Une réflexion de Jean-Michel Toulouse sur la démocratie directe
Este trabalho tem uma ambição prática: demonstrar que a “representação” é obsoleta e que deve dar lugar à democracia direta, cidadã e deliberativa, cujas condições de possibilidade estão agora operacionais. Todos os ideólogos do sistema representativo admitem que a representação está em crise, mas nenhum tira as consequências políticas e se limita a tentar "reformá-la", em particular comentando a famosa "virada deliberativa" da qual obviamente só os eleitos seriam capazes.
Na primeira parte, que compreende três capítulos, estudo o que chamo de "flashes históricos" desde a Atenas democrática dos séculos V e IV aC até as experiências contemporâneas de democracia direta (Rojava, Chiapas por exemplo). Esses episódios históricos, pouco conhecidos e muitas vezes ignorados, nos ensinam que formas de democracia direta – e em todo caso não representativa – existiram desde muito cedo na história. Eles foram todos destruídos por forças sociais e políticas contra-revolucionárias ou morreram devido às suas próprias fraquezas. Nesta parte, examino a questão dos partidos políticos: a "forma partidária" está politicamente e sociologicamente morta? Ou ainda podemos transformá-lo? Para começar com sua história, recorro a um certo número de autores que tentaram teorizá-la, desde os "maquiavélicos" até autores contemporâneos.
Numa segunda parte, que também organizei em três capítulos, procuro trabalhar algumas organizações que poderiam muito rapidamente operar em modelos não representativos. Duas delas são examinadas: o hospital público e as SCOP (Sociedades Cooperativas e Participativas). Como ex-diretor do hospital, dirigi seis deles e, portanto, tenho legitimidade para fazer uma análise próxima e propostas práticas e funcionais imediatas para transformar esses estabelecimentos em estruturas autogeridas. No que diz respeito aos SCOPs, uma pesquisa de campo com sete deles mostra que é possível mudar o modo de gestão empresarial e capitalista e passar de um modelo de gestão autoritário para um modelo de gestão não diretivo, democrático, de projeto que envolve todos os membros e que põe fim à subordinação jurídica e prática do trabalhador, ao mesmo tempo que se transforma o estatuto da empresa. A "sociedade capitalista com objetivo exclusivo de lucro e "valor para o acionista" torna-se uma unidade produtiva reconhecida e democrática, contrariando o direito burguês das empresas que a empresa ignora em benefício exclusivo das "empresas", e reduz os empregados a a classificação de "almas mortas" como no romance de GOGOL! O status da propriedade é obviamente transformado.
Na terceira e última parte, que finalmente compreende três capítulos, proponho caminhos de reflexão e modelos de instituições, instrumentos jurídicos e políticos, organização de espaços sociais que se queiram ser modos de democracia direta deliberativa, a não confundir com a ficção da "democracia participativa", tão alardeada pelos nossos politólogos e constitucionalistas burgueses para camuflar a espoliação do povo, convocando outros autores (filósofos, historiadores, cientistas políticos, sociólogos e economistas). Propõe-se uma nova arquitetura institucional, da Comuna ao Estado central, com um sistema de mandatos imperativos e procedimentos jurídicos e políticos que garantam o funcionamento democrático e não a ignorância do cidadão-produtor. Apresento instrumentos institucionais que possibilitam uma democracia deliberativa, contra a ideologia da “democracia liberal representativa”, que é apenas uma organização de captura, de sequestro da soberania do povo. A instituição dominante dessas propostas é a Assembléia Primária (que já foi experimentada na França depois de 10 de agosto de 1792, mas que foi liquidada pelo Termidor então, pelo golpe de estado de 18 de Brumário, para substituí-la por formas de governo autoritário). poder camuflado atrás da "representação" à la Siéyès!). Abordo também a transformação dos partidos políticos (todos degenerados em estábulos eleitorais), em Associações de Cidadãos que são verdadeiros vectores de acção colectiva. Esta será a ocasião para um terceiro estudo de campo envolvendo dez partidos e organizações políticas (incluindo o PRCF, que gostaria de agradecer de passagem), que aceitaram responder a um questionário semidiretivo sobre sua análise da democracia direta deliberativa. Uma quarta investigação sobre o movimento dos Coletes Amarelos fecha a sequência de "investigações de campo" do livro.
Ao mesmo tempo, tomo a iniciativa de uma crítica contundente à pseudo teoria da "neutralidade axiológica" que nada tem a ver com o que até Max Weber pensou a respeito! Pelo contrário, defendo a afirmação da sociologia crítica, e uma ética científica e deontologia, necessárias para transformar este mundo em vez de o justificar!
Por fim, termino este livro com uma nova figura do cidadão-produtor da democracia direta deliberativa, homem e mulher - cidadão integral, produtor autónomo e não alienado, cooperador e colaborador da tomada de decisão política, que nada tem a ver com o eleitor-consumidor passivo do sistema capitalista "representativo".
O Protágoras de Platão nos dizia: a política pode ser ensinada, o povo é capaz de se governar dando a si mesmo as instituições que tornam possível o debate público e a tomada de decisão pública coletiva.A representação alienada teve seu tempo! É urgente estabelecer a democracia direta deliberativa antes que o capitalismo financeirizado multinacional tenha destruído a habitabilidade do planeta e com ela a espécie humana. O Capitaloceno ameaça; deve ser substituída por uma sociedade não capitalista e cooperativa.
É urgente fazê-lo, temos as ferramentas e as classes populares podem libertar-se das ditas "elites" que, vampirizando-as, que organizaram a captura da soberania popular em benefício próprio, como todas as tabelas estatísticas da os apêndices deste livro acabam por o provar. A burguesia compradorizada deste país só gere os seus negócios, ignora o planeta, a sociedade e o povo, já desertou, não vive com o povo, refugia-se no futuro" zonas temperadas" depois de destruir os ecossistemas e a biodiversidade! Ela precisa de um estado ditatorial com fortes meios "regulares" para disciplinar as pessoas e mantê-las em uma falsa consciência que não é perigosa para ela!
A escolha agora é clara e esta é a conclusão deste livro: ou iliberalismo bonapartista autoritário em controle social "digitalizado", ou democracia deliberativa, económica, social e política!
Ora, a democracia é um processo complexo, delicado e cheio de
contradições apesar da espessura e da extensão das intenções, das
práticas e das lutas na história.
Democracia que, não poucas vezes, inexiste lá onde é suposta existir há muito.
Neste livro, Luis Felipe Miguel observou que "O dilema da democracia
contemporânea, portanto, se revela como sendo a incompatibilidade
potencial entre a igualdade que ela tanto exige quanto busca produzir e
uma ordem social que reproduz e aprofunda permanentemente as
desigualdades."
No seu texto, Danielle Braz mostrou através da obra de Carlos Nelson
Coutinho quanto a democracia pode ser procurada e teorizada fora dos
carris do neoliberalismo.
Por sua vez, Sérgio Lessa escreveu que "Os mesmos mecanismos
jurídico-políticos que ordenam a democracia estadunidense regem a CIA e
Guantânamo; os mesmos princípios jurídico-filosóficos que embasam o
Estado de Direito dos países da Comunidade Europeia tornam possíveis os
sequestros, o outsorcing das torturas, os voos e as celas clandestinas
para interrogatórios no coração dos Estados políticos europeus."
O quarto co-autor de mais esta obra da coleção Cadernos de Ciências
Sociais, Leonardo Paz Neves, deu conta de que "A democracia, atualmente,
transcendeu sua condição de sistema de governo, especialmente no âmbito
das relações internacionais - constituindo-se como ideologia
dominante."
Todos os filósofos mais importantes, fundadores de sistemas ou de doutrinas, escreveram sobre Ética e Moral (ou simplesmente Ética), tais como Platão, Aristóteles, Epicuro, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Descartes, Hobbes, Baruch Espinosa, etc., etc. Definiram ao seu modo o que entendiam por felicidade e tentaram dar aos seus contemporâneos meios e fins. O tema da felicidade é provavelmente o mais caro a todos ou quase todos os filósofos e filosofias. Não parece ter sido assim para o Marx da maturidade (o "Velho Marx". Mostra-o a preocupação de Engels em aflorar o tema no Anti-During.
Porquê? Se vários notáveis marxistas do século passado, nomeadamente Lukács, se ocuparam de uma Ética marxista, porque não encontraram uma Ética marxiana, isto é, textos longos e específicos de Marx sobre o que ele entendia por uma Ética (filosófico-política) para o proletariado?
Michael Löwy comenta "Repensar Marx e os
marxismos: guia para novas leituras", novo livro de Marcello Musto,
destacando a importância da obra na batalha das ideias, especialmente no
momento em que vivemos no Brasil.
Publicado em 14/11/2022 // 1 comentário
Por Michael Löwy
Marcello Musto
é um dos mais importantes estudiosos da obra de Karl Marx, tema sobre o
qual publicou diversos livros, traduzidos para inúmeras línguas.
Organizou também coletâneas sobre O capital, a Primeira
Internacional e o marxismo na atualidade. Não por acaso, vários desses
títulos foram lançados no Brasil – existem poucos países no mundo onde
as obras de Marx e dos marxistas suscitam tanto interesse.
Repensar Marx e os marxismos: guia para novas leituras,
publicado agora pela Boitempo, contém uma análise da obra marxiana –
desde sua tese de doutorado até o encontro com os populistas russos nos
seus últimos anos de vida –, bem como ensaios sobre a recepção do
marxismo, das polêmicas sobre o “jovem Marx” até o grande debate sobre a
questão da alienação, entre outros.
Uma das qualidades deste
conjunto é que ele se apoia sobre os recentes volumes da nova edição das
obras completas de Marx e Engels, a segunda Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA2).
Musto integra em suas reflexões vários materiais até há pouco inéditos,
o que é uma evidente vantagem em relação a trabalhos biográficos
anteriores e outras análises críticas dos marxismos. Outra qualidade do
método do autor é analisar a obra marxiana como um pensamento em movimento,
que se desenvolve por meio de conflitos, polêmicas, contradições e
saltos qualitativos. Um dos mais importantes momentos desse processo se
dá no curso do ano de 1844, quando o jovem Marx passa da crítica
filosófica à práxis revolucionária.
Musto dedica uma atenção particular aos escritos econômicos, desde os primeiros cadernos de 1844 até O capital
e seus manuscritos preliminares. Mas, felizmente, não reduz Karl Marx a
um “economista”: como sabemos, ele era acima de tudo de um revolucionário
que exerceu uma crítica implacável contra a economia política burguesa,
a economia política a serviço do capital, que ainda hoje predomina sob a
forma degradada do neoliberalismo.
Livros como este são
instrumentos preciosos na “batalha das ideias”, que está mais do que
nunca na ordem do dia, no Brasil, na América Latina e no mundo.
***
Desde o fim
dos anos 1980 e após a dissolução da União Soviética, Karl Marx vem
sendo considerado por uma parcela da intelectualidade um pensador
ultrapassado, condenado ao esquecimento. A crise econômica internacional
de 2008, no entanto, trouxe de volta à discussão seu extenso trabalho e
sua análise do capitalismo.
Em Repensar Marx e os marxismos, o italiano Marcello Musto reconstrói,
com rigor textual e historiográfico, etapas da biografia intelectual de
Marx ainda pouco conhecidas ou mal compreendidas, como sua formação
cultural durante a juventude, os estudos de economia política, os
primeiros esboços do que viriam a ser os escritos de O capital, assim como a divulgação e a recepção de alguns de seus principais trabalhos como os Manuscritos econômico-filosóficos, o Manifesto comunista e os Grundrisse.
O trabalho
crítico e inovador realizado por Musto nos apresenta um pensador muito
diferente daquele retratado durante todo o século XX por muitos de seus
críticos e seguidores: “A obra de Marx abrange as mais diversas
disciplinas do conhecimento humano e sua síntese representa um objetivo
de difícil alcance mesmo para os estudiosos mais rigorosos”, conta o
autor no prefácio à edição brasileira.
A obra tem tradução de Diego Silveira Coelho Ferreira, texto de orelha de Michael Löwy e capa de Daniel Justi.
Billet du lundi 21 novembre, rédigé par Caroline Galacteros,
Presidente de Geopragma.
Gostaríamos de pensar em outra coisa. No Campeonato do Mundo de futebol que começa no Qatar, nas festividades de Natal que se aproximam, na crise que se instala e até nas ridículas lutas políticas que por vezes animam pateticamente a nossa Assembleia Nacional e parecem bastante insignificantes face às questões fundamentais e ao futuro do nosso país. Mas a guerra, uma vez lançada, não conhece tréguas e dá voltas preocupantes na Ucrânia com a retomada dos bombardeios na usina nuclear de Zaporozhye que chegam a alarmar até o mui temperado diretor da AIEA, e de quem fica difícil imaginar que seja a Rússia que os inicia contra suas próprias forças...
O que pode ser feito para levar o presidente da Ucrânia a romper com sua linha dura suicida? As correntes ultranacionalistas que o cercam, sem dúvida o aterrorizam e controlam a ele e às suas forças armadas, colocando-o diante de um trágico dilema "solta-perde": negociar um compromisso territorial com Moscou, consentindo assim mais ou menos com uma divisão do território ucraniano , Como agora são meias palavras para fazê-lo, americanos e britânicos? Impossível a não ser colocar-se em perigo vital diante da fúria dos ultras. Manter as suas posições cada vez mais insustentáveis face à realidade militar no terreno, e reivindicar a reconquista de todos os territórios conquistados por Moscovo, até à Crimeia, na esperança de provocar finalmente o empenho da NATO, como demonstra a sua insistência em querer credenciar Responsabilidade russa pela penetração de um míssil em território polonês contra todas as evidências e apesar das negativas detalhadas de Washington? Essa atitude pode muito bem precipitar sua liberação por parte de seus maiores fornecedores de armamentos e subsídios. Ele entendeu que sua sobrevivência política dependerá de sua capacidade de descer à terra, de admitir que o exército russo está se preparando para sua ofensiva de inverno, que o equilíbrio de poder está inequivocamente contra ele, em suma, que ele não pode vencer militarmente, mas vencerá terá de negociar um compromisso se quiser preservar o pouco que resta do seu país mergulhado na escuridão, no frio, na ruína económica e cujo sistema de telecomunicações é cada vez mais incerto?
Resumindo, V. Zelinsky está entre a espada e a parede. Ele sabe muito bem, assim como os polacos, que apenas uma zona de exclusão aérea acima do céu ucraniano talvez tivesse chance de preservar o que resta de sua força. Mas isso está fora de questão para Washington. Seus aliados ocidentais também parecem estar passando por uma fase de cansaço e preocupação diante da teimosia cada vez mais desesperada de seu procurador. Ações europeias e até americanas os armamentos estão derretendo e nossos exércitos logo se recusarão a enfraquecer ainda mais para fortalecê-lo. As armas que são dadas a Kyiv de qualquer maneira não mudarão o jogo militar. “Nós” não podemos e principalmente não queremos, e o jogo das posturas começa a mostrar seus limites. O primeiro-ministro britânico Richie Sunak veio dizer isso em Kiev há alguns dias. Nada saiu da entrevista, que deve ter sido desagradável aos ouvidos de Zelenski...
Certamente existem, nos Estados Unidos, os frenéticos falcões democratas neoconservadores em torno do secretário de Estado Blinken e seu departamento... Mas eles também estão cada vez mais expostos às reservas, para dizer o mínimo, do Pentágono. O secretário de Defesa Lloyd Austin lembrou muito recentemente em uma conferência em Halifax (onde Zelenski apareceu para dizer que um cessar-fogo não tinha chance de durar, o que provavelmente é verdade nesta fase do conflito), que "a Rússia tinha um exército poderoso e armas impressionantes ". Ele também disse o indizível: "O resultado da guerra na Ucrânia definirá os contornos do mundo no século 21!" Nada menos. A americana CEMA, Gal Milley, deixou bem claro que a única saída para esse conflito é a negociação. Já o secretário-geral da NATO não deixou de recordar que uma derrota da Ucrânia seria também da Aliança. O próprio Barak Obama, já em 2016, havia reconhecido que a Rússia tinha um indiscutível “domínio na capacidade de escalada”. Ele estava falando sobre ouro. Mas essa lucidez repentina chega muito tarde.
Se o que está em jogo é um retorno à realidade em Kyiv como em Washington, Londres ou Paris, o conflito de percepções e principalmente de "informação" obscurece essa consciência urgente. Os meios de informação ocidentais persistem em ver nos poucos avanços das forças ucranianas (através da retirada das tropas russas) como em Kharkov ou Kherson, o início de uma grande vitória militar ucraniana. No entanto, estamos longe disso. Kherson, um presente envenenado, torna-se muito difícil de suprir e as forças ucranianas ainda sob fogo russo da margem leste do Dnieper começam a convocar os habitantes a deixá-lo. As perdas são pesadas e as forças armadas de Kyiv são cada vez mais complementadas por tropas polonesas e até americanas presentes em nome de uma discreta “coalizão de boa vontade” sem querer provocar em demasia uma Rússia que se prepara para uma ofensiva de inverno e metodicamente injetando seus 300.000 reservistas recém-mobilizados. A Rússia está se preparando para durar e continuar sua guerra de atrito com objetivos cada vez menos limitados. O fracasso da política de sanções e a recente descrição do vice-primeiro-ministro da Rússia de seu país como uma "ilha de estabilidade" em um mundo caótico, embora obviamente para ser equilibrado, falam de uma realidade dolorosa. A fantasia neocon dos EUA de destruir a economia, as forças armadas e o poder russos explodiu em fuga. Os EUA e mais ainda a Europa deixaram-se arrastar pelos bélicos ubris de alguns dos seus componentes governamentais e políticos para uma armadilha cujo desfecho bem poderia ser a deslumbrante demonstração do declínio do Ocidente e do fim da hegemonia americana.
Na verdade, enfrentamos a dolorosa necessidade de abandonar nosso sonho - derrubar a Rússia - antes que a derrota se torne muito humilhante. Dois métodos estão disponíveis para os americanos para isso: o método "suave", que consiste em deixar Zelensky afundar gradualmente e dizer-lhe que cabe a ele decidir quando negociar com Moscou; o método "radical", de facto mais benéfico nos seus efeitos para o país e para o povo ucraniano: negociar directamente com Moscovo um compromisso territorial e sobretudo estratégico (ou seja, a neutralização definitiva da Ucrânia), para secar brutalmente o fluxo de armas e dinheiro para impor os termos de um acordo realista a Zelenski, que terá que fazer da necessidade uma virtude e encontrar nela uma "desculpa" com os ultras ao seu redor.
Em um mundo preto e branco como gostamos de ver, aguentar a vitória do "bandido" não é fácil. Mas isso é o que nos salvaria de coisas ainda piores. Poderíamos incluir tal negociação em uma vasta revisão inteligente do equilíbrio de segurança na Europa e reconstruir a Ucrânia com grandes despesas para sermos perdoados por tê-la explorado... , são necessários estadistas capazes de tomar essas decisões dolorosas e salutares. No entanto, é uma espécie em extinção no Ocidente, onde políticos míopes, apoiados por uma mídia acrítica, complacentemente embalam as pessoas em ilusões e "narrativas" atraentes, mas falsas, para obter seu consentimento para o confronto, prometendo-lhes que não lhes custou muito. Desta vez, porém, essa mentira está ficando grande demais: as sanções estão falhando, os europeus estão frios, vendo sua riqueza derreter e começando a se perguntar se eles podem ser os perus definitivos nessa farsa.
Os Estados Unidos também deveriam se perguntar por que foi tão longe e finalmente acelerou o mundo e especialmente os países do sul em seu detrimento? Sem dúvida, eles teriam mais a ganhar pressionando os ucranianos a aplicar os Acordos de Minsk 2 em vez de dissuadi-los, e ainda mais para negociar um tratado honesto e equilibrado sobre segurança na Europa com a Rússia quando esta exigiu com toda a força, novamente no último Dezembro, em vez de cruzar a linha vermelha ucraniana, a flor com o fuzil… dos ucranianos.
Estamos agora envolvidos em uma longa guerra de desgaste e o Ocidente corre o risco de emergir com um enorme descrédito político, estratégico e militar. Não falemos da OTAN... Quanto à Europa, como nos lembrou o General de Villiers, esta guerra não é do seu interesse, muito menos da França, que deve manter relações normais e apaziguadas com a Rússia. É tarde demais para quebrar essa espiral perigosa e sair dessa armadilha? Washington deve escolher rapidamente o método severo mencionado acima. Como Dmitry Medvedev lembrou recentemente, as potências ocidentais estão presioneiras ao apoiar um governo irresponsável que não pode, sem precipitar sua própria queda, mediar o tão necessário compromisso; porque isso terá de ser discutido "com base na realidade existente" como recordou recentemente Serguei Lavrov, ou seja, com base no controlo cada vez mais avançado dos 4 oblasts formalmente integrados na Federação da Rússia. É claro que, na Europa e em certos círculos do poder em Washington, a “realidade existente” é uma negação da realidade militar, ou seja, uma retirada das forças russas que se quer acreditar serem incruentas…. É de se esperar que nessas querelas das capelas de Washington prevaleçam os realistas e os militares e iniciem uma negociação direta com Moscovo. A recente reunião entre os chefes de inteligência dos EUA e da Rússia é talvez um bom presságio. Devemos torcer pelo infeliz povo ucraniano, mas também pela segurança de todos nós.
Los medios de comunicación han construido una narrativa sobre la
“guerra de Putin” que enmascara la expansión imperialista de Estados
Unidos en Europa del Este. Se trata de un esfuerzo completamente
orwelliano para proyectar sobre Rusia lo que Estados Unidos y su
principal aliado imperial, el Reino Unido (que un periodista británico
ha descrito como “el remolcador de Estados Unidos”), han estado haciendo
continuamente desde 1945, de hecho, durante siglos.
Mirando hacia atrás, Estados Unidos, bajo Truman, iniciaron la
política de convertir a los enemigos (Alemania, Japón) en amigos y a los
amigos (la importante alianza de guerra con la URSS) en enemigos. La
CIA, creada en 1947, fue el principal instrumento clandestino de esta
política, colaborando estrechamente con la Organización Neonazi de
Nacionalistas Ucranianos (OUN) para llevar a cabo acciones de sabotaje,
división y desestabilización del Estado soviético.
La OUN, en particular la facción dirigida por el aliado alemán Stepan
Bandera y su segundo al mando, Yaroslav Stetsko, OUN-B, era una
organización violentamente antisemita, anticomunista y antirrusa, que
colaboró con la ocupación nazi y participó activamente en la masacre de
millones de polacos, judíos ucranianos y comunistas étnicamente rusos y
ucranianos en la región. Sin embargo, el Washington Post trató a Stetsko
como un héroe nacional, un “patriota solitario”.
La alianza entre la OUN y Alemania en 1941 fue apoyada por los
dirigentes de las iglesias ortodoxas y greco-católicas ucranianas. El
arzobispo de esta última, Andrey Sheptytsky, escribió una carta pastoral
en la que decía: “Saludamos al victorioso ejército alemán como
liberadores del enemigo. Presentamos nuestros obedientes respetos al
gobierno que se ha erigido. Reconocemos al Sr. Yaroslav Stetsko como
jefe de estado… de Ucrania”.
Con motivo de la invasión alemana de la Unión Soviética, la OUN
colocó carteles en la ciudad ucraniana occidental de Lvov que decían:
“No tiren sus armas ahora. Tómalos en tus manos. Destruyan al enemigo….
¡Pueblo! ¡Saber! Moscú, Polonia, los húngaros y los judíos son sus
enemigos. ¡Destrúyanlos!… ¡Gloria a Ucrania! ¡Gloria a los héroes!
¡Gloria al líder! [Bandera]”
En este llamamiento a la limpieza étnica no se menciona a los
alemanes que ocuparon Ucrania en su momento, pero los propagandistas
fascistas y neonazis que ahora hacen la guerra en la región del Donbas
presentan a sus antepasados como héroes por defender el nacionalismo
ucraniano contra los soviéticos y Alemania. El Pentágono ha presionado
con éxito al Congreso para que levante las restricciones sobre el
entrenamiento y la asistencia militar a grupos, como el Batallón Azov,
de ideología fascista o neonazi.
Como en el pasado, la política exterior estadounidense está dispuesta
a acoger a estos sectores en su círculo de aliados. El 16 de diciembre
de 2021, un proyecto de resolución de la Asamblea General de la ONU fue
catalogado como “Lucha contra la glorificación del nazismo, el
neonazismo y otras prácticas que contribuyen a alimentar las formas
contemporáneas de racismo, discriminación racial, xenofobia y formas
conexas de intolerancia”.
Se adoptó por una votación registrada de 130 votos a favor
(principalmente el Tercer Mundo, que constituye la gran mayoría de la
población mundial), 51 abstenciones (principalmente la Unión Europea,
Australia, Nueva Zelanda y Canadá) y dos en contra, ambas de Ucrania y
Estados Unidos. Los países de Europa Occidental que Hitler conquistó y
ocupó no condenarían las manifestaciones actuales del nazismo y el
fascismo.
Truman: los orígenes de la CIA
Harry Truman, el infame senador, dijo en 1940, en respuesta a la
Operación Barbarroja, que “si vemos que Alemania está ganando, debemos
ayudar a Rusia, y si Rusia está ganando, debemos ayudar a Alemania y
dejar que mate todo lo que pueda”. Esto demuestra la poca consideración
que tenía por el pueblo ruso y otros pueblos soviéticos, lo que se hizo
más evidente cuando llegó a la presidencia.
Durante su mandato en la Casa Blanca, Estados Unidos ayudó a
reconstruir la capacidad industrial de Europa Occidental (en gran medida
para evitar que comunistas y socialistas ganaran las elecciones), pero
también lanzó una guerra contra Corea del Norte, destruyendo
prácticamente todas las estructuras del país mediante bombardeos,
incluso con armas incendiarias y napalm.
Lanzó la Guerra Fría, aumentó masivamente el presupuesto militar,
organizó la OTAN y utilizó armas atómicas sobre poblaciones civiles en
Hiroshima y Nagasaki, en gran medida para evitar que los aliados
soviéticos ganaran territorio en Japón en los últimos días de la guerra.
Quizá la iniciativa más destructiva de Truman fue la creación de la
CIA, un monstruo que, en su opinión, se había descontrolado, y que le
dijo a un amigo: “Nunca habría aceptado la creación de la Agencia
Central de Inteligencia en cuarenta y siete años si hubiera sabido que
se convertiría en la Gestapo estadounidense”, aunque como presidente
apoyó sus actividades clandestinas en Europa del Este.
El objetivo inmediato era la Ucrania soviética, que la CIA esperaba, a
través de sus proyectos clandestinos, “romper” con saboteadores tras
las líneas enemigas.
Su misión fue una transferencia de la agencia de acción secreta de la
Segunda Guerra Mundial, la OSS, que había trabajado con grupos
partisanos que resistían la ocupación nazi. En Ucrania, Estados
Unidos simplemente dio la vuelta a la tortilla apoyando a las
organizaciones insurgentes nazis que luchaban contra la Unión Soviética, el país que acababa de salvar a Europa del azote del Tercer Reich de Hitler.
El plan de la CIA, en el marco de sus operaciones de “stay behind” en
Europa Central y Oriental, consistía en lanzar en paracaídas a los
ucranianos de los grupos ultranacionalistas, en particular de la OUN-B,
lo que implicaba el contrabando de armas, el uso de transmisiones de
comunicación secretas, espías, comandos, bandolerismo, asesinatos y
sabotajes.
Un historial secreto desclasificado de la CIA muestra que la Agencia
se negó a extraditar al criminal de guerra de la OUN Bandera a los
soviéticos para preservar el movimiento clandestino y los esfuerzos de
desestabilización en Ucrania.
En cambio, dos ramas de la CIA, la Oficina de Coordinación de
Políticas (OPC) para las operaciones encubiertas y la Oficina de
Operaciones Especiales (OSO) para los proyectos clandestinos a los que
el gobierno estadounidense daba cobertura, protegieron a la OUN y
trabajaron estrechamente con el Ejército Insurgente Ucraniano (UPA)
antisoviético “en actividades de guerra psicológica dirigidas contra
objetivos polacos, checoslovacos y rumanos en la frontera ucraniana”.
El OPC y la OSO “están de acuerdo en que la organización ucraniana
[Consejo Supremo de Liberación de Ucrania], órgano de gobierno de la
OUN, ofrece oportunidades inusuales para penetrar en la URSS y ayudar al
desarrollo de movimientos clandestinos detrás del Telón de Acero.
La operación de la CIA recibió el nombre en clave de Pbcruet-Aerodynamic, basado en un documento de alto secreto fechado el 17 de junio de 1950.
LA OUN
El congreso del partido de la OUN de agosto de 1939 abogó por un
estado “étnicamente uniforme”, concepto que se intensificó después de
1941 con su compromiso de una “operación de purificación contra todos
los enemigos de la raza”. Los judíos de Ucrania, que sumaban alrededor
de 1,5 millones, fueron prácticamente aniquilados por los alemanes,
ayudados por el Ejército Insurgente Ucraniano de la OUN, la policía
ucraniana y los ciudadanos ucranianos de a pie. La OUN estaba compuesta
por una serie de fascistas ucranianos, nazis y otros elementos
extremistas, pero también por Guardias Hlinka eslovacos, SS ucranianos
de la 14 División de Granaderos de las Waffen-SS (Galicia) y SS alemanes
mercenarios.
El asesinato masivo de polacos (estimado entre 100.000 y 200.000) se
intensificó en 1943, con la participación activa del UPA. La OUN-UPA
también colaboró con los alemanes para exterminar a miles de rusos
ucranianos. Su autoproclamado “primer ministro”, Yaroslav Stetsko, describió a los rusos como una raza bárbara, no europea, descendiente de los mongoles y los hunos.
Después de la guerra, Estados Unidos no vio ningún problema en
colaborar estrechamente con Stetsko, quien, en su propia biografía
(1941), escribió: “Considero que el marxismo es un producto del espíritu
judío, que fue aplicado en la prisión de los pueblos moscovitas por el
pueblo moscovita-asiático con la ayuda de los judíos. Moscú y la judería
son los mayores enemigos de Ucrania y los portadores de las corruptas
ideas internacionales bolcheviques… Por lo tanto, apoyo la destrucción
de los judíos y la oportunidad de llevar a Ucrania los métodos alemanes
de exterminio de los judíos impidiendo su asimilación”.
Esto ocurrió un año después de que el hombre de Oliver North y futuro
presidente de la Liga Anticomunista Mundial, John Singluab, visitara la
sede de la OUN-B/ABN de Yaroslav Stetsko en Munich y hablara en la
fiesta de cumpleaños simulada de la UPA en el Capitolio.
Retrospectiva
A principios de la década de 1950, después de lanzar en paracaídas a
85 agentes en Ucrania, tres cuartas partes de los cuales fueron
capturados, la CIA admitió que el proyecto era un fracaso estrepitoso.
Esto no impidió que los guerreros de la Guerra Fría utilizaran
mercenarios para efectuar cambios de régimen en otros lugares,
especialmente en el fracaso de Bahía de Cochinos una década después. Una
vez aplastada la insurgencia ucraniana, muchos banderistas, entre ellos
Mykola Lebed, uno de los fundadores de la OUN y teniente de Bandera entrenado por la Gestapo en métodos de tortura despiadados, emigraron.
Lebed, que había sido ministro de Asuntos Exteriores de la
organización y jefe de su célebre policía secreta, fue descrito por los
militares estadounidenses como un “conocido sádico y colaborador de los
alemanes”. Después de la guerra, emigró a Munich, donde desempeñó un
importante papel en la nueva Radio Europa Libre, el órgano de propaganda
financiado por Estados Unidos que emitía a Europa del Este y que estaba
dirigido en secreto por la CIA. A la RFE se le unieron Radio Liberty
(también dirigida por la CIA y dirigida a la Unión Soviética) y la Voz
de América para transmitir no sólo propaganda sino también mensajes
codificados unidireccionales a los saboteadores “dejados atrás”.
Durante la guerra, Lebed fue, al parecer, un buen estudiante y el
favorito de la Gestapo alemana. Más tarde, reubicado en Múnich, Lebed
disfrutó del patrocinio (al igual que Bandera) del oficial de
inteligencia nazi Reinhard Gehlen, que a su vez tenía estrechos vínculos operativos con la CIA.
Gehlen se convirtió entonces en el jefe de la inteligencia de
Alemania Occidental, empleando a los nazis con los que había trabajado
durante la guerra y ayudando a la CIA compartiendo información sobre
Europa del Este. Cuando Lebed se enemistó con la OUN-B en Alemania
después de la guerra, la CIA lo llevó de contrabando a Estados Unidos
junto con otros muchos ultranacionalistas ucranianos.
Con el respaldo del director de la CIA, Allen Dulles, Lebed
trabajó en Nueva York (y vivió en el acaudalado condado de Westchester)
bajo un nombre falso como oficial de inteligencia antisoviético y se le
concedió la ciudadanía. Los derechistas ucranianos del pasado y del
presente han sido durante mucho tiempo instrumentos de la política de la
Guerra Fría.
“Los antiguos miembros de la resistencia ucraniana que se encuentran
ahora en Estados Unidos”, escribió la CIA en un documento de alto
secreto de 1950, “serán explotados al máximo”.
Al comienzo de la Guerra Fría, cientos, si no miles, de nazis,
incluidos criminales de guerra como el oficial de las SS Otto von
Bolschwing (uno de los principales organizadores de la Solución Final y
adjunto de Adolf Eichmann), fueron llevados a Estados Unidos desde
Alemania, Ucrania, los Balcanes, los Estados bálticos y Bielorrusia.
Entre ellos estaba también Adolf Heusinger, “uno de los muchos altos
cargos nazis y fascistas que se habían integrado en las redes militares y
de inteligencia estadounidenses”. Heusinger había sido Jefe de Estado
Mayor del ejército de Hitler y de 1961 a 1964 fue nombrado Presidente
del Comité Militar de la OTAN. La transición de nazi de alto rango a
comandante militar del “mundo libre” fue, pues, perfecta.
Mientras tanto, la exigencia de Bandera de tener el control total de
la OUN provocó fricciones dentro de la dirección fascista con sede en
Alemania. En 1950 Estados Unidos y Reino Unido planearon operaciones
conjuntas en Ucrania, pero la CIA decidió trabajar más estrechamente con
el ZP/UHVR (la representación en el extranjero del Consejo Supremo de
Liberación de Ucrania, la organización que aglutinaba a todas las
formaciones nacionalistas de derechas), mientras que el MI6 británico
hizo de Bandera su principal contacto entre los ucranianos.
Cuando Bandera fue ejecutado en 1959 después de que Estados Unidos se
negara a extraditarlo a la Unión Soviética por crímenes de guerra,
Stetsko asumió la dirección de la OUN.
Con el colapso de la Unión Soviética en 1991, Estados Unidos pensó
que tenía a Rusia a su alcance. Bajo el gobierno autocrático de Boris
Yeltsin, que se alimentaba de vodka, se invitó a Estados Unidos a
dirigir un programa neoliberal de “terapia de choque”, que condujo a la
destrucción total de la economía rusa.
El capitalismo al estilo estadounidense ha conducido a una grave
depresión con desempleo masivo, caída de los salarios, pérdida de las
pensiones, adquisición por parte de los oligarcas de industrias antes
controladas por el Estado, aumento de la desigualdad y la pobreza,
aumento del alcoholismo y una importante disminución de la esperanza de
vida.
Aunque Yeltsin opuso cierta resistencia, el gobierno de Clinton
consiguió ampliar la OTAN a Polonia, la República Checa y Hungría,
violando los acuerdos alcanzados entre George H.W. Bush y Mijail
Gorbachov de no extender la organización militar “ni una pulgada” hacia
el este. Esta falsa promesa debía ser una concesión a los soviéticos
para que no bloquearan la reunificación alemana y el ingreso en la OTAN.
Considerações sobre a obra da filósofa húngara a partir da leitura crítica feita por Dussel
“Projeto filosófico de Ágnes Heller”[i]
é um diálogo perdido, porque este ensaio de Enrique Dussel não recebeu
nenhuma resposta de Heller, a não ser uma piada de altiva indiferença:
“Lembro-me de que também encontrei Enrique Dussel em Cartagena. Ele
afirma que eu sou muito eurocêntrica. Na realidade, Dussel diz isso a
todos os filósofos que não nasceram em uma terra do Sul. Nunca entendi o
que quisesse dizer, porque a formação que ele teve, a meu ver, também
vem da Europa; que ele a tenha mediado com seu contexto é outra questão,
mas não entendo por que deva fazer essa distinção. Tenho muita simpatia
e estima pelo pensamento de Dussel, mas, certamente, temos posições
diferentes no que diz respeito a Marx e ao marxismo”.[ii]
Heller não entende que o sentido da crítica ao eurocentrismo se
dirige justamente à divergência de interpretação em relação a Marx e ao
marxismo. Para dizer o essencial, Dussel retoma precisamente a ética de
Marx, que Heller vislumbrou apenas em sua fase húngara, ou seja, uma
ética dos valores, mas para Dussel em Marx, mais do que uma ética dos
valores, há uma ética que surge da crítica à economia política,
portanto, da reflexão econômica de Marx que, segundo o filósofo
latino-americano, está ausente na reflexão da filósofa húngara.[iii]
Em particular, Dussel observa que Heller deu pouca atenção à crítica
marxista da economia política, na qual, exatamente, a ética de Marx está
contida. Heller não entendeu muito bem o que significava para Marx a
exploração do trabalho vivo, ou seja, da vida material do trabalhador e
afirma: “Para Marx o ‘trabalho vivo’, o sujeito vivo e corpóreo […] do
trabalho, o trabalhador, não pode ter valor de troca, pois é a ‘fonte
criadora do valor’. O sujeito vivo, sua ‘vida humana’ é o critério de
validade do valor, seu fundamento, e é a partir da vida humana do
trabalhador que se julga […] o capital como causa de sua morte, pobreza,
desrealização, negação”.[iv]
Essencialmente, Heller teria confundido o bem, isto é, uma vida boa
para o trabalhador, com o valor, por isso argumentou que Marx teria
desenvolvido uma ética dos valores, enquanto Dussel insiste que em Marx
há uma ética da vida material.
Além disso, para Dussel, em Marx há também uma posição ética que
surgiu nele junto com sua crítica à economia política e que pode ser
resumida na expressão “colocar-se ao lado das vítimas do sistema”, ou
seja, Marx tomou partido dos trabalhadores ingleses, que eram as vítimas
do incipiente sistema capitalista industrial da Inglaterra do século
XIX. Heller nunca se colocou do lado de nenhuma vítima. Ela mesma foi
vítima do sistema do socialismo realizado, mas depois escolheu seu
“lugar” no mundo anglo-saxão. É uma escolha muito respeitável, mas
também criticável. Não escolheu tomar partido para defender os direitos
das minorias, como os indígenas australianos ou os afro-americanos
estadunidenses. A posição que Dussel assume, ou melhor, o “lugar” no
qual se enraíza para assumir outra tradição cultural que enriqueça a
europeia, o “lugar” que escolhe, quer dizer, estar ao lado das vítimas
do sistema de exploração e exclusão representado pela atual
globalização, nos faz entender que o eurocentrismo não é uma questão de
formação cultural, mas de crítica emancipatória e de reconhecimento de
valores universais.
Dussel tem um conhecimento muito amplo e muito profundo das obras de
Marx, portanto, seu julgamento sobre o filósofo alemão pode ser
considerado particularmente convincente. Dussel não reconhece a
existência de uma ética dos valores em Marx, como, ao contrário,
argumenta Heller. Por sua vez, a ética de Dussel não se baseia em
valores, porque nenhum valor pode ser superior à vida, porque sem a vida
nenhum valor é viável ou sustentável: sem a vida não pode haver
liberdade, país, partido, ideais etc. A vida é a condição para fundar
valores, então, a ética de Dussel é uma ética material, fundada em
categorias da vida material: produção, reprodução e desenvolvimento da
vida.
Dussel reconhece que Heller utilizou em sua ética algumas dessas
categorias materiais, herdadas de Lukács, mas gastas sobretudo em um
sentido individualista[v],
não comunitário, como, ao contrário, afirmava seu professor. De fato,
no decorrer de sua produção filosófica, Heller, aos poucos, abandonou a
posição lukácsiana para se aproximar cada vez mais e decisivamente de
Hartmann, que era justamente um dos objetivos críticos de Lukács.
Continuando no próprio percurso filosófico, Heller acabou adotando
concepções que vinham de Schopenhauer, Schelling, Kierkegaard e
Nietzsche que eram os principais objetivos críticos de Lukács, que os
acusa de irracionalismo, em sua A destruição da razão, uma obra
amplamente criticada como stalinista pelo ambiente filosoficamente
dominante. No entanto, Heller, que conviveu com o mestre por pelo menos
vinte e cinco anos e justamente no período em que escrevia aquela obra,
deveria saber que aquela obra era essencialmente antistalinista, que as
críticas de Lukács tinham mais pontos de validade.
Em termos técnicos e gerais, Heller desenvolveria uma moral mais do
que uma ética, sendo a moral dirigida ao indivíduo e a ética à
comunidade dos indivíduos. Esse caráter individualista de Heller aparece
mais claramente em seu livro sobre o Renascimento, no qual Dussel a
contesta precisamente por ter negligenciado as etapas históricas que
sustentam essa tradição tipicamente eurocêntrica, ou seja, o Egito que
influenciou fortemente a cultura judaico-cristã e a própria cultura
grega e depois a influência árabe na Idade Média cristã e, portanto, na
cultura renascentista: “O chamado eixo ‘Jerusalém-Atenas-Florença’ é
helenocêntrico, e o ‘Atenas-Florença’ é eurocêntrico e metropolitano […]
As coisas são mais complexas e interessantes”. E, um pouco antes, tinha
observado que em suas obras de sistema histórico “Não há nenhum autor,
mas também nenhum exemplo de fato histórico, da China, da Índia, do
Sudeste Asiático, do mundo muçulmano”.[vi]
Dussel também critica Heller, porque não usou em seu benefício o
próprio judaísmo, como fizeram outros filósofos do século XX, como
Bloch, Benjamin, Rosenzweig ou Buber. Nessa recusa substancial, Dussel
vê um paralelo com a outra grande filósofa do século XX, Hannah Arendt,
de quem Heller quis herdar a cadeira da prestigiosa New School for Social Research, em Nova York.
Heller é autora de uma excelente Ética geral, que começa com
um capítulo intitulado “A condição humana”. Sabe-se o que é a condição
humana no século XXI, ou seja, grande parte da humanidade vive em uma
condição de exploração e de exclusão, não está em condições de ter
valores universais como aqueles que podem, ao contrário, referir-se à
parte privilegiada da humanidade. Outros filósofos, todos eurocêntricos,
tentaram desenvolver éticas baseadas em valores universais, e a crítica
de Dussel se dirigiu para eles, como Heller aponta acima. Apenas um
deles, Karl-Otto Apel, aceitou o diálogo e argumentou uma série de
respostas com Dussel, mostrando, assim, que o eurocentrismo não é uma
condição permanente, mas também pode ser uma excelente posição para
confrontar o Outro para chegar juntos à definição de uma ética
universal.
A crítica de Dussel é, contudo, profundamente corrosiva e põe em
causa todo o desenvolvimento da filosofia de Heller, sobretudo na fase
anglo-saxã, após sua saída da Hungria comunista, seguindo livro após
livro até ao momento da elaboração do “Projeto filosófico de Ágnes
Heller”, isto é, de 2000. Até então Dussel é solidário com Heller,
mostrando também alguns paralelos autobiográficos com os acontecimentos
vividos por Heller durante o período do comunismo; solidariedade ditada
por ambos serem vítimas dos sistemas políticos nos quais se encontravam,
vivendo e realizando atividades intelectuais.
Permito-me uma observação pessoal, tendo vivido dois anos na Hungria
comunista, porém no período final daquele regime (1984-1986) e na
Argentina por oito anos, mas no período democrático (1993 e 1998-2004),
embora fortemente ainda marcada pela Guerrasucia. Os
dois regimes não eram de forma alguma comparáveis: a partir dos anos
setenta não havia mais prisioneiros por motivos políticos na Hungria e,
de fato, Heller, felizmente, nunca passou um dia na prisão; Dussel, por
outro lado, sofreu um atentado na sua casa em Mendoza e escapou
literalmente da captura pelo exército argentino, refugiando-se no
México. Heller voltou para a Hungria, onde morreu em 2019, Dussel nunca
mais voltou a morar na Argentina. Nos últimos anos, Heller desenvolveu
uma crítica ao sistema Orbán que sufoca os direitos políticos e civis na
Hungria[vii]que,
infelizmente, Dussel não incorporou em seu ensaio por óbvias razões
cronológicas, mas que encontrou sua aprovação, segundo me disse
pessoalmente.
Heller sempre fez a própria escolha intelectual a partir de condições
vantajosas: o regime húngaro do socialismo realizado não garantia
liberdade de expressão e mobilidade pessoal fora das fronteiras do país,
mas garantia uma formação cultural nos melhores níveis da cultura
europeia. Além disso, Heller tornou-se aluna de Lukács, que era, sem
dúvida, um dos melhores filósofos do século XX. De fato, as primeiras
obras, como Sociologia da vida cotidiana, foram escritas sob a influência de Lukács, retomando alguns temas da Ontologia do ser social do mestre, ainda inéditos na época. A pesquisa de Heller permaneceu ainda no campo marxista em Para uma teoria marxista do valor,
na qual são retomados alguns temas das notas sobre a ética que Lukács
tinha preparado para um de seus livros sobre a ética, que nunca escreveu
por causa da morte; mas, seja como for, se trataria de uma ética dos
valores, de uma ética axiológica.
A obra que deu fama mundial a Heller foi A teoria das necessidades em Marx,
que chamou a atenção para a vida material em um momento histórico no
qual a crise do sistema capitalista de produção começava a emergir. A teoria das necessidades em Marx
pode ser considerada a última obra marxista de Heller. Heller, porém,
não compreendeu – Dussel a repreende – que o trabalhador está submetido a
uma condição de divisão radical do próprio ser: sua capacidade de
trabalho está dentro do sistema, suas necessidades, sua vida material,
estão fora do sistema. Heller, depois, se distanciou de seu mestre, mas
esse é o destino que os excelentes alunos reservam aos melhores mestres:
uma vez que o aluno aprendeu a percorrer o caminho do pensamento,
escolhe seus próprios caminhos. Heller também começou a se distanciar do
marxismo e já em sua Filosofia radical afirmou tomar partido
de uma filosofia radical. Dussel não contesta essa evolução de Heller,
contesta, quando muito, o percurso do Centro ao Centro, contesta, aliás,
que sua filosofia não seja tão radical, é uma definição de direitos,
não é uma tomada de partido pela vida, sobretudo pela vida das vítimas,
do Outro.
Essa mudança de perspectiva pode ser vista nas obras já escritas em inglês, começando pela Teoria da história, na qual aparece claramente a nova posição de Heller, que agora encontrou o “lugar” mais adequado para ela. Esta Teoria da história
é pensada para o Centro do mundo, ou seja, Europa e América do Norte,
no livro – observa Dussel – não há o menor indício de eventos históricos
que sejam periféricos, como se a história estivesse concentrada apenas
no Centro, o que indica que falta a compreensão da dialética histórica
da relação contrastante entre Centro e Periferia. Em resumo, segundo
Dussel, trata-se da reproposta do paradigma da filosofia da história de
Hegel, já arcaico no século XIX, absolutamente infundado no século XX;
arcaico porque é incapaz de entender que o desenvolvimento econômico,
social, político e sobretudo espiritual do Centro Euro-Norte-Americano
foi possível porque a Periferia era explorada, ocultada, negada.
Em Teoria dos sentimentos, retornam os temas da
individualidade, embora com importantes percepções que revelam a
capacidade que Heller possui de dominar o pensamento dos filósofos do
passado. A essa altura, porém, Heller se afastou decididamente dos
próprios temas críticos do período húngaro, tanto que também revisará as
bem-sucedidas teses de A teoria das necessidades em Marx, para se aproximar mais da moral kantiana[viii].
Basicamente, o que faz a diferença entre Heller e Dussel é o uso que
fazem do pensamento de Marx: Dussel extrai de Marx as categorias para
entender e julgar o mundo atual, Heller aceitou o paradigma neoliberal
ao qual deveria ter contrastado. Os temas críticos em Heller só retornam
quando, junto com Ferenc Fehér ou György Markus, retorna à análise
crítica do socialismo realizado, ilustrando sua mentalidade, economia,
vida cotidiana e elaborando aquela esclarecedora categoria de “ditadura
sobre necessidades” que, embora não se adapte totalmente à Hungria de
Kádár, a qual Heller deixou, é perfeitamente adequada a outros sistemas
socialistas existentes, mas com a distinção que Heller não faz: as
necessidades nos países do socialismo realizado eram oprimidas, mas
reconhecidas – as pessoas não morriam de fome, mesmo que vivessem
miseravelmente –, no sistema capitalista de produção se é livre para
morrer de fome.
Seu mestre Lukács sempre se lembrava de um ditado de Anatole France:
no sistema liberal burguês não é proibido a um pobre viver debaixo de
pontes! Dussel acrescenta: uma coisa é morar em Nova York, outra em
Calcutá[ix].
Agora, a diferença de classe e de vida material não está mais apenas
sob os olhos, mas se estendeu a toda a humanidade. O pobre faminto
africano, ou índio, ou trabalhador latino-americano superexplorado são
nossos vizinhos, porque a exploração capitalista se globalizou, entrou
na vida não apenas dos homens, mas também das mulheres, crianças, idosos
da periferia, além de atacar a natureza de maneira cada vez mais
poderosa. É preciso ter uma economia ecológica, repensar toda a
modernidade e, sobretudo, a pós-modernidade, que ainda queria um
capitalismo, embora reformado.
Heller responde a essa agenda no máximo com uma forte crítica à
esquerda ocidental, que Heller acusa de ainda perseguir o mito do
Terceiro Mundo, do herói revolucionário. São críticas que dentro do
movimento intelectual de esquerda abriram brechas profundas, sobretudo o
Partido social-democrata australiano sofreu as consequências mais
desastrosas. Essas críticas são cronologicamente contemporâneas ao
nascimento do mito da “Terceira Via” na esquerda ocidental, que também
está cansada de apoiar uma política para o Terceiro Mundo. Claro que
Heller era a favor do movimento pacifista nos anos finais da Guerra
Fria, mas mesmo naquela ocasião o alinhamento é unilateral, como se a
ameaça nuclear chegasse apenas do Oriente.
Seguindo a moda de superação das diferenças em A condição política pós-moderna,
Heller assume concepções de estilo arendtiano, ou seja, desconsiderando
as diferenças substanciais entre o nazismo e o stalinismo, reunindo-os
na categoria mais geral do totalitarismo. A superação da modernidade não
é vista na emancipação dos excluídos e explorados, mas na realização
racional e moderada dos preceitos neoliberais. A condição na qual pode
acontecer essa tomada de partido acrítica a favor de uma democracia
liberal é, segundo Dussel, deixar de lado a questão socioeconômica,
querendo acreditar que a política seja a questão central da sociedade
contemporânea. Essa posição nos faz pensar que para a última Heller a
batalha a ser travada ainda seja a da sua permanência na Hungria
comunista.
Heller parece não perceber que, paradoxalmente, sua condição de
intelectual, vítima do regime húngaro do socialismo realizado, a obriga
moralmente a continuar lutando pela emancipação daqueles que se
encontram em uma condição de exclusão ainda mais radical do que ela
mesma viveu até 1978. Recusando-se a compreender a grande condição de
exploração da maioria da humanidade e fechando-se no pequeno círculo da
cultura eurocêntrica, Heller acaba por derrubar suas antigas posições:
do pensamento revolucionário passou lentamente ao pensamento
conservador.
Conservador é pensar que a justiça seja uma questão moral, ou seja, individual, como argumenta Heller em Além da Justiça.
Era, no fundo, a posição do último Lukács, que se opunha ao regime
stalinista com o único instrumento de que dispunha: a caneta. Lukács era
o homem bom, que serviu de modelo para Heller, para além das críticas
que ela mesma lhe dirigiu; críticas que se centravam em um ponto
essencial: Heller rejeitava a reformabilidade do sistema do socialismo
realizado, como Lukács, ao contrário, esperava. Basicamente, Heller o
repreendia por uma “reconciliação com a realidade”, que ela mesma
realizou. A “reconciliação com a realidade” é sempre uma posição
conservadora. Heller acabou na mesma posição do seu antigo mestre: pensa
que o sistema neoliberal seja reformável, que possa ser conservado com
algumas pequenas variações, uma operação de “maquiagem”.
Afastando-se de suas posições críticas do período húngaro até abraçar
a ideologia do neoliberalismo dominante hoje, Heller vê uma espécie de
fim da história: “Acredito que a democracia liberal seja o melhor que
podemos alcançar. E não acredito que haverá outro sistema econômico
depois do capitalismo”[x].
Trata-se, obviamente, de renunciar a qualquer posição crítica ao
neoliberalismo e ao existente. Então, o que Heller diria a uma daquelas
vítimas do sistema dominante explorador, globalizante e excludente? A
democracia liberal e o capitalismo são os melhores e insuperáveis, então
é necessário se adaptar ao que existe, aceitá-lo sem nem mesmo esperar
por um futuro melhor. Justamente tudo aquilo que ela não fez na Hungria
comunista.
Heller poderia argumentar que estava se esforçando para alcançar algo
existente, enquanto a vítima não tem um mundo alternativo para o qual
apelar. Dussel lhe responderia que a vítima tem apenas a própria vida, a
única vida que pode ter e que vê diminuir a cada dia que passa e que
lhe resta apenas a esperança da luta para viver alguns dias a mais. Esta
seria a conclusão do diálogo iniciado por Enrique Dussel, mas rejeitado
por Ágnes Heller.
*Antonino Infranca é doutor em filosofia pela Academia Húngara de Ciências. Autor, entre outros livros, de Trabalho, indivíduo, história – o conceito de trabalho em Lukács (Boitempo).
Notas
[i] Cf. E. Dussel, “Proyecto filosófico de Ágnes Heller. Diálogo desde la filosofía de la Liberación”, in: Hacia una filosofía política crítica, Bilbao, Desclée de Brouwer, 2001, pp. 243-278.
[ii] A. Heller, I miei occhi hanno visto, con F. Comina e L. Bizzarri, Trento, Il margine, 2012, p. 107.
[iii] Cf. E. Dussel, “Proyecto filosófico de Ágnes Heller”, cit., p. 26.