Translate

terça-feira, 20 de novembro de 2018

 

Eric Frattini. “Se duvidarmos da História, ela pode repetir-se”

Mafalda Gomes Rita Pereira Carvalho 19/11/2018 20:33
Como conseguiram fugir os principais criminosos da II Guerra Mundial?  O papel do Vaticano foi fundamental e Eric Frattini explica isso no seu novo livro “A Fuga dos Nazis”
Jornalista e autor de mais de 20 livros, Eric Frattini apresenta o livro “A Fuga dos Nazis”, onde dá rosto e história a alguns dos principais criminosos do iii Reich. Frattini, com dupla nacionalidade peruana e espanhola, foi correspondente no Médio Oriente e viveu em Beirute e em Jerusalém, em épocas que lhe despertaram a curiosidade sobre o tema pouco explorado dos criminosos da ii Guerra Mundial.
A bibliografia sobre a ii Guerra Mundial é vasta, a informação sobre o que aconteceu durante a guerra é variada e em diversas perspetivas, mas pouco se sabe sobre os responsáveis pela morte de milhares de pessoas e como conseguiram escapar ao julgamento. Frattini revela o que lhes aconteceu após a guerra e analisa as circunstâncias da fuga da Europa de milhares de nazis acusados de genocídio e de crimes contra a humanidade. Debruça-se especialmente sobre a Rota das Ratazanas, o esquema internacional que possibilitou a fuga de milhares de nazis, e sobre 12 nomes, que são alguns dos maiores criminosos morais e de guerra do século xx.
O Vaticano é também personagem principal, como instituição e como motor de fuga dos nazis. “Se duvidarmos da História, ela pode repetir-se.”
Quando surgiu o interesse pelo tema? 
Foi no ano de 1989, quando estava em Israel como correspondente do “El País” no Médio Oriente. Estive lá cinco anos, quatro em Beirute e um em Jerusalém. Em Jerusalém, uma das informações que cobri foi o primeiro julgamento a John Demjanjuk, o “Carniceiro de Riga”, cuja biografia incluo no livro, que matou 70 mil judeus do gueto de Riga, na floresta de Rumbula, Ucrânia. Assisti ao julgamento e aí comecei a interessar--me e a comprar livros sobre ele. Depois comecei a investigar sobre a Mossad, os serviços secretos de Israel. Aí descobri a ação da Mossad para sequestrar Adolf Eichmann, o arquiteto do Holocausto, e como o sequestraram na Argentina e o transportaram num avião de forma clandestina para Israel. Fui procurando documentos sobre diferentes criminosos que me interessavam e que achava que eram importantes.
Aí surgiu a ideia de escrever um livro?
Não tinha a ideia de escrever um livro, interessava-me desde o início procurar informação. Sobre Eichmann, sobre (Josef) Mengele, então fui compilando muita informação, mais de uns que de outros. Aí se conseguiu a informação, durante quase 20 anos. E um dia disse “vou escrever sobre esta gente”, porque se nos dermos conta da bibliografia que há sobre a ii Guerra Mundial, vamos encontrar muita informação sobre batalhas, as mulheres de Hitler, o regime nazi, mas sobre o que se passou depois de 1945 há muito pouca coisa escrita.
De que falta falar sobre o tema da ii Guerra Mundial?
Quase três milhões de alemães, durante a guerra, protegeram-se sob a segurança do iii Reich. Quase três milhões. Desses três milhões, só três mil foram classificados como criminosos de guerra. E desses três mil só 1100 foram acusados de crimes de assassinato. O que se passou com os que não foram acusados? Os que mataram 800 mil pessoas, como Franz Stangl, o comandante do campo Sobibor? Aí eu percebi: não há biografias de Franz Stangl, ou de Mengele, ou de Adolf Eichmann. Não havia. Então disse, vou começar a escrever sobre 12 personagens e sobre como conseguiram fugir.
Como é que os criminosos da ii Guerra Mundial conseguiram fugir?
Há três grandes rotas dos criminosos da guerra. Uma foi a que se chamou a Rota da Liberdade, que foi a operação Paper Clip, montada pela CIA para resgatar da Europa todos os nazis que tinham participado nas experiências científicas, a eles e às suas famílias. Entre eles estava um dos maiores nazis que tivemos na História, Wernher von Braun, o pai da NASA. E os americanos levaram-no. Mengele é um dos mais conhecidos, mas muitos médicos especialistas em genética fizeram experiências nos campos de concentração de Breitenau, de Auschwitz, e esses foram levados para os Estados Unidos para ajudar na área da genética. Foram os pais da genética nos Estados Unidos. A segunda rota foi a Rota da Aranha. Passava por França e na fronteira com Espanha, e em Espanha estava Franco, que protegeu muitos. E, principalmente, de nível não muito alto. Ou permaneciam em Espanha ou iam para Tânger, e de Tânger iam para a América de barco.
A terceira rota, a mais importante...
A rota mais importante era a Rota das Ratazanas, porque era a mais acessível para eles, era a que ia pela Áustria. Da Áustria entravam no norte de Itália, por Milão, protegidos já pela Igreja Católica. De Milão iam para Roma. E há duas instituições em Roma. Uma era São Jerónimo, que era o colégio dos croatas, do seminário croata de Roma. A Croácia, durante a ii Guerra Mundial era pró-nazi. E a segunda era Santa Maria del Anima, o seminário austro--alemão de Roma. Então, muitos nazis chegavam a essas instituições, que os escondiam. O próprio Vaticano conseguia papéis falsos, documentos. E aí, sempre protegidos pela igreja, acabavam no porto de Génova, numa organização também católica. De Génova iam de barco ou até à Argentina, que era o que acontecia mais, ou até à Síria. Mas a maior parte foi para a América. Franz Stangl, Mengele, foram todos.
Porque é que o Vaticano ajudou criminosos da ii Guerra Mundial?
O que acontece quando termina a guerra? Chega o medo do comunismo, de Estaline. O Vaticano tinha mais medo de Estaline que de Hitler. Então, temos de pensar na época em que terminou a guerra. O comunismo está a avançar na Europa, Itália está a ponto de cair no comunismo, a Grécia também. Então, claro, Pio xii estava aterrorizado com o facto de, um dia, o comunismo chegar a Itália e ocupar o Vaticano. Era o medo que tinha Pio xii. O que não se consegue provar é se Pio xii esteve envolvido na Rota das Ratazanas. O que se sabe é que quem conduziu tudo isto foi um senhor chamado Giovani Battista Montini, que nos anos seguintes seria o Papa Paulo vi. E eu publico no livro um documento onde os americanos dizem que estão cansados de Montini, porque está a ajudar a escapar criminosos de guerra.
O Vaticano alguma vez vai pedir perdão por aquilo que fez?
O Vaticano nunca pediu perdão, mas o Vaticano jamais pede perdão. Nunca pediu perdão pela Inquisição, nunca pediu perdão pela luta clandestina contra o comunismo na Polónia - é um dos apoiantes do anticomunismo na Europa. Ainda não se descobriu exatamente o poder e a influência económica que o Papa tinha ao financiar economicamente o sindicato autónomo Solidariedade para lutar contra o comunismo. Por isso dizem que atentaram contra ele em 81. Não pediram também perdão por Óscar Romero, que acabou por ser classificado como santo.
Porque mataram Óscar Romero?
É um tema muito sensível. Conta-se a história de que Óscar Romero foi à Santa Sé com 800 páginas onde constavam todas as denúncias de violação de direitos humanos dos militares salvadorenhos. E Romero foi a Roma com as provas para mostrar ao Papa João Paulo ii. Mas como Romero era comunista, o Papa não recebeu os documentos. Então, o senhor Romero volta nesse mesmo dia a El Salvador e o que acontece? Os militares de extrema-direita pensaram “como o Papa não os apoiam, vamos matá-lo”. Mataram-no semanas depois e a Igreja nunca pediu perdão. Agora chegou um papa que é um pouco mais liberal. Mas o Vaticano nunca pede perdão, nunca.
Em relação ao ditador Francisco Franco, a Igreja Católica vai tomar uma posição?
Quando morreu Franco, eu tinha 12 anos. Fui ver o cadáver dele porque o meu pai era franquista e disse-me: “Eric, vem comigo ver o corpo de Franco, porque é um momento histórico.” Ele nunca imaginou que eu iria ser jornalista mais tarde. Desde os anos 70 que temos democracia. Os espanhóis que viveram a guerra civil duvidaram, porque eu creio que uma guerra civil é uma violência para uma nação. E aí chega o governo de Zapatero. Ele, eleitoralmente, utilizou a Guerra Civil Espanhola para voltar a ressuscitá-la. E o que conseguiu Zapatero? Que gente jovem, que não sabe quem é Franco, esteja lutando e acusando. E em Espanha, jovens de 24 anos dizem “tu és um fascista”, ou “tu és um comunista”. Mas não sabem o que é o fascismo nem o comunismo, porque não o viveram. E foi isso que conseguiu o governo de José Rodríguez Zapatero. Eu sou apartidário e a minha opinião é que os ossos devem ser deixados onde estão. Não lhes toquem. Deixem onde estão, porque a Guerra Civil Espanhola acabou.
E a posição do governo espanhol?
Não podemos governar uma democracia através de decretos só porque não gostamos de alguma coisa. Temos uma coisa que se chama democracia. Por exemplo, no governo português, se de repente o primeiro-ministro não gostar de alguma coisa, tem de se aguentar, porque existe uma coisa que se chama democracia, não podemos governar por decreto. Só havia isso no tempo de Salazar, que impunha uma ditadura. Claro, o tema do Vale dos Caídos é uma situação religiosa, e o Vale dos Caídos, como instituição religiosa, estava sob o controlo da Igreja Católica, que estava controlada pelo Vaticano. Não somos ninguém para decidir. A última notícia é que o governo socialista está a decidir se por decreto-lei vai impedir os espanhóis de ir ver o túmulo de Franco.
E quanto ao recurso à lei da memória histórica?
Estou casado com uma espanhola, a sua família era de Bilbau e ela tinha um tio--avô que era general de Franco. Este general tinha três filhos, um de 14 anos, outro de 12 anos e um de quatro. E um dia tocaram à campainha. O general não estava e os comunistas e os anarquistas levaram-lhe os três filhos. A ama que estava com eles disse: “Por favor, deixem-me o mais pequeno.” Levaram a criança de 14 e a de 12, e nunca mais apareceram. Queimaram-nos, fuzilaram-nos, e nunca mais os encontraram. Depois da guerra, o que poderia fazer o general tio-avô da minha mulher? Não se podia continuar a fuzilar as pessoas, nem por um lado, nem por outro. Então, ele nunca reclamou. Agora, parece que, claro, a lei da memória histórica é só para um lado, para o lado perdedor da guerra. A guerra civil é só entre portugueses e portugueses, a guerra civil é só entre espanhóis e espanhóis, não é entre espanhóis e chineses. Sou da opinião de que, às vezes, é melhor deixar como está. Não devemos duvidar da História porque, se duvidamos da História, ela pode repetir-se. O problema é quando há uma categoria sub-humana que são os políticos. E então é perigoso quando os políticos decidem utilizar o sentimento nacional como arma política. É muito perigoso.
Voltando ao Vaticano: a força da Santa Sé é universal?
O Vaticano é um dos Estados mais pequenos do mundo. Mas quando um senhor todo vestido de branco faz um discurso, esse discurso é ouvido por 300 milhões de pessoas, que é o número de católicos no mundo. Há diferentes níveis de católicos, mas quando o Vaticano diz “não useis preservativos”, as consequências vão ser diferentes nos quatro cantos do mundo. Claro que se ouvimos isto em Portugal, não tem tanto efeito, mas quando os católicos em África ouvem este tipo de discurso, isto está a afetar a política desse país com o tema dos nascimentos. O Vaticano é muito poderoso e tem muitíssima influência porque, ao fim e ao cabo, todo o presidente que quer ser presidente em qualquer país ocidental tem de se dar bem com o Vaticano. Os políticos têm de se dar bem com o Vaticano porque este tem muita influência. Em Portugal, em Espanha, ou noutro lado.
A relação do Vaticano com os Estados Unidos é referida no livro através de Hermine Braunsteiner, conhecida como a “Égua de Majdanek”. Como conseguiu Braunsteiner fugir e o que fizeram os Estados Unidos mais tarde?
No livro, os criminosos de guerra são de diferentes tipos. Por exemplo, Adolf Eichmann foi o grande arquiteto do Holocausto, mas ele nunca pegou numa pistola ou apontou uma pistola à cabeça de alguém, jamais. Nunca puderam demonstrar que ele apontou uma pistola a alguém. Diz-se que ele matou um judeu numa visita que fez à Lituânia, mas nunca se descobriu se é verdade. Mas dentro dessa máquina que matou tanta gente está a que realmente apontou e disparou uma arma. Ela divertia--se a descobrir como conseguia matar crianças mais rápido com pontapés. Matava as crianças com os pés. Calcula-se que matou quase cinco mil crianças. Divertia-se assim. Inclusive conseguiu que um sapateiro, que era prisioneiro judeu do campo de Majdanek, lhe fizesse umas botas reforçadas com ferro para poder matar mais rapidamente as crianças.
Como conseguiu Braunsteiner escapar?
Esta mulher, que matava crianças, escapa de uma forma tão simples como começar a namorar com um soldado americano e esse soldado americano consegue levá-la para os Estados Unidos. Isto aconteceu muito durante a guerra. Dos aliados que voltaram para os Estados Unidos, muitos tinham casado com italianas, alemãs ou austríacas. Braunsteiner vai para os Estados Unidos até que, nos anos 60, lhe tocam à campainha. Era um jornalista do “New York Times” que a tinha descoberto. Nessa altura era uma senhora, uma dona de casa maravilhosa que não tinha filhos e se dedicava a fazer pastéis de maçã para as festas de aniversário de todas as crianças do bairro. E a sra. Braunsteiner, que nem sequer mudou o apelido, era a típica dona de casa de Nova Iorque. As fotos que publico no livro mostram isso, era uma senhora que parecia ser maravilhosa. Foi o primeiro caso de deportação dos Estados Unidos para a Alemanha.
A partir dessa altura ficou mais difícil entrar nos Estados Unidos? 
Nos anos 80, por exemplo, uma das perguntas que nos faziam quando viajávamos para os Estados Unidos era: “Pertenceu ao Partido Nacional Socialista?” Era uma das perguntas do questionário para pedir o visto para ir aos Estados Unidos. Eu não nasci nesta altura, da deportação de Braunsteiner, mas isto aconteceu porque saiu uma lei depois do caso de Braunsteiner, em que os Estados Unidos finalmente lhe tiraram a nacionalidade, o que é um processo muito complicado, e devolveram--na ao seu país.
E a relação entre os Estados Unidos e o Vaticano? Os Estados Unidos precisam do Vaticano ou é exatamente o contrário?
Acho que o Vaticano, na sua relação política, precisa dos Estados Unidos, porque todos precisamos dos Estados Unidos. E os Estados Unidos precisam do Vaticano, sobretudo se alguém quer ser eleito como presidente. Porque uma parte dos eleitores americanos que votaram em Donald Trump não são os que conhecemos de Nova Iorque ou da Califórnia - esses são democratas. Mas são, sim, os do Nebraska, onde está o tio a conduzir um trator todas as manhãs. São esses que votam em Trump. O que dizem ao tio é: “Sabes que vem aí um mexicano, vai roubar-te o trator e vai ficar com tudo o que é teu. Vais perder o teu trabalho e toda a tua família.” E é assim que se vota Trump. Os votantes de Trump precisam da influência do Vaticano e o presidente norte-americano precisa da influência do Vaticano. E o Vaticano precisa dos Estados Unidos, como todos precisamos, ainda que os critiquemos. Em Portugal e em Espanha, todos os criticamos, mas precisamos deles.


Sem comentários:

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.