Existem pontos de vista opostos sobre o que seja Ética e Moral. Uma interpretação confere à Ética o que caberia antes à Moral. Eu penso de modo diferente . É mais útil e lógico que ÉTICA seja um discurso - análises- sobre as diversas morais que existiram ou existem : moral, uma determinada moral compreende um conjunto de regras de comportamento.
As regras para um comportamento aceitável socialmente dependem das condições concretas desta ou daquela sociedade (pequena ou mundial) ; podem subsistir depois do desaparecimento relativo dessa sociedade ou através de uma outra moral que a substitui. Por exemplo : a moral cristã imposta pela Igreja católica perdurou hegemonicamente e sem contestação durante séculos até ser substituída em aspetos essenciais (falo de guias ou regras de conduta, como posso falar de deveres e direitos) por uma nova, a moral burguesa. Como é sabido e foi demonstrado a moral dominante é a moral que convém à classe dominante (o que é pura lógica). A moral burguesa , dominante claro está, conservou elementos da moral da classe anteriormente dominante : a aristocracia ou nobreza ou senhorio feudal, como se preferir.
Ora, estas conclusões e outras mais não podem, nem poderiam, ser extraídas pela própria moral dominante, mas pela análise filosófica-científica, a qual preenche o campo da Ética. Esta, por conseguinte, investiga as origens, as particularidades concretas, a historicidade, os fundamentos bio-sociais, de cada moral, começando por ser capaz de distingui-las umas das outras apesar do lastro pesado das tradições. Aqui e mais uma vez se pode aplicar o método lógico hegeliano : negação de uma determinada realidade, conservação de algo essencial dessa realidade e elevação a um nível superior.
Se atendermos a estes enunciados não existe uma moral comunista pois nunca existiu, nem existe, sociedade comunista alguma. Mas criaram-se, aplicaram-se e ainda subsistem, valores morais socialistas. Boa parte desse valores morais podemos-los encontrar nos textos de Marx. E até mesmo, praticados por Marx, Engels e Lenine. Milhões de indivíduos guiaram as suas vidas por regras que tomaram como comunistas e socialistas.
Deste modo, a ÉTICA, área de estudo das ciências sociais, ou melhor : bio-psico-sociais, não se restringe aos significados e suas aplicações contemporâneas : ética do desporto, ´bio-ética, deontologia desta ou daquela profissão, códigos comportamentais exigidos aos militantes de um partido político. ÉTCA foi o que fizeram os filósofos Platão, Aristóteles, Epicuro. Evidentemente que que ao criticarem os princípios ou dogmas desta ou daquela moral (foi o que fez o filósofo da moral, Sócrates), realizando o que dissemos ser Ética, propuseram outros enunciados que demonstraram, ou tentaram, ser mais racionais e mais adequados à época e sociedade em que viveram, embora julgassem que serviam para todas as épocas, característica que encontramos em todos os filósofos e filosofias. O que propõem é o melhor possível. Destes considerandos ergue-se como exemplo ímpar a obra.prima de Bento Espinosa, intitulada precisamente de "ÉTICA".
O opúsculo super célebre de Marx e Engels, "Manifesto do Partido Comunista" expõe a análise mais rigorosa (e atraente literariamente) ou pioneira nesse rigor da moral "hipócrita" burguesa (a família burguesa de então, por exemplo) e avança com elementos para uma moral oposta, explicitamente ou permitindo que se deduza (discriminatio est negatio, como escreveu Espinosa).
Os textos publicados mais tarde com o título de "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, demonstram com a historicidade tudo atravessa e as próprias morais de classe envelhecem e morrem.
Nos textos preparatórios de uma crítica científica da Economia Política (burguesa) de Marx atravessam-se regularmente afirmações de carácter moral. Por fim, na sua obra-mestra , O CAPITAL, são numerosas as criticas de índole moral ao capitalismo, nomeadamente em notas de roda-pé.
Não foram poucos os marxistas que depois de Marx e Engels e da publicação póstuma e bastante tardia de algumas das suas obras (o caso notório dos Manuscritos da juventude) se dedicaram à investigação ética das morais, particularmente de uma suposta ou pressuposta moral socialista-comunista, ou, se se preferir, marxista. Citem-se entre outros os méritos de Ernst Bloch ("O Princípio Esperança").
Quais são as noções basilares transhistóricas de qualquer moral ? O DEVER e a JUSTIÇA.
O dever como princípio do reportório das boas regras de conduta para aquele indivíduo que está (ou não está) inserido numa sociedade, ou comunidade, concreta. Para o filósofo Kant e para todos nós presumo, o "deves" é aquilo que distingue uma moralidade doutra atividade qualquer. Sobra pouca liberdade para alternativas. Ou cumpres os princípios e as regras de comportamento consensuais (hoje ou amanhã) de uma sociedade que se julga a si mesma democrática e racional, ou serás excluído e eventualmente castigado. Para Kant devemos cumprir com sincera e real boa vontade, ou intenção. Para outras correntes oponentes que se disseram, e dizem, mais pragmáticas, é, pelo contrário, a utilidade, ou as vantagens para a sociedade, que devem guiar as nossas escolhas. Outros há que viriam a considerar a necessidade de sobrevivência , isto é, sobreviver ou não sobreviver, como base do comportamento humano, pela sua natureza, ou suposta natureza, biológica. É certo que tentam não reduzir a uma base estritamente biológica idêntica a uma mera bactéria : sobreviver o melhor possível para o indivíduo - o mais vantajoso - e, ao mesmo tempo, para a espécie humana.
Existe, então, uma moral marxista? Julgo que sim, porém fragmentada em múltiplas interpretações de múltiplos marxismos, Marx não nos legou uma obra completa sobre a moral que ele defenderia e que exigiria num tempo que viesse de uma sociedade desenvolvida.,,e mais justa!
Justa? Segundo Marx, como é pela burguesia capitalista uma sociedade justa? Pois aquela na qual ela domine todos os aparelhos de produção de bens, de distribuição, de acumulação, de Estado, e de ideologia. Justo é o direito de comprar por um salário a força de trabalho e explorar o seu rendimento apropriando-se dos lucros. Ou seja : tratar outros como meios e não fins, como escreveu I. Kant. A moral no decorrer dos "progressos" capitalistas foi-se confundindo com o Direito, a moralidade com a legalidade. A classe dominante impõe pelas leis o que parecia ser mais próprio da moral. Impõe coercivamente ou persuasivamente. Depende do que lhe dá mais jeito, conforme a co-relação de forças ou o que faz render mais lucros financeiros (ou mais "capital social e prestígio de elite). O trabalhador é considerado livre nas leis, na legalidade, porém não o é : se não vender a sua força de trabalho(as suas mãos e o seu cérebro) morrerá de fome até mesmo num Estado Social (vejam-se os sem-abrigo).
Portanto, a noção de justiça fica no ar, abstrata e etérea, usada hipocritamente, assim como a noção de ser livre e sentir-se livre, nas sociedades capitalistas, à maneira da Constituição da República Portuguesa. Não basta o significado e o termo. É preciso ir à raiz. Até aos fundamentos económico-jurídicos das sociedades em que domina absolutamente o modo de produção capitalista.
No entanto, a crítica moral (ou jurídico-moral) ao capitalismo contemporâneo é decisiva, ou muito necessária, na atividade dos revolucionários para convencerem racionalmente e atraírem para as suas fileiras de combate indivíduos que se comportam conforme querem os capitalistas dominantes que fazem produzir a sua ideologia.
.....Nozes Pires...17/12/2024
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