Carlos
Carujo é um dos subscritores da Moção M, uma lista que vai à Convenção
do Bloco de Esquerda que começa esta sexta-feira defender uma mudança da
linha seguida pelo partido. Não gostou do acordo feito com o PS em 2015
e nem quer ouvir falar em renovação de votos para a próxima
legislatura. Numa convenção marcada pela unidade em torno do projeto de
Catarina Martins, esta é uma voz dissonante. A única, quase
Texto Rosa Pedroso Lima Ilustração Tiago Pereira Santos
As
respostas foram dadas por escrito. A Moção M apresentou uma proposta
cujo título resume quase tudo: “Um Bloco que não se encosta.” É este o
texto que será, este sábado e domingo, submetido a votos entre os 625
delegados presentes na reunião magna do Bloco de Esquerda. Acusam o
partido de ser “muleta da governação” de tendências neoliberais do PS e
querem “passar à ofensiva”. Pelo meio, acusam o Bloco de falta de
democracia interna e defendem que a política não se “esgota nos
corredores do Parlamento, nem nos ecrãs de televisão”
Assumem-se como oposição interna à atual liderança?
Não
achamos produtivo reduzir-nos ao papel de uma “oposição interna” que
seja vista como estando à conquista da liderança ou que se defina
meramente em termos de negação. Estamos aqui para propor, debater e
transformar. Para trabalhar pela diferença. Estamos aqui como sempre
estivemos. Por isso não nos coibiremos de discordar quando for caso
disso. Mas sabemos que estamos para juntar forças e para somar esquerda à
esquerda.
Acusam a direção de institucionalizar a política e de a mediatizar. É uma característica nova na vida do Bloco?
As
tendências para a institucionalização e mediatização vêm de longe.
Aliás, são pressões próprias do sistema dominante, que vai limitando a
política a determinadas formas que apresenta como as únicas aceitáveis e
credíveis. O que constatamos é que, com a geringonça, estas tendências
acentuaram-se. Ora o trabalho de um partido anticapitalista é remar
contra esta maré, é fazer da organização popular o seu centro
gravitacional. Por isso sublinhamos que a política que queremos não se
esgota nos corredores do Parlamento nem nos ecrãs da televisão.
Em que se traduz a falta de democracia interna que denunciam na vossa moção?
O
Bloco tem tomado as suas decisões centrais através de acordos de cúpula
feitos entre os dois grupos que o têm hegemonizado historicamente. Há
um fechamento, um verticalismo, um esvaziamento da militância que
resulta em pouca participação.
Pelo nosso lado, a
moção “Um Bloco que não se encosta” tem uma agenda democratizante, de
tentativa de incentivar a militância e aumentar o poder de decisão das
bases. O Bloco de Esquerda apresentou-se ao país quando foi fundado como
trazendo a promessa de um partido-movimento apostado em fazer política
de uma forma diferente. É esta inspiração inicial que queremos resgatar.
Até porque, como temos visto tantas vezes, a política construída
coletivamente é bem mais mobilizadora.
Deixam claro na vossa moção que estão contra a atual solução política. Consideram que desvirtua o ADN do Bloco?
Não
queremos ser os geneticistas ou, muito menos, os puristas do Bloco. Mas
concordamos com a perspetiva que tem sido amplamente maioritária dentro
do BE que o define como um partido anticapitalista. E, do nosso ponto
de vista, este caminho de apoio a um governo social-liberal, que governa
dentro dos limites do tratado orçamental europeu, obcecado pelo défice,
deixou o Bloco muito visto como muleta da governação e assim
afastou-nos da ideia que queremos construir de um polo alternativo ao
atual sistema político e económico de injustiça social e destruição
ambiental. É que o programa de governo do BE não é apenas
substancialmente diferente do defendido pelo PS. É em muitos pontos
oposto.
Acham que não houve qualquer vantagem para o BE nestes últimos 3 anos? Porquê?
O
Bloco de Esquerda é um instrumento para mudar o país. Não é um fim que
se esgota em si mesmo. Por isso, a pergunta a colocar não deveria ser
sobre aquilo que dá vantagens a curto prazo ao partido mas o que faz
sentido a médio e a longo prazo para Portugal. Ainda assim convém notar,
em primeiro lugar, que o BE não cresceu substancialmente nas intenções
de voto (se bem que achemos que essa não deve ser a bitola única pela
qual é medida a força de um partido como o Bloco) e continua a sofrer
internamente uma crise de participação interna, como o provam, aliás, os
baixos níveis de votação para esta Convenção. Por isso certamente não
falaria em enormes vantagens para o Bloco resultantes deste acordo.
Em
segundo lugar, ainda que concordássemos com o acordo de governação,
continuaríamos a não concordar com a gestão propagandística e a curto
prazo das expectativas, concorrencial com o PCP, apostada sobretudo em
dizer que fomos nós que inventámos cada medida positiva esquecendo
amiúde as contrapartidas negativas da situação política. Consideramos
que a frágil demarcação dos aspetos negativos desta situação não nos
trará vantagens.
Mas, sobretudo, teremos de
discutir o deve e o haver da geringonça para o país. Aqui, os ganhos de
curto prazo em termos de emprego e recuperação de rendimentos são
manifestamente insuficientes. E sabemos que se esgotam na gestão de um
ciclo económico positivo deixando intocados todos os problemas
estruturais da economia do país como a dívida, o peso do euro, a banca, o
modelo produtivo entre outros.
Independentemente
do resultado eleitoral das próximas legislativas, acham que o Bloco
deve recusar qualquer novo compromisso com a esquerda e com o PS?
Esta
Convenção deveria ser o momento das escolhas fundamentais do Bloco para
os próximos dois anos. Só que a moção A é ambígua quanto à questão do
Governo. Fala num governo de esquerda mas não diz qual seja, em que
circunstâncias seria feito ou com quem. Sobre acordos com o PS deixa
tudo no ar para a direção decidir o que quiser, e não deveria ser assim.
A
moção M não recusa “qualquer novo compromisso”. Não recusamos acordos e
compromissos para medidas pontuais que melhorem a vida da maioria do
povo. O que recusamos claramente é a participação num governo do PS. O
que recusamos é uma reedição da geringonça. Em primeiro lugar, ela não
vai acontecer, porque o momento económico não o parece permitir. Em
segundo lugar, ela não deve acontecer, porque avaliamos o Partido
Socialista como um partido que responde mais à ditadura dos mercados
financeiros, aos interesses de Merkel, das burguesias do centro da
Europa e aos donos de Portugal do que à classe trabalhadora portuguesa. E
o Bloco de Esquerda não está aqui para normalizar a austeridade nem
para legitimar os cortes sucessivos no Estado Social.
O que entendem exatamente por “passar à ofensiva” política?
Essa
expressão surge no âmbito da análise das relações de forças nos
movimentos sociais, nomeadamente numa retomada de força de alguma
contestação sindical. Com ela queremos significar que é preciso passar
das lutas meramente defensivas (que são indispensáveis mas
insuficientes) para momentos mais ofensivos. Por exemplo, é claro que é
preciso continuar a lutar por uma redistribuição dos ganhos do momento
económico em termos de carreiras. É claro que é preciso destroikar o
código de trabalho que o PS fez seu. Mas é preciso ir mais longe. Passar
à ofensiva é assim colocar na ordem do dia a luta urgente pela
diminuição do tempo de trabalho sem perda de direitos. Esta é uma das
lutas que vai decidir a capacidade de resistência à precarização eterna
que marca as nossas vidas.
Mas passar à ofensiva é
um bom lema que pode ser aplicado também a outras lutas: contra o
conservadorismo fascizante que cresce no mundo e contra a devastação
ambiental. E, nesse sentido, passar à ofensiva é tão só afinal uma
questão de sobrevivência para uma esquerda que não se pode dar ao luxo
de ser resignada ou passiva.
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