Eu vejo a utopia em variadíssimos actos individuais ou colectivos. Se não a reduzirmos exclusivamente a programas políticos que desenham sociedades perfeitas, poderemos encontrar sopros utópicos na pintura, na escultura, na literatura, na arquitectura, no cinema, de muitos e diversificados artistas, inclusivamente naqueles que mais nos parecem transmitir a tristeza e a dura realidade. Por vezes surgem-nos, as utopias, como evasões, escapes, pontos de fuga à bruta realidade do viver, ou insípida, rotineira. Contudo, inspiram em nós ou são inspiradas por desejos de alegria, de convivialidade, de projectos de uma outra vida, de rejeição da fealdade e da mentira. Uma pulsão de vida, uma força que move os seres para diante, para um horizonte onde está, ou pode estar, um mundo melhor, uma comunidade feliz. Há certas manifestações utópicas que são verdadeiramente comunitárias, ainda que, por vezes, inconscientes, impressionistas, abstractas. A utopia está ali onde se cria algo novo, porque é o Novo que se aspira. Por isso sou capaz de ver utopias nos concertos ao vivo que criam ou fortalecem laços colectivos, singulares explosões de confraternização -senão mesmo de fraternidade-, de união e identidade. E até as vejo na energia e nas crenças que mobilizam um povo à volta de disputas mundiais de futebol. A intensidade com que se abatem sobre todos o fracasso e a derrota, demonstra bem o grau de alegria e de expectativa, de união e de identidade, que se investiu.
Evidentemente que há utopias concretas e utopias impossíveis, a água e o ópio.
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