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segunda-feira, 8 de março de 2021

 


Novo artigo em LavraPalavra

Angela Davis por um feminismo verdadeiramente marxista

por LavraPalavra

Nascida e criada no sul dos Estados Unidos - onde por muito tempo ser escravagista era sinônimo de orgulho - Angela Davis fez seu nome não só por ter desafiado a ordem vigente, mas por ter corrido pelo certo.

Como se não bastasse a polícia de Nixon que a caracterizava como uma “negra alta com espaço entre os dentes”, Davis ainda teria que enfrentar, durante a década de 1980, a violenta administração neoliberal de Ronald Reagan. 

Recheada de políticas anticomunismo, a administração Reagan aboliu programas para melhorar as condições da população pobre estadunidense, a juventude de minorias étnicas se viu ainda mais longe de uma educação de qualidade, os índices de pobreza, mortalidade infantil e vício em drogas cresceram vertiginosamente. 

Davis sabia da importância de denunciar a opressão de gênero - principalmente a que recaia sobre as mulheres negras e da classe trabalhadora - mas ela também sabia que a opressão de classe se fazia ainda mais cruel e que sem a abolição das instituições capitalistas seria inviável sua superação. 

Ao denunciar o racismo e o desdém presentes em alguns movimentos de mulheres que têm estratégias de luta baseadas unicamente na condição específica das mulheres brancas da burguesia, Davis, assim como Mirla Cisne, evidencia que a falta de moradia, a reivindicação por melhores salários, a urgência da reforma agrária, o desmonte da saúde pública e o descaso com a juventude pobre são a luta das mulheres. 

37 anos antes do nascimento de Davis, Clara Zetkin já discursava sobre a necessidade das trabalhadoras se unirem a seus maridos e filhos a fim de travar uma batalha comum contra a classe capitalista. Subjugada pelo trabalho doméstico e vista como força de trabalho barata, a mulher deveria compreender a interligação entre opressão sexista, opressão racista e exploração de classe, partindo para a conclusão de que feminismo e socialismo possuem uma compatibilidade incontestável. 

Assim como no século XX muito se acreditava no que a própria Davis chama de “uma Grande Irmã Branca Salvadora”, hoje encontramos movimentos feministas que propagam frases pomposas de igualdade e liberdade, em que o sexo oposto é visto como o inimigo maior, enquanto se esquecem de incorporar a perspectiva de gênero à condição material. 

A democracia burguesa não realizará o feminismo pleno e nossas supostas irmãs reacionárias não nos darão a mão para contemplar a revolução. 

Encerro assim dizendo, de uma vez por todas: a emancipação das mulheres e a emancipação da classe trabalhadora são uma só. Uma sociedade socialista é incompatível com qualquer tipo de opressão.

LavraPalavra | 8 de Março de 2021 às 11:00 | URL: https://lavrapalavra.com/?p=17407

domingo, 7 de março de 2021

8 de Março

 

Silvia Federici: A exploração das mulheres e o desenvolvimento do capitalismo

Por Jodi Dean, via Liberation School, traduzido por Debora Cunha

Calibã e a bruxa, de Sílvia Federici, é uma obra clássica do feminismo anticapitalista. O livro examina o investimento do capitalismo no sexismo e no racismo, mostrando como a consolidação do sistema capitalista dependia da subjugação das mulheres, da escravidão dos negros e indígenas e da exploração das colônias. Federici demonstra que o trabalho não remunerado – especialmente o das mulheres confinadas ao ambiente doméstico e dos trabalhadores escravizados – é um suporte necessário ao trabalho assalariado.

Embora Federici parta de Marx – a principal contribuição de seu livro é o seu repensar da representação de Marx da acumulação primitiva – ela ainda assim rejeita a ideia marxista-leninista de que o capitalismo tem algumas características progressistas. Federici insiste que nunca houve nada de libertador no capitalismo, nem em sua expansão da indústria e da produtividade, nem em sua tecnologia, nem em suas capacidades de centralização e organização. Olhar a história da perspectiva das mulheres, afirma ela, nos diz o porquê. Em vez de estar ligada de alguma forma às dinâmicas desencadeadas pelo capitalismo, a libertação surge da luta e da resistência autônomas a essas dinâmicas. Este artigo interroga essas afirmações, questiona até que ponto Federici se afasta, critica ou constrói o marxismo e considera as implicações políticas que decorrem.

A favor ou contra Marx?

Federici apresenta sua análise como um afastamento crítico de Marx, como uma correção de algumas de suas omissões mais graves. Ela acusa Marx de ignorar o surgimento de uma ordem patriarcal que excluía as mulheres do trabalho assalariado e as subordinava aos homens. Ela sugere que o marxismo falhou em considerar o papel das mulheres na reprodução da força de trabalho e negligenciou a transformação do corpo feminino em “uma máquina para a produção de novos trabalhadores” [1]. E ela argumenta que, se Marx tivesse tomado a perspectiva das mulheres, ele nunca teria associado o capitalismo a um passo em direção à libertação porque ele teria visto que as mulheres nunca alcançaram os avanços em liberdade que os homens fizeram.

A análise de Federici teria sido mais forte se ela reconhecesse que estava estendendo, não se afastando de, o trabalho marxista clássico sobre a “questão da mulher”. Já em A Origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels apresenta o fator determinante da história como a “produção e reprodução da vida imediata” [2]. Ele inicia seu estudo apontando que o materialismo histórico parte da suposição de que a produção dos meios de existência e a produção do ser humano – a organização do trabalho e a organização da família – estabelecem o nível de desenvolvimento de uma sociedade. Atento às interconexões entre reprodução e produção, Engels associa o surgimento da propriedade privada e do valor de troca à “derrota histórica mundial do sexo feminino” [3]. Os homens reivindicam propriedades em rebanhos, armas e instrumentos de trabalho. Eles insistem na herança e autoridade paternas, afirmando o controle sobre o lar. A subordinação resultante das mulheres na família patriarcal e depois na família monogâmica, explica Engels, reduziu-as à servidão: a mulher tornou-se escrava do homem, de sua “luxúria e um mero instrumento para a produção de filhos” [4]. A apresentação de Federici do corpo feminino como uma máquina para a produção de novos trabalhadores é, portanto, um entendimento que Engels teve um século antes.

Engels vê a família monogâmica como uma unidade econômica, o local da primeira divisão do trabalho, da primeira oposição de classe e da primeira opressão de classe. A monogamia está ancorada na propriedade privada, em um sistema em que os homens podem ganhar, possuir e herdar e as mulheres não. A esposa é uma serva; seu trabalho está confinado à família privada. Engels enfatiza que “a família individual moderna é fundada na escravidão doméstica aberta ou oculta da esposa” [5]. Mas nem todas as esposas: as mulheres proletárias, de fato, têm um grau de liberdade que falta às mulheres burguesas. Ganhando salários nas fábricas, as mulheres proletárias podem ser as principais provedoras de renda de suas famílias, eliminando assim qualquer base material para a superioridade masculina e aumentando a independência das mulheres proletárias. Engels não é ingênuo aqui. Ele reconhece plenamente o conflito entre o trabalho dentro do lar e o emprego em trabalho assalariado; não há tempo para uma mulher fazer os dois. Mas, em vez de pedir uma solução privada para o problema, em que casais redistribuam seu trabalho doméstico, Engels a socializa: a libertação das mulheres depende de sua participação na produção pública e da abolição da família monogâmica. Em contraste com Federici, então, Engels vê uma dimensão libertadora para o desenvolvimento capitalista, especialmente da perspectiva das mulheres proletárias. Oportunidades de ganhos também podem ser oportunidades de romper os limites do confinamento da vida familiar e comunitária. Uma diminuição na labuta do trabalho doméstico pode aumentar as possibilidades de liberdade.

A análise de Federici teria sido diferente se ela tivesse levado Engels em consideração? Talvez não. Seu foco está na Idade Média europeia e na transição para o capitalismo, porque ela encontra muito o que admirar no modo de vida dos servos oprimidos, mas relativamente autossuficientes. Ela ignora as relações patriarcais dentro das famílias camponesas e as expectativas restritivas associadas às comunidades agrárias coesas. O próprio Engels tem relativamente pouco a dizer sobre a Idade Média em A origem da família, da propriedade privada e do Estado; ele considera o período principalmente em termos de códigos de cavalheirismo e o ideal de amor romântico e sexual. Sua preocupação é com as conexões entre a família e a propriedade privada, não com o surgimento do capitalismo.

A diferença em suas abordagens não depende da consideração das mulheres, mas da avaliação do feudalismo. Em outras palavras, é uma questão de tempo: em que ponto histórico e por meio de quais processos históricos as mulheres são subjugadas? Engels vê a família pré-burguesa e pré-capitalista como um arranjo econômico e hierárquico de produção e reprodução dependente da propriedade privada. A derrota das mulheres acontece na pré-história; as relações entre produção e reprodução estão dialeticamente interrelacionadas de tal forma que as mudanças ao longo do tempo podem ter dimensões tanto libertadoras quanto opressoras. Concentrando-se no campesinato feudal, Federici apresenta arranjos cooperativos e autossuficientes. A divisão sexual do trabalho é uma fonte de força: as camponesas frequentemente realizavam seu trabalho de fiar e colher juntas. Elas experienciam comunidade e solidariedade, não privação e isolamento. Federici, portanto, apresenta o capitalismo como um desenvolvimento social reacionário que enfraquece a posição das mulheres.

A violenta ascensão do capitalismo

Calibã e a bruxa analisa o fim do feudalismo e a ascensão do capitalismo na Europa. O livro inclui uma discussão de novos entendimentos da vontade, Razão e do corpo que aparecem na filosofia do século 17; numerosas reflexões sobre a continuidade da violência capitalista ao longo dos séculos; e um foco único na queima de bruxas como um instrumento de terror projetado para dividir e subjugar comunidades. Esta história de algumas das mais extremas violências políticas contra as mulheres – especialmente mulheres mais velhas, mulheres forasteiras, mulheres camponesas e mulheres com conhecimento único – acrescentou ao apelo de Calibã e a bruxa diante das leitoras feministas que desejam mais atenção ao lugar das mulheres na história do capitalismo. Embora o relato das bruxas e da queima de bruxas seja central para seu apelo, o núcleo teórico do argumento de Federici é seu relato da ascensão violenta do capitalismo.

Pintando com um pincel largo que confunde vários tempos e lugares, Federici apresenta o capitalismo como o efeito de uma contra-revolução em resposta a séculos de luta antifeudal. Os camponeses se opunham ao recrutamento para o serviço militar, ao aumento da demanda por seu trabalho, à taxação arbitrária e à usurpação das terras comunais de que dependiam para obter alimentos e combustível. Nas cidades, trabalhadores diários e artesãos se rebelaram contra a nobreza e a burguesia mercantil. Movimentos de hereges não apenas se levantaram contra a autoridade da Igreja, mas ofereceram abordagens alternativas para a sexualidade e a reprodução. Por causa da liderança das mulheres nas comunidades heréticas, Federici encontra evidências nessas lutas de um movimento de mulheres de base voltado para a abolição de hierarquias e o estabelecimento de relações sociais igualitárias. A dizimação da população pela Peste Negra aumentou o poder dos trabalhadores e camponeses; os empregadores tiveram que competir por seu trabalho. Aldeias inteiras retiveram aluguel e serviços. Uma das maneiras pelas quais a classe dominante reagiu a essa erupção de poder vindo de baixo foi minando a solidariedade de classe por meio de violentas guerras sexuais. O estupro de mulheres proletárias foi descriminalizado. A prostituição foi institucionalizada em bordéis administrados pelo estado.

Federici enfatiza que a ascensão do capitalismo também foi uma resposta a uma crise de acumulação. Em parte por causa da rebelião incessante do povo e da recusa em trabalhar, a economia feudal tornou-se incapaz de se reproduzir. Em busca de novas fontes de riqueza, a classe dominante europeia voltou-se para a “conquista, escravidão, roubo, assassinato, em resumo, força” [6]. Marx descreve esta virada para a força em sua crítica poderosa da concepção da economia política burguesa da acumulação primitiva na parte oito d’O capital. A riqueza dos primeiros capitalistas não era resultado de trabalho árduo, frugalidade e inteligência, mas de sanções estatais e violência extra-legal que separou os trabalhadores de suas terras, privou-os dos meios de subsistência e os forçou a vender seu trabalho poder para sobreviver.

Essa dimensão europeia da acumulação primitiva foi acompanhada e dependente da extração de ouro e prata das terras colonizadas, do colonialismo, do genocídio e do comércio de escravos africanos. Mesmo que este ponto venha d’O capital, Federici argumenta que a análise de Marx assume a perspectiva do “proletariado industrial assalariado” e da formação do trabalhador independente “‘livre'” [7]. Ela o acusa de negligenciar os impactos da acumulação primitiva na posição social das mulheres e na reprodução da força de trabalho. Se Marx tivesse observado esses impactos, ele teria reconhecido como a acumulação primitiva era “também uma acumulação de diferenças e divisões dentro da classe trabalhadora” [8]. Tal reconhecimento teria impedido Marx de associar o capitalismo a qualquer coisa semelhante ao progresso. Ele teria entendido que o capitalismo sempre impôs divisão e formas cada vez mais brutais de escravidão.

Grande parte da redescrição de Federici da acumulação primitiva aprofunda e estende o relato de Marx. Ela destaca os impactos específicos da privatização de terras e “cercamentos” na vida rural. Privados das terras comunais que lhes davam acesso a lenha para combustível, frutas silvestres e ervas, bem como a pequenas caças e pastagens, as dietas dos camponeses diminuíram significativamente. A fome aumentou. A perda das terras comunais também teve efeitos sociais; o espaço social foi eliminado e os laços familiares e comunitários desfeitos. Essa perda foi particularmente difícil para as mulheres que eram menos capazes de pegar a estrada em busca de trabalho (por causa das formas como isso as expunha à violência e por causa de suas responsabilidades como cuidadoras) e cuja falta de acesso a meios de subsistência as tornava dependentes de outros para a sobrevivência. Desvalorizado como improdutivo, o trabalho doméstico em casa foi considerado um dever natural das mulheres. As mulheres também foram excluídas do trabalho não-doméstico no comércio e no artesanato. Tal exclusão e confinamento foram codificados na lei, conforme as mulheres foram impedidas de celebrar contratos, receber salários ou possuir propriedades por conta própria. Em suma, quanto mais a produção era voltada para o mercado, mais se separava do trabalho reprodutivo.

Federici localiza a “derrota histórica” ​​das mulheres nesta nova divisão sexual do trabalho [9]. Ela argumenta que as mulheres proletárias em particular se tornaram um novo bem comum, o substituto para a terra que havia sido expropriada e fechada. O trabalho das mulheres era como um “recurso natural”, disponível gratuitamente e sem necessidade de consentimento ou compensação. Ela associa essa transformação das mulheres em bens comuns com o “patriarcado do salário”. A dependência específica das mulheres proletárias em relação aos maridos surgiu não apenas de sua exclusão do trabalho assalariado, mas do fato de que, mesmo quando eram incluídas no trabalho assalariado, seus maridos tinham direito ao seu salário.

Federici não apresenta esse ponto como uma expansão explícita de Marx. No entanto, Marx faz uma observação relacionada em sua discussão sobre a maquinaria em O capital. Observando como o acréscimo de máquinas deixa o capitalista faminto pela mão-de-obra mais barata de mulheres e crianças, Marx escreve: “Anteriormente, o trabalhador vendia sua própria força de trabalho, da qual ele dispunha como agente livre, formalmente falando. Agora ele vende esposa e filho. Ele se tornou um traficante de escravos”[10]. A ausência do direito da mulher ao seu próprio salário explica por que o marido proletário “vende” sua esposa e filho. Ele fica com o salário que ela ganha. Assim, embora Marx não tenha analisado a posição das mulheres como análoga a uma terra comunal (embora criticasse o casamento burguês como um sistema de esposas em comum e afirmasse que “o burguês vê em sua esposa um mero instrumento de produção”), ele não ignorou os efeitos brutais, degradantes e empobrecedores ​​do capitalismo sobre as mulheres [11].

Além disso, a discussão de Marx sobre a produção de uma superpopulação relativa de trabalhadores e os vários segmentos do exército industrial de reserva em O capital, bem como seus escritos sobre a “questão irlandesa”, documentam as maneiras pelas quais o capital – conforme produz o trabalhador social coletivo – trabalha ao mesmo tempo para criar e intensificar as divisões existentes dentro do proletariado. O ponto de Marx em O capital era mostrar como mesmo aqueles que estão desempregados ou sem trabalho – incluindo as “classes perigosas” que não entram na força de trabalho – ainda são membros da classe trabalhadora. Em vez de privilegiar o “proletariado industrial assalariado” como o resultado exclusivo e força revolucionária para derrotar o capitalismo, Marx insistiu que, quando olhamos para o capital como uma totalidade, “a classe trabalhadora, mesmo quando não está diretamente engajada no processo de trabalho , é tanto um apêndice do capital quanto os instrumentos comuns de trabalho ”[12]. Como tal, esta classe expansiva de trabalhadores e oprimidos constitui o imenso contra-poder com o interesse e a capacidade de abolir a exploração capitalista.

Em sua discussão sobre a acumulação primitiva e o movimento dos cercamentos, Marx aborda o papel do poder estatal na expropriação dos camponeses de suas terras. Federici também analisa o papel do Estado, destacando duas maneiras pelas quais ele se envolveu na derrota das mulheres. A preocupação do Estado com o crescimento populacional o levou a tentar assumir o controle da reprodução e forçar as mulheres a procriar. Penalidades severas foram instituídas contra a contracepção, o aborto e o infanticídio. A obstetrícia foi colocada sob a supervisão de médicos homens. O Estado também instituiu formas de assistência pública em que alimentos seriam distribuídos aos pobres encarcerados em casas de trabalho. Federici argumenta que esta assistência marca “o primeiro reconhecimento da insustentabilidade de um sistema capitalista governando exclusivamente por meio da fome e do terror” [13]. Ao fornecer uma ajuda mínima às pessoas empobrecidas pelo capitalismo, o Estado funcionava para garantir as relações de classe, garantindo aos capitalistas um exército de reserva de trabalhadores. O Estado, portanto, assumiu a responsabilidade pela reprodução do capitalismo como um sistema

O terror de Estado contra as mulheres foi auxiliado pela amplificação da misoginia. As representações culturais das mulheres tornaram-se cada vez mais negativas. As mulheres eram demonizadas como bruxas, acusadas de vários crimes e vícios e, geralmente, consideradas inferiores e necessitadas de dominação.

Correlativa à subjugação das mulheres foi a subjugação das colônias. A expansão colonial, como Marx reconheceu, acarretou tanto o tráfico de escravos africanos quanto a conquista e o genocídio dos povos indígenas. Mais uma vez, os recursos culturais foram mobilizados para consolidar a divisão: “uma sociedade segregada e racista foi instituída de cima” [14]. Assim como o Estado privou as mulheres dos direitos de propriedade e de contrato, a nova legislação privou os negros e indígenas de direitos anteriormente detidos, tornando assim a escravidão uma condição hereditária. A preocupação com a fertilidade e a reprodução intensificou-se, concentrando-se agora na criação forçada de uma força de trabalho escravizada. É importante ressaltar que Federici não culpa os trabalhadores europeus brancos pelas condições encontradas pelos trabalhadores colonizados e escravizados. Ela acusa corretamente a classe dominante, demonstrando como ela continuou a usar o salário como instrumento de divisão e disciplina do trabalho. Os trabalhadores dos dois lados do Atlântico estavam ligados em uma linha de montagem global. Matérias-primas como açúcar, algodão e tabaco vinculavam o trabalho da plantação ao trabalho da fábrica, o não-assalariado ao assalariado. Experiências comuns de opressão vinculavam servos, devedores, criminosos e escravos em comunidades de resistência que a classe dominante tentava romper com o estabelecimento de categorias raciais e ideologia racista.

Federici dá atenção especial à criatividade das mulheres escravizadas do Caribe. Taxas de reprodução artificialmente baixas nas colônias sugerem que essas mulheres se recusaram a procriar, apesar dos esforços dos senhores de escravos para criá-las. Em algumas ilhas, as mulheres escravizadas não apenas mantinham hortas domésticas, mas também produziam safras suficientes para alimentar suas famílias e levar ao mercado para troca. Eles continuaram mesmo quando o cultivo e a venda foram proibidos, aprofundando suas conexões entre si e com algumas mulheres proletárias brancas. Federici admira a maneira como as mulheres caribenhas escravizadas desenvolveram “uma política de autossuficiência, baseada em estratégias de sobrevivência e redes femininas” [15]. Ela sugere que eles eram, de certo modo, livres mesmo antes de serem legalmente emancipados. Assim como em seu relato sobre os servos europeus, Federici destaca as condições de subsistência sobre a forma de trabalho, isto é, se o trabalho é formalmente gratuito

A acumulação de diferenças

Uma série de críticas pode ser dirigida contra Calibã e a bruxa: Federici deturpa Marx; o argumento é insuficientemente dialético; o relato histórico é tão amplo e impreciso que falha em retratar as diferenças muito reais em toda a Europa durante a Idade Média e, de fato, falha mesmo em especificar os anos e territórios em consideração. Essas críticas não seriam injustas. Mas eles perderiam o significado do livro para o feminismo anticapitalista. Federici modela uma análise atenta ao investimento do capitalismo na produção e intensificação das diferenças. Ela traz à tona como o capitalismo ampliou as diferenças entre os homens e as mulheres como uma forma de diminuir as mulheres poderosas e quebrar a unidade da classe trabalhadora. Ela descreve o mesmo processo em funcionamento no colonialismo, quando o racismo era imposto de cima para baixo para proibir e até demonizar o contato de brancos com negros e indígenas. Em vez de se ancorar na teoria da interseccionalidade liberal, Federici traça as lutas dos oprimidos e excluídos, as solidariedades que o capitalismo sempre busca destruir.

Federici dá a entender que Marx estava desatento à miséria que o capitalismo trouxe e continua a trazer aos trabalhadores. Nada poderia estar mais longe da verdade! Ele expôs incessantemente as misérias e horrores do sistema capitalista, descrevendo-o como monstruoso e vampírico, envolvendo “terrorismo imprudente”. Mas ele reconheceu a tremenda capacidade que os trabalhadores acumulam quando combinam suas energias – tanto na produção quanto na política. Foi o modo de produção capitalista que criou as condições para essa solidariedade de base ampla, até internacional. No capitalismo, esta capacidade produtiva é orientada para o lucro, a acumulação de capital nas mãos dos capitalistas, e as divisões dentro da classe trabalhadora são intensificadas para atender a essas necessidades. Sob o socialismo, as capacidades criativas e produtivas dos trabalhadores serão orientadas para atender às necessidades das pessoas e do planeta para que todos possam florescer.


Notas:

[1] Silvia Federici, Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e a acumulação primitiva (Autonomedia 2004) 12.

[2] Friedrich Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, trad. Tristram Hunt (Penguin Books, 2010) 35. Engels nos diz que seu livro é reconstruído a partir das próprias notas de Marx.

[3] Ibid., 87. Original em itálico.

[4] Ibid., 87.

[5] Ibid., 105.

[6] Federici, Calibã e a bruxa, 62. Citando Marx, O capital, vol. 1.

[7] Ibid., 63.

[8] Ibid., 63.

[9] Ibid., 97.

[10] Karl Marx, O capital, vol. 1, trad. Ben Fowkes (Penguin Books, 1990) 519.

[11] Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista.

[12] Karl Marx, O capital, vol. 1, 718.

[13] Federici, Calibã e a bruxa, 84.

[14] Ibid., 108.

[15] Ibid., 113.

100 anos, 100 acções - Acção comemorativa do Centenário do Partido Comun...

quinta-feira, 4 de março de 2021

A História dos vencedores

 A historiografia liberal (inclusive a social-democrata, lamentavelmente) tem passado o tempo todo, com a poderosa e decisiva ajuda dos meios de comunicação de massa, a demonizar a União Soviética (ou qualquer outra revolução) e o PCP (ou qualquer outro partido comunista). É necessário e urgente resgatar a memória e a História dos derrotados, para que amanhã sejam os vencedores.

100 anos!

 

Resolução do Comité Central do PCP

1921-2021 - Centenário do Partido Comunista Português

Liberdade, Democracia, Socialismo
O futuro tem Partido

A 6 de Março de 1921, foi fundado o Partido Comunista Português. Em 2021 faz 100 anos. São 100 anos de luta heróica ao serviço do povo e da pátria, pela democracia e o socialismo.

São 100 anos em que não há nenhuma transformação social, nenhum avanço ou conquista dos trabalhadores e do povo português a que não esteja directa ou indirectamente associada a iniciativa, a luta, a acção e a intervenção do PCP. São 100 anos de vida e de luta de um Partido que, orgulhoso da sua história e aprendendo com a sua própria experiência e a do movimento comunista e revolucionário internacional, assume com determinação e confiança as exigências da actualidade e do futuro.

Comemoramos o Centenário do Partido Comunista Português, obra da classe operária e dos trabalhadores portugueses, legítimo herdeiro e continuador das melhores tradições de luta e das realizações progressistas e revolucionárias do povo português, assinalando e valorizando a sua história heróica, desenvolvendo a sua luta no presente e afirmando o ideal e o projecto comunistas a que o futuro pertence.

I - Comemorar o Centenário do Partido Comunista Português

Comemorar o centenário do PCP é relevar e homenagear o papel que lhe é justamente reconhecido como o Partido da luta em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo, pela liberdade, a democracia, o socialismo e o comunismo.

É honrar a memória dos heróis que, lutando pela liberdade, pelos interesses da classe operária e do povo, deram a própria vida pelos ideais defendidos pelo PCP. É prestar homenagem a todos aqueles que, ao longo de 100 anos de vida e de luta, em todos os momentos, por vezes nas mais difíceis condições, asseguraram e continuam hoje a assegurar a intensa actividade do Partido com a sua abnegação, coragem e determinação.

É afirmar a indissolúvel ligação do PCP à classe operária, a todos os trabalhadores e às massas populares, raiz fundamental da sua força, influência e prestígio, que lhe permitiu e permite intervir na realidade concreta, atravessar unido grandes mudanças e tempestades na situação nacional e internacional, definir e acertar orientações, dirigir com êxito a luta e contribuir para a unidade dos trabalhadores e do povo.

É afirmar a importância da luta dos comunistas e destacar o papel do Movimento Comunista Internacional no processo de emancipação social com a construção de Sociedades Socialistas, no avanço dos direitos dos trabalhadores e dos povos, na derrota do nazi-fascismo, na libertação dos povos da opressão colonial, na resistência e luta contra o imperialismo e pela superação revolucionária do capitalismo, marcando decisivamente os avanços da Humanidade.

É afirmar, perante os trabalhadores e o povo português, a determinação do PCP na luta por uma sociedade sem exploradores nem explorados, da qual sejam banidas todas as desigualdades, injustiças, discriminações e flagelos sociais e que assegure o bem-estar material e espiritual do povo – a sociedade socialista tendo no horizonte o comunismo.

É afirmar o PCP como vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores, Partido da luta pela emancipação da mulher, pelos direitos das crianças e da juventude, pela dignidade e condições de vida dos reformados e idosos, pelos direitos dos intelectuais e quadros técnicos e das pessoas com deficiência, pela defesa dos interesses dos pequenos e médios agricultores e dos micro, pequenos e médios empresários do comércio, da indústria e dos serviços.

É afirmar o Partido da luta contra o fascismo, pela liberdade e a democracia, o Partido da luta contra o colonialismo e as guerras coloniais, pelo direito à independência das colónias portuguesas; o Partido da Revolução de Abril, das suas conquistas e avanços e da resistência à contra-revolução; o Partido da luta em defesa da independência e soberania nacionais; o Partido da solidariedade internacionalista, da paz, amizade e cooperação com todos os povos; o Partido da luta pela satisfação das mais urgentes e sentidas reivindicações dos trabalhadores e das populações; o Partido da luta pela ruptura com a política de direita e por uma política alternativa patriótica e de esquerda, parte integrante da luta por uma democracia avançada inspirada nos valores de Abril; o Partido da luta pelo socialismo e o comunismo.

É afirmar o grande colectivo partidário, preparado para prosseguir a luta, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha que intervir e assumir todas as responsabilidades que o povo lhe queira confiar, com inabalável confiança no futuro.

É afirmar a validade e actualidade do marxismo-leninismo, teoria revolucionária, materialista dialéctica, por natureza antidogmática e contrária à revisão oportunista dos seus princípios e conceitos fundamentais, que nasce da vida e à vida responde, base teórica do PCP, para cujo enriquecimento criativo, o Partido e, em particular Álvaro Cunhal, deram um destacado contributo, pela sua intervenção e experiências próprias e pela experiência do movimento comunista e revolucionário mundial.

É afirmar os seus princípios orgânicos, consagrados nos Estatutos, confirmados na experiência do seu funcionamento interno e que decorrem do desenvolvimento criativo do centralismo democrático. Princípios orgânicos dos quais ressaltam como elementos decisivos para assegurar a força, unidade e coesão do Partido a prática da direcção colectiva e do trabalho colectivo, da crítica e da auto-crítica, da combinação dialéctica de uma profunda democracia interna com uma única orientação geral e uma única direcção central.

É afirmar a profunda identificação do Partido com os interesses nacionais, defendendo intransigentemente a soberania e independência do País, expressa na dimensão patriótica da sua acção de sempre. Acção que é inseparável das suas firmes posições internacionalistas e anti-imperialistas, da sua contribuição para o reforço do movimento comunista e revolucionário internacional e assumindo os princípios do internacionalismo proletário e a solidariedade activa com as forças progressistas e revolucionárias e com os povos em luta em todo o mundo.

É afirmar a identificação do PCP com os sonhos, as reivindicações e aspirações juvenis, os seus ideais de liberdade, justiça, paz, solidariedade e fraternidade, e que fazem do PCP o Partido da juventude. Realidade que se expressa, sempre com a juventude e o movimento juvenil, na actividade das organizações de jovens comunistas ao longo da sua história, hoje protagonizada pela JCP - Juventude Comunista Portuguesa.

É afirmar a inequívoca e consequente política de unidade do PCP, expressa no contributo para a unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, para a unidade das classes e camadas antimonopolistas, para a intervenção e unidade dos antifascistas, dos democratas e patriotas. Lutando pela unidade da classe operária e de todos os trabalhadores, o PCP foi o criador das Comissões de Unidade nas empresas e nos campos, no desenvolvimento de uma intensa intervenção nos sindicatos fascistas e na contribuição para a constituição e dinamização de organizações democráticas unitárias. Assim foi também na Revolução de Abril, empenhando-se no fortalecimento da aliança Povo-MFA e na cooperação com outras forças democráticas para a instauração do regime democrático. Assim foi, é e será em defesa das conquistas e dos valores de Abril, no plano social, bem como no plano político e eleitoral, salvaguardando sempre a sua independência orgânica, política, ideológica e de classe.

É afirmar a luta decidida do PCP contra a ofensiva ideológica em curso, contra o anticomunismo e as concepções reaccionárias. É defender e promover os valores de Abril, os objectivos de luta pela liberdade, a democracia, o progresso social, a independência nacional e a paz – o ideal e o projecto comunistas.

É afirmar o PCP como protagonista do projecto de emancipação social e de superação revolucionária do capitalismo.

II - 100 anos de luta ao serviço do povo e da pátria

A fundação do PCP correspondeu a uma necessidade histórica da classe operária portuguesa. A sua criação reflectiu a evolução do movimento operário português, da sua experiência e consciência social e política, num clima de ascenso revolucionário, sob o impacto internacional da Revolução de Outubro.

A fundação do PCP marcou o início de uma nova etapa do movimento operário em Portugal e da vida nacional na qual confluíram décadas de intervenção e luta da classe operária portuguesa, as lições da luta da classe operária internacional e os ensinamentos de Marx, Engels e Lénine.

Os primeiros anos de vida do PCP não foram fáceis para se afirmar com uma ideologia revolucionária no movimento operário tendo em conta a estrutura e a composição da classe operária à época e a influência de anarquistas e socialistas. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926 que conduziu à instauração da ditadura fascista, o Partido, com apenas cinco anos de existência, foi proibido e perseguido, forçado a desenvolver a sua actividade nas condições da mais severa clandestinidade e brutal repressão, para as quais não estava naturalmente preparado.

É a partir de 1929, com a Conferência de Abril e sob a direcção de Bento Gonçalves, que o Partido, virando-se audaciosamente para a classe operária, promovendo uma organização capaz de actuar na clandestinidade, cria uma imprensa clandestina – o Avante! e O Militante –, organiza-se segundo a concepção leninista de um partido de novo tipo e inicia verdadeiramente uma actividade de massas, traduzida num vasto conjunto de importantes lutas, que lhe granjearam crescente prestígio e influência junto da classe operária, dos trabalhadores e do povo.

Após anos de golpes repressivos que afectaram gravemente o Partido, a reorganização de 1940-1941, processo no desenvolvimento do qual Álvaro Cunhal participou, a realização dos III e IV Congressos, respectivamente em 1943 e 1946, foram momentos decisivos para garantir que o PCP fosse o único Partido que resistiu à violência da repressão fascista, para a sua transformação num grande partido nacional, para a sua afirmação como indiscutível vanguarda da classe operária e promotor da unidade antifascista e para a definição da via insurreccional para o derrubamento do fascismo. Foram fundamentais para garantir a continuidade de acção e direcção do Partido e o seu reforço: a existência de um forte núcleo de quadros funcionários; a aplicação dos princípios orgânicos do centralismo democrático; o cumprimento rigoroso de medidas para assegurar a defesa do Partido e da sua imprensa da feroz repressão fascista; o enraizamento na classe operária e nos trabalhadores; uma forte organização; o fortalecimento da aliança da classe operária com o campesinato e outras camadas sociais.

O PCP foi o Partido da resistência e da luta que apontou o caminho da vitória. Para isso contribuiu decisivamente a definição dos seus objectivos, da sua táctica e da sua linha política, forjadas ao longo dos anos e desenvolvidas e consagradas no VI Congresso, em 1965, com a aprovação do Programa para a Revolução Democrática e Nacional, cujas orientações haveriam de abrir caminho ao derrubamento do fascismo, à conquista da liberdade e à concretização da Revolução de Abril.

Cedo assumiu o PCP o seu papel de vanguarda no desenvolvimento da luta e acção de massas. Foram as importantes experiências das vagas de greves e lutas políticas ao longo de décadas do século XX que, confirmando a justeza da sua linha política e as grandes capacidades revolucionárias da classe operária e das massas populares – em contraste com as tendências para o compromisso com o fascismo, o carácter aventureiro, oportunista e instável de sectores da pequena e média burguesia – atingiram os alicerces do fascismo e contribuíram decisivamente para o triunfo da Revolução de Abril.

O PCP, cujo programa para o derrube do fascismo foi no essencial confirmado, foi o grande Partido da Revolução, das liberdades e direitos dos trabalhadores e do povo português, da reforma agrária, das nacionalizações, do controlo operário, do poder local democrático – do regime democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa aprovada a 2 de Abril de 1976. O PCP interveio em todo este processo como força essencial e determinante. O seu papel na Revolução de Abril e na fundação do regime democrático inscreve-se como dos maiores feitos da sua história.

O PCP, organizando e dirigindo a luta dos trabalhadores e das massas populares, foi e é o mais firme defensor dessas conquistas e do regime democrático face à ofensiva da contra-revolução de destruição daquelas conquistas, de reconstituição e restauração do poder dos grandes grupos económicos que a Revolução de Abril havia liquidado. Foi o mais activo interveniente na resistência à ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, à perversão da democracia política, à condução de uma política de obscurantismo cultural e de crescente submissão de Portugal a interesses estrangeiros, nomeadamente à CEE/União Europeia e à NATO, com graves limitações da soberania nacional.

Já na última década do século XX, perante os acontecimentos nos países socialistas do Leste da Europa, a situação e evolução na URSS, o rápido avanço do processo de restauração do capitalismo monopolista em Portugal e debaixo de uma forte pressão para que alterasse as suas características, o PCP reafirmou a sua inabalável determinação em prosseguir a luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, pela liberdade, a democracia, a independência nacional, a paz e o socialismo, o seu ideal e a sua identidade comunistas, expressos na afirmação: «fomos, somos e seremos comunistas».

III - A luta continua, pela democracia e o socialismo

O PCP enfrenta com determinação e coragem os problemas, complexidades e desafios do presente num quadro internacional marcado pela sobre-exploração dos trabalhadores, a agudização da luta de classes e o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, em que grandes perigos de regressão civilizacional coexistem com grandes potencialidades revolucionárias.

Enfrenta igualmente uma situação nacional marcada por graves problemas estruturais que estão na raiz dos significativos atrasos no desenvolvimento do País, inseparáveis do processo contra-revolucionário e do processo de integração na União Europeia, interligados, concretizados em décadas de política de direita prosseguida por PS, PSD e CDS.

A luta dos trabalhadores e a intervenção decisiva do PCP travaram a ofensiva e permitiram avanços na defesa, reposição e conquista de direitos.

Na situação actual – face à acção do Governo PS e à estratégia do grande capital que, ao mesmo tempo que aproveita as opções de classe do governo ao seu serviço, promove projectos reaccionários e antidemocráticos, que visam o agravamento da exploração, das desigualdades e injustiças, e o comprometimento da soberania e independência nacionais – o caminho que Portugal precisa e o PCP propõe ao povo português é o da ruptura com a política de direita e a concretização de uma Alternativa Patriótica e de Esquerda vinculada aos valores de Abril.

Uma alternativa que envolve a luta por avanços na satisfação das mais urgentes e sentidas reivindicações e necessidades dos trabalhadores, do povo e do País.

Uma alternativa que coloca como objectivos prioritários: a libertação do País da submissão ao euro e das imposições e constrangimentos da União Europeia como componente da afirmação de um Portugal livre e soberano; a renegociação da dívida pública; a valorização do trabalho e dos trabalhadores; a defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos; a garantia do controlo público da banca e a recuperação para o sector público dos sectores básicos estratégicos da economia; a garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do País; a defesa de uma política de justiça fiscal que alivie a tributação sobre os rendimentos dos trabalhadores e do povo, combata os paraísos fiscais e rompa com o escandaloso favorecimento do grande capital; a defesa do regime democrático e o cumprimento da Constituição da República Portuguesa, o aprofundamento dos direitos, liberdades e garantias, o combate à corrupção e a concretização de uma justiça independente e acessível a todos.

Trata-se de uma ruptura e de uma mudança que, afirmando os valores e os ideais de Abril, se insere na luta pela concretização de uma Democracia Avançada, simultaneamente política, económica, social e cultural, tal como propõe o PCP no seu Programa e que integra, como componentes ou objectivos fundamentais, um regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino e um Estado democrático, representativo e participado; um desenvolvimento económico assente numa economia mista, dinâmica, liberta do domínio dos monopólios, ao serviço do povo e do País; uma política social que garanta a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo; uma política cultural que assegure o acesso generalizado à livre criação e fruição culturais; uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.

A luta pela democracia e pelo socialismo são inseparáveis. As grandes batalhas libertadoras preparam-se na luta quotidiana por objectivos concretos e imediatos. A luta presente pela democracia, o progresso social e a independência nacional não contraria, antes dá mais claro sentido à luta pelo socialismo.

Ao cumprir os seus 100 anos de luta o PCP é, a nível nacional, o Partido com a mais longa história. Mas é, igualmente, o mais jovem partido português. De facto, nenhum outro revela, como o PCP, a mesma força, a mesma energia para intervir e lutar pela transformação da sociedade portuguesa. Nenhum outro apresenta para os problemas nacionais soluções mais criativas, vigorosas, coerentes e efectivas e que melhor se identificam com os interesses e aspirações da juventude. Nenhum outro é capaz de uma tamanha alegria, optimismo e confiança no futuro. Nenhum outro coloca acima de tudo os interesses dos trabalhadores, do povo e do País. Nenhum outro se bate pela construção de uma sociedade nova sem a exploração do Homem pelo Homem, uma sociedade na qual sejam assegurados a todos o direito ao trabalho, à saúde, à educação, à habitação, à protecção social e à reforma, e da qual sejam banidas todas as desigualdades, injustiças, discriminações e flagelos sociais, a sociedade socialista.

Hoje, quando comemora 100 anos de luta ao serviço do povo e da pátria, o PCP dirige-se aos trabalhadores e ao povo português reafirmando a sua determinação em prosseguir essa luta revolucionária por uma sociedade socialista que incorpore e desenvolva os elementos constitutivos fundamentais da democracia avançada e concretize o poder dos trabalhadores e do povo.

Como refere o Programa do PCP Uma Democracia Avançada – os Valores de Abril no Futuro de Portugal, «A luta para que o Programa do PCP, pela vontade do povo português, se confirme na vida é o caminho da liberdade, da democracia, da independência nacional, da paz e do socialismo. É o caminho que interessa ao povo português e à pátria portuguesa».

Com o seu incomparável percurso de 100 anos de luta, o PCP assume, neste início da terceira década do século XXI, o seu compromisso de sempre com a classe operária, os trabalhadores, a juventude e o povo, a luta pela liberdade, a democracia, a independência nacional, a paz e o socialismo.

Este é, e continuará a ser, o Partido capaz de promover a unidade e mobilizar os trabalhadores, os democratas, a juventude e o povo, todos os explorados e oprimidos, para a construção de um Portugal novo com os valores de Abril no seu futuro.

Este é, e continuará a ser, o Partido com condições para intervir, lutar e avançar com soluções para os problemas nacionais.

Este é, e continuará a ser, o Partido necessário para assegurar uma política externa de paz, amizade e cooperação com todos os povos do mundo.

Este é, e continuará a ser, o Partido portador de um projecto e ideal que correspondem profundamente às aspirações e às lutas milenares da humanidade pelo fim da exploração e da opressão.

Ao comemorar o seu centenário, o PCP exorta os comunistas, os democratas e patriotas, os trabalhadores, os jovens, o povo, a fazer dele um grande momento de afirmação e de luta pela melhoria das condições de vida do povo português, pela ruptura com a política de direita, pela alternativa patriótica e de esquerda, pela liberdade, a democracia e o socialismo.

IV - Programa das comemorações. Reforçar o PCP, afirmar o ideal e o projecto comunistas

O Comité Central do PCP decide que as Comemorações do Centenário do Partido Comunista Português decorrerão sob o lema «Liberdade, Democracia, Socialismo – o futuro tem Partido», cujo programa terá início e será apresentado no Comício comemorativo do 99.º aniversário do Partido, que se realiza no dia 6 de Março do corrente ano no Pavilhão Carlos Lopes em Lisboa e se desenvolverão até ao seu 101.º aniversário em 6 de Março de 2022.

As comemorações do Centenário, indissociáveis da intervenção e acção de reforço do Partido, deverão estar fortemente ligadas à vida, aos problemas, aos anseios e reivindicações que se colocam hoje aos trabalhadores e ao povo português.

As comemorações do Centenário deverão integrar um amplo programa de reforço do Partido no plano de direcção, dos quadros, da formação política e ideológica, da afirmação dos princípios de funcionamento, da estruturação e da organização, com particular destaque para a acção e organização junto da classe operária e dos trabalhadores nas empresas e locais de trabalho, do recrutamento e integração de novos militantes, da difusão da imprensa partidária, nomeadamente do Avante!, dos meios de propaganda e comunicação, dos meios financeiros que assegurem a independência do Partido e do aprofundamento da sua ligação às massas.

O programa das comemorações assinalará acontecimentos e aspectos da vida e da luta do PCP ao longo destes 100 anos cruzados com a história de Portugal, do movimento operário e popular, dos trabalhadores e do povo, confirmando a sua determinação em prosseguir a sua acção na concretização do Programa do Partido, afirmando a sua identidade e projecto de futuro.

As comemorações deverão desenvolver-se de forma integrada, abrangendo as diversas vertentes da intervenção do PCP (de massas, social, institucional, política e ideológica) e traduzirem-se numa ampla participação de massas e alargamento unitário.

O programa das comemorações, na sua dimensão, abrangência e conteúdo deverá expressar a importância e o significado político, ideológico, social e cultural que este acontecimento tem para a luta dos trabalhadores e do povo em defesa dos seus direitos e soberania.

O dia do Centenário será assinalado com a realização do Comício a 6 de Março de 2021 no Campo Pequeno, em Lisboa.

Entre outras iniciativas, destacam-se: a realização de um ciclo de debates e acções temáticas; a promoção de iniciativas de valorização da intervenção e papel determinante do Partido ao longo da sua história; a dinamização de iniciativas com forte componente cultural, nomeadamente a realização de um grande espectáculo; uma linha de exposições a nível nacional e regional; uma importante expressão centrada na Festa do Avante! de 2021; o desenvolvimento de iniciativas dirigidas aos trabalhadores, à juventude e a outras camadas sociais e sectores específicos; a edição de materiais de divulgação, designadamente uma exposição impressa, folhetos e cartazes; no plano editorial, a edição do livro «100 anos de luta ao serviço do povo e da pátria, pela democracia e o socialismo», e ainda um plano específico de edições e reedições de obras promovendo a sua leitura e estudo; a produção de um documentário sobre o PCP; o tratamento específico no Avante! e O Militante e na internet; a projecção das comemorações no plano internacional.

Para que as comemorações assumam a projecção e a dimensão que se impõe, o programa e a sua concretização devem contar com a contribuição, o empenho e entusiasmo das organizações e militantes do Partido e da JCP.

O Comité Central do PCP exorta a que se associem a estas comemorações todos os que defendem o progresso social e a paz e anseiam por um País desenvolvido e soberano.

***

Dando continuidade às melhores tradições de luta e às realizações progressistas e revolucionárias do povo português através da sua história, com um exaltante património de intervenção e de luta ao longo de 100 anos, inteiramente posto ao serviço do povo e da pátria, portador do ideal e do projecto comunistas, o PCP é um Partido necessário, indispensável e insubstituível na luta pela liberdade, a democracia e o socialismo.

França, Portugal, toda a Europa

 

AMERICANISATION A LA CARTE? – Par Floréal

Par Floréal, PRCF – 1er mars 2021 – Les médias gouvernementaux et patronaux se lamentent quotidiennement sur la “ importée des États-Unis” qui frappe désormais certains quartiers déshérités où des rixes aussi absurdes que meurtrières opposent régulièrement des bandes d’ados de plus en plus jeunes s’affrontant à coups de barre de fer, quand ce n’est pas, au nez et à la barbe de la police, à coups de tirs de mortiers… Comme c’est depuis longtemps le cas chez l’Oncle Sam où régulièrement, des massacres perpétrés à l’arme de guerre, dévastent des églises, des mosquées, des synagogues et… des écoles à l’initiative d’ados se prenant pour Rambo!

Les mêmes médias se déchaînent aussi, non sans raison, contre la “communautarisation” de l’espace urbain hexagonal où, de moins en moins, les individus en compétition sur la grande scène du néolibéralisme mondial, se définissent comme des citoyens français membres de la République ou comme des travailleurs luttant pour leurs droits mais où, de plus en plus, ces bipèdes incultes et déliés de tout que fabrique à la chaîne l’ “économie de marché ouverte sur le monde où la concurrence est libre et non faussée” (Traité de Maastricht) se définissent comme membres de telle communauté ethnique, de telle collectivité pseudo religieuse, de tel clan territorialisé voire comme de simples “ego” prédateurs et sans limites s’adonnant à l’archaïque loi du plus fort. Comme c’est tristement le cas aux États-Unis depuis des décennies… Soit!

Mais alors, pourquoi les mêmes médias bien-pensants poussent-ils en permanence à exalter la “” made in USA, la chanson américaine, les “blockbusters” américains, les fêtes américaines (à commencer par l’agressive et noirâtre “Halloween”), les clips américains, sans parler de la langue américaine dont les bredouillis les plus commerciaux et les plus bas de gamme (pensons aux “Black Friday” devenus annuels) infestent en permanence notre langue et notre cerveau? Pourquoi ces grands médias ne passent-ils en outre qu’exceptionnellement des chansons en espagnol, en italien, en allemand, en russe, en arabe, en berbère, en swahéli, en hindi, en japonais, en chinois ? Pourquoi la production cinématographique des pays autres que celui d’Hollywood et de Disney ne parvient-elle que très marginalement sur nos écrans? Pourquoi, lorsqu’il est question de “communauté internationale”, les “grands journalistes” français n’ont-ils en vue que les pays de l’Amérique du Nord et de l’Europe qui, ensemble, forment moins d’un dixième de l’humanité? Pourquoi nos “grands éditorialistes” en poste sur TF1, France 2, CNews, BFM, RMC, RTL, Europe 1, France Inter, France Culture, etc., exaltent-ils sans fin l’OTAN, archi-dominée par Washington, et qui pousse en permanence l’UE de plus en plus berlinoise à se surarmer pour prendre sa revanche sur le pays d’Octobre 17 et de Stalingrad? Et pourquoi les médias d’État de Macron, ex “Young Leader” adoubé par les États-Unis, mais aussi les médias et journaux appartenant à Bolloré, Bouygues, Drahi et Cie, ne trouvent-ils jamais rien à redire à la “fusion” de nos industries stratégiques avec les monopoles privés tentaculaires d’Outre-Atlantique, qu’il s’agisse de Chrysler – en passe de phagocyter Peugeot – ou de General Electrics, qui a déjà avalé une bonne partie d’Alsthom ? Pourquoi “nos” grands médias applaudissent-ils régulièrement à tout rompre quand les gouvernements atlantistes successifs, taillant dans l’héritage du CNR, voire de… Colbert et de Sully, détruisent les statuts publics, dépècent le Code du travail, privatisent les services publics nationalisés en 1945, asphyxient la Sécu à la française, pour leur substituer la retraite par capitalisation, les assurances privées et des trusts capitalistes détenus par les fonds de pension étasuniens ? Et pourquoi veut-on aussi nous faire croire contre toute évidence que, pour réduire la fracture politique béante entre le peuple  français et ses “élites” politiques, il faudrait importer les “primaires” à l’américaine, le fédéralisme américain et les campagnes électorales à l’américaine? 

En réalité, l’ culturelle, économique, linguistique, militaire, politique galopante à laquelle est soumise en tous domaines l’Euro-Frenchland forme un tout indissociable. Et tant qu’on acceptera en frétillant la monoculture anglo-américaine, la langue unique mondiale étasunienne, le “leadership” impérial de Washington sur l’UE arrimée à l’OTAN, il faudra aussi, et sans se plaindre s’il vous plait, s’adapter à une non-société sauvage et sans art de vivre inhumainement dominée par la loi du colt, du dollar, du racisme, du gaspillage consumériste et du culte suicidaire des armes de destruction massive!

quarta-feira, 3 de março de 2021

 

Pergunta: O senhor não aceita descrições de países como o Irã como "países islâmicos". Por que não?

Mansoor Hekmat: Qualquer classificação e rotulagem tem um propósito por trás disso. O Islã está presente no Irã há mil e quatrocentos anos e deixou obviamente a sua marca em certas coisas. Mas este é apenas um elemento para retratar esta sociedade da mesma forma que a opressão, a monarquia, o estado policial, o atraso industrial, a etnia, a linguagem, a escrita, a história política, o modo de vida pré-islâmico, as características físicas das pessoas, as relações internacionais, a geografia e o tempo, a dieta, a dimensão do país, a concentração da população, as relações econômicas, o nível de urbanização, a arquitetura, etc. Tudo isso exprime características reais da sociedade. Agora, se das centenas de fatores que criam diferenças entre o Irã e o Paquistão, França e Japão, alguém insiste em apontar para a presença do Islã em alguns aspectos da vida nesta sociedade e marca todos nós com este rótulo - de indivíduos anti-religiosos como Dashty, Hedayat e você e eu à grande maioria que não se veem como crentes e não estão preocupados com o Islã e o clero - então eles devem ter uma agenda específica. O Irão não é uma sociedade islâmica; o governo é islâmico. O Islã é um fenômeno imposto no Irã, não só hoje, mas também durante a monarquia, e permaneceu no poder pela opressão e assassinato. O Irã não é uma sociedade islâmica. Tentaram fazê-lo islâmico à força durante vinte anos e fracassaram. Chamar a sociedade iraniana de islâmica faz parte da cruzada reacionária para torná-la islâmica.

 

Por Mansoor Hekmat, via WPI, traduzido por Gercyane Mylena Pereira de Oliveira

Hekmat foi um teórico marxista iraniano, revolucionário e um dos lideres do Partido Trabalhista-Comunista do Irã. Foi opositor do governo de Reza Pahlav após a revolução de 1979. A entrevista abaixo, conduzida por Olivier Roy, Graham Fuller, Ervand Abrahamian e Ian Lesser foi publicada pela primeira vez em 2001 pela Porsesh (Quarterly Journal of  Politics, Society and Culture) em persa.

A ascensão e a queda do Islã político

por LavraPalavra

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.