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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016


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Delícias

Ouvir ou ler um Rodrigues dos Santos , um Miguel Sousa Tavares e tantos outros sobre o Défice Estrutural , de que não fazem a mínima ideia de como se calcula , do que significa , nem do seu valor para avaliar a justeza de uma política é uma delícia.
São categóricos . A ignorância é sempre atrevida e ainda mais quando estamos perante comentadores sobranceiros com desmesurado , ego . e arraigados preconceitos de classe .
Durante muito tempo estivemos sozinhos a afirmar que  os critérios de Mastricht   , não tinham  qualquer valor científico  , até ao dia em que um Comissário europeu afirmou claramente que os critérios de Mastricht eram “estúpidos.”.. Hoje sabemos melhor como foram calculados e impostos pela a Alemanha que não era a da Srª Merkel
Pode ser que ainda se venha a verificar com o dito  défice estrutural o que sucedeu com os critérios de Mastricht e então teremos os mesmos comentadores a fazerem coro com os que sempre afirmaram que tal défice é de calculo difícil , subjetivo  logo conferindo poderes discricionários a quem o avalia em Bruxelas e podendo ser objetivamente um travão ao crescimento económico.
E nem nos estamos a referir ao défice virtuoso de Miguel Cadilhe …
Outras delícias são as que se referem à classe média e à austeridade.
Com a mesma ligeireza dizem uns que afinal a carga fiscal do novo Orçamento sobrecarrega a classe média . A abstração ” classe média ” mete no mesmo saco  sujeitos com rendimentos muito diferentes
Mais acertado seria falar em camadas médias e é uma evidência que este Orçamento embora de forma imperfeita desagrava fiscalmente a maioria das camadas médias.
O mesmo diremos daqueles que afirmam que a austeridade se mantém .
As políticas do anterior governo não foram políticas de austeridade , mas sim políticas de concentração de riqueza , como sempre  afirmámos e os dados sobre a distribuição do Rendimento Nacional o confirmam .
No Expresso , o jornalista Santos Guerreiro que não confundo com outros do mesmo Jornal cujo ego e atrevimento  também estão na razão direta da santa ignorância ,afirmou este fim de semana : “os Orçamentos do PSD/CDS quase não tinham medidas desfavoráveis às empresas , este quase não tem medidas favoráveis , a austeridade recaia sobre o Estado, agora transfere o peso para os privados o outro resignava-se ao empobrecimento este revolta-se mas ilogicamente “
Não Pedro Santos Guerreiro . Deixe-se de abstrações e vá ao concreto.
A dita austeridade não recaia sobre o Estado mas sobre os contribuintes , sobre os reformados sobre os utentes do Serviço Nacional de Saúde , sobre a Escola Publica , alunos e professores , sobre os trabalhadores sobre o património público , edifícios pontes escolas hospitais que viram investimentos de conservação adiados e que agora se pagam com língua de palmo. Agora a dita austeridade no essencial também não recai sobre os privados mas  sobre alguns privados , os que mais têm lucrado com a crise e com as medidas ditas de austeridade mas na realidade de concentração de riqueza .
Também não é verdade que o anterior governo se resignava ao empobrecimento. Não . O anterior governo promoveu-a porque esteve ao serviço dos grandes interesses e como a manta era curta … Quem tem estado a pagar  o desendividamento e a capitalizacão da banco e a dívida contraida para esse fim ?. Esta de que o anterior governo se resignou , coitado, ao empobrecimento não lembra ao .. Já se esqueceram da carta de demissão de Gaspar…
Seria este o Orçamento desejável .? Não . Este é um Orçamento  contraditório  e que fica aquém do que era possível mesmo na lógica da U.E. Na correção da distribuição do Rendimento Nacional com impulso no aumento da produção e da produtividade sem atingir o défice podia -se e devia-se ter ido mais longe. Um exemplo : podia-se aumentar 50 % , 60 % as ajudas aos pequenos agricultores cortando um pouco , repito um pouco nos fartos subsídios dados aos grandes , podia-se fazer pagar de forma indireta às gasolineiras mais de metade da subida e estabelecer preços especiais para a indústria e para os transportadores em fretes de exportação sem burocracias…
No entanto é para nós uma evidência que com este Tratado Orçamental , com esta dívida , com o Euro e com esta correlação de forças a nível da UE  a colonização do país vai continuar .
A esta conclusão irão chegar cada vez mais portugueses e agentes políticos designadamente dentro do PS e não só . Quantos mais e mais rapidamente melhor para o povo e o país





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Um novo tsunami financeiro global a caminho?

edemilson paranaBlog da Boitempo apresenta em seu Espaço do leitor textos inéditos escritos por nossos leitores. Quer colaborar também? Saiba como no fim deste post!
Preço do petróleo mais baixo em décadas, desaceleração chinesa, recrudescimento da política monetária estadunidense com consequente desvalorização das demais moedas nacionais (em especial de emergentes), queda da demanda global à medida que as economias seguem presas ao atoleiro do desemprego e baixo crescimento. Essa combinação bombástica de fatores tem sido apontada por muitos analistas como a tempestade perfeita (“perfect storm”, no linguajar dos “mercados”) capaz de produzir um iminente tsunami financeiro internacional, maior e mais grave do que aquele de 2008, conforme sustentam os mais alarmistas.
A tese não é fruto de alguma mente esquerdista conspiratória, como se apressariam em acusar os defensores de sempre da ordem de coisas. Atenção ao que nos diz William White, ex-economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais (BIS), uma espécie de “clube dos banqueiros centrais de todo mundo”, que agora preside o comitê de revisão da OCDE: “A situação é pior do que era em 2007. Nossa munição macroeconômica para combater recessões foi toda esgotada. Dívidas continuaram a acumular-se ao longo dos últimos oito anos e atingiram níveis tais em todas as partes do mundo que se tornaram uma causa potente para um estrago”, disse ele na véspera do Fórum Econômico Mundial realizado em Davos. O BIS foi uma das poucas organizações a advertir durante 2006 e 2007 sobre os níveis instáveis ​​de empréstimos bancários que eventualmente levariam à queda do Lehman Brothers. A mensagem central de White agora é de que diferentemente de 2008, os Estados não terão mais a mesma capacidade para salvar o sistema financeiro em derrocada.
Diante desse diagnóstico, um analista de investimentos da Royal Bank of Scotland aconselhou seus clientes na semana retrasada a “vender tudo”, exceto os seguros e títulos de alto grau de confiabilidade, apontando um ano “cataclísmico” e a forte probabilidade de um crash do mercado de ações.
Se, a despeito de otimistas, céticos e alarmistas (o mercado tem para todos os gostos), é difícil cravar com certeza se e quando isso ocorrerá de fato, a hipótese é, no mínimo, digna de atenção. Parece difícil de contestar: na pior das hipóteses um novo crash, na melhor delas um longo período de estagnação e/ou baixo crescimento mundial (“estagnação secular”) que, sem uma eloquente mudança de rumos, poderá acabar levando inevitavelmente ao desfecho que alguns dizem ser já inevitável. No Brasil, um dos maiores e mais ricos países do globo, onde a agenda é de mais “laissez faire” e austeridade, o modelo faz água a olhos vistos.
A história que nos trouxe até aqui é de amplo conhecimento. Salvo de si mesmos pelos contribuintes e Estados nacionais, que ativaram a velha socialização das perdas após um longo período de privatização dos ganhos, pouco se fez além de uma enorme injeção de dinheiro farto e barato nos mercados, por meio dos chamados bailouts e quantitative easings. O plano parecia perfeito. Os jogadores foram salvos, cresceu o (mal) endividamento dos Estados e os contribuintes-trabalhadores foram novamente convocados a sustentar a continuidade da festa: austeridade, corte de pensões, aposentadorias, salários e gastos sociais. Sob esse esquema, e utilizando-se de iniciativas e ações quase apenas cosméticas, a dinâmica de funcionamento e gestão da economia global tem se mantido praticamente a mesma de antes da grande crise de 2008. Em tempos de aprofundamento de incertezas somado à hiper-liberalização financeira, o dinheiro farto simplesmente não chega às esferas “reais” da produção e consumo, preso que está à velha conhecida “armadilha da liquidez”. Em bom português: taparam o sol com uma grande peneira. Enquanto isso, e de modo previsível, avolumam-se problemas sociais, políticos e econômicos de toda natureza, com destaque especial para o previsível crescimento exponencial das taxas de desigualdade de renda e riqueza. Com uma ajuda especial dos constrangimentos estruturais da situação chinesa, que até então vinha ajudando a jogar lenha e manter acesa essa insustentável fogueira, a festa parece caminhar para um desfecho indesejável.
Trata-se de uma velha lição de Marx que David Harvey tem nos lembrado com especial competência no que se refere a conjuntura atual: quando o capital se depara com uma grave contradição (leia-se problema) geralmente procura movê-la de um setor para outro, de uma região geográfica para outra, adiando, sem enfrentá-la de frente ou resolvê-la de fato, já que o capitalismo perpetua-se justamente como uma constante movimentação de contradições em torno de si mesmas. Se o problema está no sistema bancário, é movido para o Estado, se está no Estado, movem-no para o contribuinte via tributação e austeridade. Uma vez em suas costas, para onde seria novamente movido agora? Assim como a possibilidade de um novo crash, é difícil prever.
De qualquer forma, sem um amplo conjunto de mudanças estruturais – como reformulação e algum endurecimento regulatório, auditoria e reestruturação das dívidas, programas de investimento público direto e estímulo ao emprego, transferência e distribuição de renda, ativação e fortalecimento do bem-estar (saúde, educação, transporte) e medidas de democratização da gestão dos Estados e das economias – a economia mundial terá poucas chances. Não chega a ser curioso observar, no entanto, que é justamente da esquerda “radical” que vem a defesa desse óbvio e razoável programa de medidas para atacar o problema aqui e alhures, o único “pacote” capaz de salvar os capitalistas deles mesmos, conforme assumiu recentemente até mesmo Wolfgang Münchau, colunista e editor associado do “insuspeito” Financial Times.
É que deixada à sua própria sorte a clássica mentalidade liberal de que “a busca egoísta pelo ganho individual sempre leva à felicidade coletiva”, levada contemporaneamente aos píncaros da estreiteza de pensamento estratégico em banqueiros e financistas bem como em seus funcionários de sempre instalados no poder, nos levará todos a uma tragédia ainda maior.
A humanidade repetidamente tem pago preços altíssimos por não aprender com sua própria história. Em termos políticos, e diante da polarização que avança, começa a ficar claro que a única alternativa político-eleitoral ao que propõe a esquerda dita “radical” ou “extrema” (Sanders no EUA, Podemos/Syriza/Bloco de Esquerda na Europa, oposição de esquerda no Brasil e na América Latina), é a direita belicosa e obscurantista, chegando, inclusive, às suas frações velada ou abertamente fascistas.
Tudo somado, parece que começamos a caminhar aos poucos para um cenário político no mínimo análogo àquele dos duros anos 30 dos século passado. Conforme o relógio gira, fica patente a necessidade inescapável de algum tipo de “rompimento” desse estados de coisas. Espera-se que à esquerda. Essa seria a única forma de evitarmos a barbárie. O risco da apatia é alto demais para ser assumido. É hora de agir.
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Edemilson Paraná é doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). É autor do livro A finança digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional (Editora Insular, no prelo). Dele, leia também no Blog da Boitempo os artigos “Da direta à esquerda: a crise diante da falta de um projeto de país“, “O Brasil no pêndulo das elites: entre liberalismo submisso e desenvolvimentismo autoritário“, “Disputar o povão: neopentecostalismo e luta de classes“, “As raízes da escalada conservadora atual” e “Lula, o cerberus da política brasileira“.
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in Blog da BoiTempo

GEAB

1 GEAB n° 101 – 17 de janeiro 2016
© Copyright LEAP, 2016 – ISSN 1951-6177 – Todos os direitos reservados
Distribuição, reprodução, modificação do conteúdo do GEAB sem autorização escrita da LEAP, estritamente proibido.

PERSPECTIVAS
2016 - Alerta dólar, crise financeira,
petróleo, bancos... Grande recuo
estratégico mundial perante o «hard
landing» iminente

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os tecnocratas

Os tecnocratas de Bruxelas estão subordinados aos políticos do bloco das alianças da direita  europeia. 
Os tecnocratas são falsos tecnocratas. Os reais tecnocratas são meninos que saíram de eméritas escolas e que elaboram e vigiam estatísticas em gabinetes engaiolados em Bruxelas e que ganham balúrdios.
Os políticos que são maioria no parlamento europeu e dominam a comissão europeia não querem contágios da Grécia a Portugal, de Portugal a Espanha, de Espanha a Itália.
O grande capital financeiro dispõe nos seus bunkers de um telefone vermelho.
O resto é treta.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O capitalismo pode sobreviver à democracia? | Uma homenagem a Ellen Wood

ellen wood boitempo[Ellen Meiksins Wood (1942-2016), autora de Democracia contra o capitalismo e O império do capital]
O pensamento marxista perdeu, em pouco tempo, dois de seus maiores expoentes contemporâneos – Benedict Anderson e Ellen Meiksins Wood. Benedict, irmão de Perry Anderson, foi um dos maiores especialistas nos nacionalismos atuais, tendo seu livro Comunidades imaginadas como uma das leituras indispensáveis sobre o tema. Ellen foi uma das mais importantes pensadoras marxistas do século XX, e seu livro Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico se constituiu como um marco do pensamento político.
Como forma de homenageá-la, retomo aqui o texto de uma conferencia que preparei, centrado nesse livro dela, sobre o tema das diferenças entre a democracia antiga e a moderna.
* * *
Na ruptura radical entre o capitalismo moderno e a democracia ateniense se situa tanto a eliminação a escravidão, como também a forma do trabalho livre perder grande parte do status político e cultural que tinha na democracia grega. Assim, paradoxalmente, a passagem das antigas sociedades escravistas para o capitalismo liberal moderno acabou sendo marcado – apesar do fim da escravidão –, pelo declínio do status do trabalho.
Ficou sempre em aberto a questão de como conviviam a escravidão e a democracia, tendendo a repousar as explicações no fato de que esta seria uma “democracia de fachada”, esvaziada, “restrita” aos homens livres. Deixava-se assim de captar a força da democracia grega e, ao mesmo tempo, não se considerava o peso do trabalho livre na Grécia Antiga. A escravidão representa, obviamente, o desprezo geral pelo trabalho, permitindo que se desvinculasse totalmente a forma de apropriação do excedente, das formas de organização política, já que escravidão e democracia seriam incompatíveis.
Mas “a condição desfrutada pelo trabalho livre na democracia de Atenas não tem precedentes e, sob muitos aspectos, permaneceu inigualável desde então”. A maioria dos cidadãos atenienses trabalhava para viver. Quando se separa a historia política e cultural grega de toda raiz social, a escravidão fica no centro do palco como o grande fato determinante:
“Os historiadores geralmente concordam que a maioria dos cidadãos atenienses trabalhava para viver. Ainda assim, depois de colocar o cidadão trabalhador ao lado do escravo na vida produtiva da democracia, eles não se interessaram pelas consequências dessa formação única, desse trabalhador livre e desse status político sem precedentes. Onde existe a tentativa de estabelecer ligações entre as fundações materiais da sociedade ateniense e sua política ou cultura (e a tendência dominante é ainda a de separar a história política e cultural grega de toda raiz social), é a escravidão que fica no centro do palco como o grande fato determinante.” (Democracia contra o capitalismo, p.162)
Nas sociedades pré-capitalistas, em que os camponeses eram a principal classe produtora, a apropriação assumia a forma da apropriação de vários mecanismos de dependência política e jurídica, por coação direta – por meio da dívida, da escravidão, de relações tributarias, impostos, corveia, etc.
Na Grécia surgiu uma nova forma de organização que uniu proprietários e camponeses, numa unidade cívica e militar. A ideia de uma comunidade cívica e de cidadania, como algo diferente de um aparelho estatal, era característica da Grécia e de Roma, indicando uma relação inteiramente nova entre apropriadores e produtores. O cidadão camponês era um tipo social especifico das cidades-Estado gregas e romanas e representou uma ruptura radical com todas as outras civilizações avançadas conhecidas no mundo antigo.
“A pólis grega quebrou o padrão geral das sociedades estratificadas de divisão entre governantes e produtores […] Na comunidade cívica, a participação do produtor […] significava um grau sem paralelos de liberdade dos modos tradicionais de exploração, tanto na forma de obrigação por dívida ou de servidão quanto na de impostos.” (p.163)
“Em nenhum outro lugar o padrão típico de divisão entre governantes e produtores foi quebrado de forma tão completa quanto na democracia ateniense […] Embora os conflitos políticos entre democratas e oligarcas em Atenas nunca tenham coincidido exatamente com uma divisão entre classes apropriadoras e classes e produtoras permaneceu uma tensão entre cidadãos que tinha interesses na restauração do monopólio aristocrático da condição política e os que resistiam a ela, uma divisão entre cidadãos para quem o Estado deveria servir como meio de apropriação e cidadãos para quem ele deveria servir como proteção contra a exploração.” (p.164-5)
Que a importância do trabalho livre na Grécia Antiga tenha se perdido na sombra da escravidão, pela historiografia moderna, isso diz mais sobre a política da Europa moderna do que sobre a democracia ateniense.
A historiografia conservadora advertia sobre “os perigos da democracia” (no momento da Revolução Francesa). A escravidão e os pagamentos públicos são considerados fontes de corrupção da democracia, acostumando a multidão à “indolência” e dando a ela o lazer de participar da política, “ao passo que nos países em que a servidão não existia, os cidadãos, obrigados a trabalhar para garantir a própria sobrevivência, não tinham tanta disponibilidade para se empregar nos negócios do governo […] a falta de ocupação o tornava indolente. Como via apenas escravos a trabalhar, ele desprezava o trabalho”.
A questão não era o fato os atenienses não trabalharem o suficiente mas, acima de tudo, o fato de não servirem. “Sua independência e o lazer que desfrutavam para poder participar da política foram a causa da condenação da democracia grega. […] a participação da multidão era um mal em si mesmo […] Na ausência das formas tradicionais de controle político, se fazia necessária uma espécie de disciplina econômica tornada possível [pela sociedade capitalista]. […] faltava o Estado e a economia burguesa modernos. […] a independência do cidadão trabalhador foi consistentemente traduzida como indolência da ralé ociosa, e com ela veio a predominância da escravidão.”
Para Hegel, a condição básica da política democrática eram os cidadãos serem liberados a necessidade do trabalho. Essa leitura serviu, para que a historiografia conservadora, sem nenhum interesse em enfatizar a multidão trabalhadora na democracia ateniense, legitimasse seu descrédito da massa democrática.
A transição da multidão mecânica para a ralé ociosa ocorreu no século XVIII, especialmente na Inglaterra. Wood cita E. P. Thompson:
“O século XVIII testemunhou uma mudança qualitativa nas relações de trabalho. Uma proporção substancial da força de trabalho ficou realmente mais livre da disciplina do trabalho diário, mais livre para escolher entre empregadores e entre trabalho e lazer, menos presa a uma posição de dependência em todo o seu modo de vida do que havia sido antes ou do que viria a ser nas primeiras décadas da disciplina das fabricas e do relógio. Trabalhando geralmente em suas próprias casas, possuindo ou alugando suas próprias ferramentas, trabalhando para pequenos empregadores, muitas vezes em horas irregulares em mais de um emprego, eles conseguiram fugir dos controles sociais da casa senhorial e ainda não estavam sujeitos à disciplina do trabalho na fábrica. O trabalho livre trouxe consigo um enfraquecimento dos velhos meios de disciplina social.” (THOMPSON, E. P. Customs in Common, Londres, 1991, p. 38-42.)
Os trabalhadores pobres da Inglaterra, desprezando a “grande lei da subordinação” e a tradicional deferência do servo para com o senhor, alternavam-se entre “o clamor e o motim”, “amadurecendo para toa espécie de maus atos, seja a insurreição publica, ou o saque privado, e, “insolentes, preguiçosos, ociosos e devassos […] eles trabalham apenas dois ou três dias da semana.”
É necessário destacar as diferenças fundamentais entre a condição do trabalho na antiga democracia ateniense das condições de trabalho no capitalismo moderno.
“Na democracia capitalista moderna, a desigualdade e a exploração socioeconômica coexistem com a liberdade e a igualdade cívicas. […] O poder do capitalista de se apropriar da mais-valia dos trabalhadores não depende de privilégio jurídico nem de condição cívica, mas do fato de os trabalhadores não possuírem propriedade, o que os obriga a trocar sua força de trabalho por um salario para ter acesso aos meios de trabalho e de subsistência. Os trabalhadores estão sujeitos tanto ao poder o capital quanto aos imperativos da competição e da maximização dos lucros.” (Democracia contra o capitalismo, p.173)
O direito de cidadania não é determinado pela posição socioeconômica, e a igualdade cívica, por sua vez, não afeta diretamente a desigualdade de classe e a democracia formal deixa fundamentalmente intacta a exploração de classe. Assim o capitalismo coexiste com a democracia formal.
A cidadania democrática em Atenas significava que os pequenos produtores diretos estavam livres de extorsões extra-econômicas às quais os produtores diretos nas sociedades pré-capitalistas sempre foram submetidos. A igualdade política não somente coexistia com a desigualdade sócio-economica, mas também a modificava substancialmente – a democracia era mais substantiva do que formal. Na Grécia Antiga a cidadania tinha profundas consequências para camponeses e artesãos. Somente no capitalismo tornou-se possível deixar fundamentalmente intactas as relações e propriedade entre capital e trabalho, enquanto se permitia a democratização dos direitos políticos e civis.
Mas poderia o capitalismo sobreviver à democracia?
Para que isto acontecesse, a antiga ideia grega foi derrotada por uma concepção completamente nova da democracia. O momento critico dessa redefinição foi a fundação dos Estados Unidos. Os direitos políticos no capitalismo deixaram de ter a importância que tinha a cidadania na democracia grega. A democracia passou a ficar confinada a uma esfera “política” – em que aparentemente residiria o poder – formalmente separada, enquanto a economia seguia suas regras próprias. Se já não era possível reduzir a quantidade de cidadãos, então se passou a restringir o alcance da cidadania, esvaziando-a de poder real.
O antigo conceito de democracia surgiu de uma experiência histórica que conferiu status cívico único às classes subordinadas, criando, principalmente, aquela figura sem precedentes, o cidadão-camponês. O modelo moderno vem basicamente da experiência anglo-americana (estadunidense), de que ha variantes alemã, francesa e inglesa. O modelo moderno representa basicamente a ascensao das classes proprietárias (burguesas). Não se trata de camponeses que se libertam da opressão de seus senhores, mas da afirmação dos novos grandes proprietários de sua independência em relação à monarquia. Esta é a origem dos princípios constitucionais modernos, das ideias de governo limitado, da separação de poderes, como critérios centrais da democracia.
Se a cidadania é o conceito constitutivo da democracia antiga, o princípio fundamental da democracia moderna é o senhorio. O cidadão ateniense afirmava não ter senhor, não ser escravo de nenhum homem mortal.
A Magna Carta (de 1688), ao contrario, foi um documento não da cidadania livre, mas dos próprios senhores que afirmaram privilégios feudais e a liberdade da aristocracia tanto contra a Coroa quanto contra a multidão popular: a liberdade de 1688 representou o privilegio dos senhores proprietários de dispor como quisessem de sua propriedade e de seus servos.
A afirmação do privilégio aristocrático contra a invasão das monarquias produziu a tradição da “soberania popular”, de que deriva a concepção moderna de democracia: o povo passou a ser um estrato restrito da população, que constituía a nação política situada entre a monarquia e a multidão. Enquanto a democracia grega teve o efeito de quebrar oposição entre governantes e produtores, ao transformar camponeses em cidadãos, a divisão entre proprietários governantes e súditos camponeses foi a condição constitutiva da “soberania popular”, no começo da Europa moderna. Trata-se do surgimento de uma nova espécie de poder “limitado” do Estado, a fonte do que seriam chamados de princípios democráticos, como o constitucionalismo, a representação e as liberdades civis. A “nação política” que emergiu e manteve a subordinação política das classes produtoras.
Na Inglaterra, a anuência do Parlamento passou a representar a anuência de todos. Um homem era considerado presente no Parlamento, mesmo se não tivesse o direito de eleger o seu representante. Uma minoria de proprietários tinha o direito de representar toda a população. O Parlamento é soberano, mas o povo não. A doutrina da soberania parlamentar atua contra o poder popular. Só existe política no Parlamento atrelada a uma crescente concentração do poder no Parlamento e especialmente no executivo.
A cidadania ativa seria reservada aos homens proprietários e deveria excluir não apenas as mulheres (consideradas seres “de carne”, não “de razão”), mas também os homens que não tivessem “com que viver por si só” – ou seja, aqueles cuja sobrevivência depende do trabalho prestado a outros. Divisão, portanto, entre uma elite proprietária e uma multidão trabalhadora.
Ao deslocar o centro do poder para a propriedade, o capitalismo tornou menos importante o status cívico, pois os benefícios do privilegio político deram lugar à vantagem puramente “econômica”, o que tornou possível uma nova forma de democracia (Que todos participem das decisões, porque o poder está em outro lugar).
Por isso, foi necessário apresentar as relações entre capital e trabalho como relações entre indivíduos iguais e livres, sem direitos e obrigações normativas, privilégios ou restrições jurídicas.
O surgimento do “individuo” – soberania individual – teve um preço pago pela multidão trabalhadora, tendo que se desfazer seus laços da comunidade do trabalho, para ingressar como indivíduo ao sistema politico. Foi na forma de um agregado de indivíduos isolados, sem propriedade e vínculos comunitários, que a “multidão trabalhadora” entrou para a comunidade de cidadãos. O pressuposto histórico de sua cidadania foi a desvalorização da esfera pública, e a consolidação de uma nova relação entre o econômico e o político, com os poderes transferidos para aquela esfera da propriedade privada e do mercado, em que a vantagem puramente econômica assume o lugar do privilégio e do monopólio jurídico do mundo pre-capitalista. A desvalorização da cidadania é atributo essencial da democracia moderna. Daí a tendência da doutrina liberal de representar os desenvolvimentos históricos que produziram a cidadania formal com a ênfase na liberdade do individuo – a liberação do individuo de um Estado arbitrário.
Na Atenas democrática, cidadania significava que os pequenos produtores, em particular os camponeses, eram, em grande parte livres da exploração “extra-econômica”. As liberdades política e econômica eram inseparáveis. Na democracia capitalista a posição sócio-econômica não determina o direito à cidadania (todos são iguais diante da lei e ai começa a desigualdade, segundo Marx) – e a isso se resume o significado do “democrático” na democracia capitalista. A igualdade jurídica nem modifica significativamente a desigualdade de classe – e é isso o que limita a democracia no capitalismo. A igualdade política na democracia capitalista coexiste com a desigualdade sócio-econômica e a deixa fundamentalmente intacta.

Emir Sader, in Blog da BoiTempo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Serge Latouche

Serge Latouche, o precursor da teoria do decrescimento, defende uma sociedade que produza menos e consuma menos

Era o ano 2001, quando ao economista Serge Latouche coube moderar um debate organizado pela UNESCO. Na mesa, à sua esquerda, lembra, estava sentado o ativista antiglobalização José Bové; e um pouco além, o pensador austríaco Ivan Illich. Naquele momento, Latouche já havia tido a oportunidade de comprovar em campo, no continente africano, os efeitos que a ocidentalização produzia sobre o chamado Terceiro Mundo.
A reportagem é publicada no sítio Redes Cristianas, 31-08-2013. A tradução é do Cepat.
Naqueles anos, o que estava em moda era falar de desenvolvimento sustentável. Entretanto, para os que discordavam deste conceito, o que o desenvolvimento conseguia era tudo, menos a sustentabilidade.
Foi nesse colóquio que a teoria do decrescimento começou a alçar voo. Um conceito que um grupo de mentes com inquietudes ecológicas resgataram do título de uma coleção de ensaios do matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen. A palavra decrescimento foi escolhida para provocar. Para despertar as consciências. “Era preciso sair da religião do crescimento”, diz o professor Latouche...
Foi assim que nasceu esta linha de pensamento... Um movimento que poderia se enquadrar dentro de certo tipo de ecossocialismo para bradar contra a cultura do usar e jogar, da obsolescência programada, o crédito sem tom, nem som e os atropelos que ameaçam o futuro do planeta.
Estamos imersos em plena crise. Para onde você acredita que o mundo caminha?
“Atualmente, a crise que estamos vivendo vem se somar com muitas outras, e todas se misturam. Já não se trata de uma crise econômica e financeira, mas é uma crise ecológica, social, cultural..., ou seja, uma crise de civilização. Alguns falam de crise antropológica...”.
É uma crise do capitalismo?
“Sim. O capitalismo sempre esteve em crise. É um sistema cujo equilíbrio é como o do ciclista, que nunca pode deixar de pedalar, caso contrário, cai no chão. O capitalismo sempre deve estar em crescimento, caso contrário é a catástrofe. Há trinta anos não há crescimento, desde a primeira crise do petróleo; desde então, temos pedalado no vazio. Não houve um crescimento real, mas um crescimento da especulação imobiliária, das bolsas. E agora esse crescimento também está em crise”.
Latouche defende uma sociedade que produza menos e consuma menos. Sustenta que é a única maneira de frear a destruição do meio ambiente, que ameaça seriamente o futuro da humanidade. “É preciso uma revolução. Porém, isso não quer dizer que haja que massacrar e apertar as pessoas. É preciso uma mudança radical de orientação”. Em seu último livro, “A sociedade da abundância frugal”, editado por Icaria, explica que é necessário almejar uma melhor qualidade de vida e não um crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto. Não se trata de defender o crescimento negativo, mas um reordenamento de prioridades. A aposta no decrescimento é a aposta na saída da sociedade de consumo.
E como seria um Estado que apostasse no decrescimento?
“O decrescimento não é uma alternativa, mas uma matriz de alternativa. Não é um programa. E seria muito diferente a forma de construir a sociedade no Texas ou em Chiapas”.
Entretanto, em seu livro, você explica algumas medidas concretas, como os impostos sobre os consumos excessivos ou a limitação dos créditos que são concedidos. Também diz que é preciso trabalhar menos. É necessário trabalhar menos?
“É preciso trabalhar menos para ganhar mais, porque quanto mais se trabalha, menos se recebe. É a lei do mercado. Se você trabalha mais, aumenta a oferta de trabalho, e como a demanda não aumenta, os salários baixam. Quanto mais se trabalha, mais se provoca a baixa dos salários. É necessário trabalhar menos horas para que todos trabalhem, mas, sobretudo, trabalhar menos para viver melhor. Isto é mais importante e mais subversivo. Temos ficado doentes, toxicodependentes do trabalho. E o que as pessoas fazem quando lhes reduzem o tempo de trabalho? Assistem televisão. A televisão é o veneno por excelência, o veículo para a colonização do imaginário”.
Trabalhar menos ajudaria a reduzir o desemprego?
“É claro. É necessário reduzir as horas de trabalho e relocalizá-lo. É preciso fazer uma reconversão ecológica da agricultura, por exemplo. É necessário passar da agricultura produtivista à agricultura ecológica campesina”.
Dirão que isto significaria voltar na História...
“Nada. De qualquer modo, não haveria razão para ser obrigatoriamente algo ruim. Não é uma volta ao passado, já que há pessoas que fazem permacultura e isso não tem nada a ver com a forma como era a agricultura de outrora. Este tipo de agricultura requer muita mão de obra, e se trata justamente disso, de encontrar empregos para as pessoas. É necessário comer melhor, consumir produtos sadios e respeitar os ciclos naturais. Para tudo isso é preciso uma mudança de mentalidade. Caso se consiga os apoios suficientes, medidas concretas poderão ser tomadas para provocar uma mudança”.
Você disse que a teoria do decrescimento não é tecnófoba, mas ao mesmo tempo propõe uma moratória das inovações tecnológicas. Como essas coisas casam?
Isto foi um mal-entendido. Queremos uma moratória, uma reavaliação para ver com quais inovações é preciso prosseguir e quais outras não possuem grande interesse. Hoje em dia, importantes linhas de pesquisa são abandonadas, como as de biologia do solo, porque não possuem uma saída econômica. É necessário escolher. E quem escolhe? As empresas multinacionais”.
Latouche considera que as democracias, na atualidade, estão ameaçadas pelo poder dos mercados. “Já não possuímos democracia”, proclama... “Estamos dominados pela oligarquia econômica e financeira que tem a seu serviço toda uma série de funcionários que são os chefes de Estado dos países”. E sustenta que a prova mais óbvia está no que a Europa fez com a Grécia, submetendo-a a estritos programas de austeridade. “Eu sou europeísta convencido, teria que se construir uma Europa, mas não assim. Teríamos que ter construído, primeiro, uma Europa cultural e política, e ao final, um par de séculos mais tarde, adotar uma moeda única”.
Latouche sustenta que a Grécia deveria declarar a suspensão dos pagamentos, como as empresas fazem. “Na Espanha, o rei Carlos V quebrou duas vezes e o país não morreu, pelo contrário. Com a Argentina isto aconteceu após a ruína do peso. O presidente da Islândia, e isto não foi dito de forma suficiente, disse no ano passado, em Davos, que a solução para a crise é fácil: anula-se a dívida e, em seguida, a recuperação vem muito rápido”.
E essa também seria uma solução para outros países, como a Espanha?
“É a solução para todos, e acabará sendo realizada, não há outra. Faz-se de conta que está se tentando pagar a dívida, esmagando as populações, e é dito que deste modo são liberados os excedentes que permitem resolver a dívida, mas, na realidade, entra-se no círculo infernal, no qual cada vez é preciso liberar mais excedentes. A oligarquia financeira tenta prolongar sua vida o máximo tempo possível, é fácil de compreender, mas é em detrimento do povo”.

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.