Reviravoltas da crítica da economia política: conheça a história por trás da escrita de “O capital”
Por Marcello Musto
Marx somente começou a escrever O capital muitos anos depois de iniciar seus estudos rigorosos de economia política. Desde 1843, ele já trabalhava com grande intensidade em direção àquela que mais tarde ele definiria como sua própria “Economia”.
Foi a erupção da crise financeira de 1857 que o forçou a começar seu trabalho. Marx estava convencido de que a crise que se desenvolvia em nível internacional criava as condições para um novo período revolucionário em toda a Europa. Ele esperava por esse momento desde as insurreições populares de 1848 e, agora que finalmente parecia ter chegado, não queria que os eventos o pegassem despreparado. Então, decidiu retomar seus estudos econômicos e dar-lhes uma forma acabada.
Esse período foi um dos mais fecundos da sua vida: em poucos meses, conseguiu escrever mais do que nos anos precedentes. Em dezembro de 1857, escreveu a Engels: “Estou trabalhando como louco durante toda a noite e todas as noites, reunindo meus estudos econômicos para que eu possa ao menos ter os fundamentos [Grundrisse] claros antes do dilúvio”.1
O trabalho de Marx era agora notável e abrangente. De agosto de 1857 a maio de 1858, ele preencheu os oito cadernos conhecidos como Grundrisse, enquanto, como correspondente do New-York Tribune (o jornal de maior circulação nos Estados Unidos da América, com o qual colaborou a partir de 1851), escreveu dezenas de artigos sobre, entre outras coisas, o desenvolvimento da crise na Europa. Por fim, de outubro de 1857 a fevereiro de 1858, compilou três livros de excertos, chamados de Cadernos sobre as crises2. Graças a isso, é possível mudar a imagem convencional de um Marx que estuda a Ciência da lógica de Hegel à procura de inspiração para os Manuscritos de 1857-1858, pois, naquela época, ele estava muito mais preocupado com os eventos ligados à maior crise já prevista. Ao contrário dos excertos que havia produzido anteriormente, esses manuscritos não eram compêndios das obras dos economistas, mas consistiam em uma grande quantidade de notas, recolhidas de vários jornais, sobre os principais desenvolvimentos da crise, tendências do mercado de ações, flutuações cambiais e falências importantes na Europa, nos Estados Unidos da América e em outras partes do mundo. Uma carta escrita a Engels em dezembro indica a intensidade de sua atividade:
“Estou trabalhando intensamente, como regra, até às quatro horas da manhã. Estou empenhado numa dupla tarefa: 1. Elaborar os fundamentos da economia política. (Para o benefício do público, é absolutamente essencial abordar o assunto a fundo, assim como é, para mim mesmo, individualmente, livrar-me desse pesadelo.) 2. A crise atual. Além dos artigos para o [New-York] Tribune, tudo o que faço é manter registros dela, o que, no entanto, leva uma quantidade considerável de tempo. Eu acho que, em algum momento da primavera, devemos fazer juntos um panfleto sobre o assunto.”3
Os Grundrisse foram divididos em três partes: uma “Introdução” metodológica, um “Capítulo do dinheiro”, no qual Marx se ocupou do dinheiro e do valor, e um “Capítulo do capital”, centrado no processo de produção e circulação do capital, e que abordou temas-chave, como o conceito de mais-valor e as formações econômicas que precederam o modo de produção capitalista. Contudo, mesmo o imenso esforço de Marx não lhe permitiu completar o trabalho. No fim de fevereiro de 1858, ele escreveu a Lassalle:
“Na verdade, tenho trabalhado nas etapas finais há alguns meses. Mas a coisa está indo muito devagar porque não se consegue dispor finalmente dos assuntos aos quais se devotou anos de estudo antes que eles comecem a revelar novos aspectos e demandar que se pense mais. (…) O trabalho que atualmente me preocupa é uma crítica das categorias econômicas ou, se quiser, uma exposição crítica do sistema da economia burguesa. É ao mesmo tempo uma exposição e uma crítica do sistema. Eu tenho pouquíssima ideia de a quantas folhas isso vai chegar. (…) Agora que estou finalmente preparado para trabalhar depois de 15 anos de estudo, tenho, no final das contas, uma sensação desconfortável de que os movimentos turbulentos vindos de fora provavelmente interferirão.”4
Não havia sinal do tão esperado movimento revolucionário que deveria nascer juntamente com a crise. Marx também abandonou o projeto de escrever um volume sobre a crise atual. Ainda assim, ele não conseguiu terminar o trabalho com o qual lutava havia muitos anos, pois sabia que ainda estava longe de uma conceptualização definitiva dos temas abordados no manuscrito. Portanto, os Grundrisse permaneceram apenas um rascunho, do qual — depois de ter trabalhado cuidadosamente o “Capítulo do dinheiro” —, em 1859, ele publicou um pequeno livro sem repercussão pública: Para a crítica da economia política.
Em agosto de 1861, Marx voltou a dedicar-se à crítica da economia política, trabalhando com tanta intensidade que, em junho de 1863, havia preenchido 23 cadernos volumosos sobre a transformação do dinheiro em capital, sobre o capital comercial e, acima de tudo, sobre as diversas teorias por meio das quais os economistas tentaram explicar o mais-valor5. Seu objetivo era concluir Para a crítica da economia política, que tinha sido designada como a primeira parte do seu plano de trabalho. O livro publicado em 1859 continha um breve primeiro capítulo, “A mercadoria”, diferenciando valor de uso e valor de troca, e um segundo capítulo mais longo, “O dinheiro ou a circulação simples”, tratando das teorias do dinheiro como uma unidade de medida. No “Prefácio”, Marx declarou: “Examino o sistema da economia burguesa na seguinte ordem: capital, propriedade, trabalho assalariado; Estado, comércio exterior, mercado mundial”6.
Dois anos depois, o plano de Marx não havia mudado: ele ainda pretendia escrever seis livros, cada um dedicado a um dos temas listados por ele em 18597. No entanto, do verão de 1861 a março de 1862, ele trabalhou em um novo capítulo, “O capital em geral”, que pretendia tornar o terceiro capítulo no seu plano de publicação. No manuscrito preparatório contido nos primeiros cinco dos 23 cadernos compilados até o final de 1863, ele se concentrou no processo de produção do capital e, mais especificamente, em: 1) transformação do dinheiro em capital; 2) mais-valor absoluto; e 3) mais-valor relativo8. Alguns desses temas, já abordados nos Grundrisse, foram agora demonstrados com maior riqueza e precisão analítica.
Um alívio momentâneo dos imensos problemas econômicos que o atormentaram por anos permitiu a Marx dedicar mais tempo aos seus estudos e fazer significativos avanços teóricos. No final de outubro de 1861, ele escreveu a Engels que “as circunstâncias [tinham] finalmente se tranquilizado ao ponto que [ele tinha] ao menos um chão firme sob os [seus] pés novamente”. Seu trabalho para o New-York Tribune garantia “duas libras por semana”9. Ele também firmou um contrato com Die Presse, de Viena. Ao longo do ano anterior, ele havia “penhorado tudo que não estava efetivamente empenhado”, e sua condição deixou sua mulher profundamente deprimida. Mas agora a “dupla ocupação” prometia “colocar um fim à torturante existência levada por [sua] família” e permitir a ele “terminar seu livro”.
Não obstante, em dezembro, ele contou a Engels que foi forçado a deixar notas promissórias no açougue e no armazém e que sua dívida com variados credores chegou a cem libras10. Por conta dessas preocupações, sua pesquisa progredia devagar: “Dadas as circunstâncias, havia de fato uma possibilidade pequena de dar às questões teóricas resoluções rápidas”. Mas ele avisou a Engels que “a coisa está assumindo uma forma muito mais popular, e o método está em menor evidência que na Seção 1”11.
Nesse contexto dramático, Marx tentou pedir dinheiro emprestado à sua mãe, bem como a outros parentes e ao poeta Carl Siebel (1836-1868). Em uma carta a Engels no final de dezembro, explicou que essas foram tentativas de evitar “importuná-lo” constantemente. De toda forma, nenhuma surtiu efeito. Nem o contrato com Die Presse estava dando certo, pois eles estavam publicando (e pagando por) somente metade dos artigos submetidos ao jornal. Confidenciou em resposta às mensagens de feliz ano-novo enviadas por seu amigo que se o novo ano mostrasse “qualquer semelhança com o antigo” ele iria “mandar logo ao diabo”12.
As coisas voltaram a piorar quando o New-York Tribune, em face das restrições financeiras associadas à Guerra Civil Americana, teve de reduzir o número de seus correspondentes estrangeiros. O último artigo de Marx para o jornal foi publicado em 10 de março de 1862. A partir de então, ele teve de se virar sem aquela que tinha sido sua principal fonte de renda desde o verão de 1851. Naquele mesmo mês, o locador de sua casa ameaçou mover uma ação para recuperar o aluguel atrasado, e em tal caso — como contou a Engels —, ele seria “processado por tudo e por todos”13. E acrescentou logo em seguida: “Eu não estou indo bem com meu livro, já que o trabalho é frequentemente interrompido, ou seja, suspenso durante semanas a fio por distúrbios domésticos”14.
Durante esse período, Marx se lançou em uma nova área de pesquisa: Teorias do mais-valor15. Esta foi planejada para ser a quinta e última parte do longo terceiro capítulo sobre “O capital em geral”16. Em mais de dez cadernos, Marx dissecou minuciosamente a maneira como os principais economistas haviam tratado a questão do mais-valor; sua ideia fundamental era que “todos os economistas compartilham o erro de examinar o mais-valor não como tal, em sua forma pura, mas nas formas particulares do lucro e da renda”17.
No Caderno VI, Marx iniciou pela crítica dos fisiocratas. Em primeiro lugar, ele os reconheceu como os “verdadeiros pais da economia política moderna”18, já que foram eles que “assentaram as bases para as análises da produção capitalista” e buscaram a origem do mais-valor não na “esfera da circulação” — na produtividade do dinheiro, como pensavam os mercantilistas —, mas na “esfera da produção”. Eles entenderam o “princípio fundamental de que somente aquele trabalho que é produtivo cria mais-valor”19. Por outro lado, estando erroneamente convencidos de que o “trabalho agrícola” era “o único trabalho produtivo”, concebiam a “renda” como “a única forma de mais-valor”20. Eles limitaram sua análise à ideia de que a produtividade da terra possibilitou ao homem produzir “não mais do que o suficiente para mantê-lo vivo”. De acordo com essa teoria, então, o mais-valor aparecia como “uma dádiva da natureza”21.
Na segunda metade do Caderno VI, e na maior parte dos Cadernos VII, VIII e IX, Marx se concentrou em Adam Smith, que não compartilhava da falsa ideia dos fisiocratas, para quem “um só tipo definido de trabalho concreto — trabalho agrícola — cria mais-valor”22. De fato, aos olhos de Marx, um dos grandes méritos de Smith foi ter compreendido que, no processo de trabalho distintivo da sociedade burguesa, o capitalista “se apropria de graça, apropria-se sem pagar por isso, de uma parte do trabalho vivo”23; ou, novamente, que “mais trabalho é trocado por menos trabalho (do ponto de vista do trabalhador), menos trabalho é trocado por mais trabalho (do ponto de vista do capitalista)”24. A limitação de Smith, entretanto, foi sua incapacidade de diferenciar o “mais-valor como tal” das “formas específicas que ele assume no lucro e na renda”25. Ele calculou o mais-valor não em relação à parte do capital do qual se originou, mas como “um excedente sobre o valor total do capital adiantado”26, incluindo a parte que o capitalista gasta na compra de matérias-primas.
Marx expressou muitos desses pensamentos por escrito durante uma estada de três semanas com Engels em Manchester, em abril de 1862. Ao retornar, relatou a Lassalle:
“Quanto ao meu livro, não será concluído por mais dois meses. Durante o ano passado, para evitar morrer de fome, tive de fazer o mais desprezível trabalho por encomenda e, muitas vezes, estive por meses sem poder adicionar uma linha à ‘coisa’. Além disso, também possuo o hábito de encontrar falhas em qualquer coisa que escrevi e não olhei por um mês, de modo que eu tenho de revisá-la completamente.”27
[…]
Enquanto isso, as condições econômicas de Marx continuavam desesperadoras. Em meados de junho, ele escreveu a Engels: “Todos os dias, minha esposa diz desejar que ela e as crianças estivessem seguras em seus túmulos, e eu realmente não posso culpá-la, pois as humilhações, tormentos e alarmes pelos quais têm de passar em tal situação são de fato indescritíveis”. Já em abril, a família tivera de penhorar novamente todas as posses que havia recentemente recuperado da casa de penhor. A situação era tão extrema que Jenny decidiu vender alguns livros da biblioteca pessoal do marido — embora não conseguisse encontrar alguém que quisesse comprá-los.
Marx, no entanto, conseguiu “trabalhar duro” e, em meados de junho, manifestou sua satisfação a Engels: “Estranho dizer, mas minha massa cinzenta está funcionando melhor em meio à pobreza circundante do que funcionou por anos”28.
Continuando sua pesquisa, ele compilou os Cadernos XI, XII e XIII no decorrer do verão; eles se concentravam na teoria da renda, que ele decidiu incluir como “um capítulo extra”29 ao texto que estava preparando para publicação. Marx examinou criticamente as ideias de Johann Rodbertus (1805-1875) e então passou a uma extensa análise das doutrinas de David Ricardo (1772-1823). Negando a existência da renda absoluta, Ricardo admitia um lugar somente para a renda diferencial relativa à fertilidade e à localização da terra. Nessa teoria, a renda era um excesso: não poderia ser mais nada, porque isso contradiria seu “conceito de valor como sendo igual a certa quantidade de tempo de trabalho”30; ele teria de admitir que o produto agrícola era constantemente vendido acima do preço de custo, o qual calculou como a soma do capital adiantado e do lucro médio31. A concepção marxiana de renda absoluta, em contrapartida, estipulava que “sob certas circunstâncias históricas […] a propriedade fundiária de fato aumenta os preços das matérias-primas”.32
Na mesma carta dirigida a Engels, Marx escreveu ser “um verdadeiro milagre” que ele “tenha sido capaz de continuar [seu] escrito teórico a tal ponto”33. Seu locador tinha novamente ameaçado enviar os oficiais de justiça, enquanto os comerciantes com quem estava em débito falavam da retenção de suas provisões na fonte e em mover ação judicial contra ele. Mais uma vez, teve de recorrer a Engels para ajudá-lo, confidenciando que, não fossem sua esposa e filhas, ele “preferiria mudar para um abrigo a estar constantemente apertando [sua] carteira”34.
Em setembro, Marx escreveu a Engels que poderia conseguir um emprego “em um escritório ferroviário”35 no ano seguinte. Em dezembro, repetiu para Ludwig Kugelmann que as coisas se tornaram tão desesperadoras que “decidiu tornar-se um ‘homem prático’”; no entanto, essa ideia não vingou. Marx relatou com seu típico sarcasmo: “Por sorte — ou talvez devesse dizer azar? — não consegui o emprego por causa da minha má caligrafia”36. Enquanto isso, no início de novembro, ele confidenciou a Ferdinand Lassalle que havia sido forçado a suspender o trabalho “por cerca de seis semanas”, mas que estava “progredindo […] com interrupções”. “No entanto”, acrescentou, “isso certamente será concluído logo mais”37.
[…]
Seguindo os estudos sobre o capital comercial, Marx prosseguiu para aquela que pode ser considerada uma terceira fase dos manuscritos econômicos de 1861-1863. Isso começou em dezembro de 1862, com a seção sobre “capital e lucro” no Caderno XVI, que indicou como sendo o “terceiro capítulo”38. Nela, apresentou um esboço da distinção entre o mais-valor e o lucro. No Caderno XVII, também compilado em dezembro, voltou à questão do capital comercial (seguindo as reflexões do Caderno XV39) e ao refluxo do dinheiro na reprodução capitalista. No fim desse ano, Marx apresentou a Kugelmann um relatório do seu progresso, informando-lhe que “a segunda parte”, ou a “continuação da primeira parcela”, um manuscrito equivalente a “cerca de 30 folhas impressas”, estava “agora finalmente terminada”. Quatro anos após o primeiro esquema, presente em Para a crítica da economia política, Marx agora revisava a estrutura do seu plano de trabalho. Ele disse a Kugelmann que havia se decidido por um novo título, utilizando O capital pela primeira vez, e que o nome com o qual operou em 1859 seria “apenas o subtítulo”40. Fora isso, continuava trabalhando de acordo com o plano original. O que pretendia escrever seria “o terceiro capítulo da primeira parte, a saber, o capital em geral”41. O volume nas últimas etapas de preparação conteria “o que os ingleses chamam de ‘princípios da economia política’”. Juntamente com o que já havia escrito na edição de 1859, esse volume compreenderia a “quintessência” de sua teoria econômica. Com base nos elementos que estava preparando para tornar públicos, ele disse a Kugelmann, uma futura “sequência (com exceção, talvez, da relação entre as várias formas de Estado e as várias estruturas econômicas da sociedade) poderia ser facilmente perseguida por outros”.
Marx pensou que seria capaz de produzir uma “cópia final” do manuscrito no novo ano; em seguida, planejava levá-la pessoalmente para a Alemanha. Então pretendia “concluir a apresentação de capital, concorrência e crédito”42. Na mesma carta a Kugelmann, comparou os estilos de escrita no texto publicado em 1859 e no trabalho que estava então preparando: “Na primeira parte, o modo de exposição adotado estava certamente longe de ser popular. Isso se deveu em certa medida à natureza abstrata do assunto […]. A presente parte é mais fácil de entender porque trata de condições mais concretas”. Para explicar a diferença, praticamente se justificando, ele acrescentou:
“As tentativas científicas de revolucionar uma ciência nunca podem ser realmente populares. Mas, uma vez que as bases científicas são assentadas, a popularização é fácil. Novamente, se os tempos se tornarem mais turbulentos, pode-se selecionar as cores e nuances exigidas para uma apresentação popular desses assuntos específicos.”43
Poucos dias depois, no início do novo ano, Marx enumerou em mais detalhes as partes que conformariam seu trabalho.
[…]
As dificuldades financeiras de Marx persistiram durante esse período e, em verdade, começaram a piorar no começo de 1863. Ele escreveu a Engels que suas “tentativas de levantar dinheiro na França e na Alemanha [não deram] em nada”, que ninguém lhe forneceria alimentos a crédito e que “as crianças não [tinham] roupas ou sapatos para sair”44. Duas semanas depois, ele estava à beira do abismo. Em outra carta a Engels, confidenciou que havia proposto à sua companheira de vida o que agora parecia inevitável:
“Minhas duas filhas mais velhas serão empregadas como governantas pela família Cunningham. Lenchen deve começar o serviço em outro lugar, e eu, juntamente com minha esposa e a pequena Tussy, devemos morar no mesmo abrigo municipal onde Red Wolff já residiu com sua família.”45
Ao mesmo tempo, surgiram novos problemas de saúde. Nas primeiras duas semanas de fevereiro, Marx estava “estritamente proibido de qualquer leitura, escrita e também de fumar”. Sofria de “algum tipo de inflamação ocular, combinada com a mais desagradável crise nervosa”. Ele só pôde retornar aos seus livros na metade do mês, quando confessou a Engels que, durante os longos dias ociosos, esteve tão alarmado que “se entregou a todas as formas de fantasias psicológicas sobre como seria estar cego ou demente”46. Em pouco mais de uma semana, tendo se recuperado dos problemas oculares, desenvolveu um novo distúrbio hepático que o perseguiria por muito tempo. Visto que o dr. Allen, seu médico, teria imposto um “longo tratamento”, que significaria interromper todo o seu trabalho, ele pediu a Engels que conseguisse com o dr. Eduard Gumpert que recomendasse um “remédio caseiro” mais simples47.
Durante esse período, afora os breves momentos em que estudou maquinaria, Marx teve de suspender seus estudos econômicos mais abrangentes. Em março, no entanto, ele resolveu “compensar o tempo perdido com trabalho duro”48. Compilou dois cadernos, o XX e o XXI, que tratavam da acumulação, da subsunção real e formal do trabalho ao capital e da produtividade do capital e do trabalho. Seus argumentos estavam correlacionados ao tema principal de sua pesquisa no momento: o mais-valor.
No final de maio, escreveu a Engels que, nas semanas anteriores, também estudou a questão polonesa49 no Museu Britânico: “O que eu fiz, por um lado, foi preencher as lacunas do meu conhecimento (diplomático e histórico) acerca do caso russo-prussiano-polonês e, por outro lado, ler e anotar excertos de todo tipo de literatura anterior sobre a parte da economia política que elaborei”50. Essas notas de trabalho, escritas em maio e junho, foram reunidas em oito cadernos adicionais, que vão do A ao H, os quais continham centenas de outras páginas resumindo os estudos econômicos dos séculos XVIII e XIX51.
Marx também informou a Engels que, sentindo-se “mais ou menos capaz de trabalhar novamente”, estava determinado a “tirar o peso de seus ombros” e que, portanto, pretendia “fazer uma cópia final da economia política para impressão (e dar a ela um acabamento final)”. Contudo, continuava sofrendo com um “fígado muito inchado”52, e na metade de junho, apesar do “enxofre devastador”, ainda “não estava em forma”53. Em todo caso, voltou ao Museu Britânico e, em meados de julho, informou a Engels que estava mais uma vez dedicando “dez horas por dia ao trabalho sobre economia”. Esses foram precisamente os dias em que, ao analisar a reconversão do mais-valor em capital, ele preparou, no Caderno XXII, uma reformulação do Quadro econômico de Quesnay54. Em seguida, compilou o último caderno da série iniciada em 1861 — o XXIII —, que consistia principalmente em excertos e observações complementares.
Ao fim desses dois anos de trabalho árduo e após um reexame crítico mais profundo dos principais teóricos da economia política, Marx estava mais determinado do que nunca a completar a grande obra de sua vida. Embora ainda não tivesse resolvido em definitivo muitos dos problemas conceituais e expositivos, sua conclusão da parte histórica agora o levava a retornar às questões teóricas.
Este é um trecho do capítulo “A escrita de O capital: a crítica inacabada”, publicado em Repensar Marx e os marxismos, de Marcello Musto
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Para a crítica da economia política, de Karl Marx
Publicada
em 1859, esta é a primeira tentativa de Marx de publicar de maneira
sistemática sua crítica da economia política. Trata-se do único volume
que efetivamente veio à luz numa série prevista de seis livros. Oito
anos depois, remodelado o projeto inicial, a concepção ganharia corpo na
principal obra do autor, O capital, publicada em 1867. Para a crítica delineia os conceitos equivalentes ao que depois comporia a Seção I da obra-prima do filósofo alemão.
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