Publicado por Next Recession em 21 de Junho de 2025 (original aqui)
Enquanto
Israel e o Irão alternam troca de ataques de mísseis depois de Israel
ter lançado uma grande ofensiva na semana passada, o Presidente dos EUA,
Trump, propôs um intervalo de duas semanas para negociar um acordo de
'rendição' com o Irão ou juntar-se ao ataque ao Irão com o seu próprio
bombardeamento. O povo iraniano está a sofrer fortemente com os
bombardeamentos, mas isso só acrescenta outra dimensão horrível à crise
económica no próprio Irão e ao longo sofrimento do seu povo.
O
desempenho económico do Irão nas últimas duas décadas revela um padrão
persistente de declínio. De acordo com o relatório World Economic
Outlook publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro de
2024, o Produto Interno Bruto (PIB) nominal do Irão foi estimado em
aproximadamente 434 mil milhões de dólares. Dada uma população de quase
90 milhões, a renda per capita é muito baixa, a 117ª no mundo.
A
inflação anual é actualmente de cerca de 40%, com o aumento dos preços
dos alimentos e a escassez de necessidades básicas. Aproximadamente 33%
dos iranianos vivem abaixo da linha oficial da pobreza. A taxa de
desemprego dos jovens é de cerca de 20%, com metade dos homens com
idades compreendidas entre os 25 e os 40 anos desempregados e sem
procura activa de trabalho.
Nas últimas duas décadas, uma das questões estruturais mais prementes
que o Irão enfrenta tem sido a sua incapacidade de gerar oportunidades
de emprego suficientes, apesar de uma população jovem e crescente.
Milhões de diplomados universitários continuam excluídos da mão-de-obra,
uma vez que não há trabalho.
No
último ano, num país com uma riqueza de reservas de combustíveis
fósseis, o país enfrentou uma grave crise energética, com um défice de
electricidade de 50% da sua capacidade de produção total, resultando em perdas
de produção estimadas em 30-40%. O esgotamento dos recursos hídricos
fez com que os principais reservatórios de barragens que abastecem
Teerão atingissem níveis criticamente baixos, com apenas 7% da
capacidade total.
Como
é que a economia iraniana foi reduzida a níveis tão baixos num país com
muitos recursos naturais e uma mão-de-obra relativamente instruída? A
resposta é dupla: primeiro é o resultado dos fracassos de sucessivos
regimes corruptos, começando com o golpe da CIA de 1953 contra o
primeiro-ministro eleito do Irão, Mohammad Mossadegh, para instalar a
dinastia Pahlavi pró-imperialista sob o Xá, que governou como monarca
absoluto durante duas décadas; e depois a Revolução Iraniana de 1979
instalou uma autocracia clerical apoiada por uma elite militar que
possui e controla grandes sectores da economia.
A
segunda razão são os esforços intermináveis das potências imperialistas
que governavam a Pérsia, determinadas a enfraquecer e estrangular o
desenvolvimento económico independente, primeiro através do golpe de
1953 e depois com sanções maciças às exportações iranianas e o bloqueio
de qualquer investimento e tecnologia estrangeiros. Usando a desculpa do
financiamento e apoio dos mulás às forças de guerrilha religiosas como o
Hamas na Palestina e o Hezbollah no Líbano, e ao Governo alauita
pró-xiita de Assad (agora derrubado) na Síria, as potências ocidentais
fizeram tudo o que podiam para enfraquecer e destruir os padrões de vida
do povo iraniano. A perda de receitas devido às sanções é estimada em
12 milhões de milhões de dólares acumulados ao longo dos últimos 12 anos
de sanções. Agora, Israel e o Ocidente procuram destruir o governo, as
cidades e as infra-estruturas do país e instalar uma 'mudança de
regime'.
O irão é um Estado capitalista falido por causa disso. Com 10% das reservas mundiais comprovadas de petróleo e 15% das suas reservas de gás, o Irão podia ser uma "superpotência energética"
como a Arábia Saudita (não que esta seja a solução para o
desenvolvimento económico do Irão num mundo onde a produção de
combustíveis fósseis precisa de ser eliminada gradualmente). Mas porque
tem um regime no poder que é um anátema para Israel, os xeques sunitas e
o Ocidente, não lhe foi permitido que se desenvolvesse. O fracasso de
ambos os regimes sob o Xá e depois sob os mulás é revelado pelo
movimento na rentabilidade do capital iraniano ao longo das décadas. A
crise económica global da década de 1970 viu uma queda acentuada na
rentabilidade, estabelecendo a base económica para o fracasso da
dinastia Pahlavi e o seu derrube.
Fonte: EPWT 7.0 series
No entanto, os mulás foram incapazes de mudar as coisas até ao surto do preço do petróleo no final dos anos 1990.
Este boom das matérias-primas chegou ao fim na década de 2010 e a rentabilidade caiu novamente.
A
economia iraniana expandiu-se de um nível muito baixo na idade de ouro
do crescimento na década de 1960, mas depois no final da década de 1970 a
economia afundou sob o Xá. Não foi melhor durante o tumultuoso período
da década de 1980 sob os mulás, quando os baixos preços do petróleo se
estabeleceram. O crescimento aumentou um pouco nos anos 2000, à medida
que os preços do petróleo subiram. Mas desde 2010, com preços mais
baixos do petróleo e aumento das sanções, tem havido estagnação.
Fonte: EPWT 7.0 series
Os
rendimentos do petróleo representam cerca de 18% do PIB e o sector dos
hidrocarbonetos fornece 60% das receitas do governo e 80% do valor anual
total das exportações e das receitas em moeda estrangeira. Portanto,
tudo depende do preço do petróleo: uma alteração de 1 dólar no preço do
petróleo bruto no mercado internacional altera as receitas petrolíferas
do Irão em 1 milhar de milhões de dólares. Apesar das sanções e da falta
de investimento, o Irão consegue exportar cerca de 1,5 milhões de
barris de petróleo bruto por dia e outros 1 milhão por dia em produtos
petrolíferos.
Mas
essas receitas são sugadas pelas exigências dos mulás e dos militares.
Os orçamentos combinados das grandes fundações religiosas chamadas bonyads representam 30% do total dos gastos do governo. O corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) controla cerca de um terço da economia iraniana
através de subsidiárias e fundos fiduciários. O IRGC tem mais de cem
empresas com receitas anuais de 12 mil milhões de dólares. Recebe a
maior parte dos grandes projectos de infra-estruturas. Em 2024, o IRGC
recebeu 12 mil milhões de dólares, ou 51% de todas as receitas de
petróleo e gás.
O
Irão foi forçado a gastar muito com as forças armadas, em parte para
defender o regime do Ocidente e de Israel, mas também em parte para
sustentar a elite militar que mantém os mulás no poder. O mais
dispendioso dos gastos de defesa do Irão é o seu programa nuclear.,
aproximando-se de um total de 500 mil milhões de dólares que poderiam
ter sido gastos de forma produtiva em tecnologia e no aumento dos
rendimentos salariais. Como resultado do seu programa nuclear, destinado
a dissuadir os ataques de Israel e do Ocidente, as sanções levaram ao
desaparecimento do investimento estrangeiro interno para ajudar a
desenvolver a economia.
O
governo ziguezagueou entre o controlo dirigido pelo estado e a
liberalização pró-mercado em esforços desesperados para impulsionar os
sectores produtivos. Em 2005, os activos públicos foram estimados em 120
mil milhões de dólares. Mas, desde então, metade desses ativos foi
privatizada. O resultado é que a economia é drenada pelos mulás e pela
elite militar, enquanto há pouco ou nenhum investimento por parte dos
sectores capitalistas.
O ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad
diz que 60% da riqueza nacional é controlada por apenas 300 pessoas, a
maioria das quais transfere a sua riqueza para o exterior para comprar
imóveis estrangeiros e/ou pôr de lado em contas secretas. De acordo com o
World Inequality Database, o 1% superior dos iranianos por riqueza
possui 30% de toda a riqueza nacional e os 10% superiores possuem quase
dois terços, enquanto os 50% inferiores possuem apenas 3,5%.
As
privatizações e as desigualdades de riqueza produziram uma elite
dominante que está dividida entre os fundamentalistas religiosos
apoiados pelos militares e uma facção empresarial que procura acomodação
com o Ocidente. Estes últimos 'reformistas' são pró-mercado e querem
que as sanções sejam levantadas independentemente das concessões ao
Ocidente. Se os mulás caírem, eles serão rápidos a juntar-se ao campo
imperialista e buscar a paz com Israel nos termos deste último, tal como
os xeques árabes fizeram.
Nenhuma
das alas da elite está interessada em melhorar as condições da classe
trabalhadora iraniana. O salário médio de um trabalhador é de cerca de
150-200 dólares por mês, com muitos deixando as pequenas cidades onde
reina a pobreza, procurando trabalho nas grandes cidades. A realidade é
que os rendimentos médios quase não se alteraram desde a década de 1980.
Fonte: WID
Antes
do dilúvio da guerra, a agitação laboral vinha a aumentar à medida que
os trabalhadores exigiam salários mais altos para acompanhar a inflação.
O Conselho Superior do Trabalho propôs recentemente um valor de
referência de 23,4 milhões de tomans de salários mínimos, mas os trabalhadores argumentaram que o custo de vida real é de pelo menos 29 milhões de tomans [n.t. cerca de 252,59 euros]. O salário mínimo proposto pelo governo de 14 milhões de tomans [n.t. cerca de 121,94 euros] provocou indignação, uma vez que está muito abaixo da linha da pobreza. De acordo com a Agência Estatal de notícias ILNA, uma petição exigindo um aumento salarial de 70% recebeu mais de 25.000 assinaturas de trabalhadores. Ali Moqaddasi-Zadeh, chefe dos Conselhos Trabalhistas Islâmicos em Khorasan do Sul, alertou em fevereiro passado: "com
uma estimativa de custo de vida de 23 milhões de homens, os
trabalhadores serão forçados a viver em favelas e sem-abrigo. O próximo
ano será de inflação extrema e dificuldades, a menos que o governo tome
medidas.”
A
crise da habitação agrava ainda mais o problema, com 45% dos
rendimentos das famílias gastos em rendas. Os trabalhadores relatam que
mesmo alugar um quarto individual está a tornar-se inacessível. Com a
aceleração da inflação, mesmo os alimentos básicos não podem ser pagos. O
custo das aves de capoeira forçou os cidadãos a longas filas para
comprar frango a preços acessíveis em muitas cidades. A inflação
alimentar do Irão subiu para mais de 35%. Os media controlados pelo
Estado relataram longas filas de pão nas grandes cidades, uma
reminiscência do racionamento em tempo de guerra. Muitas padarias foram
forçadas a fechar devido ao aumento dos custos de farinha e
ingredientes.
No
primeiro semestre deste ano, a economia iraniana continuou a estagnar
com um sector energético em dificuldades, uma rápida depreciação da
moeda nacional e uma taxa de inflação superior a 40%, provocando uma
grave diminuição do poder de compra.
Fonte: Banco Mundial
E agora vieram as bombas e os bombardeamentos.
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O autor: Michael Roberts
[1938-], economista britânico marxista. Trabalhou durante mais de 30
anos como analista económico na City de Londres. É editor do blog The
next recession. Publicou, entre outros ensaios, Marx200: a Review of Marx’s economics 200 years after his birth (2018), The long Depression: Marxism and The Global Crisis of Capitalism (2016), The Great recession: a Marxist view (2009).
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