemã; a Alemanha assina o armistício em Novembro de 1918, depois de os Impérios Otomano e Austro-húngaro se terem rendido.
Os americanos impõem o programa em 14 pontos do Presidente Wilson, que destrói todas as esperanças de dominação alemã. O tratado de Versailles sela a derrota germânica.
Contudo, duas décadas depois, os alemães regressam à guerra desta vez sob o comando de Hitler que, na sua loucura, acrescentou um novo objetivo: expulsar os judeus.
Os velhos objetivos ressurgem. Nova derrota política e militar, desta vez às mãos de americanos e soviéticos. De novo o sonho da Mitteleuropa parece acabado ou … talvez não …
Balcãs, União Aduaneira, Brexit e Federalismo europeu
Se pensarmos nos objetivos alemães enunciados por Bethmann-Hollweg verificamos que a Alemanha está prestes a atingi-los na totalidade.
A guerra dos Balcãs, com a desagregação da Jugoslávia, afastou os russos desta zona da Europa, permitindo à Alemanha absorver, via União Europeia, a Croácia e a Eslovénia e preparando-se para engolir o que falta: a Bósnia, o Montenegro, a Sérvia e a Macedónia. Este objetivo está basicamente alcançado, ainda que faltem alguns passos mais formais do que substanciais.
A estreita colaboração com a Holanda está assegurada, sendo este país um fiel seguidor das teses alemãs em todas as frentes, nomeadamente na imposição da austeridade que desarticula as economias periféricas e as integra cada vez mais na economia alemã. Segundo objetivo obtido.
As indemnizações francesas foram conseguidas com o perdão das dividas alemães obtido nos anos 50, e que significou que a França e os outros aliados acabaram por suportar não só o seu próprio esforço de guerra como também o alemão. O acordo foi assinado em Londres, em 1953, e limitou o pagamento a 3% das receitas de exportações e determinou que a Alemanha só pagaria nos anos em que obtivesse uma balança comercial positiva. Muito melhor do que qualquer indemnização. Não só pagava com o dinheiro dos outros (3% das receitas de exportação) como criava um forte incentivo nos outros países a importar da Alemanha. Assim nasceu o milagre alemão. Objetivo largamente ultrapassado.
A criação de uma união aduaneira firmemente liderada pela Alemanha que excluísse o Reino Unido e a Rússia fica concluída com o Brexit. A dominação alemã é evidente, e sem o Reino Unido será indiscutível. O Federalismo, replicando a construção alemã sob Bismark, cada vez mais firme, com a concentração do poder em Bruxelas, permite à Alemanha controlar resolutamente os restantes países da União Europeia.
Hoje Estados soberanos como a Grécia, Portugal ou a Itália têm de submeter o seu orçamento à aprovação europeia/alemã, sujeitando-se a sanções se não quiserem seguir as regras alemãs. O exército europeu será o último passo para a construção de uma Federação em que os Estados nacionais serão apenas Estados Federados sem poder nenhum. A vitória neste campo parece total. A União aduaneira foi criada e estamos na fase já mais adiantada de absorção dos restantes Estados. Objectivo plenamente atingido.

A Alemanha não conseguiu ganhos territoriais é certo, mas este constituía, como vimos, o menos importante de todos os objetivos. Mas também é certo que a Polónia nasceu com território perdidos pelos Impérios Austro-húngaro e Russo, e constitui-se como Estado tampão entre a Alemanha e a Rússia. Uma meia vitória. 
Quanto aos judeus, que constituíam uma minoria significativa na Alemanha antes de 1930, hoje reduzem-se a pouco mais de 100 mil numa população de mais de 80 milhões de habitantes. Nada. Objetivo alcançado.
Desta perspectiva, a Alemanha, com o acordo do Brexit, alcança todas as metas que visava com a I Grande Guerra. A guerra esgotou-se, terminou agora e a vitória alemã é total.
Conclusões
A Alemanha planeou e preparou a I Grande Guerra procurando alcançar um conjunto de objetivos estratégicos de caracter económico, político e militar. Essas metas estão claramente definidas no memorando, conhecido como Septemberprogramm, escrito pelo seu primeiro-ministro Bethmann-Hollweg.
Entre os objetivos traçados avultava a criação de uma União Aduaneira que integrasse os vários países europeus, nomeadamente a França, mas que excluísse o Reino Unido e a Rússia.  Outras pretensões passavam por pequenos ganhos territoriais, a transformação da Holanda num Estado vassalo e a imposição de indemnizações de guerra à França. Adicionalmente, alguns autores identificam uma outra ambição: afastar a Rússia dos Balcãs.
Derrotada em 1918 a Alemanha rearmou-se e regressou aos campos de batalha em 1939, sendo novamente esmagada militarmente.
No entanto, ao analisarmos a situação hoje, 100 anos depois do início da I Guerra Mundial, verificamos que a Alemanha conseguiu atingir todos os objetivos a que se propôs. Na realidade ela é a grande vencedora da I e da II Guerra Mundial, estando prestes a unificar a Europa sob a sua dominação através de um Estado Federal, a União Europeia.
E se a guerra, como ensina Carl von Clausewitz, é a continuação da política por outros meios, o que interessa são os objetivos a alcançar quer por via diplomática, económica ou militar. A Alemanha duas vezes militarmente derrotada consegue, por outros meios, impor a sua vontade na Europa, unificando o continente sob a sua batuta.
O Brexit, o exército europeu, a centralização orçamental são os passos finais para a instauração de um Federalismo absoluto completamente dominado pela Alemanha.
Em contrapartida, a França surge como a grande derrotada e o Reino Unido, aparentemente isolado na Europa, parece momentaneamente incapaz de se opor à dominação germânica.
Aproximam-se tempos tenebrosos.



Referências
Bethmann Hollweg Denkschrift (1914), Memorandum de 9 de September, Bundesarchiv-Lichterfelde, Reichskanzlei, Grosses Hauptquartier 21, No. 2476
Crampton, R. J. (1977) “The Balkans as a Factor in German Foreign Policy, 1912-1914”, The Slavonic and East European Review, Volume 55, Número 3, pp. 370-390
Löffelbein, Nils (xxxx),War Aims and War Aims Discussions (Germany), [online] https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/war_aims_and_war_aims_discussions_germany, acedido a 2 de Dezembro 2018
Moses, John A. (1968), “The War Aims of Imperial Germany: Professor Fritz Fischer and his Critics”, University of Queensland Papers, Volume 1, Número 4, pp 209-260
Röh, John C. (1973), 1914: Delusion or Design, Nova Iorque, HarperCollins Distribution Services
Wilson, Keith M. (1984), “The British Démarche of 3 and 4 December 1912: H. A. Gwynne's Note on Britain, Russia and the First Balkan War”, The Slavonic and East European Review, Volume 62, Número 4, pp. 552-559
*Economista; MBA
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