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sábado, 5 de março de 2022

Ética-prolegómenos

 

sábado, 5 de março de 2022

Ética-prolegómenos

 Podemos dividir as filosofias da ética em duas correntes completamente opostas:

 uma, que afirma o primado absoluto da intenção boa sobre o interesse, independentemente das consequências.

Outra, que afirma o primado do interesse próprio e das consequências.

A primeira corrente costuma-se associar ao filósofo I. Kant (princípios que, uma vez considerados puros racionais, são a priori)

A segunda posição ter-se-á derivado do filósofo escocês David Hume (o valor que atribuímos depende do nosso interesse e da nossa experiência sensível)

D. Hume :7 de maio de 1711
Edimburgo, Escócia,
Union flag 1606 (Kings Colors).svg Reino da Grã-Bretanha
Morte 25 de agosto de 1776 (65 anos)
Edimburgo, Escócia,

Muita água correu por baixo da ponte, depois da Crítica da Razão Pura e da Crítica da Razão Prática, de Kant

e depois do Tratado sobre a Natureza Humana (e outras obras) de Hume.

Aliás, diz-se frequentemente que Kant fez a síntese da tese negativa de Hume, isto é, superou o ceticismo e o relativismo.

   A partir das discussões que ambos vieram levantar ergueu-se um dilema que está por mim expresso no início deste texto modesto. Dilema que todo o mundo do reino das filosofias tem tentado resolver evitando as falhas de Kant e as falhas de Hume. O que não é nada fácil.

A meu ver, as tentativas para descobrir um "justo meio termo " à maneira de Aristóteles, ou um centro do círculo, parece-me mais tentar descobrir a quadratura do círculo.

Um dilema não é resolúvel. A única coisa a fazer é sair dele, não permanecer dentro do círculo, no território do que eu chamo idealismo

  Mudemos o rumo e mudemos de espaço. Mudemos a forma de pensar. Ou o método.

  Talvez possamos construir uma Ética racional sem ser racionalista-idealista, nem empirista-utilitarista.

  Talvez possamos dar um valor ao dever e outro valor igual ao interesse. Porque ambos são fruto das mesmas raízes: a dupla natureza física e social do indivíduo.

 O 1º interesse do ser vivente (desde a bactéria) é conservar-se vivo, saudável e , em muitos casos, reproduzir-se. No caso dos seres humanos a conservação homeostática não basta : ele deseja (o desejo é fundamental na ética) viver com satisfação nos vários planos que ele considera de valor, segundo a época e o grupo social. Para viver assim, ou tentar, tem de cumprir com determinados deveres para com a comunidade em que se insere (se quer matar a fome tem que vender a sua força de trabalho e, de seguida, cumprir determinados deveres). Qual o seu interesse? Quais os seus deveres? Que outros valores emergem da sociedade e do grupo em que se insere? A estas questões tem de responder a Ética filosófica servindo-se das ciências particulares (Biologia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, História, etc.)

 Planamos exclusivamente na atmosfera rarefeita da Teoria?

Não. Somente chegaremos a resultados concretos, se formos analisar a Prática. Ver como esta influenciou as éticas teóricas. Analisar cientificamente como se aplicaram, ou se estão a aplicar aqui ou ali, as normas de uma determinada ética ou de uma moral propagandeada. Compreendemos melhor, assim, a que consequências conduziu determinada moral ; as funções sociais de uma dada moral; as intenções ocultas ou inconscientes de uma pessoa ou de uma classe social.

E, assim, fugimos ao dilema. Mas não fugimos a muitos dilemas que sempre surgem na prática. 

Por exemplo: as experiências revolucionárias que se reivindicaram das ideias de Marx e fiéis com os ensinamentos de V.I.Lenine, no século vinte, estiveram de acordo com as intenções e os deveres da Teoria de Marx? Ou as consequências vieram desmentir? Constituem um exemplo ilustrativo de uma (boa, justa) Ética marxiana?

Outro exemplo: nesta guerra que está suceder na Ucrânia pela invasão russa (guerra que continua a que começou em 2014), os EUA possuem autoridade moral para censurarem e castigarem a Rússia com sanções devastadoras para esta e com repercussões igualmente perniciosas sobre a Europa, mas não sobre os EUA? A posição das administrações dos EUA têm vindo a ser conformes com a moral dominante que lá se prega? Nomeadamente com os famosos "direitos humanos"? A história dos EUA tem cumprido com os deveres, é regida pelas "boas intenções puras" e pelo balanço (previsto ou a posteriori) das consequências?

Dir-me-ão : os Estados (quer o Estado soviético, quer o Estado norte-americano) não se regem por éticas ou por morais!

Mas então como escolher um ou outro, ou nenhum nas nossas escolhas políticas? E não serão escolhas ético-políticas?

Poder-se-á separar ética de política? Ou separar uma determinada moral (quer seja a dominante e dominadora, quer seja a alternativa ou subversiva) de uma determinada política?

Ou devemos separar, por exemplo, as ideias de Marx (escritas nas suas obras no original) das práticas (e respetivas justificações teóricas) verificadas? 

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