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quarta-feira, 30 de março de 2022

O papel da moral como propaganda

 

Carlos Matos Gomes

Mar 10

3 min read

Os militares e a análise da guerra no espaço público.

Esta guerra na Ucrânia é como todas a outras. É um facto político recorrente. Pode ser analisado recorrendo a métodos racionais ou emocionais. Para os militares esta guerra é analisada recorrendo à racionalidade. Qual é o objetivo da guerra: «Destruir o inimigo ou retirar-lhe a vontade de combater» (Clausewitz — A Guerra). Quando uma parte destrói o inimigo a guerra termina com uma rendição; quando uma parte entende que é mais ruinoso jogar no tudo ou nada, que perdeu o ânimo para combater a guerra termina por negociação.

Os militares reconhecem a ineficácia de insultar os contendores, exceto para os implicados no fragor do combate e da batalha, como escape das ansiedades. Os militares também sabem que a análise de uma guerra não depende da bondade e ou maldade dos propósitos dos contendores, mas do seu potencial, o que inclui equipamento, treino, comando e combatividade. Os militares sabem que resultado das guerras entre Atenas e Esparta, das invasões romanas, napoleónicas e nazis, a batalha de Trafalgar, ou de Lepanto, a ocupação das Américas e de África não foi determinado pela moral, nem pelos princípios da guerra justa, já de si um conceito bastante difuso, que hoje surge associado a um outro que é o do Direito Internacional, aplicado segundo as conveniências e os preconceitos, de forma amoral, porque hipócrita.

A análise que os militares portugueses têm em geral feito nos órgãos de comunicação vem sendo contestada pelos maximalistas e pelos belicistas por colocarem em causa o facto de eles utilizarem os instrumentos de estudo da guerra e não os slogans e as palavras de ordem estabelecidas pelos que estão por detrás deste conflito, disfarçados de defensores de princípios morais e éticos!

Os militares da craveira intelectual da maioria dos que mais têm aparecido nos órgãos de comunicação social e com a sua experiência nos conflitos europeus — Kosovo, Bósnia, Sérvia, Iraque, Afeganistão — em organizações militares e políticas internacionais, sabem que a moral — O Bem e o Mal; e a ética, o que deve ser feito — nunca são elementos levados em consideração na decisão de desencadear uma guerra, nem no planeamento e na condução de operações. Sabem, isso sim, que os argumentos morais e éticos constrangem as pessoas, que são munições de ação psicológica para ganhar as opiniões públicas, fortalecer as forças amigas e desmoralizar as inimigas. Os militares sabem que os argumentos morais podem ser e são quase sempre utilizados retoricamente como propaganda para mascarar motivos menos nobres e os que detêm maior poder militar, económico e comunicacional utilizam-nos sem considerações de ordem moral.

A maioria dos militares que vêm analisando esta guerra no espaço público têm colocado os argumentos de ordem moral no campo das ações de propaganda e das ações de guerra psicológica, utilizadas por ambos os beligerantes. Este desmascaramento dos «Bons» choca com a narrativa pré-estabelecida pelos manipuladores oficiais, incluindo jornalistas. Daí a acusar os militares de “putinistas”, isto é, de vendidos ao inimigo, aos «Maus», foi um passo. A falsa moral é como a falsa virtude: tenta acusar os outros antes de ser desmascarada.

Os militares convidados pelas TVs e rádios são dos que leram Tucídides e a sua Guerra do Peloponeso (uma excelente tradução do coronel David Martelo). Conhecem o episódio em que os atenienses navegaram até à ilha de Melos para sufocarem uma revolta (416 ac) e quando os Mélios lhes disseram que estavam a lutar pela liberdade (um argumento moral), o general de Atenas respondeu que podiam combater e morrer ou render-se, adiantando que: « os fortes fazem o que têm poder para fazer e os fracos aceitam o que têm de aceitar.» (um argumento realista).

A análise militar não parte da interrogação se sou dos bons ou dos maus. O bom e o mau depende do lado em que se encontram os contendores, dos seus interesses e objetivos. Os militares partem das perguntas: Sou suficientemente forte para lutar (de que meios disponho)? Que hipóteses tenho de vencer (que meios dispõe o meu inimigo, qual a relação de forças? Que perdas me são aceitáveis?

O que os militares têm feito é equacionar o mais realisticamente possível com as informações disponíveis as opções dos contendores. Do outro lado, do lado dos seus detratores, encontram-se os pontas de lança de bancada, cada um com as suas razões para defender a sua dama, mas de facto sem nada ajudarem as verdadeiras vítimas da agressão, cujo sofrimento é utilizado em nome da moral, mas sem moral, e sem nada contribuir para deter os agressores, antes pelo contrário, criando condições para estes justificarem a escalada de violência.

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