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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

LEMBRAR ALBERTO FERREIRA

 

Alberto Ferreira, um filósofo esquecido – por António Sales

Num período da minha vida profissional, em publicidade, tive a oportunidade de conhecer o escritor Alberto

Ferreira, ao tempo na agência de publicidade Êxito, onde estavam também o Alves Redol, o cineasta António Pedro de Vasconcelos, entre outros intelectuais que ali trabalhavam (1966).
Eu já havia lido alguns dos seus ensaios mas foi o “Diário de Édipo” (1965), a sua primeira obra de ficção narrativa, que proporcionou uma surpreendente reflexão de natureza histórica e filosófica.

Começámos por aí as nossas conversas e por aí foi seguindo a origem de uma boa relação com esse homem de extraordinária capacidade analítica da política e da economia do Portugal de então. Era um espírito de ideais firmes odiados pelo Estado Novo.

Alberto Ferreira nasceu em Lisboa a 5 de outubro de 1920 e formou-se na Escola Agrícola de Santarém. Em 1954, com 34 anos, publicou o primeiro título: “Condições Sociais do Pensamento Moderno”, seguido de outros ensaios, nomeadamente sobre o romantismo português de que foi especialista. Nas publicações Seara Nova e Vértice tornou-se frequente colaborador.

Quando o trabalho em publicidade nos colocou em contacto pessoal, Alberto Ferreira não era para mim um desconhecido, antes pelo contrário, sobretudo porque havia sido publicado por essa altura o “Diário de Édipo” e cinco anos depois a Seara Nova editava “4 Semanas em Outubro” (1970), cujo sucesso projetou o autor a um patamar de popularidade.

Abordámos diversos temas nas nossas múltiplas conversas, fossem eles políticos, culturais, literários, racionalistas, místicos, em trocas que me encantavam pelo seu raciocínio rápido que eu tinha, por vezes, dificuldade em acompanhar. Ele era um filósofo que dava gosto contrariar para melhor seguir a sua capacidade analítica polvilhada por um idealismo que, todavia, mantinha intacto o rigor do pensamento.

Foi este homem que me ensinou imensa coisa pelo muito que eu ouvia e o pouco que falava. Alberto Ferreira era dotado de uma inteligência brilhante e rápida, embora de certo modo amargurada conforme o denuncia em “Crise” (1974). O seu mundo correspondia a uma interrogação permanente porque necessária e, quanto a mim, digo-o por experiência própria, quem muito interroga mais desiludido se torna.

Com a sua lucidez publicou “Estudos da Cultura Portuguesa – séc.XIX” (1980) quando já era professor da Faculdade de Letras de Lisboa, onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas. Após o 25 de Abril regressou ao ensino como professor de liceu e depois universitário. Por essa altura reduziram-se os nossos encontros e cada vez menos passei a falar ou ouvir falar do Alberto Ferreira. Até que a editoria Escritor editou “Viagens no Reino da Mediocracia” (1998), onde é patente a desilusão e a tristeza, até porque se encontrava bastante doente. O seu último título, editado pela mesma editorial, foi “Deambular ao Lusco Fusco” (1999).

Alberto Ferreira foi mais filósofo que ficcionista, mais reflexivo que inventivo. Aliás a sua obra traduz isso se considerarmos que em 14 títulos, onze são estudos e ensaios e apenas três são romances, um género onde nunca esteve à vontade. Fazia, então, parte de um núcleo de intelectuais (Alves Redol, Urbano Tavares Rodrigues, Alexandre Cabral, Mário Dionísio, etc) a quem o Salazar votava um ódio de estimação. No dia 10 de Dezembro do ano 2000, morria em Lisboa, com 80 anos, um dos maiores filósofos portugueses da segunda metade do século XX, hoje esquecido em todas as vertentes da sua personalidade e do seu pensamento.

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