Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
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Publicado em “Études Marxistes” n.º 108 e em: http://www.marx.be/fr/content/la-russie-de-poutine-
%E2%80%94-ni-ange-ni-d%C3%A9mon
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2015/03/23
A Rússia de Pútin – nem anjo nem demónio
Willi Gerns*
Reflexões para uma análise marxista da política russa112
Tendo como pano de fundo os acontecimentos atuais na Ucrânia, vivemos hoje nos
países imperialistas uma campanha de ódio antirrussa quase sem precedentes. Na
Alemanha, faz recordar de modo terrível os anos da ditadura nazi e da Segunda
Guerra Mundial, assim como os do apogeu da guerra fria (na época, sob a forma de
antissovietismo). As ondas sonoras desta campanha têm mesmo um certo eco em
pessoas de esquerda. Ao contrário, encontra-se também, em reação a esta corrente,
um apoio incondicional à política russa que não tem em conta as relações de classe.
Nem uma nem outra destas abordagens pode ser comunista.
Relações de propriedade e de poder na Rússia
Enquanto marxistas, ao analisarmos a política de um Estado, partimos da questão de
saber qual é a ordem social, quais são as relações de propriedade e de poder em vigor
nesse país, quais são os interesses de classe que determinam essa política.
Esforçamo-nos também, através de uma «análise concreta de uma situação
concreta113» (Lenine), por perceber qual o papel atual deste país no contexto político
mundial.
Assim que aplicamos estes princípios à Rússia de hoje, temos de fazer as constatações
seguintes. A Rússia é um país capitalista no qual a maior parte dos meios de
produção passou para as mãos de detentores privados de capital na sequência da
contrarrevolução antissocialista. O que domina neste sector é a propriedade roubada
pelo clã dos oligarcas. Paralelamente, apesar das extensas privatizações, ainda
encontramos um grande setor de propriedade estatal ou mista de meios de produção
e meios financeiros. Sempre que se trata de empresas estratégicas nestes setores, o
Estado dispõe ainda de uma maioria de controlo.
112
Este artigo foi publicado pela primeira vez em Unsere Zeit, em junho de 2014, p.12.
113 Lénine, «O comunismo», Obras, t. 31, p. 168.
O poder político é exercido por uma elite dominante, na qual o poder da burocracia
superior do Estado se alia cada vez mais ao poder económico de certos clãs de
oligarcas. Em alusão ao órgão do poder supremo na União Soviética, os autores de
um estudo publicado em 2012 na internet114 sobre o mecanismo de poder no regime
de Pútin, designam o seu nível superior como o «Politburo 2.0». Esta quase
instituição do poder coletivo, segundo os autores – os politólogos russos Evgueni
Mitchenko (presidente da holding Mitchenko Consulting) e Cyril Petrow (dirigente da
secção de análise do Instituto Internacional de estudos superiores de política) –, terse-ia
formado ao longo dos anos 2000 a seguir à redistribuição dos recursos dos
pequenos clãs de oligarcas, a partir da destruição dos impérios mediáticos e da
liquidação de uma grande parte das chefias regionais.
O presidente Pútin apareceu sob a forma de árbitro e de moderador. O chefe de
Estado exercia igualmente um controlo direto sobre os contratos do gás a longo
prazo, a direção do sector energético e os bancos estratégicos. São os membros deste
grau superior do poder, e também das posições políticas e económicas, e os seus
sócios mais próximos que são designados como «candidatos ao Politburo 2.0».
A referência ao Burô político do comité central do PCUS é excessiva. Nessa altura
tratava-se do mais alto grau de um sistema de poder assente numa base económica
completamente diferente, mesmo oposta. Entretanto, a descrição que este estudo faz
da união, como nó do sistema, entre o poder político do Estado e o poder económico
de certos clãs de oligarcas particularmente próximos do Kremlin é, apesar de tudo,
pertinente. Pode, pois, falar-se – a despeito de todas as particularidades – de uma
variante do capitalismo monopolista de Estado na Rússia.
A Rússia, um país imperialista ?
O marxismo-leninismo considera o capitalismo monopolista de Estado como uma
variante do desenvolvimento do estádio imperialista do capitalismo. É por essa razão
que queremos abordar brevemente a questão de saber se, e em que medida, as
características essenciais do imperialismo que Lenine descreveu na sua obra O
Imperialismo estádio supremo do capitalismo se aplicam ao capitalismo russo de
hoje.
Não há qualquer dúvida de que aí se encontram as características económicas
fundamentais que são citadas na obra de Lenine. Especialmente, a existência do
domínio dos monopólios que desempenham um papel determinante na vida
económica; a fusão do capital bancário e do capital industrial e a criação de uma
oligarquia financeira na base do capital financeiro; também o papel cada vez mais
importante desempenhado pelo capital de exportação. Contudo, é também necessário
ter em conta as particularidades russas. Enquanto o domínio dos monopólios nos
países imperialistas clássicos foi o resultado de longos processos históricos de
concentração e centralização do capital, na Rússia de hoje ele é o resultado de um
processo criminoso relativamente curto em que grandes fatias da propriedade do
114 Ver www.mitchenko.ru/analitika. Este estudo foi discutido de forma pormenorizada no
número de Unsere Zeit de 14 de Setembro de 2012
.
povo foram pilhadas na altura da contrarrevolução antissocialista. Além disso, o
capital oligárquico desenvolveu-se então em estruturas ainda mais poderosas – pela
concentração e centralização. Também na Rússia o capital bancário e industrial se
fundiu, como mostra indubitavelmente a existência de conglomerados, e uma
poderosa oligarquia financeira nasceu. A tendência para o desenvolvimento dos
investimentos diretos russos no estrangeiro mostra que o capital de exportação
desempenha um papel cada vez mais importante. Isto é visível no território russo
como no estrangeiro, por força do entrelaçamento com o capital internacional. Em
conclusão: a Rússia de Pútine é um país capitalista no qual os fundamentos
económicos do capitalismo monopolista – um imperialismo com certas
particularidades – existem claramente.
No que se refere à política da Rússia, é necessário fazer uma distinção entre política
interna e externa e também entre dois níveis da política externa.
A política interna é determinada pelos lucros e interesses do poder da classe
dominante descritos mais acima. Está orientada, por um lado, para a criação de
condições favoráveis à exploração o mais eficaz possível da classe operária russa, mas
também, por outro lado, para o reforço da estabilidade do regime através quer de
concessões sociais, quer de uma política musculada.
Além disso, o posicionamento ocasionalmente positivo a respeito da herança da
União Soviética serve também para conseguir a vinculação de frações importantes do
povo russo ao regime de Pútin, frações que se sentem orgulhosas da superpotência
soviética como apogeu da história russa. Este orgulho exprime-se mesmo também,
numa certa medida, em frações da classe dominante, em particular naqueles que,
como Pútin, são originários do grupo dos silowiki, os que usavam farda. Contudo,
isso não tem nada a ver com simpatia pelo socialismo. Reflete hoje posições
nacionalistas russas, uma aspiração a uma Rússia capitalista forte.
Dois aspetos na política externa russa
Na política externa, o primeiro aspeto diz respeito ao que se chama na Rússia o
estrangeiro próximo. Quer-se dizer com isso as relações com os Estados que
sucederam à União Soviética, excluindo os Estados bálticos. O regime de Pútin
prossegue aí uma política de longo prazo de reintegração sob a direção russa. O pivô
dessa política é a união aduaneira entre a Rússia, a Bielorrússia e o Kazaquistão, que
será transformada numa comunidade económica euroasiática e depois numa união
euroasiática. A esse nível, verificam-se nas relações da Rússia com os seus parceiros
mais fracos práticas que fazem lembrar os métodos imperialistas. Trata-se, entre
outras, da pressão económica repetida sobre a Bielorrússia para obrigar os seus
dirigentes a entregar a propriedade de Estado bielorrussa à multinacional Gazprom e
a abrir a porta de entrada dos oligarcas russos na economia bielorrussa.
Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia querem impedir a todo o custo uma
reintegração das antigas repúblicas soviéticas. A Rússia deve ficar limitada às suas
próprias fronteiras e, simultaneamente, cercada militar e economicamente através de
tratados de associação entre a UE e os Estados sucessores da União Soviética e pelo prosseguimento do alargamento da NATO a leste. É este o pano de fundo da crise
ucraniana actual.
O segundo aspeto da política externa russa diz respeito à política mundial. Ao
contrário dos Estados Unidos e dos seus acólitos da NATO, não se pode esperar agora
nem num futuro próximo ambições de domínio mundial por parte da Rússia. As
relações de forças necessárias, de resto, não existem para tal domínio. A Rússia de
Pútin procura antes opor-se às ambições de domínio mundial do imperialismo
norteamericano, uma ordem mundial multipolar. Com este objetivo, existe uma
grande concordância entre a posição da Rússia e os interesses da China e dos outros
BRICS, e também com os de outros países. Entende-se que esta posição é
objetivamente do interesse da paz e do progresso social.
A tomada em consideração das afirmações de Lenine sobre a existência de diferentes
variantes da política capitalista e imperialista, assim como a análise da situação
concreta antes e depois da Segunda Guerra mundial, permitiram à União Soviética,
apesar de todas as contradições com as potências ocidentais imperialistas, reconhecer
na Alemanha imperialista o perigo principal para a URSS e para a humanidade. Isso
foi fundamental na luta da União Soviética pela sua segurança coletiva e tornou
possível, no concreto e apesar de todas as dificuldades, a coligação anti-hitleriana,
fator significativo da vitória sobre a Alemanha nazi.
Estou convencido de que a análise concreta da situação histórica concreta atual no
mundo deve conduzir-nos a reconhecer claramente, no domínio da política
internacional, que a Rússia é também um país capitalista, dominado pelos oligarcas e
uma burocracia de Estado que está completamente ligada a eles; a estabelecer uma
diferença clara entre a Rússia e as grandes potências imperialistas e a considerar
como perigo principal para a paz e o progresso social a política de domínio mundial
do imperialismo norte-americano e dos seus acólitos imperialistas da NATO e da UE.
* Willi Gerns é colaborador da revista Marxistische Blätter
. Este artigo e o seguinte são
traduzidos do alemão. A revista Estudos Marxistas procura pessoas que traduzam
ocasionalmente artigos de alemão para francês. Contactar a redação: emms@marx.be.
1 comentário:
Em Abril
que chovam cravos
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