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sexta-feira, 13 de novembro de 2020

 

PCP

Um partido “resiliente” a lutar para travar as perdas

PCP reduz dimensão do congresso em momento-chave. Comité Central renovado com mais jovens e mulheres

Mariana Lima Cunha

Quando Jerónimo de Sousa entrar pelas portas do Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, para falar a uma plateia de camaradas reduzida a metade e sem convidados estrangeiros (um constrangimento provocado pela pandemia), o PCP estará a poucos meses de cumprir 100 anos. Para o partido centenário, o Congresso agendado para o final deste mês marca um dos momentos mais difíceis da sua existência em democracia: um ano depois do fim da ‘geringonça’ que pôs dois rivais históricos — socialistas e comunistas — a assinar acordos para viabilizar um Governo, o PCP luta para provar que a sua “flexibilidade” tática não o prejudicou. Mas também tentará demonstrar que, em contexto de crise e de reorganização da direita, a luta comunista é mais importante do que nunca. À porta estão duas eleições determinantes: nas presidenciais será testado (mais uma vez) o homem que poderá tornar-se o próximo secretário-geral e nas autárquicas há perdas dramáticas a inverter. O drama dos comunistas no momento da reunião magna é a dificuldade em travar a tendência de perda e voltar a crescer.

Os números traçam um cenário negro, uma vez que, como aponta Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), revelam uma “tendência de longo prazo” negativa e um percurso de perda que se mantém constante desde que o partido decidiu viabilizar o Governo do PS. A queda verificou-se nas autárquicas de 2017 (menos 1,6 pontos percentuais, que se traduziram na perda de bastiões comunistas) e confirmou-se nas europeias de 2019 (menos 5,88 pontos). Mas continuou nas legislativas do mesmo ano (menos dois pontos e menos cinco deputados), na Madeira (menos 3,7 pontos) e nos Açores, já este ano (ficou sem representação no arquipélago). A contribuir para o cenário de perda generalizada em eleitorado e militância estão as dificuldades que se verificam nas bases de apoio tradicionais do partido. “Depende das fontes, mas desde o início do século a taxa de sindicalização terá caído pelo menos seis pontos. E ao passo que, em 1997, o PCP tinha 41 câmaras, hoje tem 24”, explica Pedro Magalhães.

O comunista-tipo não gosta do líder do PS

Entre os fatores analisados no Congresso estará a relevância e os efeitos da ‘geringonça’. Nos últimos meses, os comunistas têm posto em prática uma estratégia: lembrar que já votaram Orçamentos do Estado deste Governo de todas as formas possíveis e que por isso estão de ‘mãos livres’ para agir daqui para a frente. Será uma salvaguarda importante quando o Congresso arranca no dia seguinte à votação do Orçamento do Estado, marcada para 26 de novembro. Nas teses do partido (um documento de resolução política que antecede o Congresso) os argumentos são claros: a ‘geringonça’ não foi um tempo “percorrido em vão” e garantiu conquistas em áreas importantes, mas o partido viu-se prejudicado pela perceção, que garante ser errada, de ser uma “força de suporte ao Governo”. A partir de agora, e tendo em conta a “mistificação” que foi feita sobre o papel do PCP — mas também o resultado das últimas eleições, que lhe retirou força e boa parte da bancada —, não há misturas, apesar da “flexibilidade tática” demonstrada nos últimos anos, como descrevia há meses Jerónimo de Sousa em entrevista ao “Avante!”.

Esta conclusão pode agradar ao eleitor-tipo do partido, que se caracteriza como alguém que faz uma “avaliação negativa” da ação do Governo, mostra uma “forte simpatia” pelo líder do PCP e ao mesmo tempo uma “antipatia” pelo líder socialista, descreve o investigador Marco Lisi no livro “Eleições: Campanhas Eleitorais e Decisão de Voto em Portugal”. Aos olhos do eleitor genérico do PCP, os rivais tradicionais assim permanecem. Pedro Magalhães ajuda a traçar-lhes o perfil: o partido tem “uma implantação acima da média” entre homens, eleitores mais velhos, ateus ou agnósticos, operários e trabalhadores dos serviços com baixas qualificações e sindicalizados. E há aspetos de “enorme estabilidade” no eleitorado: nos anos 70, o PCP já tinha “melhores votações nos meios rurais, quantos mais assalariados rurais houvesse, e nos meios urbanos, quantos mais trabalhadores indus­triais houvesse”. Hoje, aponta o investigador, destacam-se as dificuldades com o eleitorado feminino e entre os mais jovens, “em contraste total com o BE”.

“A estratégia do PCP provou ser resiliente. Mas estamos a falar de resiliência, não de crescimento”, nota António Costa Pinto

Será esse eleitor que o PCP terá de ter em conta nas próximas provas eleitorais. Em primeiro lugar, as presidenciais de janeiro, que podem colocar o candidato João Ferreira numa melhor posição para suceder a Jerónimo: já foi testado em quatro eleições, duas europeias e duas autárquicas em Lisboa. Mas a decisão não será tomada em Congresso, uma vez que a escolha é feita pelo Comité Central. As pistas que saírem da reu­nião magna poderão indicar se essa sucessão acontecerá mais cedo ou mais tarde, uma vez que Jerónimo de Sousa tem deixado pistas que indicam que pode não estar a preparar, para já, uma retirada: em entrevista ao “Polígrafo/SIC”, no mês passado, dizia “sentir” que o partido “precisa ainda” da sua contribuição. A comprovar-se, no futuro, a escolha de João Ferreira, essa seria uma aposta numa nova geração — a bancada do PCP já traz, aliás, sinais de renovação. Nos planos do partido estará também renovar o Comité Central com mais jovens e mulheres.

A erosão nos bastiões vermelhos

A seguir virão as eleições autárquicas — e aqui o PCP, que em 2017 perdeu nove câmaras para o PS, sabe que terá de apostar forte. “Parece evidente que existe muita erosão nos bastiões autárquicos do PCP, mas isso remete, em grande parte, para fenómenos de cansaço”, considera o politólogo António Costa Pinto. “O grande desafio é que este percurso pode ser parcial­mente invertido, porque são eleições muito personalizadas e dependem muito da capacidade de encontrar candidatos que possam contrariar esse desgaste.” Até porque, nota Pedro Magalhães, as perdas do PCP em zonas onde era mais forte (Sul, Ribatejo e Lisboa) poderão dever-se, “em parte, à desmobilização de alguns dos seus antigos eleitores”.

Com perdas eleitorais e na militância — o partido conta com menos 4320 militantes do que em 2016, em boa parte devido ao falecimento de uma geração mais antiga —, qual será o próximo objetivo? Para Costa Pinto, resistir: num contexto de desaparecimento da maior parte dos partidos comunistas, em Portugal o PCP tem provado particular “resiliência”. A questão passará por perceber se o partido consegue (e aposta em) ultrapassar essa dinâmica, que se baseia em agarrar o núcleo duro e chegar a grupos mais diversificados. “O PCP conduz com grande coerência a sua estratégia no discurso no Parlamento e na moderação em valores associados a eleitorado de classe média, ocupado pelo BE e por segmentos do PS. O desafio é o mesmo que o da Intersindical: chegar a novos segmentos sociais”, nota Costa Pinto. “A estratégia do PCP provou ser resiliente. Mas estamos a falar de resiliência, não de crescimento.” Será possível alterar o rumo?

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