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sábado, 6 de junho de 2020

O Fascismo Alemão e Hegel

Por Georg Lukács, originalmente em Schicksalswende, [Pontos de virada do destino] Aufbau Verlag, Berlin, 1956, traduzido por Marie Farines
Esse texto é tradução do ensaio de Georg Lukács: Der deutsche Faschismus und Hegel (1943). Ele ocupa as páginas 29 à 49 da coletânea: Georg Lukács, Schicksalswende, [Pontos de virada do destino] Aufbau Verlag, Berlin, 1956. Essa edição se caracteriza pela ausência completa de notas e de referências nos trechos citados. Todas as notas são, portanto, do tradutor [da edição francesa, Jean-Pierre Morbois].

I
No fundo, a relação dos fascistas hitlerianos com a filosofia de Hegel é muito simples: eles a rejeitam resolutamente. Alfred Rosenberg¹ vê na ligação entre Hegel e Marx uma razão essencial para definir a filosofia hegeliana como de orientação hostil ao “nacional-socialismo” que a combate radicalmente. Essa não é naturalmente a única razão desta atitude hostil. A rejeição de Hegel se concentra nos nazistas, como mostraremos mais tarde em detalhes, na racionalidade do mundo, na teoria da evolução, mas principalmente na teoria de Estado.
Essa rejeição à filosofia hegeliana se estende, com algumas exceções insignificantes, a todo idealismo clássico alemão.
Alfred Baeumler², que foi nomeado professor de pedagogia política da Universidade de Berlim logo após a tomada do poder por Hitler, exprime claramente esse programa em seu discurso inaugural: “a crítica sistemática da tradição idealista faz parte do nosso trabalho futuro.” Ela é, explica Baeumler, uma polêmica contra a concepção de mundo da “segurança” do século XIX, o liberalismo, etc. No seu livro sobre Nietzsche publicado anteriormente, Baeumler explicita esse programa em detalhes. Ele fala do combate do jovem Nietzche contra D.F. Strauβ³, que concebe como um combate contra Hegel. “Mas quando Nietzsche ridiculariza a ‘apoteose’ do Estado, ele pensa… com um instinto certeiro, no Estado total hegeliano como o Estado de cultura…E espírito de Weimar, materializado sob forma de Estado, que Nietzsche combate. Hegel é o pensador do classicismo…”. Para além, Hegel é, segundo Baeumler, o fundador da ideologia do nacional-liberalismo, uma “síntese do iluminismo e do romantismo”, que dominou intelectualmente o período bismarkiano e wilhelminiano, para depois colapsar com a guerra mundial, para engendrar esta crise de que o arauto profético foi Nietzsche, segundo Baeumler, e que o “nacional-socialismo” é chamado a resolver de forma positiva.
Para esse fim, Baeumler lidera uma campanha sistemática de atualização de todas as manifestações reacionárias do romantismo alemão, desde o “pai da ginástica” Jahn⁴ até Görres⁵. E, de maneira consequente, ele pensa que não podemos dar espaço na história para estes personagens, “sem destruir a tradição do século XIX, da importância preponderante do Weimar classicista e da amizade entre Goethe e Schiller. Nós não podemos exprimir filosoficamente nossa concepção do mundo sem dominar pela crítica a evolução intelectual que leva de Kant a Nietzsche. Nós não podemos apreender nosso mundo com formulações de Fichte e Hegel, qualquer que seja a profundidade da compreensão que podemos ter. E ainda, não há nada de mais frequente que assimilar por exemplo o universo intelectual de Fichte e o do nacional-socialismo. Não mudaria nada se o centauro Hegel tomasse o lugar do centauro Fichte. Nós devemos aprender a olhar com os olhos do século XX, essa é nossa tarefa.”
É este um projeto de programa para uma reescritura da história da filosofia do século XIX no espírito do fascismo hitleriano. Essa indicações programáticas para a filosofia oficial foram seguidas por diferentes obras de filósofos nazistas. Uma dessas tentativas mais importantes foi transformar nesse espírito a história da filosofia recente, e pelo mesmo primeiramente destronar e desmascarar Hegel, é o livro de Franz Boehm⁶ “Anticartesianismo”. É característico que tenha como subtítulo “A filosofia alemã em resistência”. Se trata de mostrar o combate entre a linha “européia ocidental” e a linha alemã de filosofia. A apresentação histórica nele contida é, de forma confessa, somente um pretexto para o objetivo político prático do autor, a “ruptura do espírito do sistema do ocidente”. O pensamento (espírito) que é combatido aqui é a cientificidade da filosofia fundada por Descartes: “Com Descartes, no lugar do homem ocidental, sujeito à uma unidade de enraizamento nacional e de perspectivas universais, aparece o homem europeu, a criação de uma racionalidade irreal e a-histórica”. A posição dominante Descartes sobre a filosofia dos séculos XVIII e XIX significa segundo Boehm “a predominância da consciência científica sobre toda intuição do real, primitiva e não pensada”.
Assim desaparece “tudo que caracteriza a realidade vencida”. Em si, essa polêmica contra Descartes não é uma descoberta de nazistas. Ela já inicia no velho Schelling e foi prolongada por Eduard von Hartmann⁷ e seus discípulos. A novidade em Boehm é unicamente a base que ele dá resolutamente a este combate em uma filosofia de vida e em primeiro lugar o fato que suas flechas serem resolutamente direcionadas à Hegel. Boehm vê em Hegel o ponto culminante de todos os perigosos esforços do racionalismo mortífero, o ponto culminante de uma filosofia não alemã. “Hegel cumpre de uma forma insuperável a consciência do ocidente em matéria de história e filosofia… É precisamente pelo quadro histórico de Hegel que o cartesianismo conheceu sua justificação durável, após o combate liderado pelas melhores forças da filosofia alemã contra o cartesianismo ter durado séculos. Da mesma forma que inversamente, os temas da história alemã das concepções de mundo foram banalizadas na filosofia ocidental pela concepção universalista de Hegel, e por parte soterradas por um século”.
Vemos aqui quanto a ideia de Lagarde⁸ a respeito do caráter não alemão da filosofia de Hegel foi energicamente desenvolvida. Segundo esta representação, Hegel não é somente não alemão, mas sua influência é igualmente definida coo um ponto de inflexão nefasta e perigosa para o pensamento alemão, através dele há a vitória temporária do espírito hostil do ocidente. Desenterrar a verdadeira concepção alemã do mundo foi para os fascistas possível somente pois eles rejeitam radicalmente a filosofia hegeliana, com todos seus fundamentos e todas suas consequências, só porque a afastam totalmente, juntamente da cientificidade da filosofia e com a ideia da evolução dialética da história.
A hostilidade irreconciliável com a cientificidade da filosofia pode ser vista ainda mais claramente nesses trechos polêmicos onde Boehm examina a essência do que ele compreende pela concepção alemã de mundo: “O insondável não é para o pensamento alemão a definição de um limite, é ao contrário uma determinação totalmente positiva… (Vemos como a filosofia da existência de Kienrkengaard toma aqui o lugar do agnosticismo kantiano. G.L.)  Ele atravessa toda nossa realidade e a rege no macro e em detalhes… O insondável como trama indissolúvel da nossa realidade é em sua natureza inacessível, mas não totalmente desconhecida. Nós a conhecemos, mesmo se não podemos o dizer, ele age na nossa vida, ele determina nos resoluções, ele dispoẽm de nós.” Essa dedicação ao insondável constituí a “profundeza” da concepção alemã do mundo, em oposição à filosofia categoricamente racionalista, científica na linha de Descartes e Hegel. “O que é profundo, nós não podemos dizê-lo , mas nós podemos enxergá-lo nos homens em que ele está presente.”
O iniciador propriamente dessa corrente de pensamento do qual Boehm irou as consequência no quadro da história e da filosofia: é Ernst Krieck⁹. Hitler e Rosenberg já combateram toda cientificidade para por em seu lugar o mito. Para essa questão central da concepção de mundo do nacional-socialismo, Krieck quer achar uma base filosófica. E nisso ele enfrenta energicamente: no lugar das ciências que fundam a filosofia até então, lógica e teoria do conhecimento, é uma biologia, uma antropologia que se instala: “A antropologia política nacional racista em via de formação… toma o lugar ‘filosofia’ morta de outros tempos.”
O fato de basear uma construção da concepção do mundo em termos de filosofia da vida em biologia não possui nada de novo no período imperialista. O que é novo é o cinismo com o qual Krieck rejeita ciência e a biologia ela mesma, – ao contrário de seus predecessores, que tentaram ininterruptamente, através de reinterpretações, de conservar pelo menos a aparência de cientificidade – e é também sua nova concepção de mundo “baseada na biologia”, que é fundamentado de fato no nada das intuições sugeridas pela filosofia da vida. Ele se exprime muito claramente quanto a este “fundamento” da nova concepção de mundo: “ ‘Concepção biológica do mundo’ significa, entretanto, alguma coisa de essencialmente diferente que fundar a concepção do mundo sobre a disciplina científica ‘biologia’ já existente. O conceito de ‘vida’, no plano da concepção de mundo, diz respeito à totalidade, o conceito de ‘vida’ no sentido da disciplina científica ‘biologia’ é na melhor das hipóteses uma participação no conjunto, quando ele não é simplesmente derivado de um mecanismo universal.” Krieck explica então quais são as características dessa nova ciência fundamental à vida: “Não podemos nunca ‘explicar’ a vida por um princípio mecânico, assim como a totalidade não pode sê-lo por sua parte. Mas o engendramento, o nascimento e a morte são acessíveis por quem viveu: enquanto etapas do desenvolvimento de sua própria vida e da vida dos outros, são objetos do vivido e portanto são acessíveis por intuição. E a partir do vivido, intuição e compreensão se entendem em retorno ao universal.” A “performance” filosófica de Krieck consiste portanto simplesmente no fato que ele promove o comportamento empírico do irracionalismo moderno, que tornou-se trivial há tempos, no ramo da ciência biológica fundamental, e que por outro lado, com menos incômodo que seus predecessores, considera suas “experiência de vida” como categorias da realidade objetiva. Após ter portanto por esta via, a via da “vivência” do engendramento, o nascimento e a morte, apreendido a essência do universo, ele pode a partir daí deduzir o que quiser. O meio do conhecimento biológico é naturalmente a visão, a intuição… “o ‘sentido’ é sempre compreensível, mas nunca explicável… Aquele que se aventura a dar uma resposta sobre o ‘porquê’ ou ‘para quê”, este finge ter lugar no conselho da criação”  (Essas últimas palavras são uma alusão irônica ao prefácio de Hegel à Ciência da Lógica. G. L.)¹⁰
A ciência biológica fundamental de Krieck se diferencia da filosofia geral da vida, não somente pela grande ousadia com a qual ele tira suas conclusões apodíticas de pressupostos inexistentes, mas também pelo fato que no local vago pelo pretenso aniquilamento da compreensão e da razão, da racionalidade e da ciência, não é uma imagem expressamente subjetiva que aparece, mas sim a propaganda nazista transposta em termos filosóficos e transfigurada em concepção de mundo. Nos o notamos principalmente na forma como ele determina o sujeito de sua intuição biológica. Segundo ele, não é o ego individual que é o sujeito do conhecimento, “mas todo o processo de conhecimento é carregado – enquanto fenômeno parcial do processo vital – tanto pela estrutura social, nacional, racial, histórica, como condição, como elemento determinante do modo de adquirir conhecimento e do produto deste conhecimento, da verdade em si. É aí que reside, na base, o conhecimento global.” O critério da exatidão da intuição é portanto para Krieck a adequação com o programa do partido nacional-socialista, com sua interpretação de dado momento dada pelo “Führer”. A essência da intuição consiste de fato em projetar uma imagem do ser humano que corresponde às exigências nacionais racistas. “É na imagem que o homem tem de si mesmo que verifica-se a biologia universal. Essa imagem se assenta em uma antropologia política nacional racial. Essa antropologia toma o lugar da filosofia fora de uso.”
Esta nova doutrina não somente deveria tomar o lugar da filosofia, mas também da religião. Na obra Mein Kampf, Hitler ainda aborda as religiões com diplomacia e restrições, e promete demagogicamente uma liberdade geral da religião. Mas após a tomada de poder por Hitler, Krieck já expressa bem mais abertamente que as velhas religiões devem dar lugar a concepção de mundo nacional-socialista. “Deus fala conosco… diretamente no reavivamento nacional”. O fundamento desta revelação é evidentemente a raça. Mas mesmo nessa concepção de mundo pretensamente baseada na biologia, a raça resta uma simples fórmula demagógica. Krieck, ele mesmo diz que a raça não é uma coisa, que não tem nada de material, “mas que ela é lei de orientação e de cultura, enteléquia¹¹, princípio formal. O ‘sangue’ é desta lei uma expressão simbólica imagética.”
Marcada pelo irracionalismo, a filosofia da vida, essa volatilização dos conceitos demagogos fundamentais da propaganda nacional-socialista, da raça e do sangue, que, como vemos, já não tem em Krieck qualquer conteúdo tangível, serve precisamente a decretar o programa “nacional-socialista como conteúdo da nova ciência fundamental de antropologia: “Todo povo possui necessariamente como pilar de sustentação uma raça dirigente, em que a “medula vital”, a orientação e a lei de vida é determinante, crucial para a totalidade da população, o que se tornará e seu caminho.” O que acontece nesse caso é o “Führer” que o decide: “A personalidade do Führer, da qual é a vocação, é o cenário onde se decide o destino do conjunto.” Esta fraseologia a nova antropologia, retirada da filosofia da vida, não tinha portanto por único objetivo fornecer um pressuposto fundamental filosófico a propósito que na Alemanha, Hitler exerceu uma ditadura ilimitada e arbitrária sobre o conjunto da vida da população alemã. Estes trechos de rascunhos do principal “pensador” do terceiro Reich não merecem qualquer comentário. Notamos claramente o porquê da dialética científica de Hegel lhes ser insuportável, porque essa concepção de mundo vê nela – quase com as mesmas palavras do velho Friedrich Schlegel, que tornou-se reacionário- um princípio satânico, o princípio do mal, do anti-alemão, do anti-racismo. Os neo-hegelianos fizeram tudo que esteve ao seu alcance para enfraquecer o caráter progressista e racional do hegelianismo, a fim de adaptar a filosofia hegeliana as necessidades reacionárias do período imperialista. Em vão. Para o fascismo alemão essa adaptação não era suficiente. Como bem disse Dimitrov em seu tempo, “não é a substituição ordinária de um governo burguês por um outro, mas a troca de uma forma de estado de dominação da classe burguesa… por outra forma dessa dominação, a ditadura terrorista declarada.”¹² Para essa ditadura, o fascismo hitleriano precisa de uma atmosfera espiritual na qual, no plano teórico, toda sensibilidade pela ciência e pelo controle científico dos fatos e das leis que o regem sejam aniquilados, na qual, no plano moral, todo resquício da alta consciência humanista do povo alemão foi esquecido, na qual o arbitrário absoluto do bando de aventureiros e de criminosos liderados por Hitler podem reinar sem partilha. Como os planos do hitlerismo em matéria de política interior e exterior só poderiam ser realizados em tal atmosfera, era absolutamente necessário o nascimento de uma filosofia correspondente, uma filosofia que não podia, nem em aparência, ser conciliada em nenhum ponto com a filosofia hegeliana.
II
O campo da razão na filosofia hegeliana não diz respeito somente à correlação lógica das categorias, mas primeiramente, ao conhecimento da evolução, da história. O primeiro terço do século XIX foi o período em que apareceu o um historicismo do progresso. Não estamos falando das visões históricas profundas dos grandes pensadores utópicos, nós lembramos simplesmente de Walter Scott, dos historiadores franceses da época da Restauração da Monarquia, Goethe e Hegel. Vendo no ser humano um animal evoluído, Goethe tornou-se um dos precursores da teoria da evolução. Em sua teoria das cores¹³, ele esboçou um grande quadro da história universal, ele forneceu o ponto de partida para uma nova abordagem histórica universal de todos os fenômenos estéticos. O historicismo de Hegel vai ainda mais longe. A filosofia da história constitui apenas uma parte diminuta da sua concepção histórica; a estética, a história da filosofia, a filosofia da religião, a fenomenologia ilustram também a unidade da evolução histórica em todas as áreas da vida material e intelectual. Elas mostram a coerência, as leis, a racionalidade, o conhecimento de evolução histórica.
Todas essas ideias foram em parte enfraquecidas e deformadas, em parte diretamente combatidas pela filosofia reacionária desde 1848, e particularmente na era imperialista. Na época do imperialismo, surge um pseudo-historicismo reacionário em uma mistura de empirismo rastejante e de um misticismo subjetivista.
Bem que a concepção de mundo nacional-socialista explore todos os resultados da destruição reacionária do historicismo, a destruição passada do historicismo autêntico não lhe é o bastante. Os nazistas consideram essa questão como tão essencial que o próprio Rosenberg intervinha a todo momento e proclamava claramente o caráter inconciliável de uma concepção da história universal, mesmo se ela é, de forma reacionária, enfraquecida e a concepção de mundo do fascismo hitleriano: “Nós acreditamos que não há uma verdadeira história universal no sentido da ciência racial e da psicologia, o que quer dizer que não há história segundo a qual todos os povos e todas as raças fossem levadas à uma fusão sistemática única. Segundo a qual deveria haver um projeto de cristianização de todas as raças, ao passo de que tudo isso serviria a humanização da pretensa humanidade. Nós acreditamos ao contrário que a história de cada povo representa por si só uma esfera vital.” Ou em outro trecho: “Nós acreditamos hoje que não existe história universal propriamente dita, mas somente a história das diferentes raças e povos.”
Essa concepção é condicionada na ideia dos fascistas de dominação mundial, imperialista e bárbara. O velho nacionalismo alemão também defendia a ideia que os alemães eram o povo escolhido, destinado a dominação mundial. Mas por um lado, a idéia de dominação mundial evoluiu no quadro de fronteiras políticas definidas, um novo plano de partilha do mundo, mais favorável aos imperialistas alemães; ela era portanto só uma ideia de uma dominação mundial relativa, e não uma dominação absoluta, como a dos nazistas. Por outro lado, essa concepção considerava com certeza o povo alemão como povo eleito, mas no entanto um povo em meio de outros povos. É por isso, que no plano filosófico, essa vocação do povo alemão aparecia para o velho nacionalismo como uma consequência, como o ponto culminante de sua concepção profundamente reacionária da história universal.
Mas para o fascismo hitleriano, essa concepção não era suficiente, nem quantitativamente, nem qualitativamente. A “nova ordem” hitleriana queria que a Europa inteira lhe fosse totalmente submissa, (e a partir dela o mundo inteiro). Não somente ela queria colocar os demais povos em dependência econômica ou política, mas, ou reduzi-los completamente a escravatura, ou aniquilá-los fisicamente. O próprio Hitler mencionou abertamente essa diferença do fascismo hitleriano e do velho nacionalismo. Ele polemiza sobre seus objetivos de assimilação, de germanização dos povos de língua estrangeira. Os velhos nacionalistas, segundo Hitler, nunca teriam compreendido que a germanização se dá somente pela terra/solo, nunca pelos homens. Os outros povos são portanto para os fascistas não nações relativamente subordinadas, que podem submeter ou assimilar, mas uma “raça inferior’ que se diferencia qualitativamente da raça “nórdica” ou “ariana-germânica” chamada a dominar, e que pode ser considerada uma raça humana somente condicionalmente, pois ela não tem absolutamente direito a existência em comparação a raça superior.
É por isso que é simplesmente lógico que Hitler ou Rosenberg colocassem sempre a palavra humanidade em citações irônicas, e rejeitassem totalmente a concepção de uma história universal unitária. Para os fascistas hitlerianos, a história geral existia mas apenas se caracterizava no desenvolvimento da “raça superior”. Todos os outros povos eram somente argila nas mãos do oleiro, eles são considerados como animais para o trabalho, ou se apresentam na história como aqueles que suscitaram a decomposição da raça superior; eles possuírem uma eventual história, cultura própria, isso não fazia parte das preocupações dos alemães e da concepção nazista da história. Esta só se interessava nesse caso na a influência racial estrangeira, hostil e solvente, que deveria ser extirpada, erradicada. Rosenberg o disse da seguinte forma: “Pois tudo que pode ter penetrado na alma dos homens germânico em matéria de representações e valores romanos tardios, cristãos, ou judeus, a mesma por uma lado por assim dizer aniquilada: Se a representação de um ser em luta para moldar seu égo  mais íntimo apresenta qualquer significação histórica característica, então devemos justamente separar os valores germânicos de todos os outros se não quisermos nos degradar nós mesmos. Mas o mais vergonhoso é que, em seguida de uma abordagem que não era a pan-cristã, depois de uma abordagem humanista tardia, essa mancha da história foi sempre relegada em segundo plano, enquanto o dogma de um pretenso desenvolvimento da humanidade tomava a frente da cena.” Rosenberg não menciona aqui o nome de Hegel, suas considerações nesse trecho são direcionadas contra a filosofia da história de Bachofen. Mas é claro, ainda que não fosse pela tradição de Lagarde e Chamberlain, que a concepção de uma história universal unitária humanista que ele critica é precisamente a filosofia hegeliana da história.
É por isso que não existia também para os nacionais-socialistas períodos universais da história da humanidade. Em sua polêmica contra Bachofen, Rosenberg afirma com força que os germânicos nunca teriam tido um período matriarcal. A interpretação da Oresteia¹⁴ por Bachofen seria completamente  falsa; não se trataria da luta entre dois períodos, o do matriarcado e o do patriarcado no seio de um só povo, mas da luta dos espíritos de duas raças, a raça ariana grega, contra a raça judia síria oriental. O estado germânico não é, segundo Rosenberg, advindo do comunismo primitivo e do matriarcado, mas de “ligas masculinas”.
Mas a oposição à concepção clássica progressista da história de Hegel foi ainda mais longe. Não se negava somente a ideia de uma unidade da evolução da humanidade (isto já havia acontecido na teoria da “esfera cultural” de Spengler, que, apesar de todas as oposições, influenciou profundamente a concepção fascista da história), mas a evolução por si só. Spengler admite ainda um crescimento “natural” e um declínio no seio das esferas culturais separadas, mas já aí, suas evoluções não apresentavam nenhuma correlação entre elas. Os fascistas não poderiam ter iniciado com essa concepção unilateral fatalista. Para propaganda para a dominação ilimitada da raça ariana germânica na política interior e exterior, eles precisaram dos dois: tanto o fatalismo sem limite, quanto de um voluntarismo também sem limite.
É com um fatalismo sem limite que foram concebidas as características da raça. A raça, o sangue, etc. tem estabilidade fatalista, eles não conhecem nenhuma evolução. A raça é nesse caso, eterna e necessária, imutável; somente suas encarnações podem mudar, sem que isso mude algo decisivo na essência da raça. Rosenberg formulou esta concepção da seguinte maneira: “O primeiro grande registro mítico não poderá mais, em sua essência, ser melhorado, mas simplesmente tomar outras formas. O valor incutido em um deus ou nos heróis é o que tem de eterno, tanto de bem como de mal…, uma forma de Odin morreu…, mas Odin como reflexo eterno das forças primitivas do homem nórdico viva ainda como 5000 anos atrás…O último “saber” possível de uma raça já é incluso em seu primeiro mito religioso. E o reconhecimento desse fato é a última sabedoria propriamente dita dos homens.” 
No seio da raça, não há portanto evolução histórica. Em outro trecho, Rosenberg formula esse dogma fundamental do nacional-socialismo com uma orientação ainda mais explícita contra o conceito hegeliano de evolução: “A vida de uma raça, de um povo não é uma filosofia que se desenvolve de maneira lógica, também não é um processo que ocorre segundo as leis da natureza, mas a constituição de uma síntese mística, uma atividade espiritual que não pode ser explicada por raciocínios lógicos, nem compreensível pelo exposto das causas e dos efeitos.” Só há períodos de degeneração e de decomposição (por conta da miscigenação racial) e períodos de regeneração, períodos de restabelecimento integral das particularidades originais e imutáveis, graças a ação de “Fϋhrers geniais” na qual se encarna maravilhosamente o espírito original próprio da raça.
Com essa última ideia, chegamos ao pólo diametralmente oposto, ao voluntarismo extremo, arbitrário. Enquanto em Hegel, o “indivíduo da história universal” é somente o órgão pelo qual se realiza a necessidade histórica, toda necessidade histórica, econômica e social se encontra, nos “nacionais-socialistas”, abolidas pelo Fϋhrer, ele é portanto um “Führer por vocação”, ele apela a essa enteléquia da raça, e é assim que, em sua obra de regeneração, ele pode fazer o que quiser. E ele resulta da essência do aventurismo nacional-socialista, da essência de sua demagogia social, que todo tipo de necessidade econômica, todo tipo de limitação econômica da obra de regeneração do “Führer” se encontrem particularmente desafiados, com veemencia. Rosenberg diz assim: “Não é verdade que as sociedades por ação, dos cartéis, ‘devem’ ficar reunidas em duas, três cidades, que as novas fábricas ‘devem’ sempre ser construídas em Berlim, que somente a oferta e demanda ‘devem’ reger a vida.”¹⁵ E o próprio Hitler, imediatamente após a tomada do poder, se exprimiu no mesmo espírito sobre a crise econômica: “Quando de um lado, há milhares de homens que querem trabalhar e que do outro, há riquezas minerais e possibilidades de trabalho, uma necessidade gritante de consumo e uma necessidade de produção no povo alemão, então seria triste que uma vontade e ação não conseguisse se impor.”(...)
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