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sexta-feira, 24 de abril de 2020

No aniversário de I. LENINE, um texto esclarecedor

Realidade e lenda do bolchevismo



Osvaldo Coggiola

Resumo:
O objetivo do artigo é demonstrar que a devida compreensão do
bolchevismo passa necessariamente pela retomada analítica da própria
história do movimento operário e da Revolução Russa. Com este objetivo, o
autor ressalta, em primeiro lugar, o caráter político-ideológico das
interpretações sobre a história do bolchevismo, e procura argumentar que
este se perfilou como uma corrente histórica e política diferenciada das
outras correntes socialistas (inclusive internacionais) para além das
intenções iniciais dos seus fundadores. Para isso, discute o papel de Lênin
na constituição do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) e
também as polêmicas que travou com outras lideranças da época, em
especial, Trotsky e Rosa Luxemburgo. Tais embates e divergências
repercutiram diretamente no perfil histórico do partido que tomou o poder
em outubro de 1917.
Palavras-chave: Bolchevismo; Lênin; Trotsky.
Reality and legend of Bolshevism
Abstract:
The purpose of the article is to demonstrate that the proper understanding
of Bolshevism necessarily involves the resumption of the very history of the
workers' movement and the Russian revolution itself. With this aim in
mind, the author first emphasizes the political-ideological character of the
interpretations of the history of Bolshevism and seeks to argue that
Bolshevism has emerged as a historical and political current differentiated
from other socialist (including international) currents, beyond the initial
intentions of its founders. Also discusses Lenin's role in the constitution of
the POSDR, as well the controversies he encountered with other leaders of
the time, especially Trotsky and Rosa Luxemburg. These clashes and
divergences had a direct impact on the constitution of the political
organizations.
Key words: Bolshevism; Lenin; Trotsky.
1 Professor Titular da Universidade de São Paulo (USP).
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Ao longo dos anos, a história do bolchevismo foi feita e refeita, ao
calor das vicissitudes políticas e ideológicas. Ela exemplifica, melhor do que
outras, a ilusão de uma história “imparcial”, portadora de verdades
absolutas ou de conclusões definitivas. Raramente, por outro lado, trata-se
do aparecimento de dados ou documentos novos, mas de uma
reinterpretação dos antigos, o que sublinha o caráter político-ideológico da
questão. A sorte da história do bolchevismo na Rússia expressa essa
asserção: “A Rússia é um país de passado imprevisível”, dizia a piada dos
tempos da perestroika. As mudanças no país se processaram com tal
rapidez que, muitas vezes, na pena dos mesmos autores encontramos
interpretações simetricamente opostas. É o caso, por exemplo, de Igor
Vassetsky e, sobretudo, de Dimitri Volkogonov. Este general, conselheiro
militar do governo de Boris Yeltsin, sustentou, ao longo dos anos da União
Soviética, a versão “oficial” do Kremlin, expondo o bolchevismo como um
“bem absoluto”, surgido da cabeça de Lênin. Em contrapartida, Trotsky era
apresentado como a encarnação do mal, inimigo de Lênin do início ao fim e
inimigo do socialismo por conta do imperialismo.
Numa trilogia pós-União Soviética consagrada aos três personagens
mais importantes da história daquele país, Volkogonov (1994; 1995; 1996)
mudou completamente: o bolchevismo passou a ser o “mal absoluto”,
surgido também do gênio (agora demoníaco) de Lênin. Quanto a Stálin e
Trotsky, passaram a ser “irmãos inimigos”, filhos legítimos de Lênin e do
bolchevismo. Volkogonov interpretou tendenciosamente e fora de contexto
frases de uma série de cartas de Lênin, nas quais “nota por nota, carta por
carta, Lênin, o semideus venerado durante 62 anos, inclusive por mim,
aparece não como o guia magnânimo da lenda, mas como um tirano cínico,
disposto a tudo para tomar e conservar o poder”; “Lênin é o verdadeiro pai
do terror vermelho, e não Stálin” (VOLKOGONOV, 1995), lembrando um
“historiador” ocidental que intitulou um seu trabalho: “Lênin, a Causa do
Mal” (MOUROUSY, 1992).
Contra a interpretação não histórica do bolchevismo, foi apontado
que
são três as organizações habitualmente designadas como
“partido bolchevique”: 1) o Partido Operário Social-Democrata
Russo (POSDR), entre 1903 e 1911, no qual muitas frações
disputavam a direção; 2) a fração bolchevique no interior desse
mesmo partido; 3) o POSDR (bolchevique) finalmente fundado
em 1912 e que receberia importantes reforços, especialmente
aquele da “Organização Interdistrital” de Petrogrado, com
Trotsky, antes de ser o Partido Bolchevique vitorioso em Outubro
(BROUÉ, 1971b, p. 84).
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O bolchevismo não foi sempre idêntico a si mesmo: foi uma corrente
política surgida de disputas, de cisões e de fusões. Existiu, porém, uma
singularidade (e uma continuidade) nessa história. Ela não se limitou à
implementação do conteúdo do Que fazer? (livro de Lênin, de 1902),
considerado a quintessência do “leninismo”. Foi o próprio Lênin quem se
encarregou de relativizar os princípios políticos e organizativos desse texto
como sendo os de um “novo tipo” de organização ou partido. O termo
“bolchevique”, por outro lado, teve, no início, apenas um significado, o de
maioria (do II Congresso do POSDR, de 1903). Neste Congresso, o POSDR
adotou um programa “em que figurava, pela primeira vez na história dos
partidos social-democratas internacionais, a palavra de ordem de ditadura
do proletariado, definida como a conquista do poder político pelo
proletariado” (BROUÉ, 1971a, p. 31).
Escrevendo em 1907 um prefácio à reedição de seus trabalhos, Lênin
criticou os exegetas do Que fazer? que “separam completamente esse
trabalho de seu contexto em uma situação histórica definida – um período
definido e há muito tempo ultrapassado pelo desenvolvimento do partido”,
precisando que
nenhuma outra organização senão aquela liderada pela Iskra
podia, nas circunstâncias históricas da Rússia de 1900-1905, ter
criado um partido operário social-democrata tal como aquele que
foi criado... Que fazer? é um resumo da tática e da política de
organização do grupo da Iskra em 1901 e 1902. Nada mais que
um resumo, nada mais e nada menos (LÊNIN, 1986a, p. 23).
Essa “tática” e essa “política”, por outro lado, não se consideravam
originais, mas uma aplicação, nas condições russas (severa repressão,
ausência de liberdades democráticas e de democracia política), dos
princípios organizativos da II Internacional, em especial do Partido Social-
Democrata da Alemanha (SPD), do qual o chefe da polícia alemã já dizia em
1883 que “os partidos socialistas do estrangeiro o consideram o exemplo
que deve ser imitado em todos os seus aspectos” (HAUPT, 1980b, p. 152).
Lênin propunha uma organização de revolucionários profissionais,
conspirativa e centralizada, que fosse ao mesmo tempo uma organização
operária, com ampla margem para o debate interno, mas com plena unidade
de ação, uma organização baseada no centralismo democrático. Em
resumo, um partido operário, profissional e revolucionário. Se o primeiro
dos aspectos mencionados (o “conspirativismo” centralizado) foi
enfatizado, foi apenas por entrar em choque com os partidários de um
partido “laxo”, que os bolcheviques não consideravam adaptado às
condições russas, em que a tendência revolucionária se manifestava na
explosão da greve geral, em 1904, em Baku, no Cáucaso, precedida por
outras grandes greves no Sul da Rússia, que tiveram como antecessora a
grande greve de 1902, em Batum.
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O início dessa série de greves se encontrava naquela que fora
empreendida pelos operários têxteis de São Petersburgo entre 1896 e 1897.
Nessas condições políticas, para Lênin, o revolucionário russo
não deve(ria) ter por ideal o secretário do sindicato, mas o
tribuno popular, que sabe reagir contra toda manifestação de
arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza, qualquer
que seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar
todos os fatos para compor um quadro completo da violência
policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar a menor
ocasião para expor diante de todos suas convicções socialistas e
suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada
um o alcance histórico da luta emancipadora do proletariado
(LÊNIN, 1986a, p. 43).
Essas ideias básicas foram mantidas em todas as “fases” do
bolchevismo, inclusive nas mudanças de programa. A partir delas, porém,
combinadas com circunstâncias históricas específicas, o bolchevismo se
perfilou como uma corrente histórica e política diferenciada das outras
correntes socialistas (inclusive internacionais), para além das intenções
iniciais dos seus fundadores. Lênin mudou não uma, mas várias vezes sua
apreciação acerca da natureza da revolução russa, mas nunca a ideia de que
seu protagonista central seria o proletariado industrial, elaborada já na
década de 1890 em polêmica contra os narodniki (populistas), e reafirmada
diversas vezes depois:
A classe operária é o inimigo coerente e declarado do
absolutismo, e só entre a classe operária e o absolutismo não é
possível qualquer compromisso. A hostilidade de todas as outras
classes, grupos e estratos da população em relação à autocracia
não é absoluta: sua democracia está sempre olhando para trás.
(LÊNIN, 1986a, p. 35)
Ou, ainda (uma ideia que Lênin mudou ulteriormente):
o operário russo é o único e natural representante de toda a
população trabalhadora e explorada da Rússia. É seu
representante natural porque, por sua própria natureza, a
exploração dos trabalhadores na Rússia é em toda parte
capitalista se deixarmos de lado os restos, agora quase extintos,
da economia servil (LÊNIN, 1986a, p. 38).
É para e com essa classe operária que o bolchevismo se propôs
construir um partido. Foi em virtude de sua eficácia nesse sentido que o
bolchevismo constituiu-se como corrente. No início, é provável que os
companheiros de Lênin não tivessem entendido o sentido mais profundo de
seus pontos de vista. A razão principal de seu sucesso residiu no fato de que
o conceito leninista da organização e da disciplina do partido constituía uma
ajuda valiosa na tarefa de disciplinar os comitês clandestinos, cujo número
aumentava rapidamente na Rússia, sob a direção da Iskra. Muitos comitês
haviam se oposto à tentativa e rejeitado os planos de organização
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apresentados por Lênin. O termo “bolchevismo” foi devido ao acaso, devido
a que essa “maioria” foi, na verdade, minoria na votação imediatamente
anterior e também na imediatamente posterior à sua constituição.
Vejamos como:
Depois que sete anti-iskristas abandonaram o Congresso,
ficaram 44 delegados com direito a voto. Alguns dias antes, Lênin
havia ficado em inferioridade de votos em um importante debate
sobre a determinação da qualidade de membro do partido. A
formulação mais elástica de Martov, que, em oposição a Lênin,
não considerava que a “colaboração” devesse constituir um
requisito em uma organização do Partido, foi aceita por 28 votos
contra 23. Após a retirada dos sete delegados, Lênin passou a
constituir uma maioria de 24 contra 20, de modo que conseguiu
a admissão de sua própria lista de candidatos ao Comitê
Central... A vitória durou pouco, pois o resultado foi a divisão da
direção do Partido em duas frações. Os postos dirigentes da Iskra
retornaram a homens que se converteram em adversários
ideológicos de Lênin, e que logo se uniram a Plekhânov2. Lênin
preparou a fundação de seu próprio periódico, Vperiod (Avante),
que foi lançado no final de 1904. (SHAPIRO, 1975, pp. 2-3)
Logo depois, os bolcheviques constituíram a sua própria fração e
convocaram o seu próprio congresso como “III Congresso do POSDR” (em
Londres, 1905). Partindo dessa base política, Lênin percorreu o caminho
que o levou a ser, segundo Hobsbawm, “o homem com o maior impacto
individual na história do século XX” (HOBSBAWM, 1988, p. 289). Em que
pese essa origem política, o “leninismo” foi definido como “a interpretação
teórica e prática do marxismo, em clave revolucionária, elaborada por Lênin
num e para um país atrasado industrialmente, como a Rússia, onde os
camponeses representavam a enorme maioria da população”, atribuindo-se
à “teoria do partido” de Lênin “claras raízes populistas” e se a situando
simultaneamente como uma variante “esquerdista” do revisionismo
bernsteiniano da virada do século (SETTEMBRINI, 1986, pp. 680-6)3.
2 Considerado o “pai do marxismo russo”, Georgii Plekhânov, formulou em seus trabalhos,
O socialismo e a luta política (1883) e Nossas diferenças (1885), as bases ideológicas do
POSDR. Ainda jovem estudante, Plekhânov juntara-se ao movimento dos narodniki
(populistas). Por volta de 1880 rompeu com eles e fundou, em 1883 e exilado, juntamente
com Pável Axelrod, Leo Deutsch e Vera Zasulitch, a primeira organização social-democrata
russa, o grupo “Emancipação do Trabalho”, que traduziu para o russo uma série de obras
de Marx e Engels e os difundiu clandestinamente na Rússia. Foi um dos raros teóricos e
dirigentes no socialismo mundial que se ocuparam sistematicamente da filosofia do
marxismo; seus trabalhos sobre o assunto foram considerados os “melhores de toda a
literatura internacional do marxismo", segundo Lênin. Em outubro de 1917, opôs-se à
tomada do poder pelos sovietes (ou seja, pelos bolcheviques).
3 O autor deveria ter levado em conta que Marx surpreendeu os historiadores por ter
manifestado, em vida, mais interesse pela atividade dos narodniki da Rússia do que pela
dos “marxistas” desse país. A tese da origem terrorista-populista (inspirada em Netchaiev)
da concepção leninista de partido é amplamente difundida (cf. BESANÇON, 1980). Um
manual do terrorismo, em que o revolucionário era caracterizado como um “morto en
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Lênin via-se mais como continuador da tradição da Revolução Francesa,
como aparece na sua definição (feita em polêmica contra Trotsky): “O
jacobino ligado indissoluvelmente à organização do proletariado, que tem
consciência dos seus interesses de classe, é justamente o social-democrata
revolucionário.”4
A questão do partido, na Rússia tsarista, nasceu da divergência entre
Lênin e Martov, no II Congresso do POSDR, a respeito do primeiro artigo
do estatuto partidário. Martov propunha: “É membro do POSDR quem
aceita o seu programa e sustenta o partido, materialmente ou mediante uma
cooperação regular desenvolvida sob a direção de um de seus organismos”.
Ao que Lênin respondeu: “É membro do partido quem aceita seu programa
e sustenta o partido, materialmente ou por sua participação pessoal na
atividade de um de seus organismos”. Como já foi apontado, a divergência,
aparentemente sutil e menor, ocultava uma divergência maior em torno a
que tipo de partido (parlamentar ou revolucionário) para que tipo de
atividade (eleitoral ou revolucionária). Mas o que pareceu ser, inicialmente,
uma divergência em torno aos métodos para construir um partido operário
na Rússia concluiu, com o tempo, revelando-se uma divergência acerca do
programa e da época histórica mundial que cindiu o movimento operário
internacional.
O papel de Lênin foi o de colocar as bases para a constituição de um
partido operário militante na revolução, não só propagandístico ou
eleitoral, depois da dispersão dos grupos que haviam se unificado no
Congresso de fundação do POSDR, em 1898. Uma unidade existia pela
referência comum aos socialistas russos exilados, liderados por Plekhânov:
“Até então o grupo de Plekhânov havia se preocupado principalmente com
o problema de orientação teórica, pelo motivo de não existir nenhum
partido político que se identificasse com a teoria de Marx e que procurasse
difundir essa doutrina entre as massas populares” (HILL, 1987, p. 8). Em
Nossa tarefa imediata (publicado em 1900 como editorial do recémfundado
jornal Iskra), Lênin definiu que
o partido não deixou de existir; apenas se recolheu em si mesmo,
para reunir forças e encarar a tarefa de unificar a todos os socialdemocratas
russos em um terreno firme. Realizar essa
unificação, elaborar as formas convenientes, deixar de lado
definitivamente o fracionado trabalho localista: tais são as mais
imediatas e essenciais tarefas dos social-democratas russos
(LÊNIN, 2017).
sursis”, pois havia renunciado a toda e qualquer recompensa ou aspiração neste mundo, foi
redigido pelo anarquista russo Serguei Netchaiev (1847-1882) em 1869 (cf. CANNAC,
1961).
4 Sobre o “jacobinismo” leninista, ver Jean Pierre Joubert (1987).
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Lênin foi o principal realizador dessas tarefas e o principal
organizador do II Congresso do POSDR (1903), considerado o verdadeiro
“congresso de fundação”, fruto de uma série de vitórias políticas:
Quando em 1903 celebrou-se o Congresso, três batalhas
ideológicas já haviam sido travadas e resolvidas; e essas três
vitórias formaram a base do programa do partido unanimemente
adotado pelo Congresso. Frente aos narodniki, o POSDR
considerava o proletariado e não os camponeses como o agente
da revolução futura; frente aos “marxistas legais”, predicava a
ação revolucionária e negava qualquer compromisso com a
burguesia; frente aos “economicistas”, sublinhava o caráter
essencialmente político do programa do partido. (CARR, 1970, p.
124)
A luta contra os “economicistas”, resumida por Lênin em Que fazer?,
era um patrimônio comum do partido, incluídos os futuros adversários do
centralismo leninista (os mencheviques ou Plekhânov).
A firmeza de Lênin na polêmica de 1903, que conduziu ao surgimento
das frações no POSDR, foi continuidade de uma luta política e ideológica
que o tinha como protagonista central desde a década de 1890 (quando
publicou seus textos de crítica ao populismo). A ideia de um partido
operário militante não estava baseada num fetiche estatutário: o próprio
Lênin aceitou, no Congresso de reunificação (bolcheviques-mencheviques)
de 1906, a redação de Martov do primeiro artigo dos estatutos... Foi
hagiográfica a visão retrospectiva do bolchevique Zinoviev: “Em 1903 já
tínhamos dois grupos claramente separados, duas organizações e dois
partidos. Bolchevismo e menchevismo, como tendências ideológicas, já
estavam formadas com o seu perfil característico, depois evidenciado na
tormenta revolucionária.” (ZINOVIEV, 1973, p. 96)
Trotsky rompeu com Lênin no Congresso de 1903.
Retrospectivamente, apresentou a ruptura como sendo “subjetiva” e
“moral”, vinculada com um assunto que não implicava nenhum princípio de
linha política ou de organização. Lênin propôs reduzir o número de
redatores da Iskra de seis a três. Estes deviam ser Plekhânov, Martov (dois
mencheviques!) e ele mesmo. Os “velhos”, Pável Axelrod, Vera Zasulitch e
Aleksandr Potresov, deveriam ser excluídos. O que se tratava de conseguir
era que o trabalho editorial da Iskra fosse mais eficaz do que havia sido nos
últimos tempos. Para Trotsky, “essa tentativa de eliminar Axelrod e
Zasulitch, dois de seus fundadores, parecia-lhe sacrilégio. A dureza de Lênin
suscitou sua repugnância” (DEUTSCHER, 1976, p. 83). No II Congresso do
POSDR, Trotsky falou contra Lênin em relação a dois pontos da ordem do
dia: o primeiro parágrafo dos estatutos e a eleição dos órgãos centrais do
partido. Está claro, tanto pelas atas do Congresso como pelo Jornal do II
Congresso do POSDR, preparado por Lênin, que Trotsky não se contrapôs
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a nenhuma das teses do programa do partido preparado por Lênin. Pelo
contrário, nesse item o defendeu (PEARCE, 1978).
No Que fazer? Lênin afirmou que
o desenvolvimento espontâneo do movimento operário marcha
precisamente para sua subordinação à ideologia burguesa (...).
Porque o movimento operário espontâneo é tradeunionista (...).
Tudo o que inclinar-se perante a espontaneidade do movimento
operário, tudo o que seja diminuir o papel do “elemento
consciente”, o papel da social-democracia, significa –
independentemente da vontade de quem o faz – fortalecer a
influência da ideologia burguesa sobre os operários (LÊNIN,
1986a, p. 39).
Ao mesmo tempo, porém, definia “o elemento espontâneo [como]
não mais do que a forma embrionária do consciente. E os motins primitivos
refletiam já certo despertar consciente” (LÊNIN, 1986a, p. 40). Ou: “A classe
operária tende espontaneamente para o socialismo, mas a ideologia
burguesa, a mais difundida (e constantemente ressuscitada sob as formas
mais diversas) é, contudo, aquela que mais se impõe espontaneamente aos
operários.” (LÊNIN, 1986a, p. 46)
Em 1904, Rosa Luxemburgo se opôs ao “ultracentralismo” leninista
no seu texto Questões de organização da social-democracia russa,
afirmando:
Não é partindo da disciplina nele inculcada pelo estado
capitalista, com a mera transferência da batuta da mão da
burguesia para a de um comitê central social-democrata, mas
pela quebra, pela erradicação desse espírito de disciplina servil,
que o proletariado pode ser educado para a nova disciplina, a
autodisciplina voluntária da socialdemocracia.
(LUXEMBURGO, s/d, p. 25)
Acrescentava que:
o ultracentralismo preconizado por Lênin parece-nos, em toda a
sua essência, ser portador não de um espírito positivo e criador,
mas do espírito estéril do guarda noturno. Sua preocupação
consiste, sobretudo, em controlar a atividade partidária e não em
fecundá-la, em restringir o movimento e não em desenvolvê-lo,
em importuná-lo e não em unificá-lo (LUXEMBURGO, s/d, p.
27).
A resposta de Lênin5 foi afirmar que as críticas de Rosa não cabiam,
dado que “o que o artigo de Rosa Luxemburgo, publicado em Die Neue Zeit,
dá a conhecer ao leitor, não é meu livro (Que fazer?), mas outra coisa
distinta”. E completava, dizendo: “O que defendo ao longo de todo o livro,
desde a primeira página até a última, são os princípios elementares de
5 Em artigo enviado a Karl Kautsky para ser publicado no Die Neue Zeit, órgão teórico da
social-democracia alemã, sendo recusado, e só dado a conhecer em 1930.
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qualquer organização de partido que se possa imaginar; (não) um sistema
de organização contra qualquer outro.” (LÊNIN, 1986b, p. 82)
Em 1904, ainda, Trotsky publicou um trabalho (Nossas tarefas
políticas) em que, a par de uma série notável de ataques pessoais a Lênin
(inaugurando uma prática, segundo os historiadores, até então
desconhecida dos socialistas russos: Trotsky se justificou mais tarde
referindo-se à sua “imaturidade” – testemunhas da época, como Angélica
Balabanova [BALABANOVA, 1974], afirmaram que inexistia afinidade
pessoal entre os dois homens) – também acusava o bolchevismo de
pretender instaurar “a ditadura do partido sobre a classe operária”, a do
Comitê Central sobre o partido, e a do chefe sobre o Comitê Central. Ao lado
dos ataques, Trotsky se permitia também exercícios futurológicos:
As tarefas do novo regime serão tão complexas que não poderão
ser resolvidas senão por meio de uma concorrência entre
diversos métodos de construção econômica e política, por meio
de prolongadas “disputas”, de uma luta sistemática não apenas
entre os mundos socialista e capitalista, mas também entre
muitas tendências dentro do socialismo, que surgirão
inevitavelmente assim que a ditadura proletária trouxer dezenas
e dezenas de novos problemas.
Nenhuma organização forte e “dominante” será capaz de
suprimir estas tendências e controvérsias. Um proletariado capaz
de exercer sua ditadura sobre a sociedade não irá tolerar
nenhuma ditadura sobre si mesmo. A classe operária terá
indubitavelmente nas suas fileiras alguns punhados de inválidos
políticos e muito lastro de ideias envelhecidas do qual terá de se
desfazer. Na época da sua ditadura, assim como hoje, terá de
limpar a sua mente de falsas teorias e experiências burguesas, e
purgar as suas fileiras dos charlatões políticos e revolucionários
que só sabem olhar para trás. Mas essa intrincada tarefa não
pode ser resolvida colocando por cima do proletariado um
punhado de pessoas escolhidas ou uma única pessoa investida do
poder de liquidar e degradar. (TROTSKY, 1970, p. 59)
Em sua autobiografia, Trotsky não se referiu ao seu texto de 1904.
Depois do Congresso de 1903, ele ficou vinculado aos mencheviques, com
quem rompeu rapidamente. Durante a década posterior, foi um partidário
da “conciliação” das frações (não sem alguns sucessos, também efêmeros,
como o “Bloco de Agosto” de 1912), o que alimentou a lenda de um Trotsky
“antibolchevique”, embora se aproximasse gradualmente do bolchevismo.
Quanto a um Trotsky “antipartido”, basta lembrar que era tão membro do
POSDR quanto Lênin ou Martov, numa época em que a divisão formal do
partido ainda não tinha sido consumada. Muitos historiadores viram em
Nossas tarefas políticas uma profecia sobre o destino do bolchevismo e da
própria revolução russa. Para Isaac Deutscher, que criticou os ataques
pessoais do trabalho, este era também “assombroso” por conter “grandes
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ideias” e “sutil perspicácia histórica” (DEUTSCHER, 1976, p. 96). Para
Edward Hallet Carr,
o processo [de burocratização] foi previsto muito
detalhadamente por Trotsky (de todos os revolucionários
nenhum era mais ditatorial do que ele, por temperamento e
ambição), que em um brilhante panfleto publicado em 1904
anunciou uma situação em que “o partido é substituído pela
organização do partido, a organização pelo Comitê Central e
finalmente o Comitê Central pelo ditador” (CARR, 1970, p. 132).
Pierre Broué criticou o “pedantismo” de Nossas tarefas, suas
invectivas contra “Maximilien Lênin”, afirmando que Trotsky considerou o
trabalho, mais tarde, “um documento terrivelmente molesto acerca do qual
observou a maior discrição”, e se perguntou porque, nas circunstâncias da
sua publicação (ruptura de Trotsky com o menchevismo), ele “não
renunciara à sua publicação” (BROUÉ, 1988, pp. 85-91).
Na brochura de Trotsky, a crítica mais forte se referia ao fato de Lênin
(seguindo Kautsky) ter sustentado que a intelectualidade revolucionária
desempenhava um papel especial no movimento revolucionário, dotando-o
da perspectiva marxista que os operários não poderiam alcançar por si
mesmos. Trotsky via nisso uma negação das capacidades revolucionárias da
classe operária e uma aspiração da intelectualidade, cujo porta-voz seria
Lênin, para manter o movimento operário sob a sua tutela. Na mesma
época, o socialista polonês Makhaïvski tinha opinião semelhante sobre o
“socialismo russo” (MAKHAÏSKI, 2014). Trotsky sustentou que, no II
Congresso do POSDR, “todo meu ser protestava contra a impiedosa
supressão dos veteranos (Axelrod e Zasulitch). Da indignação que senti
provém a minha ruptura com Lênin (que) teve lugar de certo modo sobre
um terreno moral. Mas isso era só aparência. No fundo, nossas divergências
tinham um caráter político que se manifestou na questão da organização”
(TROTSKY, 1973b, pp. 199-200). Nossas tarefas políticas estava “dedicada
a Pável Axelrod”.
Foi afirmado que “tanto Trotsky como Luxemburgo foram injustos
com Lênin quando retiravam as posições do Que fazer? de seu contexto
histórico concreto e lhes atribuíam um caráter universal” (MANDEL, 1995,
p. 109). Trotsky se pronunciou, no final da sua vida, sobre seu trabalho
“maldito”, de maneira mais nuançada, sem nenhum arrependimento por têlo
publicado:
Em uma brochura intitulada Nossas tarefas políticas, escrita em
1904 e cujas críticas contra Lênin careciam frequentemente de
maturidade e justeza, há no entanto páginas que fornecem uma
ideia bem fiel do modo de pensar dos komitetchiki dessa época
(...). A batalha que Lênin sustentou um ano depois, no congresso
[III Congresso, abril de 1905], contra os komitetchiki arrogantes
confirma plenamente essa crítica. (TROTSKY, 2012, p. 123)
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Existem, no entanto, historiadores que afirmam que “[em 1903]
Lênin já estava convencido de que era o revolucionário profissional, e não
as massas, as que tinham a chave para a vitória do socialismo” (ULAM, 1976,
p. 194).
As divergências organizativas de Trotsky e Rosa Luxemburgo com o
bolchevismo tinham uma base inseparável das divergências políticas e
programáticas. Segundo Rudi Dutschke: “Só a compreensão da revolução
burguesa de 1905 nos permite aproximar-nos, por meio das concepções
econômicas de Lênin, às raízes do centralismo democrático como tipo de
partido” (DUTSCHKE, 1976, p. 143). Inicialmente, todas as frações da
social-democracia russa estavam de acordo sobre a natureza burguesa da
revolução. Depois, como veremos, a Revolução de 1905 e a repressão do
tsarismo aproximaram os bolcheviques dos mencheviques no interior do
POSDR. Ambos acreditavam na necessidade de uma etapa “democráticoburguesa”
na revolução russa. No entanto, revelou-se, entre 1907 e 1908,
que, enquanto os mencheviques acreditavam que a burguesia podia
conduzir e concluir essa etapa, os bolcheviques, e principalmente Lênin,
afirmavam que apenas o proletariado e os camponeses poderiam cumprir a
tarefa da realização da etapa democrático-burguesa.
Trotsky elaborou mais claramente suas divergências com as duas
frações do POSDR, inclusive a bolchevique, a partir de 1905. Segundo Lênin,
o Partido deveria promover uma revolução de operários e camponeses, e
esta, ao realizar uma revolução burguesa, ainda que preparando o terreno
para a revolução socialista, não poderia escapar, pelo menos por algum
tempo, ao destino da revolução exclusivamente burguesa. Trotsky, pelo
contrário, entendia que o proletariado não poderia deixar de buscar o apoio
dos camponeses, mas não poderia ficar nisso: ao completar a revolução
burguesa, o proletariado seria inevitavelmente induzido a realizar a sua
própria revolução, sem soluções de continuidade. A concepção trotskista se
encontra na base do seu papel dirigente na Revolução de 1905 (e não apenas
seu “talento pessoal”, como acredita a maioria dos historiadores), que não
foi conquistado por nenhum líder bolchevique. Afirmou-se que
Trotsky, no fundo, era um marxista obreirista, segundo a
tradição ocidental, enquanto Lênin começava a atribuir um papel
revolucionário, ainda que subordinado à direção dos operários,
aos camponeses. Nesse sentido, é impossível estabelecer uma
relação entre Trotsky e Mao. Mas entre Lênin e Mao a relação é
possível (COLLETTI, 1979, p. 95).
Lênin “oriental”? Cabe duvidar. Lênin começou a sua carreira no
POSDR combatendo, no “populismo”, a sua pretensa via específica,
“oriental”, para o socialismo, baseada na sobrevivência da comunidade
agrária (o mir). Era equivocado sustentar a possibilidade de realizar um
socialismo russo baseado na comunidade rural, como fizeram os narodniki,
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já que o desenvolvimento capitalista havia criado uma diferenciação social
dentro das comunidades rurais6. A comuna rural estava em pleno processo
de dissolução, dando lugar, por um lado, à propriedade agrária capitalista
e, por outro, aos assalariados agrícolas. Seu diagnóstico sobre a dissolução
da antiga comunidade rural (ATKINSON, 1983), exposto em diversos
trabalhos, em especial n’O desenvolvimento do capitalismo na Rússia,
seguiu as pegadas da luta estratégica de Plekhânov de Nossas divergências,
mas acrescentou ao combate dos primeiros marxistas russos uma visão
dialética do movimento político hegemônico entre os camponeses.
Isso contribuiu para edificar o ponto nodal da estratégia da revolução
russa (a aliança operário-camponesa), como o exemplifica o Programa
agrário da social-democracia redigido por Lênin:
O erro de certos marxistas consiste em que, ao criticar a teoria
dos populistas, perdem de vista seu conteúdo historicamente real
e historicamente legítimo na luta contra o feudalismo. Criticam,
e com razão, o “princípio do trabalho” e o “igualitarismo” como
socialismo atrasado, reacionário, pequeno-burguês e esquecemse
que essas teorias exprimem o democratismo pequeno-burguês
avançado, revolucionário, e servem de bandeira à mais decidida
das lutas contra a velha Rússia, a Rússia feudal. A ideia de
igualdade é a ideia mais revolucionária na luta contra a velha
ordem de coisas do absolutismo em geral e contra o velho regime
feudal e latifundiário de posse da terra em particular. A ideia de
igualdade é legítima e progressista no pequeno-burguês
camponês, porque expressa a aspiração à repartição [da terra].
(LÊNIN, 1986b, p. 92)
Para Lênin, “a questão agrária constituía a base da revolução
burguesa na Rússia e determinava a particularidade nacional dessa
revolução” (GRUPPI, 1979, p. 86). Os objetivos que Lênin punha à revolução
burguesa eram: a república democrática, a Assembleia Constituinte e o
governo revolucionário provisório num regime da ditadura democrática dos
operários e camponeses. O meio para realizar tais objetivos era a insurreição
popular armada. Depositário da tradição do primeiro marxismo russo,
descartando um possível salto da comunidade agrária para a propriedade
socialista, Lênin evoluiu, passo a passo, da concepção de uma revolução
burguesa para uma “revolução combinada”: “Desde a sua obra escrita no
exílio siberiano [O desenvolvimento do capitalismo na Rússia], Lênin tinha
6 É na resposta de Marx a uma carta de Vera Zasulitch (em carta de 16 de fevereiro de 1881),
incluída no “Prefácio” à primeira edição em russo do Manifesto comunista (1881), que
encontramos a seguinte ideia: “[Na Rússia] graças a uma excepcional combinação de
circunstâncias, a comuna rural, estabelecida em escala nacional, pode ir-se desprendendo
de suas características primitivas e se desenvolvendo como elemento da produção coletiva
em escala nacional. É precisamente graças à contemporaneidade da produção capitalista
que pode apropriar-se de todas as suas aquisições positivas sem passar por suas espantosas
peripécias.” (MARX, 2005, pp. 110–23)
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a tendência para ver capitalismo atrás de cada carreta russa. Mas a
Revolução de 1905 o levou a matizar suas ideias: o capitalismo estava ainda
fracamente desenvolvido, as forças liberais eram embrionárias e tímidas.”
(LEWIN, 1996, p. 14)
Ainda assim, para Lênin a revolução seria
burguesa no sentido de seu conteúdo econômico-social. O que
significava: as tarefas da revolução que está ocorrendo na Rússia
não ultrapassam o âmbito da sociedade burguesa. Nem mesmo a
mais plena vitória da atual revolução, isto é, a conquista da
república mais democrática e a confiscação de toda a terra dos
proprietários pelos camponeses, abalará os fundamentos da
ordem social burguesa (LÊNIN, 1986b, p. 95).
Dessa tese, comum a mencheviques e bolcheviques, contudo, “não
derivava absolutamente a conclusão segundo a qual o motor principal ou
guia da revolução seria a burguesia”, como queriam os mencheviques. E isto
porque a revolução ocorreria no momento em que “o proletariado já
começou a tomar consciência de si como uma classe particular e a se unir
numa organização de classe autônoma” (TROTSKY, 1974, p. 33).
Num prefácio a uma reedição do seu 1905, Trotsky afirmou que,
sem pertencer a nenhuma das duas frações durante a emigração,
o autor [Trotsky] subestimava o fato fundamental de que nas
divergências de opiniões entre os bolcheviques e os
mencheviques havia, de fato, um grupo de revolucionários
inflexíveis por um lado e, pelo outro, um agrupamento de
elementos cada vez mais desagregados pelo oportunismo e a falta
de princípios. Quando estalou a revolução em 1917, o Partido
Bolchevique representava uma organização centralizada forte,
que havia absorvido os melhores elementos entre os operários
progressistas e entre a inteligência revolucionária (TROTSKY,
1975b, p. 104).
Como afirmado por Trotsky, no congresso social-democrata
(bolchevique) de Londres de 1905, Lênin empreendeu a batalha política
pelo recrutamento de operários que não eram – nem podiam ser –
“revolucionários profissionais”, mas militantes operários revolucionários,
em conflito com os komitetchiki. Nadejda Krupskaya, esposa de Lênin,
relatou em suas memórias a batalha entre este e Rykov, porta-voz dos
“clandestinos” da Rússia: “O komitetchiki era um homem cheio de
segurança... Não admitia nenhuma democracia no interior do partido... Não
gostava de inovações”. Lênin mal conseguiu se conter “ouvindo dizer que
não havia operários capazes de formar parte dos comitês” (KRUPSKAYA,
1976, p. 62): propôs incluir obrigatoriamente nestes uma maioria de
operários. O aparato partidário era contrário e a proposta de Lênin foi
derrotada.
A par dos komitetchiki, existia o que Pierre Broué chamou de “o
espírito de seita que deixou os bolcheviques longe dos primeiros sovietes,
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nos quais muitos deles receavam uma organização adversária” (BROUÉ,
1971b, p. 71). A Revolução de 1905 exprimiu sua originalidade pela formação
dos sovietes. Esses conselhos operários eram organismos eleitos pelos
trabalhadores nos próprios locais de trabalho. Os delegados aos sovietes
eram a qualquer momento revogáveis pelos seus eleitores. Sindicalizados ou
não, politicamente organizados ou desorganizados, os proletários de São
Petersburgo, Moscou, Kiev, Kharkov, Tula, Odessa e de outras aglomerações
industriais do Império criaram uma nova forma de organização de massa.
Os sovietes apareceram, desde 1905, como o contrário das assembleias
parlamentares pelas quais a burguesia exercia sua dominação de classe no
Ocidente capitalista.
O problema afetou todas as frações do POSDR na Revolução de 1905:
Sem atender à cooperação de muitos operários bolcheviques nos
conselhos, a posição de princípio dos órgãos dirigentes
bolcheviques variava entre uma rejeição radical e uma aceitação
meio desgostosa desses “corpos alheios” à revolução. A posição
dos bolcheviques com respeito aos sovietes da primeira
revolução era diferente segundo os locais e estava sofrendo
transformações; o próprio Lênin não chegou a um juízo definitivo
sobre seu papel e importância, apesar de ter sido o único que,
entre os bolcheviques, esforçou-se para examinar a fundo esse
novo fenômeno revolucionário e agregá-lo a sua teoria e tática
revolucionárias. Durante a greve de outubro os operários
bolcheviques participaram na formação do Conselho de
Deputados Operários de São Petersburgo, assim como os outros
operários. O comitê do partido que, no início, diferenciando-se
dos mencheviques, não havia chamado à eleição de deputados,
enviou os seus representantes oficiais ao Comitê Executivo do
Soviete.
Nos primeiros dias de existência do Soviete, quando este atuava
como comitê de greve e ninguém sabia realmente que papel ele
desempenharia no futuro, os bolcheviques se opunham a ele de
forma benévola. Isso mudou quando, ao terminar a greve de
outubro, o soviete permaneceu em pé e começou a evoluir no
sentido de um órgão de direção política da classe operária da
capital. A partir daí, a maior parte dos bolcheviques de São
Petersburgo fixou abertamente a sua oposição ao soviete. Os
bolcheviques conseguiram elaborar, nos comitês federativos
formados por representantes de ambas as frações do POSDR
uma resolução na qual se recomendava a aceitação oficial do
programa da social-democracia, já que organizações
independentes ao estilo do conselho não podiam guiar uma
orientação política clara e portanto seriam perniciosas.
(ANWEILER, 1975, p. 83)
Para alguns autores, existe uma vinculação direta entre o Que fazer?
e o ulterior “sectarismo” ou “burocratismo” bolcheviques: “O sectarismo
potencial que Rosa Luxemburgo havia notado nas concepções de Lênin
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manifestou-se claramente desde a Revolução de 1905” (LE BLANC, 1990, p.
11). Para Ernest Mandel, “é evidente que Lênin subestimou no decurso do
debate de 1902-1903 os perigos para o movimento operário que podiam
surgir do fato de se constituir uma burocracia no seu seio” (MANDEL, 1984,
p. 148). Os exemplos, das mais variadas correntes de interpretação,
poderiam se multiplicar.
A crença numa unificação partidária possibilitada pela revolução, por
sua vez, remete a uma concepção mais geral acerca do partido. Logo depois
da ruptura de 1903, Lênin afirmava que:
(Trotsky) esqueceu que o Partido deve ser apenas um
destacamento da vanguarda, o dirigente da imensa massa da
classe operária, que no seu conjunto (ou quase) trabalha “sob o
controle e sob a direção” das organizações do Partido, mas que
não entra inteiramente, e nem deve, no “Partido” (LÊNIN, 1964,
p. 526; as aspas – irônicas – são de Lênin).
Para Lênin, partido, vanguarda operária e classe operária não se
identificavam. Na concepção de Rosa Luxemburgo, diversamente: “A socialdemocracia
não está ligada à organização da classe operária: ela é o próprio
movimento da classe operária” (LUXEMBURGO, s/d, p. 18), o que tinha
mais que ver com as condições da Alemanha do que com uma
supervalorização da “espontaneidade das massas”.
Em 1905, o bolchevismo era um partido da vanguarda operária,
como o demonstrava a sua composição: 62% de operários (e 5% de
camponeses) (LANE, 1977, p. 38): esse era o partido dos “revolucionários
profissionais”. Apesar de todas as críticas recebidas, e apesar de todas as
precisões realizadas, Lênin ironizou seus críticos: “Afirmar que a Iskra (de
1901 e 1902!) exagerou na ideia de uma organização de revolucionários
profissionais é como dizer, depois da guerra russo-japonesa, que os
japoneses faziam uma ideia exagerada das forças militares russas, e que se
preocuparam demais, antes da guerra, em lutar contra essas forças.”
(LÊNIN, 1971, p. 468) Eis a razão decisiva do bolchevismo.
Os problemas políticos da social-democracia russa, confrontados
com o movimento revolucionário das massas, em 1905, já se situavam em
um nível superior em relação às outras seções da II Internacional. Nisso
consiste a particularidade do bolchevismo, o que nada tem que ver com uma
suposta teoria acerca do “Partido, com maiúscula, (que) constitui a grande
e ambígua contribuição russa à história contemporânea”, também chamada
de “o Partido: uma entidade metapolítica totalmente diversa de tudo que
tinha sido visto até então na variada cena dos movimentos socialistas
europeus” (BETTIZA, 1984, pp. 83; 85), dando nascimento a uma nova
variante antropológica: o homo bolchevicus! Resulta fácil especular acerca
da confusão de bolcheviques (e de mencheviques) sobre o papel dos sovietes
na Revolução de 1905, quando até os próprios dirigentes desses organismos
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estavam confusos a respeito de sua função, ou que “mesmo quando do II
Congresso [dos sovietes], a 28 de outubro, nenhum membro dessa
assembleia sabia muito bem a sua função, se eles constituíam um comitê
central de greve ou um novo tipo de organização, semelhante a um
organismo de autoadministração revolucionária” (YASSOUR, 1968)7.
Durante o período de reação política posterior à Revolução de 1905,
bolcheviques e mencheviques se dividiram cada um em três frações: os
“liquidadores” (Potresov, Zasulitch), o centro (Martov, Dan) e os
“mencheviques de partido” (Plekhânov) entre os segundos; os
“vperiodistas” (Bogdanov), os “leninistas” e os “conciliadores” ou
“bolcheviques de partido” (Rykov, Nogin) entre os primeiros. Havia, na
prática, seis partidos. Se 1903 não foi a “data mágica” do bolchevismo, 1906
(congresso de reunificação) não foi a grande hora da conciliação perdida
(quando Lênin declarou que “até a revolução social, a social-democracia
apresentará inevitavelmente uma ala oportunista e uma ala
revolucionária”), pois os bolcheviques mantiveram um “centro clandestino”
no partido unificado; 1912 (quando os bolcheviques se separaram em
definitivo dos mencheviques, no Congresso do POSDR de Praga) não foi o
nascimento do “partido final”, pois antes de 1912 Lênin se reconciliou com
Plekhânov e formou um “bloco” no POSDR, com os “mencheviques do
partido”, contra os “liquidadores”, com o objetivo da manutenção do
aparato clandestino que estes últimos queriam suprimir. É sobre essa
posição que se constituiu o POSDR (bolchevique), com uma ala
revolucionária e outra “oportunista” menchevique...
É contrária à verdade a lenda cunhada por Stálin (STÁLIN, 1945):
que os bolcheviques agiram, desde 1903, em prol da cisão com os
reformistas na Internacional Socialista. Foi com grande luta que Lênin
conseguiu ser reconhecido representante do POSDR (junto com Plekhânov)
desde 1905, no Bureau Socialista Internacional (BSI), cargo que manteve
até a explosão da I Guerra Mundial. Nesse marco se produziu o “Congresso
de Unidade” do POSDR, em 1906. Em 1907, no Congresso Socialista
Internacional de Stuttgart, a moção sobre a atitude e o dever dos socialistas
em caso de guerra (“utilizar a crise provocada pela guerra para precipitar a
queda da burguesia”) foi apresentada conjuntamente por Lênin, Rosa
Luxemburgo e o menchevique Martov. Quando em janeiro de 1912 a
conferência (bolchevique) de Praga consumou a cisão com os
7 Logo depois da revolução, Trotsky dizia que “o conselho de deputados operários nasceu
para a realização de um objetivo: no curso dos acontecimentos, criar uma organização que
represente a autoridade, livre da tradição, uma organização que possa abarcar de uma vez
por todas as massas desagregadas sem a imposição de demasiados obstáculos
organizativos, uma organização que possa unir as correntes revolucionárias no interior do
proletariado e controlar por si própria uma iniciativa de maneira capaz e automática e, o
que é mais fundamental, uma organização à qual se poderia dar vida em 24 horas”
(TROTSKY, 1975a, p. 69).
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mencheviques, Lênin não a apresentou no BSI como a ruptura entre
reformistas e revolucionários, mas a dos defensores do “verdadeiro partido
operário” contra os “liquidadores” (partidários de um partido “legal”), e
defendendo “o único partido existente, o partido ilegal”, segundo o informe
de Kamenev, representante de Lênin, no BSI de novembro de 1913.
Em 1912, os bolcheviques lutaram para se impor como únicos
representantes do POSDR no Congresso Socialista de Basileia. Em 1914,
antes da Guerra Mundial, devido ao isolamento internacional dos
bolcheviques (inclusive em relação à ala esquerda da Internacional
Socialista, cuja dirigente, Rosa Luxemburgo, aliara-se aos mencheviques e
ao “Bloco de Agosto” liderado por Trotsky), os bolcheviques admitiram uma
nova e nunca realizada “conferência de unificação” do socialismo russo.
Lênin já era, no entanto, consciente da projeção internacional da “cisão
russa” e, depois da capitulação dos principais partidos da Internacional
Socialista diante da explosão da guerra em agosto de 1914, proclamou desde
finais desse ano a necessidade da luta por uma nova Internacional, a terceira
(ainda não chamada de Comunista) (HAUPT, 1980a, pp. 108-50).
Nesse contexto, produziu-se a convergência Lênin/Trotsky. Segundo
Trotsky: “Cheguei a Lênin mais tarde que outros, mas por meu próprio
caminho, tendo atravessado e refletido sobre a experiência da revolução, da
contrarrevolução e da guerra imperialista. Graças a isso, cheguei a ele mais
firme e seriamente que seus ‘discípulos’.” (TROTSKY, 1973b, p. 301) É
perfeitamente “lógico”, mas não histórico, o comentário de Léo Figuères:
“Cabe perguntar se Trotsky teria podido unir-se ao bolchevismo em 1917 no
caso em que todos os discípulos tivessem seguido seu caminho, abandonado
e combatido Lênin depois do II Congresso.” (FIGUÈRES, 1969, p. 20)
Trotsky não estava tentando se justificar, mas reconstituindo seu percurso
político individual. As divergências foram superadas pelo desenvolvimento
da prática revolucionária (que permitiu à Revolução de Outubro ser
identificada com os nomes de Lênin e Trotsky) e pela assimilação da
experiência dessa prática.
Quando Trotsky, já maduro, reconheceu em Lênin o seu mestre
(coisa que tinha recusado quando jovem), embora se opondo ao “culto a
Lênin” stalinista, não o fez por oportunismo político, mas por convicção,
resultante da assimilação do bolchevismo, que foi o tema de seus escritos de
maturidade:
A direção não é um simples “reflexo” de uma classe, ou o produto
de sua livre criação. A direção se forja no processo dos choques
entre as diferentes camadas de uma determinada classe. Uma vez
assumido o seu papel, a direção se eleva acima de sua classe,
ficando exposta à pressão e influência de outras classes... Um
fator importantíssimo da maturidade do proletariado russo, em
1917, foi Lênin, que não caiu do céu. Ele personificava a tradição
revolucionária da classe operária. Para que os seus postulados
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pudessem abrir caminho entre as massas, tinham que existir
quadros, ainda que limitados; tinha que existir a confiança dos
quadros em sua direção, uma confiança baseada em toda a
experiência passada. (TROTSKY, 1975a, p. 23)
Esse Trotsky “maduro” foi, também, um produto do bolchevismo.
Em seu ensaio Lênin marxista, posterior à Revolução de Outubro, Bukhárin
afirmou que “Marx deu principalmente a álgebra do desenvolvimento
capitalista e da ação revolucionária; Lênin acrescentou a álgebra de novos
fenômenos de destruição e construção, assim como a sua aritmética.
Decifrou as fórmulas de álgebra de um ponto de vista concreto e prático”
(BUKHÁRIN, 1976, p. 48). Daí surgiu o bolchevismo, um partido que, pelo
menos enquanto não se interpuseram circunstâncias excepcionais (uma
guerra civil sangrenta sustentada pela intervenção de 14 potências
estrangeiras e o isolamento da Revolução) era qualquer coisa menos o
“partido único da Revolução”, Revolução que reuniu os esforços da grande
maioria das classes trabalhadoras (operários e camponeses) da Rússia.
Em 1917, o bolchevismo foi o ponto de confluência dos
revolucionários da Rússia. O partido que tomou o poder em outubro de 1917
era a prolongação do partido nascido em Praga em 1912 e da fração posterior
a 1903. Era, no entanto, também completamente distinto. Em alguns meses,
recrutara amplamente entre as jovens gerações de operários, de
camponeses e de soldados: a organização clandestina que tinha em janeiro,
quando muito, 25 mil membros bolcheviques, contava com quase 80 mil
quando da conferência de abril de 1917 e 200 mil no VI Congresso, em
agosto: os velhos bolcheviques e a fortiori os komitetchiki eram uma
minoria de 10%. As adesões não eram todas individuais, pois englobavam
grupos operários não definidos em relação às frações e querelas anteriores
à guerra: a “Organização Interdistrital”, que possuía quatro mil membros
em Petrogrado, teve três de seus dirigentes eleitos para o Comitê Central,
entre os quais Trotsky (o mais votado para o novo CC junto com Lênin).
Trotsky aproximou-se do bolchevismo não apenas teoricamente, mas pela
prática política. No momento em que a Revolução pendia de um fio, com
Lênin exilado na Finlândia, Trotsky colaborou com o bolchevismo, pouco
antes de ingressar nele: “As entrevistas que tive então com a fração
bolchevique estabeleceram esses laços morais que só se formam sob os
golpes mais duros do inimigo.” (TROTSKY, 1973b, p. 374)
Isto é tão verdadeiro quanto o fato de que, se o congresso bolchevique
de agosto de 1917 permitiu constatar a convergência real, por uma atitude
comum em relação aos problemas da Revolução, de diversas organizações
ou grupos, o fundamento sólido do “partido revolucionário” era o POSDR
(bolchevique) de Lênin, no qual desaguaram os “riachos revolucionários”
aos quais se referiu Radek (RADEK, 1976). Dois anos após a Revolução de
Outubro, Lênin escrevia: “No momento da conquista do poder, quando foi
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criada a República dos Sovietes, o bolchevismo atraía tudo o que havia de
melhor nas tendências do pensamento socialista mais próximo.” (LÊNIN,
1986b, p. 346) Isto poderia liquidar a questão, mas de fato não o faz.
Isso porque, ainda no momento da unificação no Partido
Bolchevique, Trotsky redigiu um documento, no qual incluiu, nas suas
palavras, uma
frase com a qual assinalava, em matéria organizativa, “o estreito
espírito de círculo” dos bolcheviques. Não é necessário iniciar
uma discussão sobre o particular agora que verbalmente e de fato
reconheci as minhas culpas em matéria organizativa. Mas ao
leitor menos avisado explicar-se-á a precipitação da frase pelas
condições concretas daquele momento. Os operários
interdistritais conservavam uma grande desconfiança em relação
ao comitê de Petrogrado (do bolchevismo). Escrevi então que
“ainda existe o espírito de círculo, herança do passado, mas, para
ele diminuir, os interdistritais devem deixar de levar uma
atividade isolada” (TROTSKY, 1973a, p. 102).
Anos depois, Trotsky reafirmou que
o desacordo mais importante entre Lênin e eu durante esses anos
consistia na minha esperança de que uma unificação com os
mencheviques impulsionaria a maioria deles na via
revolucionária. Lênin tinha razão sobre essa questão
fundamental. No entanto, deve-se dizer que em 1917 as
tendências à “unificação” eram muito fortes entre os
bolcheviques. No 1o de novembro de 1917, durante a reunião do
Comitê do Partido de Petrogrado, Lênin declarou que: “Já faz
muito tempo que Trotsky afirmou que a unificação é impossível.
Trotsky compreendeu o fato, e desde então não há melhor
bolchevique do que ele” (TROTSKY, 1983, p. 61).
Durante a Revolução de Outubro, quatro anarquistas eram membros
do Comitê Militar Revolucionário do Soviete. Um marinheiro anarquista de
Kronstadt liderou a delegação que dissolveu a Assembleia Constituinte. Ao
mesmo tempo, porém, era clara a hegemonia bolchevique. Comitês de
fábrica surgiam em toda parte, rapidamente se tornavam fortes e eram
dominados pelos bolcheviques (PANKRATOVA, 1976). De 30 de outubro a
4 de novembro, realizou-se em Petrogrado a I Conferência Russa de Comitês
de Fábrica, em que 96 dos 167 delegados eram bolcheviques
(GORODETSKY, 1976, p. 821). Ainda assim, depois da tomada do poder
pelos sovietes,
durante a primeira semana de dezembro de 1917 se realizaram
algumas manifestações a favor da Assembleia Constituinte, isto
é, contra o poder dos sovietes. Guardas vermelhos irresponsáveis
atiraram então contra um dos cortejos e fizeram alguns mortos.
A reação perante esta violência estúpida foi imediata: em 12
horas, foi modificada a constituição do Soviete de Petrogrado;
mais de uma dúzia de deputados bolcheviques foram [sic!]
demitidos e substituídos por mencheviques... Apesar disso,
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foram precisas três semanas para acalmar o ressentimento
público e permitir a reintegração dos bolcheviques (REED, 1976,
p. 6).
Trotsky, por outro lado, foi explícito no seu reconhecimento da
superioridade histórica de Lênin no decorrer da Revolução:
Para ser bem claro, direi o seguinte. Se eu não estivesse em 1917
em São Petersburgo, a Revolução de Outubro teria acontecido do
mesmo modo – condicionada pela presença e a direção de
Lênin. Se não estivéssemos em São Petersburgo nem Lênin nem
eu, não teria havido Revolução de Outubro: a direção do Partido
Bolchevique teria impedido que ocorresse (quanto a isto, não me
resta a menor dúvida!). Se Lênin não estivesse em São
Petersburgo, não haveria chance de que eu conseguisse que as
altas esferas bolcheviques resistissem. A luta contra o
“trotskismo”’ (isto é, contra a revolução proletária) estaria aberta
a partir de maio de 1917, e o desfecho da revolução teria sido um
ponto de interrogação. Com Lênin presente, a Revolução de
Outubro teria de qualquer maneira chegado à vitória. Pode-se
dizer o mesmo, em suma, da guerra civil. (TROTSKY, 1980, p.
52)
Numa conferência pronunciada em 1932 em Copenhague, Trotsky,
depois de enumerar todos os fatores “objetivos” da Revolução (falência das
classes dominantes, iniciativa histórica das massas, Guerra Mundial
imperialista etc.), completou:
Mas todas essas condições, suficientes para que a revolução
irrompesse, eram, porém, insuficientes para assegurar a vitória
do proletariado na revolução. Para esta vitória, uma condição era
ainda necessária: o Partido Bolchevique. Se enumero essa
condição em último lugar é porque isto corresponde à sequência
lógica e não por atribuir ao partido o lugar de menor importância.
Não... O Partido Bolchevique, designado com frequência e com
razão o partido mais revolucionário da história da humanidade,
era a condensação viva de nova história da Rússia, de tudo o que
era dinâmico nela. Há muito tempo que a queda da monarquia
era a condição indispensável para o desenvolvimento da
economia e da cultura. Mas faltavam as forças para levar adiante
essa tarefa. A burguesia aterrorizava-se diante da revolução. Os
intelectuais tentavam organizar o campesinato à sua volta.
Incapaz de generalizar os seus esforços e objetivos, o mujique não
deu resposta aos apelos da juventude. A intelectualidade armouse
de dinamite. Toda uma geração se consumiu nesta luta...
Em 1903 teve lugar a cisão entre mencheviques e bolcheviques.
Em 1912 a fração bolchevique tornou-se definitivamente um
partido independente. Ensinou-nos durante 12 anos (1905-1917)
a reconhecer a mecânica de classe da sociedade nas lutas e nos
grandiosos acontecimentos. Educou quadros capazes, quer de
iniciativa quer de disciplina. A disciplina da ação revolucionária
apoiava-se na unidade da doutrina, nas tradições de lutas
comuns e na confiança numa direção experimentada. Assim era
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o partido em 1917. Enquanto a “opinião pública” oficial e as
toneladas de papel da imprensa intelectual o desprezavam, o
partido orientava-se segundo o curso do movimento de massas.
A formidável alavanca que esse partido manejava firmemente
introduzia-se nas fábricas e nos regimentos. As massas
camponesas voltavam-se cada vez mais para ele. Se entendermos
por nação não os privilegiados, mas a maioria do povo, isto é, os
operários e os camponeses, então o bolchevismo transformou-se
no decorrer do ano de 1917 no partido russo verdadeiramente
nacional. (TROTSKY, 1983, p. 52)
Durante a primeira Revolução Russa, em setembro de 1905, Lênin
afirmara que “da revolução democrática começaremos logo a passar, na
medida mesmo das nossas forças, das forças do proletariado consciente e
organizado, à revolução socialista. Somos pela revolução ininterrupta. Não
nos deteremos a meio caminho” (LÊNIN, 1986b, p. 49). Mas, apesar disso,
Lênin limitava o alcance social da revolução. De acordo com Trotsky, ele
queria dar a entender que, para manter a unidade com o
campesinato, o proletariado se veria obrigado a prescindir da
colocação imediata das tarefas socialistas durante a próxima
revolução. Mas aquilo significava para o proletariado renunciar à
sua própria ditadura. Consequentemente, a ditadura era, em
essência, do campesinato, mesmo que dela participassem os
operários (TROTSKY, 1974, p. 88).
Citemos as palavras confirmatórias de Lênin, pronunciadas no
Congresso de Estocolmo (de 1906) ao replicar a Plekhânov: “De que
programa estamos falando? De um programa agrário. Quem se supõe que
tomará o poder com esse programa? Os camponeses revolucionários.”
Confundia Lênin o governo do proletariado com o governo dos camponeses?
“Não” – disse, referindo-se a si próprio –, “Lênin diferenciava
marcadamente governo socialista do proletariado de governo democráticoburguês
dos camponeses.”
Nesse mesmo momento, Trotsky defendia a revolução permanente,
cuja perspectiva
pode ser assim resumida: a vitória completa da revolução
democrática na Rússia apenas se concebe na forma de ditadura
do proletariado, secundado pelos camponeses. A ditadura do
proletariado, que inevitavelmente poria sobre a mesa não apenas
as tarefas democráticas, mas também as socialistas, daria ao
mesmo tempo um impulso vigoroso à revolução socialista
internacional. Apenas a vitória do proletariado do Ocidente
poderia proteger a Rússia da restauração burguesa, dando-lhe
segurança para completar a implantação do socialismo
(TROTSKY, 1974, p. 124).
Trotsky tinha uma divergência estratégica com o bolchevismo (e com
o menchevismo) que, logo depois de Outubro, ele sintetizou:
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O bolchevismo não estava contagiado pela crença no poder e na
força de uma democracia burguesa revolucionária na Rússia.
Desde o princípio reconheceu a significação decisiva da luta da
classe operária na revolução vindoura, mas o seu programa se
limitava, na primeira época, aos interesses das grandes massas
camponesas, sem as quais – e contra as quais – a revolução não
teria podido ser levada a cabo pelo proletariado. Daí o
reconhecimento provisório do caráter democrático-burguês da
revolução e de suas perspectivas. Por isso, o autor não pertencia,
naquele período, a nenhuma das duas principais correntes do
movimento operário russo. (TROTSKY, 1973b, p. 25)
Para Trotsky, ao contrário,
o proletariado, chegado ao poder, não deve limitar-se ao marco
da democracia burguesa senão que deve empregar a tática da
revolução permanente, ou seja, anular os limites entre o
programa mínimo e o máximo da social-democracia, passando a
reformas sociais cada vez mais profundas e buscando um apoio
direto e imediato na revolução do Oeste europeu (TROTSKY,
1974, pp. 102-3).
Na medida da evolução das posições de Lênin, uma convergência se
desenhou desde o V Congresso (de Londres) do POSDR “unificado”:
O fato mais notável do congresso foi o isolamento dos
mencheviques diante da convergência de posições de Lênin, Rosa
Luxemburgo e Trotsky. Naturalmente, tratava-se de uma
convergência objetiva, sem qualquer acordo, e não isenta de
consideráveis discrepâncias, entre Lênin e os bolcheviques, por
um lado, e Rosa e Trotsky, por outro. (STRADA, 1984, p. 164)
A historiografia soviética pós-Gorbachev teve tendência a minimizar
os desacordos Lênin-Trotsky pré-revolução (assim como o stalinismo os
exagerou até a mentira deslavada):
Esses desacordos, na minha opinião, não possuem muito
significado quando os consideramos sob uma perspectiva
histórica. Isso compreende a questão da revolução permanente
que sempre foi levada a proporções exageradas, após a morte de
Lênin. De fato, depois de 1916, Lênin nunca mais destacou esta
questão. (BILLIK, 1989, p. 25)
O mesmo autor destacou que “artigos de Trotsky foram publicados
em revistas dirigidas por Lênin” (BILLIK, 1989, p. 25).
Pierre Fougeyrollas (Foulan) afirmou que “até 1914, faltava à teoria
do partido de Lênin o mesmo que à teoria da revolução permanente de
Trotsky: a análise do imperialismo, época de guerras e revoluções, era da
revolução mundial do proletariado” (FOULAN, s/d, p. 96). Ora, em 1914 já
existiam estudos sobre o imperialismo (O capital financeiro, de Hilferding)
e, logo depois, explodiu a guerra interimperialista, os livros de Bukhárin e
Lênin a respeito do imperialismo foram publicados, mas as divergências na
social-democracia russa continuaram. Elas haviam se acirrado depois do
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“Bloco de Agosto” (bloco “pela unidade do POSDR”, encabeçado por
Trotsky, com participação menchevique) de 1912, quando os bolcheviques
se engajavam na via da construção de um partido independente. Durante 15
anos, Lênin e Trotsky se dispensaram, por escrito, insultos variados
(“medíocre”, “advogado de segunda”, disse Trotsky sobre Lênin;
“caluniador barato”, “tocador de balalaica”, “amante da pose”, “ambicioso”,
revidou este), o que Trotsky, retroativamente, atribuiu à imaturidade e ao
“calor” da luta de frações.
Em pleno período de reação política pós-Revolução de 1905, Trotsky
precisou o alcance das suas divergências:
Se os mencheviques, partindo da seguinte concepção abstrata:
“nossa revolução é burguesa”, chegam à ideia de adaptar toda a
tática do proletariado à conduta da burguesia liberal até a
conquista do poder por esta, os bolcheviques, partindo de uma
concepção não menos abstrata, “a ditadura democrática mas não
socialista”, chegam à ideia de uma autolimitação do proletariado,
que detém o poder, a um regime de democracia burguesa. É
verdade que entre mencheviques e bolcheviques há uma
diferença essencial: enquanto os aspectos antirrevolucionários
do menchevismo se manifestam desde o presente, em todo o seu
porte, aquilo que há de antirrevolucionário no bolchevismo não
nos ameaça – mas a ameaça não é menos séria – senão no caso
de uma vitória revolucionária. (TROTSKY, 1969, pp. 385-6)
O que admite uma dupla leitura: 1) Trotsky punha o bolchevismo
num plano histórico e político superior ao menchevismo; 2) Ele também não
deixava de opinar que havia no bolchevismo aspectos antirrevolucionários.
Lênin, do seu lado, em plena guerra imperialista (finais de 1915)
acusou Trotsky, apesar de ambos pertencerem à “esquerda de
Zimmerwald”, a ultraminoritária fração internacionalista do socialismo
internacional:
A teoria original de Trotsky toma emprestado aos bolcheviques o
apelo à luta revolucionária decisiva e à conquista do poder
político pelo proletariado e, aos mencheviques, a negação do
papel do campesinato. Este, parece, dividiu-se, diferenciou-se, e
seria cada vez menos apto para ter um papel revolucionário. Na
Rússia, uma revolução “nacional” seria impossível, “vivemos a
época do imperialismo”, e “o imperialismo não opõe a nação
burguesa ao antigo regime, mas o proletariado à nação
burguesa”. Eis um exemplo divertido das brincadeiras que
podem ser feitas com a palavra “imperialismo”. Se, na Rússia, o
proletariado já se opõe à “nação burguesa”, então ela está na
véspera de uma revolução socialista. Nesse caso, a “confiscação
dos latifúndios” (colocada por Trotsky em 1915) é falsa e não se
trata de falar de “operariado revolucionário”, mas de “governo
operário socialista”. O grau de confusão de Trotsky se vê na sua
afirmação de que o proletariado encabeçará as massas populares
não proletárias. Trotsky nem pensa que se o proletariado
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consegue levar as massas não proletárias para a confiscação dos
latifúndios e a derrubada da monarquia, isso será a realização da
“revolução nacional-burguesa”, a ditadura democráticorevolucionária
do proletariado e do campesinato. (LÊNIN,
1986b, p. 192)
Lênin concluía que “Trotsky ajuda de fato os políticos operários
liberais, os quais, negando o papel do campesinato, recusam levar os
camponeses para a revolução”. À luz da obra de Trotsky, pode-se dizer que
a acusação de Lênin era falsa, embora se apoiasse em elementos fracos da
formulação da “revolução permanente”, que Trotsky precisou em trabalhos
posteriores (isto sem falar em que, de fato, a Rússia se encontrava “na
véspera de uma revolução socialista”). A própria guerra fez nascer outras
divergências: sobre o “derrotismo revolucionário” (que Trotsky, junto a
vários bolcheviques, não aceitava), sobre os “Estados Unidos da Europa”...
Mas o trabalho internacionalista comum, na “esquerda de Zimmerwald”,
não deixou de criar os elementos da unidade política futura.
Tudo mudou em 1917, o “ano revolucionário”. Para o historiador
estadunidense Richard Pipes, o “Outubro Vermelho foi um golpe de estado
clássico, conduzido não pelos sovietes, mas pelos bolcheviques” (PIPES,
2008, p. 12). O “governo soviético” “é uma ideia anarquista. É preciso ter
um governo. Os bolcheviques, quando perderam apoio popular,
simplesmente ignoraram as eleições. Era só um slogan. Nunca seria
possível governar o país por meio de sovietes”. Esse “governo impossível” se
sustentou, segundo o autor, graças ao “controle da economia e à máquina
de terror político” (PIPES, 2008, p. 12): na medida em que o primeiro é um
atributo de qualquer governo, o essencial é o segundo. O problema é que os
bolcheviques careciam de qualquer “máquina de terror” (de qualquer força
armada) até depois da Revolução de Outubro. Como chegaram, então, ao
poder?
A Revolução de Outubro de 1917 foi precedida pela Revolução de
Fevereiro. Esta última não foi o fruto da conspiração de qualquer partido
político. 1917 foi chamado pelo presidente francês Poincaré o “ano terrível”,
o terceiro da Guerra Mundial, depois de um rigoroso inverno europeu. Para
milhões de homens, era o fim das ilusões patrióticas de 1914, transformadas
em massacres de combatentes em “ofensivas” que custavam centenas de
milhares de vidas; dificuldades de abastecimento, com fortes aumentos de
preço, atingindo moralmente o operariado de todos os países; a “paz civil”,
defendida pelos sindicatos e partidos operários nos países beligerantes,
resultara no questionamento de todas as conquistas operárias (ritmos de
produção, horários, condições de trabalho, direitos reivindicativos); o
desgaste do material, das máquinas, do próprio aparelho econômico,
haviam provocado uma crise generalizada. Nos sindicatos e partidos de
esquerda, a pequena minoria internacionalista contrária à Guerra, isolada
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em 1914, começava a ser ouvida com atenção; os dirigentes operários
partidários da “união sagrada” se viam pressionados para adotar posições
revolucionárias ou, ao menos, pacifistas.
A Rússia era o país que, de longe, sofrera as piores consequências da
Guerra, tornando mais agudas suas contradições históricas: 1) Um imenso
Império multinacional, com 174 milhões de habitantes (124 milhões no
campo), com uma sociedade caracterizada pelo declínio da Igreja Ortodoxa
e da aristocracia rural, base do oficialato, e pela debilidade das classes
médias, o que provocava um vazio social entre os grandes proprietários e a
massa operária e camponesa. A indústria, principalmente estrangeira,
instalada e concentrada em algumas cidades, compreendia três milhões de
operários; 2) O problema central era o da terra: só 5% dos camponeses eram
proprietários, no máximo, 12% eram “abastados”, os kulaki; 40% não
tinham meios suficientes para sobreviver; 3) A combinação da revolta
camponesa com a miséria operária provocava o que Trotsky já enunciara
como “uma guerra camponesa, movimento que caracteriza o alvorecer da
sociedade burguesa, com uma insurreição proletária, que caracteriza o seu
declínio” (TROTSKY, 1974, p. 47); 4) A Guerra Mundial catalisava a crise
histórica do país, pois o estado tsarista não conseguia armar nem alimentar
seus 16 milhões de mobilizados. Os pequenos camponeses eram golpeados
pela mobilização militar e a requisição do gado, e os salários operários, pelo
arrocho e pela carestia. O sistema econômico estava bloqueado. A tática das
“ondas humanas” multiplicava as baixas militares, que se elevaram a quatro
milhões em três anos. No outono de 1916 começaram as deserções no
Exército.
Em inícios de 1917, a Revolução Russa era uma “revolução
anunciada”. Em meados de fevereiro houve incidentes diante das lojas de
produtos essenciais, em 23 deste mês houve paralisações no “dia das
operárias” e, no dia 24, greves com manifestações de rua. As forças
repressivas vacilavam. No dia 26, o Exército do tsar atirou contra a
multidão, que tentava se confraternizar com os soldados, com um saldo de
40 mortos. À noite, os operários invadiram o centro de Petrogrado, os
soldados se revoltaram, o Palácio de Inverno, sede do governo, foi sitiado.
Os operários começaram a eleger delegados aos sovietes (conselhos) de
fábrica e ao Soviete de Petrogrado.
Com a abdicação do tsar Nicolau II, criou-se uma situação de “duplo
poder”: de um lado, o Governo Provisório, constituído pela oposição liberal
da Duma (assembleia de poderes limitados), que procurava manter a
autoridade do estado e da administração pública; de outro lado, o Soviete
de Petrogrado, ao qual se juntaram os sovietes constituídos nos centros
industriais do restante do país e, depois, no campo. O ressurgimento dos
sovietes (experimentados limitadamente na Revolução de 1905) e o
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distanciamento das “instituições democráticas” era produto de uma “longa
crise institucional”,
derivada das concessões feitas pela autocracia em 1905 e da
tentativa de derrubá-las parcialmente em 1907. A IV Duma,
eleita em 1912, tinha uma maioria disposta a colaborar com o
governo num programa legislativo. A oposição liberal, porém,
não aceitava uma assembleia com poder de vigiar e legislar, mas
não de interferir na administração do país; a Duma não possuía
a faculdade de controlar as ações do governo, nem poder para
indicar ministros (ou seja, para governar) (KATKOV, 1969, p.
83).
Aos olhos do povo, por isso, a Duma carecia de autoridade e
legitimidade políticas. Ao Soviete estas sobravam.
No Soviete de 1917, a maioria inicial correspondia aos socialistas
moderados (mencheviques, socialistas revolucionários [SR], trudoviques)
que defendiam o caráter burguês da revolução, não questionando o estado
nem a propriedade capitalista, contentando-se com o “controle” do governo
pelos sovietes. Os bolcheviques, que inicialmente aprovaram criticamente
esta orientação, sofreram uma reviravolta com as Teses de abril de Lênin
(retornado do exílio na Suíça), que se pronunciaram pelo poder soviético,
único capaz de realizar as tarefas políticas urgentes: sair da guerra, terra
para os camponeses, fim da fome. Pão, Paz e Terra: todo o Poder aos
Sovietes. Em pouco tempo, essa orientação convergiu com as aspirações
populares: os operários reclamavam aumentos salariais e melhora das
condições de trabalho, o controle operário da produção, eleições
constituintes e uma paz sem anexações por parte de nenhuma potência
beligerante; os camponeses deslancharam mais tarde sua mobilização, que
se radicalizou em direção da posse da terra; os soldados manifestavam cada
vez mais sua hostilidade à guerra, em especial às operações suicidas e aos
castigos impostos pela oficialidade.
No mês de abril, uma crise política favoreceu a política de Lênin,
quando o primeiro-ministro Pável Miliukov emitiu uma nota garantindo a
continuidade da participação russa na Guerra. Operários e soldados se
manifestaram para impor ao Soviete uma atitude intransigente: Miliukov
foi obrigado a renunciar, sendo formado um governo de coalizão entre o
principal partido burguês (os “democratas constitucionalistas”, KDT) e os
partidos socialistas, com a exceção dos bolcheviques. O novo governo
fracassou, pois os aliados da Rússia rejeitavam qualquer programa de paz
democrática.
Apesar do restabelecimento da disciplina militar, a ofensiva
ordenada pelo primeiro-ministro socialista Kerensky foi derrotada em
junho. A crise agravou-se, com greves operárias e boicotes patronais; os
trabalhadores foram se afastando dos conciliadores e se aproximando dos
bolcheviques; a ocupação de terras era combatida pelo governo, o mesmo
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acontecendo com as revoltas das nacionalidades alógenas oprimidas do
Império Russo (poloneses, ucranianos, bielorrussos, bálticos). Em junho, as
manifestações operárias evidenciaram a influência bolchevique e de seu
slogan “abaixo os ministros burgueses!”. Uma segunda crise aconteceu em
julho-agosto. Em Petrogrado os operários se manifestaram contra os
ministros burgueses, com uma combatividade que surpreendeu os próprios
bolcheviques. Petrogrado, porém, estava isolada: os bolcheviques
chamaram a uma pausa na mobilização. A direita explorou o recuo,
aproveitando a nova ofensiva militar alemã para lançar uma campanha
acusando os bolcheviques de serem agentes do Kaiser: o novo governo
provisório deteve Trotsky e obrigou Lênin a se esconder na Finlândia,
enquanto tentava com uma “Conferência de Estado” criar um contrapeso
aos sovietes. A extrema-direita (comandada pelo general Kornilov), com a
cumplicidade do governo provisório, tentou um golpe militar, esmagado
rapidamente pelas massas mobilizadas em greve geral, com grande
participação dos soldados.
A tentativa de Kornilov foi a gota d’água, precipitando deserções
massivas no front, radicalizando a revolução agrária, permitindo a extensão
da influência dos bolcheviques nos sovietes, nos quais pela primeira vez
obtiveram maioria. A guerra continuava, justificando as palavras de Trotsky
no Proletarii de 24 de agosto de 1917: “Revolução permanente ou massacre
permanente! Essa é a luta de cujo resultado depende a sorte da
humanidade.”
Em setembro de 1917, os mencheviques e os SR, desejosos de
achar parceiros para um governo democrático, perderam o
controle da situação. Os bolcheviques tentaram negociar com
eles um programa comum, com a condição de que parassem de
buscar as benesses dos liberais. Seu “não” definiu também a sorte
da ala bolchevique favorável a um governo de coalizão, e também
a daqueles que rejeitaram a oferta. A partir de então, a tomada
do poder pelos bolcheviques parecia a única saída realista.
(LEWIN, 1996, p. 64)
Em outubro, com o declínio da influência dos SR no campo, os
bolcheviques haviam conquistado a maioria nos sovietes, sobretudo dos
seus setores mais dinâmicos. 300 mil soldados e marinheiros de Petrogrado
só aceitavam ordens dos sovietes bolcheviques. Em contrapartida, o
governo contava, na capital, com apenas 30 mil soldados fiéis. Em 16 de
outubro, Kerensky tinha transmitido à guarnição militar de Petrogrado a
ordem de deslocamento para o front; em nome do Soviete, Trotsky a
conservou na capital, justificando o descumprimento da ordem com a
necessidade de defender a cidade de prováveis ataques alemães.
A permanência da guarnição selou a sorte do governo de Kerensky,
esvaziado de base popular e impotente do ponto de vista militar. A manobra
de Trotsky foi chamada de “golpe de estado a frio”. Em 24 de outubro, em
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desespero, Kerensky ordenou a repressão policial ao Soviete de Petrogrado
e ao Partido Bolchevique. No dia seguinte devia iniciar-se o II Congresso
Pan-Russo dos Sovietes: o próprio chefe do Governo Provisório forneceu o
motivo para sua derrubada. Os operários exigiram o fim do governo de
coalizão e medidas imediatas. Lênin enfrentou a batalha no Comitê Central
bolchevique onde, contra a oposição de Zinoviev e Kamenev, conseguiu
fazer aprovar a insurreição imediata. Esta foi deflagrada em Petrogrado, em
26 de outubro, sob a direção do Comitê Militar Revolucionário do Soviete,
presidido por Trotsky. Em questão de horas, os ministérios, repartições
públicas e a sede do governo caíram sob o domínio dos “Guardas
Vermelhos”. Os combates provocaram uma dezena de mortos e 60 feridos
em Petrogrado. A transferência do poder aos sovietes se efetuou em poucos
dias e com poucos atritos por todo o território do antigo Império (à exceção
de Moscou, onde ela custou centenas de mortes). No total, apenas 30 mil
homens participaram da luta. Algumas horas mais tarde, o II Congresso
Pan-Russo dos Sovietes (com 390 bolcheviques entre seus 673 delegados)
aprovou a insurreição e o novo “Governo dos Comissários do Povo”,
presidido por Lênin.
Considerar o Partido Bolchevique um fator supra-histórico desse
processo seria um erro de análise: a decisão de tomar o poder em outubro,
certamente, foi tomada pelo Partido, não pelo Soviete (que a encampou).
Cabe caracterizar isto como um golpe, ou cabe acompanhar Edward Hallet
Carr, para quem, depois da conquista da maioria bolchevique nas principais
guarnições militares, “uma revolução bolchevique era inevitável”? O
bolchevismo já controlava, depois de conquistá-las por meio da luta política,
as principais alavancas do poder; por outro lado, todos os outros partidos
políticos tinham desfilado no governo, sem resolver os urgentes problemas
internos e externos do país, no quadro de uma crise revolucionária. O
“governo bolchevique” era a única esperança das massas mobilizadas. Era
isso, ou o buraco negro da guerra, da miséria e da fome, sem data de
vencimento.
A convergência de diversas correntes no bolchevismo, que se
produziu durante a Revolução de 1917 foi, em primeiro lugar, política: foi
devida à luta por constituir o instrumento político para levar a Revolução à
vitória, o partido. Trotsky carecia de partido (o POSDR não passava, fazia
tempo, de um fantasma), e Lênin devia lutar contra a maioria de seu
partido, aferrada, em nome da “ditadura democrática”, ao “apoio crítico” ao
Governo Provisório (chegando a propor, como fez Stálin, a unidade política
com os mencheviques), o que Lênin chamou de “velho bolchevismo”. O
ingresso de Trotsky e de seus partidários no bolchevismo, por minoritários
que fossem, não deixou de ser decisivo para a constituição do “novo
bolchevismo”. O VI Congresso (setembro de 1917), que materializou a fusão,
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teve a presidência de honra de Lênin e Trotsky (ausentes), sendo este último
eleito para o CC com 131 de 134 votos possíveis. O ingresso de Trotsky e seus
partidários foi central para a realização da “virada histórica” do
bolchevismo, que assumiu seu nome definitivo de Partido Comunista.
Em julho de 1917, Lênin advertia seu partido sobre a possibilidade de
que, diante de uma
virada brusca da história, os mesmos partidos avançados não
pudessem, por um período mais ou menos longo, se adaptar à
nova situação, repetindo palavras de ordem antes eficazes, mas
que depois careceriam de sentido, tanto mais “subitamente”
quanto mais súbita fosse a virada histórica. De onde se deduz um
perigo: se a virada for muito brusca ou inesperada, e se o período
anterior tiver acumulado excessivos elementos de inércia e de
conservadorismo nos órgãos dirigentes do partido, este se mostra
incapaz de realizar a sua direção no momento mais grave, para o
qual havia se preparado durante vários anos ou décadas. A crise
o corrói e o movimento se efetua sem finalidade, predestinado à
derrota (LÊNIN, 1986b, p. 95).
O bolchevismo correu esse perigo em 1917.
É importante fazer notar que Lênin convergiu com a teoria de
Trotsky8 a partir de sua própria teoria. Nas Teses de abril, o programa
histórico da “virada bolchevique”, Lênin partiu da constatação da
“conclusão da fase burguesa da Revolução”, para afirmar que “a
característica do atual momento histórico na Rússia é determinada pela
passagem do primeiro estágio da Revolução, que deu o poder à burguesia
devido à insuficiente consciência e organização do proletariado, a seu
segundo estágio, que passará o poder para as mãos do proletariado e dos
estratos pobres da classe camponesa” (LÊNIN, 1986b, p. 102).
Se o que impedira a tomada do poder pelo proletariado em fevereiro
fora só sua insuficiente consciência e organização, isto significava que não
existia uma “revolução burguesa nacional” separada por uma etapa
histórica da revolução proletária (o que significava admitir o princípio
básico da “revolução permanente”). O bolchevismo foi, graças a isso, o
instrumento político do “segundo estágio” da Revolução. Foi Trotsky, em
Lições de Outubro (de 1924), quem fez o balanço crítico (e necrológico) da
fórmula leninista da “ditadura democrática”:
Inteiramente revolucionária e profundamente dinâmica, a
colocação do problema por Lênin era radicalmente oposta ao
sistema menchevique, segundo o qual a Rússia só podia
pretender repetir a história dos povos avançados, com a
burguesia no poder e a social-democracia na oposição. No
entanto, na fórmula de Lênin, certos círculos de nosso partido
não acentuavam a palavra “ditadura”, mas a palavra
8 Como sustentou Abraham Ioffé, dirigente soviético que se suicidou em junho de 1927, em
protesto contra a ascensão do stalinismo.
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“democrática”, em oposição à palavra “socialista”. Isso
significava que na Rússia, país atrasado, só se concebia a
revolução democrática. A revolução socialista deveria começar
no Ocidente e nós só poderíamos ingressar na corrente do
socialismo seguindo a Inglaterra, França e Alemanha.
(TROTSKY, 1973a, p. 76)
Enunciada por Lênin e explicitada por Trotsky, a “virada teórica” do
bolchevismo ficou explícita no balanço histórico feito pelo próprio Lênin,
poucos anos depois da vitória de Outubro:
Para consolidar para os povos da Rússia as conquistas da
revolução democrático-burguesa tínhamos que ir mais além, e
assim o fizemos. Resolvemos os problemas da revolução
democrático-burguesa no decorrer do processo, como um
“subproduto” de nossas atividades fundamentais e
genuinamente proletárias, revolucionárias socialistas. Sempre
dissemos que as reformas democráticas – dissemos e
demonstramos com os fatos – são um subproduto da revolução
proletária, ou seja, socialista. Esta é a relação entre a revolução
democrático-burguesa e a revolução proletária socialista: a
primeira se transforma na segunda. A segunda resolve de
passagem os problemas da primeira. A segunda consolida a obra
da primeira. A luta, e apenas a luta, determina até que ponto a
segunda consegue se impor-se à primeira. (LÊNIN, 1968, p. 485,
grifo nosso)
A convergência política se produziu em momentos em que, segundo
o memorialista menchevique Sukhanov, “as massas viviam e respiravam
com os bolcheviques, estavam inteiramente nas mãos do partido de Lênin e
Trotsky” (SUKHANOV, 1984, p. 225). Refletindo retrospectivamente, no
seu Diário do exílio, Trotsky lembrou que:
Aconteciam entre Lênin e eu violentos choques, pois, nos casos
em que eu estava em desacordo com ele sobre um problema
grave, eu levava a luta até o fim. Esses casos, naturalmente,
ficaram gravados em todas as memórias, e os epígonos muito
escreveram e falaram dele mais tarde. Mas são cem vezes mais
numerosos os casos em que nós nos compreendemos um ao
outro com meias palavras, e em que a nossa solidariedade
assegurava a passagem da questão no Politburo sem debate.
Lênin apreciava muito esta solidariedade. (TROTSY, 1973b , p.
229)9
9 Existem os que apontam como significativo que no seu Testamento Lênin não tivesse
designado Trotsky como seu “delfim”. Isto indicaria uma inconsciência do perigo
representado pela ascensão da burocracia stalinista, ou uma censura implícita ao passado
“antibolchevique” de Trotsky. Para Jean-Jacques Marie, quando “Lênin solicita (no
Testamento) que Stálin seja eliminado do cargo de secretário-geral, ele questiona apenas o
seu caráter, não o seu valor” (1967, p. 94). Digamos que: a) se Lênin tivesse “designado”
Trotsky como seu “sucessor”, teria criado a primeira monarquia socialista da história; b)
ainda assim, referiu-se nesse texto a Trotsky como “o homem mais capacitado do CC”, e
repudiou os que “usam o seu passado não bolchevique”; c) em um aditivo dois dias
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Os acordos, lamentavelmente, deixam menos documentos do que os
desacordos. Nos primeiros anos da Revolução (antes da emergência da
burocracia stalinista), o bolchevismo não tinha nenhum problema em
admitir sua virada de 1917, como o demonstra um artigo de Viacheslav
Molotov (posteriormente, alto dirigente stalinista) de 1924:
Deve-se dizê-lo abertamente: o partido não tinha nem a clareza
de visão nem o espírito de decisão requeridos pelo momento
revolucionário. Não os tinha porque não possuía uma clara
atitude de orientação em relação à revolução socialista. Em geral,
a agitação e toda a prática do partido revolucionário careciam de
uma fundamentação sólida, já que o pensamento ainda não havia
avançado até a conclusão audaz da necessidade de uma luta
imediata pelo socialismo e pela revolução socialista. (Apud
MANDEL, 1978, pp. 64-5)
O bolchevismo não foi (só) o produto de um conjunto de
individualidades brilhantes e corajosas e de suas lutas políticas e
ideológicas, mas da própria história do movimento operário e da Revolução
Russa e internacional. Sem esse contexto, ele fica emancipado da história e,
portanto, incompreensível.
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Recebido: 10 de fevereiro de 2017
Aprovado: 12 de maio de 2017
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