Thomas Piketty (n. 1971), Capital e Ideologia, Temas e Debates, 2020
Algumas notas de leitura:
1. Depois da sua obra célebre "O Capital" Thomas Piketty continua a desenvolver argumentação demonstrativa da desigualdade que acompanha o capitalismo.
2. A desigualdade, segundo o Autor, sempre existiu, contudo o sistema capitalista não só a manteve como a colocou em novos termos e patamares. Não porque a aumentou, pelo contrário, diminui-a comparativamente com as sociedades anteriores (esclavagista, feudal). Até aqui nada de diria de novo. O que tem de importante, até inovador, no seu livro "O Capital", é o vastíssimo conjunto, variado, de dados com que se sustenta a tese de que a desigualdade foi aumentada extraordinariamente nesta última fase do capitalismo designada como neoliberalismo (aproximadamente desde os anos setenta). Este foi o grande contributo de Piketty às forças sociais, políticas e culturais, em todos os países, que se opõem ao capitalismo financeiro e às multinacionais do grande capital. Por isso ele foi atacado pela intelectualidade conservadora e de direita dos centros ideológicos do capital.
2. Escreve o Autor neste livro, "Capital e Ideologia": « O modelo de socialismo participativo aqui proposto apoia-se em dois pilares essenciais que visam superar o sistema actual de propriedade privada, por um lado pela propriedade social e a partilha dos direitos de voto nas empresas e, por outro, pela propriedade temporária e a circulação do capital. Combinando os dois elementos, chegamos a um sistema de propriedade que já não tem muito que ver com o capitalismo privado, tal como o conhecemos hoje em dia e que constitui uma verdadeira superação do capitalismo. ».
3. Piketty qui mostrar, nomeadamente neste livro, que os períodos mais benéficos do capitalismo verificaram-se sobretudo nos trinta anos a seguir à 2ª Guerra Mundial. Não só nos países nórdicos e na Alemanha por via dos direitos de participação dos assalariados na gestão das empresas (cogestão na Alemanha e Suécia, poderes dos sindicatos) e na intervenção mais reguladora e social dos Estados desses países (o "Estado Social" dos países nórdicos), mas, inclusivamente, nos EUA sob influência do keynesianismo.
4. A História da Humanidade, segundo o Autor, é a história das formas de propriedade. Portanto, as soluções de Piketty incidem sobre as reformas da propriedade.
5. Segundo ele, são as ideias (ideologias, doutrinas) que conduziram as re-formas de propriedade desde o aparecimento da propriedade (comunal, privada, e outras formas). Há que agir, portanto, sobre as ideias, nomeadamente contra estas que guiam e justificam a actual desigualdade. Perigosa para a a estabilidade do sistema a tal ponto que ele pode colapsar.
6. Como se vê, Piketty aprendeu com os grandes economistas reformadores do capitalismo e confirma algumas teses básicas dos socialistas do século XIX, nomeadamente Karl Marx.
7. É um facto que a participação dos trabalhadores na vida das empresas foi altamente benéfico para eles e para o capital desses países e que as medidas reformistas na Grâ-Bretanha no pós-guerra permitiram a construção de um novo Estado interventivo, proprietário e social. Contudo, foi esse mesmo Capital e a social-democracia que fizeram emergir o neoliberalismo. Este não saiu do Oceano como Vénus. E, como é sabido mas nem sempre lembrado, essas soluções reformistas moderadas serviram de tampão à temível influência dos socialismos no mundo de então. Quando a crise chegou, a ofensiva começou.
8. As soluções reformistas do e para o capitalismo vão normalmente beber no velho ideário dos "socialismos" que Karl Marx e Friedrich Engels criticaram. Pode ler-se "O Capital", de K. Marx, precisamente como essa crítica, demonstrando-se que as crises são imanentes ao sistema, tal como o "exército de desempregados", a tendência à baixa da taxa média dos lucros (ainda que hajam contratendências) e para a sobreprodução, para a financiarização da economia (o papel crescente do capital bancário e das fusões entre este os outros capitais), etc.
9. Mas ainda que fossemos todos adeptos das doutrinas da social-democracia (incluindo Keynes, John Rawls, Bernie Sanders, ala esquerda do trabalhismo inglês), o que não é o caso, teríamos muitas dúvidas sobre a aplicabilidade das soluções de Piketty, as quais, na sua unidade (É para aplicar todas em conjunto, de modo a diminuir a grande propriedade privada), exigem importantes reformas políticas nos Estados. Ou seja: grandes mobilizações de massas que pressionem, poderosos sindicatos que ameacem paralisar as grandes empresas, fortes partidos políticos de esquerda nacionais e no Parlamento Europeu, viragem à esquerda dos partidos que se auto intitulam de "socialistas" ou "Verdes"...Pode alguém prever que tal venha a suceder dentro e para além da pandemia do vírus? Pode alguém ter como certas estas soluções a adoptar pelos governos europeus da UE (pelas potências) para sairmos da crise actual? Este livro de Piketty (1200 páginas!) vem salvar o capitalismo ou vem, sobretudo, mostrar o que é o capitalismo?
Voltaremos ao assunto.
Nozes Pires
28/11/2020
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