As alienações dos professores
No plano mais visível, a alienação material do docente revela-se na sobrecarga, nos múltiplos vínculos, nas tarefas que jamais se encerram. A sala de aula invade o lar, as plataformas digitais sequestram o tempo de descanso, os relatórios substituem o exercício pleno da reflexão.
O professor se multiplica em funções: orientador, pesquisador, executor de projetos, gestor de si e dos outros – quase sempre sem tempo para ser, de fato, mestre. A cada ciclo de avaliações, novas metas são impostas. A cada edital, renova-se a promessa de reconhecimento que nunca se realiza. O resultado é o acúmulo silencioso do cansaço, da frustração, da sensação de ausência nos espaços de afeto.
O trabalho docente, antes experiência de partilha, vira travessia solitária e marcada pela culpa: quantos jantares, quantos momentos com os filhos, quantas conversas fiadas são sacrificadas para atender a demandas institucionais que se renovam ao infinito.
Ao lado desse esgotamento objetivo, há uma alienação menos visível e ainda mais corrosiva: a expropriação da linguagem do próprio professor. O docente vê-se obrigado a comunicar-se com um léxico estranho, marcado pelo idioma dos editais, das métricas e das autoavaliações compulsórias. A palavra, que deveria ser espaço de invenção e de pensamento, é domesticada pela lógica do desempenho.
Relatórios, artigos e projetos são formatados para caber nas exigências institucionais e para pontuar em rankings que pouco dialogam com a experiência real da sala de aula e da pesquisa crítica. O docente aprende, não sem sofrimento, a apagar sua voz – e a falar segundo as regras do jogo. Perde-se, aí, o sabor do inesperado, da dúvida, do tropeço criativo, da escuta autêntica.
*João dos Reis Silva Júnior é professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autor, entre outros livros, de Educação, sociedade de classes e reformas universitárias (Autores Associados) [https://amzn.to/4fLXTKP]
Sem comentários:
Enviar um comentário