Algumas premissas do marxismo
1. Todas as descrições filosóficas do mundo são refutáveis. Tanto mais se tiverem sido sistémicas. Ou se, embora não sistémicas, tiverem sido construções meramente plausíveis, mediante analogias ou raciocínios hipotéticos e condicionais.
2. São refutáveis, ainda que o sejam por causa de razões diferentes, e segundo perspectivas variáveis no tempo e no espaço.
3. Uma teoria é refutável pelos acontecimentos se for, sobretudo, preferencialmente lógica e racional. Considerem-los sob a qualificação de “experiência”, ou, se se preferir, de “factos”. Mas uma teoria que se exige ser, a si mesma preferencialmente, histórica (portanto, empírica, sociológica, etc.), é, por maioria de razões, refutável precisamente por causa dessa exigência, ou pode vir a ser refutável.
4. Uma teoria que se estriba num fundamento (força, causa, motor), pode cair precisamente se o seu fundamento se verificar inconsistente, antropomórfico, ou devido a uma mera escolha entre outros “fundamentos” possíveis, sem possuir um grau de determinismo que se justifique.
5. Porém, este carácter provisório que as teorias filosóficas possuem, também se aplica às ciências : também as teorias científicas são refutáveis, por outras teorias ou por novos factos. Se for, sobretudo, uma teoria, e não somente a explicação de um fragmento da realidade. Parecemos forçados a manusear apenas muitas verdades isto é partes da Verdade (a célula, o gene, a electricidade...). Um mundo fragmentado.
6. No entanto, determinadas verdades isoladas contêm outras verdades consequentes, isto é, corolários. Por exemplo, a descrição rigorosa do genoma humano, com o papel atribuído a cada par de cromossomas e, finalmente, a cada gene.
7. Por conseguinte, regressamos ao primeiro enunciado, para o refutar, ou, pelo menos, para o moderar : com o mapa genético poder-se-á construir uma boa teoria. Encontramos uma fórmula de unidade feliz entre a razão e a experiência.
8. Veja-se o caso da descrição do Capital realizada por Marx. A ser verdadeira, toda uma série de corolários e consequências são possíveis. Então, a ser assim, a compreensão da génese (original e actualizada) do Capital é formidavelmente decisiva.
9. Não é a descrição da Miséria que faz a força do marxismo. Nem menos ainda a narrativa de um Progresso imanente e necessário contido em um determinado fundamento do Processo Histórico. No primeiro caso a descrição, não deixando embora de ser justa, é mais ideológica que científica (útil para fins políticos imediatos) ; no segundo caso, é somente verosímil (útil como crença utópica mobilizadora) e, portanto, facilmente refutável.
10. É forçoso concluirmos que a mais urgente e decisiva tarefa é : num primeiro momento, estudar O Capital, de Marx, e saber expô-lo com rigor e seriedade ;e, num segundo momento, actualizar a análise, prosseguindo o estudo do Capital posteriormente a Marx. Refiro-me, sobretudo, à atenção que devemos prestar aos capítulos sobre a mercadoria, a mais-valia, a reprodução, etc., e ao modo como o autor entrosa (a lógica) causas e consequências (consequências que, por sua vez, se convertem em causas), ainda que não lhes dedique por vezes um capítulo independente (como sucede com a categoria da alienação).
11. Basta essa obra, O Capital, para a luta revolucionária? Não, de modo algum. É aí que se acrescenta a teoria e a prática de Lenine ( o Partido de novo tipo, a teoria da Revolução, etc.), e porquê? Porque se a desapropriação, a expoliação, fosse motor da consciência revolucionária de classe, porque motivo o proletariado não se constituiu como “classe”, isto é revolucionária, e os partidos comunistas apenas surgiram a seguir ao partido bolchevique e, sobretudo, depois da Revolução bolchevique e, em muitos países, nunca sucedeu sequer isso?
12. Tal demonstra a necessidade de partidos especiais, com interpretações de tácticas e estratégias que fomentem, organizem e conduzam as lutas de classes.
J. A. Nozes Pires
2003
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