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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

 

A servidão do trabalhador segundo as leis da economia política

Leia trechos dos Manuscritos económico-filosóficos, de Karl Marx, publicados em O essencial de Marx e Engels (Organização de Marcello Musto, tradução de Jesus Ranieri com revisão da tradução de Nélio Schneider).

O texto teórico mais relevante do “jovem Marx”, redigido entre maio e agosto de 1844, documenta sua descoberta da economia política e contém uma primeira exposição crítica da lógica da sociedade capitalista.

Publicado em 1932, um ano antes de Adolf Hitler chegar ao poder na Alemanha, os Manuscritos econômico-filosóficos constituem uma das obras mais conhecidas e debatidas de Marx em todo o mundo.


(…)

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tanto mais barata quanto maior a quantidade de mercadorias que ele cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo humano. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e o trabalhador como mercadoria, e isto na proporção em que ele de fato produz mercadorias.

Esse fato exprime apenas isto: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se confronta com ele como um ser estranho, como um poder independente do produtor.

O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, que se tornou coisa, é a objetivação do trabalho. A efetivação do trabalho é a sua objetivação. Essa efetivação do trabalho aparece ao estado econômico-político como desefetivação do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como exteriorização.

A efetivação do trabalho aparece como desefetivação a tal ponto que o trabalhador é desefetivado até morrer de fome. A objetivação aparece como perda do objeto a tal ponto que o trabalhador é despojado não só dos objetos mais necessários à vida, mas também dos objetos do trabalho. O próprio trabalho se torna um objeto, do qual o trabalhador só consegue se apossar com os maiores esforços e com as mais irregulares interrupções. A apropriação do objeto aparece como estranhamento a tal ponto que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos consegue possuir e tanto mais cai sob o domínio do seu produto, do capital.

Na determinação de que o trabalhador se comporta para com o produto de seu trabalho como para com um objeto estranho estão contidas todas essas consequências. Com efeito, de acordo com esse pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, estranho, que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele próprio, seu mundo interior, e tanto menos ele pertence a si próprio. Na religião, acontece a mesma coisa. Quanto mais o ser humano deposita em Deus, tanto menos ele retém em si mesmo. O trabalhador deposita sua vida no objeto; só que agora elanão pertence mais a ele, mas ao objeto. Portanto, quanto maior essa atividade, tanto mais irrelevante é o trabalhador. O que o produto do seu trabalho é ele próprio não é. Portanto, quanto maior esse produto, tanto menor ele mesmo é. A exteriorização do trabalhador em seu produto significa não só que seu trabalhos e torna um objeto, uma existência exterior, mas também que ele existe fora dele, independentemente dele e estranho a ele, tornando-se uma potência autônoma diante dele, de modo que a vida que ele concedeu ao objeto se confronta com ele de modo hostil e estranho.

Examinemos agora mais de perto a objetivação, a produção do trabalhador, e nela o estranhamento, a perda do objeto, do seu produto.

O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível. Ele é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual o trabalho é ativo, e a partir da qual e por meio da qual o trabalho produz.

Porém, do mesmo modo que a natureza provê os meios de vida, no sentido de que o trabalho não pode viver sem objetos nos quais é exercido, ela também oferece, em contrapartida, os meios de vida no sentido mais estrito, a saber, o meio de subsistência física do próprio trabalhador.

Portanto, quanto mais o trabalhador se apropria do mundo exterior, da natureza sensível, por meio do seu trabalho, tanto mais ele se priva dos meios de vida em dois sentidos: primeiro, que cada vez mais o mundo exterior sensível deixa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; em segundo, que cada vez mais o mundo exterior sensível cessa de ser meio de vida no sentido imediato, meio para a subsistência física do trabalhador.

Nesses dois sentidos, o trabalhador se torna, portanto, servo do seu objeto: primeiro, porque ele recebe um objeto de trabalho, isto é, recebe trabalho; e, em segundo, porque recebe meios de subsistência. Portanto, para que ele possa existir primeiro como trabalhador e, em segundo, como sujeito físico. O auge dessa servidão consiste em que só como trabalhador ele consegue se manter como sujeito físico e só como sujeito físico ele é trabalhador.

(O estranhamento do trabalhador em seu objeto se expressa, segundo as leis da economia política, da seguinte maneira: quanto mais o trabalhador produz, menos ele tem para consumir; quanto mais valores ele cria, tanto mais sem valor e indigno ele se torna; quanto mais bem formado o seu produto, tanto mais deformado fica o trabalhador; quanto mais civilizado seu objeto, tanto mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tanto mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais rico de espírito o trabalho, tanto mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador.)

A economia política oculta o estranhamento na essência do trabalho por não examinar a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção. Sem dúvida. O trabalho produz maravilhas para o rico, mas também privação para o trabalhador. Ele produz palácios, mas também cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas também aleijamento para o trabalhador. Ele substitui o trabalho por máquinas, mas também lança uma parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e converte a outra parte em máquina. Ele produz espírito, mas também imbecilidade, cretinismo para o trabalhador.

A relação imediata do trabalho com os seus produtos é a relação do trabalhador com os objetos da sua produção. A relação do abastado com os objetos da produção e com esta mesma é somente consequência da primeira relação. E a confirma. Examinaremos mais adiante esse outro aspecto. Portanto, quando perguntamos qual é a relação essencial do trabalho, estamos perguntando pela relação do trabalhador com a produção.

Até aqui examinamos o estranhamento, a exteriorização do trabalhador sob apenas um dos seus aspectos, qual seja, a sua relação com os produtos do seu trabalho.

Mas o estranhamento não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador defrontar-se alheio ao produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? O produto é, sim, somente o resumo da atividade, da produção. Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. No estranhamento do objeto do trabalho resume-se somente o estranhamento, a exteriorização na atividade do trabalho mesmo.

Em que consiste, então, a exteriorização do trabalho?

Primeiro, que o trabalho é exterior ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser; que ele, por conseguinte, não se afirma em seu trabalho, mas se nega nele; que ele não se sente bem, mas infeliz; que ele não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua natureza e arruína o seu espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente consigo mesmo fora do trabalho e fora de si no trabalho.

Ele está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. Por conseguinte, seu trabalho não é voluntário, mas obrigado, trabalho forçado. O trabalho não é a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza evidencia-se de forma pura no fato de que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho exterior, o trabalho no qual o ser humano se exterioriza, é um trabalho de autossacrifício, de mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho aparece para o trabalhador como se o trabalho não fosse seu próprio, mas de um outro, como se o trabalho não lhe pertencesse, como se, no trabalho, ele não pertencesse a si mesmo, mas a um outro. Do mesmo modo que, na religião, a autoatividade da fantasia humana, do cérebro e do coração humanos, atua independentemente do indivíduo e sobre ele, isto é, como uma atividade estranha, divina ou diabólica, também a atividade do trabalhador não é a sua autoatividade. Ela pertence a outro, é a perda de si mesmo.


A mais inovadora e abrangente antologia de textos de Marx e Engels está chegando!

Dividido em 3 volumes, organizados em escritos filosóficos, econômicos e políticosO essencial de Marx e Engels reúne os textos mais importantes dos pensadores e revela cartas, manuscritos e rascunhos inéditos ou pouco conhecidos.

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo.” “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo.” “A religião é o ópio do povo.” Mais de cento e quarenta anos após a morte de Karl Marx e cento e vinte da morte de Friedrich Engels, qual a contribuição intelectual desses dois filósofos para o Brasil e para o mundo? Muito se fala hoje, da esquerda à direita, de Marx e Engels, mas o quanto estamos de fato lendo suas obras?

Concebida pela Boitempo, principal editora de Marx e Engels no Brasil, para atingir um público amplo, a antologia O essencial de Marx e Engels, composta por três volumes, propõe um mergulho de fôlego e amplitude sem precedentes nos principais pontos do projeto teórico desses dois autores. A organização, as apresentações de cada volume e as notas explicativas são de Marcello Musto, professor italiano com contribuições decisivas no florescente campo de estudo marxiano contemporâneo. A obra conta também com prefácio de José Paulo Netto e textos de apoio de alguns dos maiores especialistas brasileiros: Marilena Chaui, Jorge Grespan, Leda Paulani, Virgínia Fontes, Lincoln Secco e Alfredo Saad Filho. A edição é de Pedro Davoglio. 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O ilusionismo da Comunicação Alternativa

 

Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu


Por ANDREW KORYBKO*

A Rússia esquivou-se de uma bala ao optar sabiamente por não se aliar ao agora derrotado Eixo da Resistência

O Eixo da Resistência liderado pelo Irã foi derrotado por Israel. O ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023 levou Israel a punir coletivamente os palestinos em Gaza, o que deu início a uma série de conflitos que se expandiram para o Líbano e a Síria. Israel também bombardeou o Iêmen e o Irã. As lideranças do Hamas e do Hezbollah foram destruídas, o que resultou num cessar-fogo no Líbano, enquanto o governo de Assad acabou de ser derrubado por uma blitz terrorista apoiada pela Turquia que cortou a logística militar do Irã para o Hezbollah.

Esses resultados já seriam surpreendentes o suficiente para aqueles que acreditavam na afirmação do falecido Nasrallah de que “Israel é mais fraco do que uma teia de aranha”, mas muitos ficaram chocados por terem ocorrido sem que a Rússia erguesse um dedo para salvar a Resistência, com quem pensavam ter-se aliado contra Israel há muito tempo. Essa segunda falsa noção mencionada cairá em infâmia como uma das operações psicológicas mais bem-sucedidas já realizadas contra a Comunidade de Mídia Alternativa (AMC) e, ironicamente, por seus próprios influenciadores principais.

Isso foi explicado no início de outubro em “Por que as falsas percepções sobre a política russa em relação a Israel continuam a se proliferar”, que os leitores devem ler para mais detalhes, mas que pode ser resumido como os principais influenciadores da AMC dizendo a seu público o que achavam que eles queriam ouvir por razões de interesse próprio. Isso inclui gerar influência, promover sua ideologia e/ou solicitar doações de membros bem-intencionados, mas ingênuos, de seu público, dependendo da personalidade envolvida.

A análise anterior também lista cinco outras relacionadas sobre a política russa em relação a Israel desde o início das guerras da Ásia Ocidental, incluindo esta “Esclarecendo a comparação de Lavrov sobre a última guerra entre Israel e o Hamas com a operação especial da Rússia”, que por si só tem links para várias dezenas de outras. Todas elas também fazem referência a este relatório de maio de 2018 acerca de “Presidente Putin sobre Israel: citações do site do Kremlin (2000-2018)”. Todos estes materiais baseiam-se em fontes russas oficiais e autorizadas para chegar às suas conclusões.

Elas provam que Putin é, há tempos, um filo-semita orgulhoso que nunca compartilhou a ideologia antissionista unificadora da Resistência, expressando sempre um profundo respeito pelos judeus e pelo Estado de Israel. Dessa forma, como o último a tomar decisões sobre a política externa russa, ele encarregou seus diplomatas de manter o equilíbrio entre Israel e a Resistência. Para isso, a Rússia nunca tomou partido de nenhum dos dois lados e sempre se manteve neutra em suas disputas, inclusive nas guerras da Ásia Ocidental.

O máximo que ele fez pessoalmente foi condenar a punição coletiva de Israel contra os palestinos, mas sempre no mesmo tom da condenação do infame ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023. Quanto à Rússia, o máximo que ela fez foi repetir a mesma retórica e, ocasionalmente, condenar os ataques de Israel contra o IRGC [Corpo de Guardas da Revolução Islâmica] e o Hezbollah na Síria, nos quais a Rússia nunca interferiu. Em nenhum momento tentou dissuadir ou interceptar os ataques, retaliá-los posteriormente ou dar à Síria capacidade e autorização para fazê-lo.

Isso deveu-se ao mecanismo para evitar o conflito acordado por Putin e Bibi no final de setembro de 2015, pouco antes da operação na Síria. Isso nunca foi confirmado por motivos diplomáticos óbvios, mas essas ações (ou melhor, a falta delas) sugeriram que Putin acreditava que as atividades anti-israelenses do Irã na Síria representavam uma ameaça legítima a Israel. Por isso, a Rússia sempre manteve-se de lado toda vez que Israel bombardeava o Irã no local, mas por vezes reclamava, dado que os ataques de Israel violavam formalmente a lei internacional.

É um fato objetivamente existente e facilmente verificável que a oposição da Rússia às atividades regionais de Israel, seja em Gaza, Líbano, Síria, Iêmen ou Irã, sempre permaneceu estritamente confinada ao âmbito político das declarações oficiais. Em nenhum momento a Rússia ameaçou sancionar unilateralmente Israel, muito menos sugeriu, mesmo que remotamente, uma ação militar contra este como punição. A Rússia nem mesmo designa simbolicamente Israel como um “Estado hostil”, embora isso se deva ao fato de que Israel não obedece às sanções dos EUA e não arma a Ucrânia.

Aí reside outro fato que a maioria da AMC desconhecia ou negava: Israel não é um fantoche dos EUA, caso contrário, já teria feito essas duas coisas há muito tempo. Está além do escopo deste artigo explicar isso, bem como o motivo pelo qual o governo Biden tentou desestabilizar e derrubar Bibi, mas esta análise aqui se aprofunda nos detalhes e cita artigos relacionados. A questão é que os laços russo-israelenses continuam cordiais e esses dois países estão longe de ser os inimigos que alguns pensavam.

Portanto, nunca fez sentido imaginar que Putin, que se considera o pragmático consumado, queimaria a ponte entre as duas nações, na construção da qual ele pessoalmente investiu quase um quarto de século de seu tempo junto com Bibi. Afinal de contas, Putin gabou-se em 2019 de que “russos e israelenses têm laços de família e amizade. Essa é uma verdadeira família comum; posso dizer isso sem exagero. Quase 2 milhões de falantes de russo vivem em Israel. Consideramos Israel um país de língua russa”.

Ele estava falando para a Fundação Keren Heyesod, uma das mais antigas organizações de lobby sionista do mundo, durante sua conferência anual em Moscou naquele ano. Sempre que os membros da AMC eram confrontados com esses fatos “politicamente inconvenientes” de fontes oficiais e autorizadas, como o próprio site do Kremlin, eles criavam uma teoria da conspiração do “plano mestre de xadrez 5D”, alegando que ele estava apenas “iludindo os sionistas”. Os principais influenciadores também “cancelaram” agressivamente qualquer pessoa que mencionasse esse assunto.

O resultado final foi que essas falsas percepções das relações russo-israelenses, assim como as opiniões do próprio Putin sobre esse assunto, continuaram proliferando-se sem contestação na AMC, levando à impressão de que eles estavam secretamente aliados ao Irã devido aos ideais antissionistas que supostamente compartilhavam. Essa noção tornou-se uma questão de dogma para muitos na AMC e, consequentemente, transformou-se num axioma de relações internacionais para eles. Qualquer pessoa que afirmasse o contrário era tachada de “sionista”.

Sabe-se agora, depois que a Rússia não mexeu um dedo para salvar a Resistência, que eles nunca foram de fato aliados. Alguns daqueles que ainda não conseguem aceitar que foram enganados por influenciadores confiáveis da AMC que os iludiram por motivos de interesse próprio (influência, ideologia e/ou solicitação de doações) agora especulam que a Rússia “traiu” a Resistência e “se vendeu aos sionistas”, embora a Rússia nunca tenha estado do lado de nenhum deles. Se não se livrarem logo de sua dissonância cognitiva, eles se afastarão ainda mais da realidade.

Retrospectivamente, a Rússia se esquivou de uma bala ao escolher sabiamente não se aliar ao agora derrotado Eixo da Resistência, pois isso teria arruinado desnecessariamente suas relações com Israel, o vencedor indiscutível das Guerras da Ásia Ocidental. Putin fez a escolha certa, que sempre foi orientada por seu cálculo racional do que era do interesse objetivo da Rússia como Estado, e não devido à “influência sionista”, como alguns na AMC agora ridiculamente afirmam para difamá-lo depois de ficarem bravos por ele não ter mexido um dedo para salvar a Resistência.

As conclusões disso são várias: (i) Putin e seus representantes não jogam “xadrez 5D”, eles sempre dizem o que realmente querem dizer; (ii) a Rússia não é anti-Israel nem antissionista, mas também não é anti-Irã nem anti-Resistência; (iii) a AMC está cheia de charlatães que, por motivos de interesse próprio, dizem a seu público o que acham que este quer ouvir; (iv) o público deve, portanto, responsabilizá-los por mentir sobre as relações russo-israelenses e russo-Resistência; (v) e a AMC precisa de uma reforma urgente.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.

 

As alianças e a questão dos compromissos

Trecho da apresentação a "Esquerdismo, doença infantil do comunismo", oitavo volume da coleção Arsenal Lênin e livro de janeiro de 2025 do Armas da Crítica – o clube do livro da Boitempo.

Retrato de Lênin com um livro de Púchkin, por Kuzma Petrov-Vodkin (WikiCommons).

Por Atílio O. Borón

Lênin inicia seu texto com um diagnóstico que será redefinido ao longo das páginas que compõem o livro. Na sua primeira formulação, o “esquerdismo” é a expressão da pequena burguesia, que nos países europeus constitui uma classe social muito numerosa, que tende a reagir com uma “mentalidade ultrarrevolucionária” contra a opressão do capitalismo e a rápida deterioração de suas condições de existência. Porém, ele observa, esse ímpeto é caracterizado por sua inconstância e volatilidade. O “pequeno-burguês enfurecido” tem veleidades revolucionárias, mas carece de “espírito de organização, disciplina, firmeza” e estas podem rapidamente ser trocadas por apatia e submissão a novos sujeitos políticos que reorientam a sua fúria em uma direção exatamente oposta à anterior. Esse diagnóstico antecipa precocemente o que o fascismo italiano logo iria confirmar de modo categórico. Tanto Lênin
como alguns outros dirigentes da Terceira Internacional (Leon Trótski, Clara Zetkin, por exemplo) não deixaram de notar esse perigo que pouco depois se tornaria realidade.

As considerações anteriores sobre a mentalidade pequeno-burguesa levam o revolucionário russo a tratar um dos temas centrais de toda a obra: a problemática das alianças e o “compromisso” exigido pelo avanço dos processos revolucionários. Isso pressupõe admitir que as revoluções, longe de serem acontecimentos pontuais que simplesmente ocorrem quando as condições objetivas e subjetivas para a sua realização convergem, são, na verdade, processos prolongados, complexos e contraditórios nos quais é impossível avançar sem selar compromissos com forças que, sem compartilhar o projeto revolucionário, podem, pontual e transitoriamente, oferecer uma oportunidade para juntar forças e fazê-lo avançar.

Lênin exemplifica essa posição com as teses sustentadas, por certo tempo, por Karl Radek e Mikhail Bukhárin sobre a Paz de Brest-Litovsk, que posteriormente seriam abandonadas tanto por Radek como por Bukhárin. Lênin disse que essa paz “era um compromisso com os imperialistas, inadmissível por princípio e prejudicial ao partido do proletariado revolucionário. Foi, de fato, um compromisso com os imperialistas, mas do tipo que, em tais circunstâncias, era obrigatório”. E exemplifica da seguinte forma:
imagine que “seu automóvel seja parado por alguns bandidos armados. Você lhes dá o dinheiro, o passaporte, o revólver e o automóvel. Em troca, você se livra da agradável presença dos bandidos. Trata-se, sem dúvida, de um compromisso. ‘Do ut des’ (‘dou o dinheiro, a arma e o automóvel para que você me dê’ a possibilidade me retirar são e salvo”. Só um louco, diz Lênin, poderia declarar que tal compromisso é “inadmissível por princípio” e denunciar a pessoa que o fez como cúmplice dos bandidos. E termina o seu discurso dizendo que “o nosso compromisso com os bandidos do imperialismo alemão foi semelhante a esse”. Ou seja, algo imposto pelo peso das circunstâncias concretas, quer dizer, pela correlação objetiva de forças existentes naquele momento e lugar.

A conclusão de Lênin é que “negar compromissos por princípio […] é uma infantilidade tal que é difícil até levar a sério”. Em outras passagens da obra ele qualifica como “absurda” a política de “elaborar uma receita ou uma regra geral (‘nenhum compromisso!’) para todos os casos”. O que fazer então? A resposta é que uma liderança revolucionária digna desse nome deve saber distinguir entre os diferentes tipos de compromissos: há aqueles que expressam uma política de oportunismo e de traição à revolução, mas há também aqueles que possibilitam o avanço da causa do proletariado. E, voltando ao seu exemplo anterior, recomenda que se deve “aprender a distinguir a pessoa que deu aos bandidos o dinheiro e a arma para diminuir o mal causado por eles e facilitar sua captura e execução da pessoa que dá aos bandidos o dinheiro e a arma para participar da partilha do saque”. Portanto, existem compromissos e compromissos. A Paz de Brest-Litovsk teve de ser assinada após fracassarem todas as tentativas de selar “uma paz entre todos os povos” e uma vez que se tinha certeza do fracasso da revolução na Alemanha. Não havia alternativa senão assinar essa paz.

A existência de uma situação pré-revolucionária ou pré-insurrecional deve, segundo Lênin, colocar

todas as forças em tensão e aproveitar, obrigatoriamente com o maior zelo, cuidado, prudência e habilidade qualquer “brecha”, mesmo a menor, entre os inimigos, qualquer contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia no interior de cada país; há que aproveitar igualmente qualquer possibilidade, por menor que seja, de conseguir um aliado das massas, ainda que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não compreendeu isso, não compreendeu nem uma palavra do marxismo nem de socialismo científico contemporâneo em geral.

E lembra, mais uma vez, que “o marxismo não é um dogma, mas um guia para a ação”.

A citação anterior é tão enfática e eloquente que torna qualquer comentário redundante. É uma síntese exemplar de como a esquerda deve fazer política na vida prática, com os pés no barro da história, ou nessa dura e implacável “guerra entre deuses contrapostos”, tal como definida por um contemporâneo de Lênin: Max Weber. A recomendação do revolucionário russo se encontra em aberta contraposição ao modo como atuam os diversos “infantilismos” que, tanto há um século como hoje, imaginam que estão “fazendo política” ao se moverem em um mundo diáfano e platônico de ideias puras, cartesianamente “claras e distintas”. Nesse mundo, as coisas, os processos políticos e os atores aparecem nitidamente como participantes de uma polifonia de forças e situações políticas em um cosmos de essências imutáveis onde a única forma de construir poder é insistir incansavelmente na imutabilidade do dogma e onde qualquer aliança, por mais transitória e circunstancial que seja, se torna uma heresia e o primeiro passo para uma traição imperdoável.

Encontramos esse desejo com muita frequência nas organizações de esquerda, mas, lendo Lênin e opinando a partir de Lênin, podemos dizer, sem medo de se equivocar, que esse “jogo de linguagem” é tudo menos política. Seria mais apropriado chamá-lo de “apostolado messiânico”, porque não existe em seu horizonte o ânimo de construir poder político, mas de pregar “as boas-novas” e ganhar a fidelidade e a lealdade de um punhado de prosélitos em ardorosa espera pelo advento do “dia decisivo”. Até que aconteça, todo o resto será traição. É dizer, ocorre uma transição quase imperceptível, mas fatal, da política para a religião, do inferno onde lutam deuses contrapostos para o paraíso onde, para dizer em uma chave pós-moderna ou habermasiana, a política se converte em um torneio no qual discursos e textos são mensurados, completamente apartado do mundo real.


Oitavo volume da coleção Arsenal LêninEsquerdismo, doença infantil do comunismo é um ensaio publicado pela primeira vez em 1920 e escrito às vésperas do II Congresso da Internacional Comunista. Na obra, Lênin aborda diretrizes para o futuro da Revolução e critica o que chama de “esquerdismo”, tendência dogmática de alianças e transição linear para o comunismo, defendida por várias tendências de partidos comunistas europeus e repudiada pelo autor. A obra conta também com o anexo “Sobre a doença infantil do ‘esquerdismo’ e o espírito pequeno-burguês”, texto de 1918  escrito para o jornal Pravda que antecipa a argumentação de Lênin sobre o assunto.

A guerra civil travada na Rússia após 1917 e o fim da Primeira Guerra Mundial marcavam o cenário conturbado da época. Na esteira da criação da Terceira Internacional, a obra tornou-se um guia para as forças políticas que aspiravam fazer parte do grupo. Lênin aborda em que condições se deve ou não fazer alianças, a participação nos parlamentos burgueses e os acordos possíveis com as mais variadas tendências políticas.
 
Com tradução direta do russo, Esquerdismo, doença infantil do comunismo é uma leitura que enriquece o debate atual sobre alianças pragmáticas. Há passagens na obra em que Lênin aborda a instabilidade dos sentimentos de revolta e como isso pode sucumbir em um cenário totalmente oposto, como foi o caso do fascismo na Itália, que se consolidou na década de 1920: “O pequeno burguês ‘enfurecido’ pelos horrores do capitalismo é, tal como o anarquismo, um fenômeno social característico de todos os países capitalistas. A instabilidade desse revolucionarismo, a sua esterilidade, a característica de se transformar rapidamente em submissão, em apatia, em fantasia, mesmo num entusiasmo ‘furioso’ por uma ou outra corrente burguesa ‘da moda’ – tudo isso é de conhecimento geral”.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Karl Marx, o filósofo moral

 

Karl Marx, o filósofo moral

Tradução
Marcos Martim

Karl Marx é frequentemente compreendido como alguém que descartou a moralidade como ideologia burguesa. Contudo, Vanessa Wills, autora do novo livro A visão ética de Marx, argumenta que sua análise da exploração de classe buscava explicar a injustiça, não marginalizá-la

UMA ENTREVISTA DE

Daniel Falcone

Marx é geralmente entendido como profundamente cético, se não desdenhoso, em relação à moralidade. Acredita-se que ele considerava a sociedade capitalista, reproduzida pela dominação dos trabalhadores pelos capitalistas, uma relação coercitiva na qual questões morais sobre certo e errado mal figuram.

Em seu novo livro, a professora de filosofia da Universidade George Washington, Vanessa Wills, busca complexificar essa visão. A Visão Ética de Marx (2024) mostra que o fundador do materialismo histórico tinha opiniões nuançadas sobre o papel da moralidade na luta política. Motivada por sua própria experiência no ativismo antiguerra, impulsionada pela invasão americana ao Iraque em 2003, a obra questiona como a exploração de classe deve ser entendida em um mundo onde racismo, sexismo e outras formas de discriminação existem. Na entrevista a seguir, o jornalista e historiador Daniel Falcone conversa com Wills sobre seu novo livro.


DANIEL FALCONE

Você poderia explicar como se interessou em pensar sobre Marx a partir de uma perspectiva ética?

VANESSA WILLS

Um dos primeiros tipos de questões que realmente me interessaram foi a universalidade dos valores. Como pessoas de comunidades morais muito diferentes podem dialogar, desenvolver valores compartilhados e ter modos de vida compatíveis quando possuem visões de mundo tão distintas?

Compreender como os valores poderiam se tornar universais por meio da colaboração, do diálogo e da teorização conjunta sempre me fascinou.

Nos primeiros anos de pós-graduação, eu abordava essas questões a partir da filosofia da linguagem, pensando sobre comunidades linguísticas. O primeiro filósofo acadêmico que li anos antes foi [Ludwig] Wittgenstein, o que me direcionou por certo caminho. Eu me interessava principalmente por questões de filosofia da linguagem, mas com uma forte inclinação normativa.

Então os Estados Unidos declararam guerra ao Iraque em 2003. Percebi que não possuía o arcabouço teórico para entender como nossa liderança poderia fazer algo tão imprudente e imoral; imprudente porque parecia obviamente destinado a conduzir o mundo a mais guerras e conflitos intermináveis — o que de fato ocorreu — e imoral pelas razões evidentes. Assim, não encontrava muito que pudesse dissipar minha confusão sobre a guerra. Eu era totalmente contra e me envolvi com o ativismo antiguerra, começando a participar de protestos e logo me tornando organizadora. Passei de alguém que havia participado de apenas um ou dois protestos políticos antes da invasão para uma organizadora.

Ao começar a frequentar protestos antiguerra e me envolver nesse movimento, conheci socialistas e comecei a conversar com eles. Fiquei muito interessada no que tinham a dizer sobre o papel da classe, do poder e do materialismo. Eles falavam sobre materialismo de uma forma que ninguém havia abordado em minhas aulas de filosofia. Nos seminários, o materialismo era principalmente um argumento metafísico abstrato sobre a substância metafísica fundamental do universo, o que é bastante interessante. Mas o que interessava aos socialistas era o materialismo histórico. Eles falavam sobre como na sociedade capitalista as pessoas têm principalmente visões de mundo idealistas e tendem a pensar que as ideias em nossas mentes desempenham o papel mais importante na determinação da realidade; elas tendem, de diferentes maneiras, a pensar que conceitos abstratos são uma força motriz da realidade. Cheguei à conclusão de que o que desempenha o maior papel na formação dessas coisas é o conjunto de forças materiais e como os seres humanos interagem com seu mundo para satisfazer suas necessidades básicas.

Após a explicação, percebi o caráter idealista de grande parte do discurso dominante. Quanto à guerra, os interesses da classe dominante, da burguesia e dos capitalistas diferem muito dos meus, não havendo motivo para identificar meus interesses com os deles ou vice-versa. Já havia me afastado da filosofia da linguagem e trabalhava em metaética, que investiga o que buscamos ao fazer perguntas éticas. . Visamos descobrir fatos abstratos, eternos, universais e independentes sobre moralidade? Ou construímos socialmente o que é moral ou imoral?

Optei pelo lado normativo desses debates e perguntei aos socialistas sobre a visão marxista da ética. Recomendaram-me Their Morals and Ours, de Trotsky, que argumenta que a classe dominante tem sua moral e nós, a nossa; mas isso não me satisfez por reproduzir o mesmo dilema. . Não bastava dizer “Ótimo, essa é a moral que atende meus interesses, aquela atende os seus, vamos à luta”, embora politicamente seja isso que as pessoas fazem. Precisava conciliar essas ideias, então decidi escrever minha tese sobre Marx e ética.

DF

Qual é o propósito do seu livro? O que motivou você a escrever sobre as visões éticas de moralidade de Marx?

VW

Inicialmente, pretendia converter a tese em algo legível além de mim e minha banca! [Risos] Em certo momento, abordei o livro como um esforço para resolver definitivamente a questão de Marx e ética, mas logo percebi que isso era exatamente o tipo de abstração vazia contra a qual Marx nos adverte.

O resultado não busca ser “atemporal”, está muito fundamentado no momento atual. Tornou-se menos um tratado acadêmico — embora também o seja — e mais uma intervenção, que é o que deveria ser e o que desejo que seja — que é o propósito de fazer qualquer coisa.

O objetivo do livro é intervir nos debates acadêmicos sobre Marx e ética especificamente, sobre Marx e interpretação marxista em geral, sobre filosofia como campo e a academia, mas principalmente sobre aqueles cujas vidas são afetadas por luta política, mudança e dominação, que são quase todos. O livro se tornou muito mais uma resposta ao momento atual do que eu imaginava originalmente.

DF

O que você argumenta no livro e onde ele se encaixa na historiografia geral de Marx? O que aprendemos sobre Marx que não obtemos de outros textos?

VW

Um debate sobre Marx, do ponto de vista historiográfico, é sobre como periodizá-lo, ou se se deve periodizá-lo. Uma abordagem muito comum é dizer que há um jovem Marx, interessado em filosofia, no conceito de alienação e em questões éticas, e depois que esse lado morre, surge uma nova versão por volta da produção dos textos que se tornam A Ideologia Alemã. E das cinzas surge o velho Marx — científico, entendido como “não mais interessado em filosofia”, “não mais interessado em questões éticas ou em considerações sobre natureza humana essencial ou alienação”. Um dos meus argumentos no livro é que essa periodização está errada e que Marx é incrivelmente consistente em seus escritos. Vistos como um todo, o que vemos é Marx reunindo cada vez mais recursos para responder algumas questões de seu trabalho inicial. Isso não deve ser confundido com perda de interesse nessas questões ou desvio delas. Isso é particularmente importante se o “Marx científico” for considerado um Marx fatalista ou determinista econômico que acredita que a agência e a liberdade humanas são ilusórias, que tudo é ditado pelas leis da história. Isso me levou a outra questão frequente sobre Marx: quanto de Hegel é necessário absorver para entendê-lo? Ou quão hegeliano Marx é e permanece? Um dos argumentos centrais do meu livro é que ele é bastante hegeliano até o fim, o que tende a ser negligenciado.

DF

Em trabalhos anteriores, você discute como a ideologia racista pode ser uma forma de falsa consciência. Interesso-me em saber como podemos levar as pessoas que estudam Marx e outros pensadores revolucionários a evitar priorizar raça sobre classe ou classe sobre raça. Em sua opinião, como os dois aspectos devem ser equilibrados?

VW

Considero equivocado equiparar conceitos como classe, raça, gênero, orientação sexual e etnia, imaginando que estruturam nosso mundo social de maneira análoga. Minha perspectiva difere das discussões usuais sobre interseccionalidade. A classe distingue-se das demais categorias sociais por ser o modo concreto de organização e estruturação da produção de nosso mundo social — todos esses conceitos, incluindo classe, resultam da atividade humana. São produzidos social e historicamente, emergindo de nossa trajetória enquanto seres humanos. . Se considerarmos que os seres humanos produzem sua história e a si mesmos como seres sociais por meio do trabalho, interagindo com o mundo e entre si para satisfazer suas necessidades, então, ao indagarmos por que a sociedade é assim neste momento, devemos questionar: Como os seres humanos produziram isso?

Que aspecto tem sua atividade produtiva? Como se configura seu trabalho? Numa sociedade capitalista ou de classes, a produção social estrutura-se via classe. No capitalismo, alguns detêm os meios de produção, outros possuem apenas sua força de trabalho para vender. . Devemos partir daí para explicar como essa organização do trabalho produtivo nos ajuda a compreender o restante de nossa realidade social criada.

O capitalismo gera sexismo e racismo. Isso não significa, contudo, que em qualquer circunstância devamos focar nossa atenção exclusivamente na classe. Ao mesmo tempo, se sua casa pegasse fogo devido a um forno defeituoso, você não compraria um novo pela internet enquanto ela arde.

Determinar a prioridade causal entre dois fenômenos não dita, por si só, qual merece atenção prioritária num dado momento. Mas se desejamos um mundo onde não estejamos constantemente apagando incêndios, em algum momento precisamos diagnosticar e resolver o problema fundamental.

DF

Você enfatiza a importância do materialismo histórico como parte de uma questão ética central. Poderia dizer mais sobre como Marx pode ter visto a moralidade como uma forma de ideologia?

VW

Considero várias formas de desvelar o conceito de “ideologia” de Marx e argumento que “ideologia” em Marx é melhor compreendida como referindo-se a sistemas de pensamento que nos permitem dar sentido a um mundo social repleto de conflitos e contradições — especialmente um mundo social no qual os seres humanos estão divididos entre si na luta de classes. Ressalto que, se o surgimento do pensamento burguês foi uma conquista histórica e científica — e foi —, então é equivocado pensar que “ideologia”, mesmo a “ideologia burguesa”, é sinônimo de completas falsidades e mentiras.

Da mesma forma, mesmo a teoria da classe trabalhadora é “ideológica” em uma sociedade onde é moldada pelo antagonismo mútuo entre capitalista e trabalhador, pois não pode ser outra coisa senão a consciência desse antagonismo — um antagonismo que é, em certo sentido, “falso” porque obscurece a natureza dos seres humanos plenamente realizados em harmonia uns com os outros. Dizer que a moralidade é uma forma de ideologia é, portanto, dizer que, como forma social, ela deixaria de existir junto com a resolução dos antagonismos sociais. Mas por ora, os antagonismos permanecem, e precisamos de teoria moral, feita do ponto de vista dos trabalhadores, para ajudar a entender como poderíamos finalmente resolvê-los.

Penso que a noção de Herbert Marcuse de uma “realidade falsa” que a ideologia pode capturar com precisão é útil aqui. Ou a própria comparação de Marx da ideologia com uma câmara escura na qual o mundo é mostrado, mas de cabeça para baixo, exigindo teoria crítica se quisermos vislumbrar algum sentido do mundo por meio de nossas representações necessariamente ideológicas dele. (De fato, a ilustração na capa do meu livro é de uma câmara escura.)

DF

Aprecio como você complexifica Marx em seus escritos, pois parece que evita descartar pensadores que nem sempre demonstram estrita adesão à análise de classe. Poderia elaborar sobre a síntese Marx-Kant como exemplo?

VW

Agradeço; tentei evitar rejeições, que muitas vezes existem para lisonjear o senso de esperteza de um autor em vez de iluminar um ponto. Sobre Marx e Kant: pessoas que se envolveram com o trabalho de Marx frequentemente perguntaram se sua teoria poderia e deveria ser complementada com a moralidade kantiana. No tratamento desse debate em meu livro, aponto que isso está longe de ser um palpite irrazoável — Marx e Kant estão ligados um ao outro através da tradição do Idealismo Alemão, que questionava, entre outras coisas, se as ideias na mente de alguém poderiam representar com precisão e objetividade alguma realidade independente fora da mente.

Essa questão é especialmente premente para o pensamento moral, que obviamente não tem o mesmo tipo de correspondência com o mundo externo que, digamos, pensamentos sobre quantas vértebras uma determinada cobra tem. Para Kant, que pensava que a objetividade e a universalidade dos fatos morais poderiam ser demonstradas através — e apenas através — da razão pura abstrata, se a própria realidade é conceitual e composta de ideias, podemos ver como então se torna relativamente não problemático sugerir que a razão pura abstrata pode nos levar a pensamentos que correspondem objetivamente a um mundo externo existindo independentemente de qualquer um de nós. Se, como Marx, você pensa que a realidade é fundamentalmente material e concreta, a questão é mais difícil de resolver.

Então, muitos estudiosos pensaram, bem, talvez o materialismo de Marx precise ser “aprimorado” de alguma forma com o idealismo de Kant e aplicado ao raciocínio moral. O problema, ou pelo menos um grande problema, é que o materialismo histórico de Marx é verdadeiramente incompatível com o idealismo de Kant, especialmente no que diz respeito à explicação de Kant sobre o livre-arbítrio espontâneo, que é o objeto próprio dos julgamentos morais. A teoria de Marx não pode acomodar a noção de uma vontade totalmente indeterminada por forças materiais externas a ela. Portanto, se for verdade que Marx precisaria da adição da moralidade kantiana para desenvolver seus próprios compromissos normativos, isso seria na verdade muito pior para a teoria marxista. Felizmente, não acho que a teoria marxista precise desse tipo de “aprimoramento”, como tento mostrar em meu livro!

DF

Você poderia falar um pouco sobre Angela Davis em 1969 e como esse momento de sua vida foi um testemunho e refletiu a visão ética de Marx?

VW

Angela Davis há muito me inspira; sua vida é um testemunho tanto do bem que se pode realizar aderindo a princípios revolucionários quanto do alto preço que se pode ter de pagar para fazê-lo.

Encerro meu livro com um breve relato de sua demissão da Universidade da Califórnia por seu Conselho de Regentes macarthista, exoneração instada pelo então governador da Califórnia, Ronald Reagan. Ela jamais recuou nessa luta, nem se esquivou do chamado para se manifestar contra o imperialismo e a guerra.

Sua batalha simboliza aquele momento, mas é crucial considerar como sua coragem individual existiu num contexto de luta em massa. Era, naturalmente, membro do Partido Comunista, o que constituiu todo o pretexto para demiti-la. Ocorriam protestos estudantis contra a Guerra do Vietnã e pelos direitos de livre expressão em todo o país. Muitos docentes da UCLA, inclusive do Departamento de Filosofia, manifestaram-se em seu apoio. O fato de Davis ser uma esquerdista atacada por forças reacionárias nos anos 1960 não era singular; mas a imensa resposta em sua defesa o foi. Assim, esse momento em sua vida demonstra tanto sua própria clareza sobre o que se exigia naquele instante quanto a necessidade de luta organizada em massa para trazer ideais éticos do âmbito da teoria pura para a prática política concreta.

Sobre os autores

é professor, jornalista e estudante de doutorado no programa de História Mundial da St John's University, Nova York, além de membro do Democratic Socialists of America.

é professora de filosofia na Universidade George Washington e autora de Marx's Ethical Vision (2024).

 

Marx y nuestro tiempo

Publicado:

Salvatore Bravo.— Releer a K. Marx es una «tarea política y ética» para los disidentes, es decir, aquellos que no aceptan pasiva y fatalmente el capitalismo con sus tragedias y sus procesos de cosificación. Las mercancías continúan dominándonos y desangrando a la humanidad y detrás de ellas las oligarquías transnacionales perpetúan su estrategia de dominación. El capitalismo continúa haciendo estragos en Occidente y Oriente con las mercancías dominando la imaginación hasta el punto de que los seres humanos no sólo les sirven, sino sobre todo, se perciben a sí mismos como “mercancías entre mercancías”. El valor de cambio es la normalidad relacional ordinaria en el infierno de la tierra bajo el manto del capital. El capitalismo es, por tanto, una visión del mundo, no es externo al ser humano, sino que, como una toxina y un veneno, penetra en el cuerpo y en la mente. Subyugada por la opresión «externa e interna», al final de este proceso de corporatización-mercantilización, la humanidad es sólo una entidad insignificante que se mide por el paradigma del dinero. Releer a K. Marx es un camino hacia la emancipación de la violencia de nuestro tiempo. Requiere palabras y conceptos que revelen la verdad de la condición histórica. La liberación comienza con el dolor/contradicción del ser humano, pero la condición de malestar sin el concepto y comprensión del todo es sólo una larga agonía adaptativa o una rebelión estéril e improductiva. La práctica sin la claridad del concepto no conduce a la libertad sino a una impotencia generalizada y resentida. El ser humano, creador sin titanismo, debe recuperar su esencia histórica y este «comienzo» sólo puede tener lugar, ante todo , en quienes sufren la humillación de la dominación y la alienación. Estos últimos son el motor de la historia. No somos «últimos» sólo por nuestra condición social, sino que lo somos porque estamos desligados de la lógica del capitalismo. Estos últimos son el «motor de la historia»:

“ Hasta ahora, los hombres siempre han tenido ideas falsas sobre sí mismos, sobre lo que son o deberían ser. Basándose en sus ideas de Dios, el hombre normal, etc. regularon sus relaciones. Las producciones salidas de sus cabezas se han vuelto más fuertes que ellos. Ellos, los creadores, se inclinaron ante sus criaturas. Liberémoslos de las quimeras, de las ideas, de los dogmas, de los seres producidos por la imaginación, bajo cuyo yugo languidecen.

Rebelémonos contra este dominio de los pensamientos. Enseñémosles a sustituir estas imaginaciones por pensamientos que correspondan a la esencia del hombre, dice uno; comportarse críticamente con ellos, dice otro; sacártelos de la cabeza, dice un tercero, y la realidad que ahora existe se desmoronará 1 ”.

El comunismo, la inversión dialéctica del capitalismo, para rehumanizar las relaciones humanas y restablecer la esencia histórica del ser humano, sólo puede actuar «aboliendo el capitalismo en la estructura económica y en la superestructura». Las toxinas del capital están con nosotros y dentro de nosotros, por lo que la abolición total del capital sólo puede implicar la radicalidad del «gesto comunista»:

“ Para nosotros, el comunismo no es un estado de cosas que debe establecerse, un ideal al que la realidad debe ajustarse. Llamamos comunismo al movimiento real que abolió el estado actual de cosas. Las condiciones para este movimiento resultan del supuesto ahora existente 2 ”.

Marx y la ideología alemana

Marx declara su distancia con respecto a la filosofía-ideología alemana, ya que desde la derecha hasta la izquierda hegeliana nos limitamos al examen crítico de las representaciones de las religiones. La vida de los pueblos y de los subalternos queda, de este modo, alejada de la filosofía. La filosofía debe convertirse en «mundo», debe entrar en la historia, no debe ser el «alma bella» que se separa de la materialidad de la historia. Marx afirma la superación de la filosofía que se limita a disputas teóricas. Con Marx, el filósofo de la praxis reemplaza al intelectual de sillón. Se trata de resolver una de las innumerables divisiones del capitalismo especular y relacionada con la división entre trabajo intelectual y manual. El hombre marxista va más allá de la cosificación al recomponer las divisiones que consolidaron el hiato entre la clase dominante y los subordinados. La filosofía debe reconfigurar y trascender la parcialidad de la ideología. Con Marx comienza la época de la responsabilidad ética y política de la filosofía; desciende de las cátedras académicas y entra en la historia y la lucha de clases:

“ Toda la crítica filosófica alemana, desde Strauss hasta Stirner, se limita a la crítica de las representaciones religiosas. Comenzó con la religión real y la teología real. Lo que era la conciencia religiosa, la representación religiosa, se definió de diversas formas más adelante. El progreso consistió en subsumir las representaciones metafísicas, políticas, jurídicas, morales, etc. bajo el ámbito de las representaciones religiosas o teológicas. quiénes se presumían dominantes; al proclamar así que la conciencia jurídica, política, moral es conciencia religiosa o teológica, y que el hombre político, jurídico, moral, es decir, el «hombre», en última instancia, es religioso. Se asumió el predominio de la religión. Poco a poco, toda relación dominante fue declarada relación de religión y transformada en culto, culto a la ley, culto al Estado, etc. En todas partes nos enfrentamos a dogmas y a la fe en los dogmas. El mundo fue canonizado cada vez más, hasta que finalmente el venerable San Max pudo canonizarlo en bloque y liquidarlo de una vez por todas .

No se lucha contra el mundo con frases y duelos llenos de palabras. La filosofía, por tanto, debe entrar en una nueva fase, debe pensar en su tiempo en su materialidad para analizar sus contradicciones y potencial dialéctico y convertirse en la mecha que favorezca la transformación cualitativa. Marx nos enseña la necesidad de salir de los salones y de la escritura artificial para entrar en la historia. La escritura es praxis si no apunta a la plusvalía sino a la liberación consciente. La filosofía presupone un escándalo ético ante las injusticias, analiza las condiciones históricas objetivas, pero debe ponerse abiertamente del lado de los dominados. Sin esta conciencia política y ética, no es más que una charla vacía incapaz de levantar ni una pajita:

“ Dado que estos jóvenes hegelianos consideran las representaciones, los pensamientos, los conceptos y, en general, los productos de la conciencia que ellos han hecho autónomos, como las verdaderas cadenas de los hombres, del mismo modo que los viejos hegelianos los consideraban los verdaderos vínculos de la sociedad humana, es fácil comprender que los jóvenes hegelianos sólo tienen que luchar contra estas ilusiones de conciencia. Dado que, según su imaginación, las relaciones entre los hombres, todos sus actos y acciones, sus limitaciones y sus impedimentos son productos de su conciencia, los jóvenes hegelianos piden constantemente a los hombres, como postulado moral, que reemplacen su conciencia actual por una conciencia humana, política o egoísta y así deshacerse de sus impedimentos. Esta petición, de modificar la conciencia, lleva a la otra petición, de interpretar lo que existe de otra manera, es decir, de reconocerlo a través de una interpretación diferente. A pesar de sus frases que, según ellos, «estremecen al mundo», los jóvenes ideólogos hegelianos son los más conservadores. Los más jóvenes han encontrado la expresión adecuada para su actividad, afirmando que sólo luchan contra «frases». Sólo olvidan que a estas oraciones ellos mismos no oponen nada más que sentencias y que no luchan contra el mundo verdaderamente existente cuando sólo luchan contra las sentencias de este mundo. Los únicos resultados a los que podía conducir esta crítica filosófica eran algunas aclaraciones, además parciales, en el campo de la historia de la religión, sobre el cristianismo; todas sus demás afirmaciones son simplemente otras formas de embellecer la afirmación de haber realizado, con esas aclaraciones insignificantes, descubrimientos de importancia histórica universal. A ninguno de estos filósofos se le ocurrió buscar la conexión entre la filosofía alemana y la realidad alemana, la conexión entre su crítica y su propio entorno material 4 ”.

Materialismo e historia

Devolver la filosofía alemana del cielo a la tierra significa observar al ser humano en su materialidad histórica. Las conciencias y las ideas son producto de las condiciones estructurales en las que vivimos y en las que se dispersa la riqueza del espíritu. Los «dominados» están en la trampa alienante del papel que desempeñan en la estructura económica. Sus ideas se forman dentro de relaciones de poder y sumisión. El trabajo que se realiza y cubre no es secundario. La actividad laboral especializada deforma la naturaleza humana e inocula a los dominados con ideas aferentes y dependientes de la actividad. Te conviertes en lo que haces. Quien es utilizado como «medio» se piensa a sí mismo como tal y naturaliza su propio estado. La emancipación sólo puede ser colectiva a través de una reflexión común sobre las condiciones que estructuran la subalternidad de clase. El comunismo pretende hacer que la humanidad vuelva a estar unida a la subjetividad política. La conciencia puede ser sojuzgada y alienada, pero de ella puede nacer «lo nuevo y la nueva visión del mundo», si las circunstancias históricas predisponen a esta transición y si se establecen relaciones políticas entre los dominados. La tarea y la responsabilidad de la filosofía son, por tanto, inmensas:

“ Exactamente lo contrario de lo que ocurre en la filosofía alemana, que desciende del cielo a la tierra, aquí ascendemos de la tierra al cielo. Es decir, no partimos de lo que los hombres dicen, imaginan, representan, ni de lo que dicen, piensan, imaginan, representan, para llegar de aquí a los hombres vivos; sino partimos de los hombres que realmente están trabajando y a partir del proceso real de su vida explicamos también el desarrollo de las reflexiones ideológicas y los ecos de este proceso vital. Incluso las imágenes nebulosas que se forman en el cerebro del hombre son sublimaciones necesarias del proceso material de su vida, empíricamente verificables y ligadas a presuposiciones materiales. En consecuencia, la moral, la religión, la metafísica y cualquier otra forma ideológica, y las formas de conciencia que les corresponden, ya no conservan la apariencia de autonomía. No tienen historia, no tienen desarrollo, pero son los hombres quienes desarrollan su producción material y sus relaciones materiales y transforman, junto con esta realidad suya, también su pensamiento y los productos de su pensamiento. No es la conciencia la que determina la vida, sino la vida la que determina la conciencia. En el primer modo de juzgar partimos de la conciencia como individuo vivo, en el segundo modo, que corresponde a la vida real, partimos de los propios individuos vivos reales y consideramos la conciencia sólo como su conciencia 5 ”.

El materialismo histórico, ya configurado en sus elementos esenciales, en las primeras obras de Marx es la condición que nos permite escapar del parloteo de pesimistas y charlatanes. Con el materialismo histórico volvemos a la vida concreta y real. No debemos partir de ideas sino del análisis objetivo de las condiciones materiales en las que el hombre real vive, piensa, espera y sufre:

“ Los supuestos de los que partimos no son arbitrarios, no son dogmas: son supuestos reales, de los que sólo podemos hacer abstracción en la imaginación. Son individuos reales, su acción y sus condiciones materiales de vida, tanto las que encontraron ya existentes como las producidas por su propia acción. Por tanto, estas presuposiciones pueden comprobarse de forma puramente empírica. El primer supuesto de toda la historia humana es, naturalmente, la existencia de individuos humanos vivos. El primer dato a destacar es, por tanto, la organización física de estos individuos y la relación resultante con el resto de la naturaleza. Aquí, por supuesto, no podemos entrar en el examen ni de la constitución física del hombre mismo ni de las condiciones naturales encontradas por el hombre, tales como las condiciones geológicas, hidrográficas, climáticas, etc. Toda historiografía debe partir de estas bases naturales y de las modificaciones que han sufrido a lo largo de la historia por la acción de los hombres. Puedes distinguir a los hombres de los animales por la conciencia, por la religión, por cualquier cosa que quieras; pero comenzaron a distinguirse de los animales cuando comenzaron a producir sus propios medios de subsistencia, progreso que está condicionado por su organización física. Al producir sus propios medios de subsistencia, los hombres producen indirectamente su propia vida material. La forma en que los hombres producen sus medios de subsistencia depende, en primer lugar, de la naturaleza de los medios de subsistencia que encuentran y que deben reproducir. Este modo de producción no debe ser juzgado sólo en cuanto es reproducción de la existencia física de los individuos; de hecho, es ya un modo específico de actividad de estos individuos, un modo específico de expresar su vida, un modo específico de vida. A medida que los individuos exteriorizan sus vidas, así son 6 ”.

He aquí la tarea y la batalla más dura que todo filósofo del nuevo tiempo histórico debe librar: debe demostrar que las ideas de cada tiempo son ideologías de dominación y prácticas de vigilancia interna y externa de las clases dominantes. Sin esta emancipación ninguna práctica es posible. La conciencia de clase es el proceso mediante el cual uno se libera de los pantanos de la hegemonía cultural de la clase en el poder:

“ La clase que tiene a su disposición los medios de producción material, tiene al mismo tiempo los medios de producción intelectual, de modo que, en general, las ideas de quienes carecen de los medios de producción intelectual están sometidas a ella. Las ideas dominantes no son otra cosa que la expresión ideal de las relaciones materiales dominantes, son las relaciones materiales dominantes tomadas como ideas: son, por tanto, la expresión de las relaciones que hacen de una clase la clase dominante y, por tanto, son las ideas de su clase. Los individuos que componen la clase dominante también poseen conciencia, y por tanto piensan; en la medida en que dominan como clase y determinan todo el alcance de una época histórica, es evidente que lo hacen en toda su extensión, y por tanto entre otras cosas también dominan como pensadores, como productores de ideas que regulan la producción y distribución de las ideas de su tiempo; es por tanto evidente que sus ideas son las ideas dominantes de la época 7 ”.

Revelando

El materialismo histórico revela a la clase obrera en su trágica realidad: el proletariado es la clase que experimenta la revelación de la explotación en su totalidad. La historia se revela en el proletariado en su verdad salvaje e inhumana. El proletario está negado en su esencia, es continuamente explotado en cuerpo y mente, sólo conoce las cadenas que lo envuelven y aplastan. Los siervos individuales podían escapar a las ciudades y luchar por el avance social; se les daba una posibilidad histórica y una ilusión de libertad. Al proletario sólo se le ofrece la explotación total; las cadenas lo asfixian; debe perder la vida en un trabajo fabril que lo deforma hasta convertirlo en un instrumento mudo y sin esperanza. La clase obrera trabaja en la fábrica, la conciencia individual puede elevarse a la conciencia de clase universal y romper los automatismos de la historia. La fábrica forma la conciencia de clase, ya que el trabajo colectivo en un mismo entorno crea «lo nuevo». La clase obrera que vive la condición extrema de explotación tiene, por tanto, la tarea de derrocar la dominación:

“ Sin duda, los siervos que escapaban consideraban su servidumbre como algo incidental a su personalidad. Pero con esto simplemente hicieron lo mismo que hace toda clase que se libera de una coacción, y entonces no se liberaron como clase, sino de forma aislada. Además, no abandonaron el ámbito del sistema de órdenes, sino que se limitaron a formar un nuevo orden y conservaron la forma de trabajar que habían tenido hasta entonces incluso en la nueva situación, y la perfeccionaron liberándola de las limitaciones que lo habían obstaculizado hasta entonces y que ya no correspondían al desarrollo que había alcanzado. Sin embargo, en el caso de los proletarios, sus propias condiciones de vida, su trabajo y, por tanto, todo el conjunto de condiciones de existencia de la sociedad actual, se han convertido en algo casual, sobre lo que los proletarios individuales no tienen control y sobre lo que ninguna organización social puede darles control ; y la contradicción entre la personalidad del proletario individual y la condición de vida que le es impuesta, el trabajo, se manifiesta al propio proletario, sobre todo porque ha sido sacrificado desde su juventud y porque le falta la posibilidad de llegar, dentro de su clase, bajo las condiciones que le harían pasar a la otra clase. Mientras que los siervos fugitivos sólo querían desarrollar y afirmar libremente sus condiciones de existencia ya existentes y, por lo tanto, en última instancia sólo consiguieron el trabajo libre, los proletarios, por el contrario, para afirmarse personalmente, deben abolir su propia condición de existencia como ha sido hasta ahora, que a la vez es la condición de existencia de toda sociedad hasta ahora, el trabajo. Por lo tanto, también se encuentran en antagonismo directo con la forma en la que los individuos de la sociedad se han dado hasta ahora una expresión colectiva, el Estado, y deben derrocarlo para afirmar su personalidad 8 ”.

La Ideología Alemana es una obra de transición entre el Marx joven y el Marx maduro, en ella se encuentran los núcleos programáticos de la obra del espíritu marxista mientras dura su existencia. La esperanza no es un anhelo vacío, ni una espera de solución a las feroces contradicciones de nuestro tiempo histórico, sino un pensamiento que da forma a la acción y «una acción que fecunda el pensamiento». La esperanza está en el dominado que media el mundo y lo filtra con conciencia individual y colectiva. Para leer la condición objetiva de la historia y transformarla con la práctica, es necesario aplicar categorías a los procesos históricos. Las categorías marxistas son filtros emancipadores que permiten a los dominados romper las cadenas de la pasividad y emanciparse de la decadencia melancólica de un sistema que ha hecho de la guerra y el sacrificio de los dominados su amenazante estrella del norte. El optimismo de la voluntad se forma a partir del análisis de datos históricos y de contingencias, que, a pesar de su «terrible realidad», forman parte de un proceso histórico en el que el potencial convive con las cadenas que atan a los subordinados. Marx sigue siendo relevante y Antonio Gramsci nos lo recuerda. Reclamar las categorías interpretativas que permiten liberarnos del fatalismo es el primer y principal gesto con el que devolver a la historia la dimensión de la praxis y la esperanza. Hoy los dominados no son sólo los trabajadores y los inmigrantes sino también la clase media que cae en la precariedad. El mensaje de Marx está dirigido a todos los dominados. La voluntad política supera condiciones históricas adversas:

“ Todo colapso trae consigo desorden intelectual y moral. Necesitamos crear personas sobrias y pacientes que no se desesperen ante los peores horrores y que no se emocionen ante cada tontería. Pesimismo de la inteligencia, optimismo de la voluntad 9 ”.

La teoría puede convertirse en práctica, si se convierte en «pensamiento común», puede despertar a las masas del letargo de la «corrección política» y transformarlas en pueblos en marcha. Para plantearse, la voluntad popular requiere categorías y conceptos que puedan indicar la meta objetiva después de haber desenmascarado la mentira que se ha convertido en la normalidad sistemática de nuestro tiempo. Marx sigue vivo, porque todavía necesitamos sus estructuras interpretativas incluso para superarlo.

Notas

1 Karl Marx, La ideología alemana, Prólogo, http://www.centrogramsci.it/edizioni/pdf/idee_tedesca.pdf

2 Ibídem: Historia

3 Ibidem: capítulo I La ideología en general y la ideología alemana en particular

4 Ibídem

5 Ibídem

6 Ibídem

7 Ibidem: Sobre la producción de conocimiento

8 Ibidem: Capítulo IV El comunismo, producción de la forma de relación misma

9 Gramsci 1975, pág. 75. En el segundo borrador este pasaje (con pocas variaciones) reaparece en una nota del cuaderno 28, fechable en 1935: cf. Gramsci 1975, págs. 2330-1

https://www.sinistrainrete.info/articoli-brevi/29453-salvatore-bravo-marx-e-il-nostro-tempo.html

Revisión de la traducción: Carlos X. Blanco

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

 Ler a tradução em Resistir.info

michael-hudson.com/2024/12/the-u-s-strategy-of-controlled-anarchy-syria-ukraine-and-beyond/

É de não perder!

Para uma crítica da moral-II

 Continuando os passos seguidos no texto publicado em baixo.

Se historiadores probos, cientistas das ciências sociais, meros observadores conscientes e informados até pela experiências de vida, constatam e analisam a diversidade das regras de comportamento, os diversos significados com que se têm entendido a noção aristotélica de justiça, porque não concluem que as morais fazem-se cá e cá se arruínam e desaparecem? Os comportamentos pelos quais se regiam os antigos gregos nas diversas fases da sua história: aristocracia, democracia ; as diferenças entre os antigos espartanos e os atenienses ; as regras mais ou menos consagradas pela tradição dos antigos romanos das elites; os comportamentos que atualmente se começa a descobrir dos maias ou dos aztecas, ou , enfim, dos incas que terão conservado de civilizações grandiosas anteriores, mas, seja como for, as superaram através do sue imperialismo. Civilizações que desapareceram totalmente nas Américas, no continente africano. Reveladas pelos arqueólogos, silenciadas pelos colonizadores, sobretudo pelo capitalismo do século dezanove. O tal eurocentrismo também, de que agora tanto se discute. Não se publicam estudos nestes últimos cinquenta anos que demonstram como se transformou a moral. isto é, a ideologia moral, do capitalismo contemporâneo? O individualismo que propaga, o egoísmo social, a ambição por uma mobilidade social que se revela ilusória, o elogio de comportamentos agressivos na competição económica, a fragmentação dos trabalhadores impedindo-os de se verem a si mesmo como classe, a classe produtora. Estes e outros comportamentos são ensinados, exigidos em nome do sucesso individual e da produtividade do país. Ensinados nas famílias, nas escolas, imposto como deveres nas empresas pelos patrões aos empregados.

   O filósofo eminente John Rawls   escreveu uma obra sobre a Justiça, a qual se viu obrigado e corrigir por uma segunda, dando mais deveres e possibilidades de justiça ao seu liberalismo. Nos anos setenta do século passado era já mais que evidente o novo rumo do liberalismo, o fim das utopias e das ilusões, as consequências desastrosas do regime liberal norte-americano, puro e duro. À vista já então o aprofundamento da desigualdade nesse país e em todo o lado onde se espalhara o capitalismo. Ou melhor, até onde chegara o mercado mundial capitalista. Claro é que as guerras deste imperialismo não as justifica ele com as verdadeiras finalidades, mas com princípios morais, nomeadamente com base nos famosos "direitos humanos". E esta hipocrisia que já Marx e Engels haviam denunciado há mais de cento e cinquenta anos, é eficaz, e é isso que assusta.

Quem domina os principais meios de produção das riquezas materiais, domina os meios de produção dos enunciados ideológicos, morais, ou outros. Pode corrigir, pode ceder, mas só até certo ponto. Não tem é como erradicar os fundamentos das suas crises. Tem que se desenvolver, superar, resolver essas crises, para de novo provocá-las. Eles sabem isso. Um empresário esperto sabe isso, um académico liberal também. Têm que fugir para a frente, nunca para trás. 

Têm de realizar guerras e semear o caos, a instabilidade permanente em que vivem e fazem-nos viver. Sobretudo quando outras potências competem pela hegemonia ou contra coisa qualquer.

Do pensamento de Marx e Engels extraímos facilmente uma nova moral e sabemos como foi tentada a sua aplicação e como foi falhada em parte não pequena. Por exemplo, ou principalmente, a criação de um "homem novo" na União Soviética, depois, pior ainda, na URSS. Certamente que surgiram aí indivíduos novos, crianças educadas de outra forma que vieram a tornar-se justos e altruístas ou cooperantes para o bem público. Todavia, a luta de classes não desaparecera, nem, com ela, a cobiça, a crueldade, o egoísmo, a corrupção, a covardia. 

Os trabalhadores, particularmente os operários, não possuem uma moral distinta da moral dominante, apesar de valorizarem comportamentos ligados ao trabalho comum que os capitalistas não valorizam quando se comportam como pessoas no quotidiano, dentro ou fora das suas famílias. As elites desprezam comportamentos dos trabalhadores rurais, sobretudo se forem pequenos ou pobres, e dos operários que vivem nos seus bairros. Mas são esses elementos positivos que o marxismo quis e quer desenvolver e alargar : o cooperativismo, os deveres de proteção dos bens públicos e de interajuda, as lealdades de camaradagem, etc.

  São novos deveres para todos. Ou sê-lo-ão. Serão elementos constitutivos da Justiça social cumprida, da igualdade em progresso.

........Nozes Pires--------


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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.