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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

 

  1. A guerra na Ucrânia foi provocada - e porque é que isso é importante para alcançar a paz   

Este texto de um reputado intelectual norte-americano foi publicado há mais de um ano. Procurava propor um mínimo de honestidade e de sanidade intelectual na posição dos EUA face ao conflito na Ucrânia. De reconhecimento do papel decisivo dos EUA-NATO na série de provocações que a ele conduziram. Não foi, obviamente, ouvido. O texto não perdeu actualidade. E o tempo passado acrescenta-lhe o ilustrar como, no essencial, as sucessivas administrações EUA são surdas a tudo o que não seja a aposta na guerra e na escalada da guerra. Diz o autor: “Só esforços diplomáticos podem alcançar a paz”. Resta saber que interlocutores para tais esforços poderão existir nos EUA.


George Orwell escreveu em 1984 que “Quem controla o passado controla o futuro: quem controla o presente controla o passado”. Os governos trabalham incansavelmente para distorcer as percepções públicas do passado. Relativamente à Guerra da Ucrânia, a administração Biden tem repetida e falsamente afirmado que a Guerra da Ucrânia começou com um ataque não provocado da Rússia à Ucrânia em 24 de Fevereiro de 2022. Na verdade, a guerra foi provocada pelos EUA por vias que os principais diplomatas americanos previram durante décadas antes da guerra, o que significa que a guerra poderia ter sido evitada e deve agora ser travada através de negociações.

Reconhecer que a guerra foi provocada ajuda-nos a compreender como travá-la. Não justifica a invasão da Rússia. Uma abordagem muito melhor para a Rússia poderia ter sido o reforço da diplomacia com a Europa e com o mundo não ocidental para explicar e opor-se ao militarismo e ao unilateralismo dos EUA. De facto, a pressão implacável dos EUA para expandir a NATO é amplamente contestada em todo o mundo, pelo que a diplomacia russa, em vez da guerra, teria provavelmente sido eficaz.

A equipa de Biden usa a palavra “não provocado” incessantemente, mais recentemente no grande discurso de Biden no primeiro aniversário da guerra, numa declaração recente da NATO e na mais recente declaração do G7. Os principais meios de comunicação social amigos de Biden limitam-se a papaguear a Casa Branca. O New York Times é o principal culpado, descrevendo a invasão como “não provocada” nada menos do que 26 vezes, em cinco editoriais, 14 colunas de opinião de escritores do NYT e sete artigos de opinião de convidados!

De facto, houve duas provocações principais dos EUA. A primeira foi a intenção dos EUA de expandir a NATO para a Ucrânia e a Geórgia, a fim de cercar a Rússia na região do Mar Negro por países da NATO (Ucrânia, Roménia, Bulgária, Turquia e Geórgia, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio). A segunda foi o papel dos EUA na instalação de um regime russofóbico na Ucrânia através do derrube violento do Presidente pró-russo da Ucrânia, Viktor Yanukovych, em Fevereiro de 2014. A guerra com tiros na Ucrânia começou com o derrube de Yanukovych há nove anos, não em Fevereiro de 2022 como o governo dos EUA, a NATO e os líderes do G7 nos querem fazer crer.

A chave para a paz na Ucrânia é através de negociações baseadas na neutralidade da Ucrânia e no não alargamento da NATO.

Biden e a sua equipa de política externa recusam-se a discutir estas raízes da guerra. Reconhecê-las prejudicaria a administração de três maneiras. Em primeiro lugar, exporia o facto de que a guerra poderia ter sido evitada, ou travada precocemente, poupando à Ucrânia a devastação actual e aos EUA mais de 100 mil milhões de dólares em despesa até à data. Em segundo lugar, exporia o papel pessoal do Presidente Biden na guerra, enquanto participante no derrube de Yanukovych e, antes disso, enquanto apoiante convicto do complexo militar-industrial e defensor muito precoce do alargamento da NATO. Em terceiro lugar, empurraria Biden para a mesa das negociações, minando a pressão contínua da administração para a expansão da NATO.

Os arquivos mostram de forma irrefutável que os governos dos Estados Unidos e da Alemanha prometeram repetidamente ao Presidente soviético Mikhail Gorbachev que a NATO não se moveria “um centímetro para leste” quando a União Soviética dissolveu a aliança militar do Pacto de Varsóvia. No entanto, o planeamento dos Estados Unidos para a expansão da NATO começou no início dos anos 90, muito antes de Vladimir Putin ser presidente da Rússia. Em 1997, o perito em segurança nacional Zbigniew Brzezinski descreveu o calendário de expansão da NATO com notável precisão.

Os diplomatas americanos e os próprios dirigentes ucranianos sabiam bem que o alargamento da NATO poderia conduzir à guerra. O grande académico-estadista norte-americano George Kennan classificou o alargamento da NATO como um “erro fatal”, escrevendo no New York Times que “é de esperar que tal decisão inflame as tendências nacionalistas, anti-ocidentais e militaristas da opinião russa; que tenha um efeito adverso no desenvolvimento da democracia russa; que restaure a atmosfera da guerra fria nas relações Leste-Oeste e que impulsione a política externa russa em direcções que decididamente não são do nosso agrado”.

O Secretário da Defesa do Presidente Bill Clinton, William Perry, considerou demitir-se em protesto contra o alargamento da NATO. Ao recordar este momento crucial em meados da década de 1990, Perry disse o seguinte em 2016: “A nossa primeira acção que realmente nos levou numa má direcção foi quando a NATO começou a expandir-se, trazendo nações da Europa de Leste, algumas delas com fronteiras com a Rússia. Nessa altura, estávamos a trabalhar em estreita colaboração com a Rússia e eles começavam a habituar-se à ideia de que a NATO podia ser um amigo e não um inimigo… mas sentiam-se muito desconfortáveis com a ideia de ter a NATO junto à sua fronteira e fizeram um forte apelo para que não avançássemos com isso”.

Em 2008, o então embaixador dos EUA na Rússia, e actual diretor da CIA, William Burns, enviou um telegrama a Washington alertando longamente para os graves riscos do alargamento da NATO: “As aspirações da Ucrânia e da Geórgia à NATO não só são muito sensíveis na Rússia, como suscitam sérias preocupações quanto às consequências para a estabilidade na região. A Rússia não só se apercebe do cerco e dos esforços para minar a influência da Rússia na região, como também receia consequências imprevisíveis e descontroladas que afectariam seriamente os interesses de segurança russos. Especialistas dizem-nos que a Rússia está particularmente preocupada com o facto de as fortes divisões na Ucrânia sobre a adesão à NATO, com grande parte da comunidade étnica russa contra a adesão, poderem levar a uma grande divisão, envolvendo violência ou, na pior das hipóteses, guerra civil. Nessa eventualidade, a Rússia teria de decidir se interviria; uma decisão que a Rússia não quer ter de enfrentar”.

Os líderes ucranianos sabiam claramente que pressionar para o alargamento da NATO à Ucrânia significaria guerra. Oleksiy Arestovych, antigo conselheiro de Zelensky, declarou numa entrevista em 2019 “que o nosso preço para aderir à NATO é uma grande guerra com a Rússia”.

Entre 2010 e 2013, Yanukovych defendeu a neutralidade, em linha com a opinião pública ucraniana. Os EUA trabalharam secretamente para derrubar Yanukovych, como se pode ver na gravação da então secretária de Estado adjunta dos EUA, Victoria Nuland, e do embaixador dos EUA, Geoffrey Pyatt, a planear o governo pós-Yanukovych semanas antes do violento derrube de Yanukovych. Nuland deixa claro no telefonema que estava a coordenar estreitamente com o então vice-presidente Biden e o seu conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan, a mesma equipa Biden-Nuland-Sullivan que está agora no centro da política dos EUA em relação à Ucrânia.

Após o derrube de Yanukovych, a guerra eclodiu no Donbass, enquanto a Rússia reclamava a Crimeia. O novo governo ucraniano apelou à adesão à NATO, e os EUA armaram e ajudaram a reestruturar o exército ucraniano para o tornar interoperável com a NATO. Em 2021, a NATO e a Administração Biden comprometeram-se firmemente com o futuro da Ucrânia na NATO.

No período que antecedeu a invasão da Rússia, o alargamento da NATO esteve no centro das atenções. O projecto de Tratado EUA-Rússia de Putin (17 de Dezembro de 2021) apelava à suspensão do alargamento da NATO. Os dirigentes russos colocaram o alargamento da NATO como a causa da guerra na reunião do Conselho de Segurança Nacional da Rússia de 21 de Fevereiro de 2022. No discurso que dirigiu à nação nesse dia, Putin declarou que o alargamento da NATO era a principal razão da invasão.

O historiador Geoffrey Roberts escreveu recentemente: “A guerra poderia ter sido evitada por um acordo russo-ocidental que travasse a expansão da NATO e neutralizasse a Ucrânia em troca de garantias sólidas de independência e soberania ucranianas? Muito possivelmente”. Em Março de 2022, a Rússia e a Ucrânia comunicaram progressos no sentido de um rápido fim negociado da guerra com base na neutralidade da Ucrânia. De acordo com Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro de Israel, que era um mediador, um acordo estava perto de ser alcançado antes que os EUA, o Reino Unido e a França o bloqueassem.

Enquanto a administração Biden declara que a invasão da Rússia não foi provocada, a Rússia procurou opções diplomáticas em 2021 para evitar a guerra, enquanto Biden rejeitava a diplomacia, insistindo que a Rússia não tinha qualquer palavra a dizer sobre a questão do alargamento da NATO. E a Rússia insistiu na diplomacia em Março de 2022, enquanto a equipa de Biden voltou a bloquear um fim diplomático para a guerra.

Ao reconhecer que a questão do alargamento da NATO está no centro desta guerra, entendemos porque é que o armamento dos EUA não vai acabar com esta guerra. A Rússia fará a escalada necessária para impedir o alargamento da NATO à Ucrânia. A chave para a paz na Ucrânia é através de negociações baseadas na neutralidade da Ucrânia e no não alargamento da NATO. A insistência da administração Biden no alargamento da NATO à Ucrânia fez da Ucrânia uma vítima das aspirações militares norte-americanas, que são mal concebidas e inatingíveis. É altura de parar com as provocações e de negociar para restaurar a paz na Ucrânia.

Fonte: https://www.commondreams.org/opinion/the-war-in-ukraine-was-provoked-and-why-that-matters-if-we-want-peace


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