Nikos Mottas
O plano para a restauração de um sistema “capitalista puro” na Checoslováquia em 1968 foi significativamente auxiliado por uma série de atividades contrarrevolucionárias do imperialismo internacional. Vários documentos desclassificados da CIA e do Departamento de Estado revelam a existência de “planos operacionais”, organizados pelo governo dos EUA, para a desestabilização da Checoslováquia.
Era agosto de 1968, na capital da República Socialista da Checoslováquia, Praga, onde a solidariedade internacionalista dos países do Pacto de Varsóvia esmagou um dos esforços contrarrevolucionários mais significativos da época da Guerra Fria. Os acontecimentos em Praga constituem um marco na luta do mundo socialista contra o imperialismo. Ao mesmo tempo, os acontecimentos da época continuam a servir como fonte de propaganda anticomunista de várias forças burguesas e oportunistas.
Há muitas décadas, que a historiografia burguesa – apoiada por oportunistas e contrarrevolucionários (trotskistas, eurocomunistas, social-democratas etc.) se refere aos “tanques soviéticos” que, como argumentam, “afogaram Praga em sangue” encerrando prematuramente o esforço para um “socialismo de rosto humano”.
Os acontecimentos contrarrevolucionários de Praga em 1968 foram usados pela burguesia internacional na sua campanha caluniadora contra a União Soviética e a construção socialista do século XX. Esta propaganda anticomunista-antisoviética é baseada num argumento falso: que o processo de reformas que estavam a ser promovidos pela liderança de Dubček [1] visava trazer um supostamente “socialismo humano” como uma alternativa ao “modelo estalinista” imposto pela URSS.
Hoje, cinco décadas depois, existem inúmeros documentos, arquivos, depoimentos e outros tipos de informações disponíveis, de onde podemos tirar conclusões valiosas sobre o caráter real da contrarrevolução e a contínua atividade subversiva do imperialismo. Já é hora de demolir as mentiras anticomunistas e denunciar a terrível distorção da história.
O exame dos acontecimentos de 1968 na Checoslováquiaa não pode ocorrer fora do quadro histórico do período em que esses eventos ocorreram. Este quadro é o da Guerra Fria, do confronto, a nível global, de dois sistemas sociais diferentes – capitalismo e socialismo. Com base nesse confronto, o imperialismo internacional (principalmente os Estados Unidos, assim como os países da Europa Ocidental) desenvolveu uma estratégia bastante flexível para a subversão e o derrubamento do socialismo. Lembremos que 12 anos antes da “Primavera de Praga”, em 1956, outra contrarrevolução (disfarçada de “revolução”) ocorreu na vizinha Hungria.
A experiência da Hungria levou a uma modificação da política do imperialismo em relação ao bloco socialista. Essa política foi explicada por um dos “arquitetos” da então política externa dos EUA, que mais tarde se tornou conselheiro de segurança nacional do presidente Carter. Zbigniew Brzezinski escrevia que o tipo de mudança mais desejado começaria com uma “liberalização interna” dos Estados do leste europeu. Ele previa que tal “mudança” poderia ocorrer mais facilmente na Checoslováquiaa e depois na Hungria e na Polónia [2].
Antes de Brzezinski, na década de 1950, a promoção de atividades contrarrevolucionárias “internas” nos países socialistas tinha sido colocada como pilar da política externa norte-americana por John Foster Dulles, secretário de Estado norte-americano durante o governo Eisenhower. O conceito de “liberalização interna”, que Brzezinski tinha analisado, foi a “chave” utilizada pelo imperialismo norte-americano e seus aliados para o “desbloqueamento” da contrarrevolução na Checoslováquiaa. A prevalência de forças oportunistas de direita na liderança do Partido Comunista da Checoslováquiaa, sob a direção do novo secretário-geral Alexander Dubček, em janeiro de 1968, abriu caminho para uma série de “reformas” e a “liberalização” do modelo socialista.
Alexander Dubček (esquerda) e Ota Šik
A versão projetada pelas forças burguesas e oportunistas sobre os acontecimentos da época é que a “Primavera de Praga” (assim foram denominadas as reformas da liderança de Dubček) visava a “democratização” do modelo socialista da Checoslováquiaa e o estabelecimento de um suposto “socialismo”. com rosto humano”. Claro, esta é uma mentira historicamente comprovada.
A chamada “Primavera de Praga” foi na verdade o “cavalo de tróia” do imperialismo. Os problemas reais do sistema socialista (por exemplo, na economia, na produção, na educação socialista, etc.) foram usadas como pretexto, pelas forças reacionárias no quadro ideológico do revisionismo, com vista à implementação de políticas antossocialistas que levariam, lenta mas firmemente à restauração do capitalismo. Anos depois, um dos protagonistas da “Primavera de Praga”, o economista checo Ota Šik [3], admitiu o real objetivo das reformas de 1968. Šik, um defensor da chamada “Terceira Via”, admitiu cinicamente que as reformas não passavam de uma manobra enganosa e que, naquela época, estava “convencido de que a única solução era o capitalismo puro”
OS PLANOS IMPERIALISTAS E A SOLIDARIEDADE INTERNACIONALISTA DA UNIÃO SOVIÉTICA
O plano para a restauração de um sistema “capitalista puro” na Checoslováquia em 1968 foi significativamente auxiliado por uma série de atividades contrarrevolucionárias do imperialismo internacional. Vários documentos desclassificados da CIA e do Departamento de Estado revelam a existência de “planos operacionais”, organizados pelo governo dos EUA, para a desestabilização da Checoslováquia. Esses planos incluíam sabotagens prolongadas, propaganda anticomunista generalizada, organização e financiamento de grupos contrarrevolucionários dentro do país.
É significativo que apenas uma semana antes da intervenção militar dos países do Pacto de Varsóvia, cerca de 10 a 12 mil alemães ocidentais chegaram a Praga, enquanto vários agentes da CIA já operavam abertamente na capital da Checoslováquiaa. Um jornal local da Califórnia tinha publicado declarações do líder de uma organização chamada “New Americans for Liberty”, que acabara de voltar da Checoslováquia. A sua missão, segundo o relatório, era organizar grupos de estudantes contra o comunismo e preparar grupos de terroristas contrarrevolucionários [5].
Um papel importante nos planos contrarrevolucionários imperialistas na Checoslováquia foi desempenhado pela República Federal da Alemanha. Na primavera de 1968, milhares de agentes secretos, espiões e sabotadores - misturados com turistas - passaram pelas fronteiras. Em abril de 1968, cinco postos de controle de passaportes foram abertos nas fronteiras da Checoslováquiaa-Alemanha Ocidental; aproximadamente passavam 7.000 carros em cada um desses postos de controle todos os dias [6].
No início de agosto, o laço contrarrevolucionário apertava o pescoço da Checoslováquiaa. Munições fabricadas nos EUA e na Alemanha Ocidental foram encontradas nas caves de prédios governamentais enquanto, com a ajuda da CIA e dos serviços secretos da Alemanha Ocidental, estações de rádio móveis de alta potência transmitiam propaganda anticomunista por todo o país. Foi uma questão de dias para que a revolta apoiada pelo imperialismo se transformasse num golpe de Estado contrarrevolucionário aberto.
A intervenção militar dos países do Pacto de Varsóvia, em 20 de agosto de 1968, ocorreu no exato momento em que as forças contrarrevolucionárias, com a ajuda dos imperialistas norte-americanos e europeus, estavam a “estrangular” a Checoslováquiaa e o seu povo. A presença das tropas soviéticas em Praga foi uma ação de solidariedade que cancelou os planos imperialistas e salvou o povo do país do derramamento de sangue de uma guerra civil iminente.
Não surpreendentemente, a historiografia burguesa e oportunista registou a intervenção internacionalista da União Soviética e dos países do Pacto de Varsóvia na Checoslováquia como uma “invasão soviética” que, supostamente, ultrapassou a soberania territorial do país. Isso é uma mentira descarada. Diante da ameaça contra-revolucionária, membros do CC do Partido Comunista da Checoslováquiaa, bem como membros da Assembleia Nacional, solicitaram a intervenção da URSS e dos países do Pacto de Varsóvia. Sem a intervenção soviética, a Checoslováquia, provavelmente, afundar-se-ia no caos de uma guerra civil sangrenta e destrutiva, antes de se tornar outro estado-fantoche dos EUA e da NATO.
Hoje, mais de 50 anos após a “Primavera de Praga” e 27 anos após as mudanças contrarrevolucionárias na Europa Oriental, o povo da então Checoslováquia – agora dividida em República Checa e República Eslovaca – está a sentir os resultados da “liberdade capitalista”. Destruição dos direitos sociais e laborais, aumento do desemprego, privatizações extensas, aumento rápido dos sem-abrigo, aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, são apenas alguns dos “presentes” dados pelo capitalismo e pela UE. Os monopólios e os grandes grupos empresariais são agora os donos da riqueza tanto na República Checa como na Eslovaca.
A história é uma fonte extremamente rica de conhecimento. O caso da Checoslováquiaa e a “Primavera de Praga” fornecem-nos conclusões interessantes para o passado, mas o mais importante, para as lutas de hoje e de amanhã.
Notas:
(1) Alexander Dubček (1921-1992), foi Primeiro Secretário do Presidium do CC do Partido Comunista da Checoslováquiaa de janeiro de 1968 a abril de 1969.
(2) Alternative to Partition: For a Broader Conception of America's Role in Europe, Atlantic Policy Studies, Nova York: McGraw-Hill, 1965.
(3) Ota Šik (1919-2004), Economista e Político, uma das figuras-chave por trás do plano de liberalização económica.
(4) Entrevista no jornal Mlada Fronta, 8/2/1990.
(5) Gus Hall, Imperialism today: an assessment of major issues and events of our time, New York: International Publishers, 1972.
(6) Anticomunismo: ontem e hoje, Comité Ideológico do CC do KKE, Synchroni Epochi, Atenas, 2006.
Fonte:http://www.idcommunism.com/2022/08/the-1968-prague-spring-counterrevolution-as-the-trojan-horse-of-imperialism.html#more, publicado e acedido em 20.08.2022
Tradução: TAM
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