Para
ilustrar quão diferentes são as tradições culturais e quanto a esse
respeito podemos correr erros, Raymond Aron observou num dos seus livros
que não só o sorriso dos Japoneses é diferente do dos Franceses, quanto
eles exprimem o apreço pela comida comendo pouco, ao contrário dos
Franceses, que o fazem comendo muito. (Aron, Raymond, Leçons sur
l'histoire. Paris: Éditions de Fallois, 1989, pp. 200-201)
Seria possível multiplicar os exemplos e, até, mostrar que há unhas que
diferem doutras não apenas anatomicamente, mas, também, devido ao
tratamento cultural a que as sujeitamos. E por aí fora. Porém, a bem
falar, não há nada nos Japoneses, nem mesmo o sorriso, que seja
diferente do que podemos encontrar nos Moçambicanos, nos Portugueses,
nos Espanhóis, nos Brasileiros ou em qualquer outro povo.
Se após uma refeição no Japão a polidez exige que se coma o mínimo para
mostrar que se gostou da comida e que na França faz o contrário, isso
mostra que Japoneses e Franceses rodeiam a mesma tradição de comer com
formas diferentes de apreciar o valor dos pratos. Claro que podemos
cometer erros sérios se esquecermos essas formas.
Mas não cometemos erros menores, erros trágicos afinal, se esquecemos
que todos os seres humanos têm de comer. O que, em última análise, pode
fazer a verdadeira diferença entre X e Y, não é que X ria à japonesa e Y
à francesa, mas que um possa rir e outro não, que um possa comer e o
outro não, que um seja protegido e o outro não, que um possa estudar e o
outro não.
Talvez essa seja uma forma útil de introduzir o tema deste 32.º volume da coleção Cadernos de Ciências Sociais da Escolar Editora.
Útil no sentido de que a aparência dos fenómenos pode esconder ao mesmo
tempo a universalidade de uma matriz comportamental e a particularidade
de um sentido.
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