Teses sobre as crises
1ª- Atualmente a Humanidade confronta-se com várias crises. Sempre se confrontou. Contudo, o que distingue este período é a universalidade, a extrema gravidade e a articulação e simultaneidade de várias crises.
2ª- A crise climática e ambiental ameaça não só o futuro da Humanidade, como a continuação da Vida na Terra tal como a conhecemos. Distingue-se das anteriores cinco extinções porque esta devastação do ambiente natural e o exponencial aquecimento da Terra deve-se à ação da parte consciente da Natureza: a nossa espécie. Supremo paradoxo: uma espécie extingue-se a si mesma, levando consigo muitas outras. Todos os dias a espécie humana extingue espécies.
3ª- A crise económica embora mais sentida numas regiões do globo do que em outras, é composta de “picos” de uma crise global sistémica que se apresenta sem remédio desde os meados dos anos setenta do século passado. A causa principal da crise geral sistémica é a tendência do sistema para a baixa (média) da taxa de lucro. O sistema dispõe de contra-tendências, as quais se manifestam na implementação da nova doutrina neoliberal. Esta doutrina que se caracteriza pela fé no mercado entregue a si mesmo, na mínima intervenção do estado, nas privatizações das empresas estatais, na redução das despesas do Estado com vista a eliminar-se o chamado “Estado Social” (isto é, social-democrata), provoca novas crises conjunturais (2008) e tende, assim, a agudizar a crise sistémica. As primeiras pertencem às crises “periódicas” do sistema, a última sendo embora uma típica crise periódica (tendência para a baixa da taxa de lucro, sobre produção) não desapareceu até à data, apesar da 4ª e 5ª revolução tecnológica. Tudo isto é novo e de alta gravidade pelos seus efeitos já constatados: profunda desigualdade social no planeta, desemprego persistente colocando em risco a sobrevivência de milhões de seres humanos, mal nutrição e doenças.
4ª- A crise sanitária provocada pela pandemia de um vírus cuja origem se desconhece, designado Corona-19. A Humanidade conheceu e sobreviveu a numerosas, constantes, epidemias. Com a “globalização” (ligações rápidas transcontinentais de mobilidade de pessoas e bens) a pandemia, como o prefixo indica, é total. Neste caso é pior do que todas as anteriores que já eram transcontinentais, pela sua duração e pelo seu fácil contágio, pelos efeitos sobre a economia mundial e sobre as economias mais frágeis, sobre a saúde de milhões de pobres e subnutridos e idosos.
5ª- As crises económicas, sistémica e conjuntural, ligam-se numa lógica dialética de causa-efeito-causa com crises sociais, políticas e de valores morais. Somente uma lógica dialética entende corretamente a inter-relação dinâmica não só de causa-efeito mas de contraditoriedade, a reciprocidade e a emergência de novos fenómenos em novos contextos de grande complexidade. Assim, entre a crise económica (sistémica e conjuntural) e a crise ambiental e climática existe uma relação direta, ou seja, a principal causa é a irracionalidade de uma economia de mercado que se dirige exclusivamente ao lucro privado; entre a pandemia e a economia ou as políticas de resposta dos Estados, existe uma relação na medida em que prevalecerem doutrinas monetaristas de regulação e combate às crises económico-financeiras; entre as diversas crises e a psicologia das massas sociais existe uma relação de ação recíproca tal como em tudo o mais, ou seja: um recrudescimento da insegurança coletiva, dos medos mais racionais e irracionais, do descontentamento global em todos os continentes, das respostas ou “ajudas” pela crenças religiosas, sobretudo as mais primitivas, de comportamento de esperança ou de apoio ativo a “messias” ou a doutrinas “salvíficas” que exigem submissão total dos indivíduos.
6ª- Não há um esvaziamento de todos os valores, um niilismo total, como profetizaram algumas correntes filosóficas, verifica-se, antes, uma manifesta e profunda contraditoriedade entre valores dominantes: entre o extremo individualismo promovido pelas doutrinas neoliberais e alimentado pela economia mercantil, e os novos medos que acalentam desejos de solidariedade, pertença, comunitarismo, ”salvação coletiva”, seja pela renovada crença nos Estados contraditada pela nova descrença nos Estados e na “política” em geral, seja pela novas identidades enquanto conquistas civilizacionais e fanatismos identitários que excluem outras identidades ou culturas tradicionais e étnicas.
7ª- As contradições na mente dos indivíduos traduzem-se por novas subjetividades, isto é, não existe um Sujeito dotado de predicados estáveis e sem contradições, ahistórico ou mesmo transhistórico. As crises sem solução à vista não distinguem a nossa época com uma nova subjetividade ou sem subjetividade alguma, mas com uma profunda e universal contraditoriedade e consequente conflitualidade. Tudo está em contradição com tudo. Não falamos de separações estanques, mas de relações contraditórias que somente uma lógica dialética entenderá melhor que outros métodos de análise antropológica e sociológica.
8ª - O sistema responsável principal de todas ou quase todas as crises atuais é o modo de produção capitalista e sobre isto não pode haver dúvidas. Quer se mudem os nomes ou sejam diversas as análises destas crises. Portanto, porque se trata de uma forma de civilização mundial, com dois séculos de permanência e cujo fim não está à vista a médio prazo a nenhum oráculo, as soluções são complexas e hão de ser diversas em cada país, em cada momento. Resolver-se-á a pandemia atual previsivelmente no próximo ano, porém os seus efeitos perdurarão e produzirão outros efeitos na socialização, na política, nos valores. A soma de todas as crises pode provocar revoltas e revoluções, sendo mais prováveis soluções, sempre provisórias ou temporárias, dos “donos” do sistema, reforçando os meios coercivos para assim melhor aplicar receitas para aumento da taxa de lucro, falências das empresas mais fragilizadas, fusões, concentração de empresas e centralização de capitais. Os mercados subsistirão, com a contribuição da forte economia chinesa, e os EUA tentarão retomar simbolicamente o seu papel imperial em declínio. Não é de esperar que a as medidas a adotar para sairmos da estagnação económica e evitar a qualquer custo uma muito grave recessão, se articulem com as medidas profundas em defesa rápida do ambiente: e ainda: signifiquem um avanço da democracia.
J. A. NOZES PIRES
21/11/2020
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