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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013


Introdução
Nicolau Maquiavel foi um importante historiador, diplomata, filósofo, estadista e político italiano da época do Renascimento. Nasceu na cidade italiana de Florença em 3 de maio de 1469 e morreu, na mesma cidade, em 21 de junho de 1527.
Vida e obras 
Filho de pais pobres, Maquiavel desde cedo se interessou pelos estudos. Aos sete anos de idade começou a aprender latim. Logo depois passou a estudar ábaco e língua grega antiga.
Aos 29 anos de idade, ingressou na vida política, exercendo o cargo de secretário da Segunda Chancelaria da República de Florença. Porém, com a restauração da família Médici ao poder, Maquiavel foi afastado da vida pública. Nesta época, passou a dedicar seu tempo e conhecimentos para a produção de obras de análise política e social.
Em 1513, escreveu sua obra mais importante e famosa “O Príncipe”. Nesta obra, Maquiavel aconselha os governantes como governar e manter o poder absoluto, mesmo que tenha que usar a força militar e fazer inimigos. Esta obra, que tentava resgatar o sentimento cívico do povo italiano, situava-se dentro do contexto do ideal de unificação italiana. 
Entre os anos de 1517 e 1520, escreveu “A arte da guerra”, um dos livros menos lidos do autor. 
Em 1520, Maquiavel foi indicado como o principal historiador de Florença.
Nos “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, de 1513 a 1521, Maquiavel defende a forma de governo republicana com uma constituição mista, de acordo com o modelo da República de Roma Antiga. Defende também a necessidade de uma cultura política sem corrupção, pautada por princípios morais e éticos.
O termo “maquiavélico”
Em função das ideias defendidas no livro “O Príncipe”, o termo “maquiavélico” passou a ser usado para aquelas pessoas que praticam actos desleais (até mesmo violentos) para obter vantagens, manipulando as pessoas. Este termo é injustamente atribuído a Maquiavel, pois este sempre defendeu a ética na política.
Frases de Maquiavel

- "Os homens ofendem mais aos que amam do que aos que temem." 
- "O desejo de conquista é algo natural e comum; aqueles que obtêm sucesso na conquista são sempre louvados, e jamais censurados; os que não têm condições de conquistar, mas querem fazê-lo a qualquer custo, cometem um erro que merece ser recriminado." 
- "Nada faz o homem morrer tão contente quanto o recordar-se de que nunca ofendeu ninguém, mas, antes, ajudou a todos." 
- "Quem do prazer se priva e vive entre tormentos e fadigas, do mundo não conhece os enganos." 
- "Todos os profetas armados venceram, e os desarmados foram destruídos." 
- "A ambição é uma paixão tão forte no coração do ser humano, que, mesmo que galguemos as mais altas posições, nunca nos sentimos satisfeitos." 
- "Os homens quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição." 
- "O homem que tenta ser bondoso todo tempo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons." 
- "O homem esquece de forma mais fácil a morte do pai do que a perda do patrimônio". 
- "Na política, os aliados atuais são os inimigos de amanhã." 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Análises


Assunto: Fwd: FW: A história secreta da renúncia de Bento XVI - Eduardo Febbro

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Paris - Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar em março passado, depois de regressar de sua viagem ao México e a Cuba.
Naquele momento, o papa, que encarna o que o diretor da École Pratique des Hautes Études de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada” de seu predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.
O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente das instituições religiosas. 
Muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a igreja ou as práticas vaticanas.
Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu:
·        a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986;
·        o Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida;
·        o Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”.

Esses dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno. 
O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem em sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente.
Depois do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Buscou mudar sua imagem com métodos modernos.
Para isso contratou o jornalista estadunidense Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox. Burke tinha por missão melhorar a deteriorada imagem da igreja. “Minha ideia é trazer luz”, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da igreja católica. 
A divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do papa, Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente montada cujos detalhes seguem sendo misteriosos: operação contra o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à renúncia e colocar em seu lugar um italiano na tentativa de frear a luta interna em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks fizeram afundar a tarefa de limpeza confiada a Greg Burke. Um inferno de paredes pintadas com anjos não é fácil de redesenhar. 
Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.
Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canônicas adotadas contra os partidários fascistóides e ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultradireita do mundo.

Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.
O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise atual. 
Em setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano.
Próximo à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e econômica Caritas in veritate, publicada pelo papa Bento XVI em julho passado. A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objetivo ordenar as turvas águas das finanças do Vaticano.
As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norteamericano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época. 
João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de se estranhar, pois devia muito a ele. Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as contas do sindicato polonês Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu jamais.
Marcinkus terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, em meio a um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.
No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. Seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus. 
Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas “irregularidades” em sua gestão.
Tedeschi saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro.
Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano. Quando assumiu seu posto, Tedeschi começou a elaborar um informe secreto onde registrou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas. 
Aí começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do banco. Sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o vinculava ao vazamento de documentos roubados do papa.

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção.
A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo suicida, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência do sistema. 
Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013



60 aniversário da Batalha de Stalingrado 
O COMEÇO DO FIM DO NAZISMO


por Oficina de Informações [*]


Passou quase despercebido, no dia 2 de fevereiro, o 60º aniversário da capitulação do 6º Exército da Alemanha nazista ao Exército Vermelho da União Soviética na cidade de Stalingrado (hoje Volgogrado).


'Assalto', foto de Georgi Zelma
A Batalha de Stalingrado, talvez o maior e mais sangrento confronto militar da história, marcou o ponto de viragem dos aliados na 2ª Guerra Mundial, o início do fim do 3º Reich de Adolf Hitler. Hoje subestimada por motivos ideológicos, essa batalha selou o destino de Hitler e despertou em todo o mundo esperanças na vitória do socialismo.

No dia 2 de Fevereiro de 1943, capitulou no distrito fabril, no norte de Stalingrado, o último bolsão dos invasores nazistas, 40 mil soldados e oficiais alemães sob o comando do general Strecker. Do dia 10 de Janeiro até essa data, as tropas da Frente do Rio Don, chefiadas pelo general Rokossovski, derrotaram 22 divisões alemãs e mais 160 unidades de reforço e de retaguarda do 6º Exército, um dos melhores da Wehrmacht, sob o comando do marechal-de-campo Friedrich Paulus. Nessa ofensiva final, o Exército Vermelho capturou, junto com Paulus, 24 generais, 2.500 oficiais e 91 mil soldados.

O anúncio da capitulação chegou a Berlim três dias depois da comemoração do 10º aniversário da chegada de Adolf Hitler ao poder. Segundo o historiador William Shirer, autor de Ascenção e Queda do Terceiro Reich , o comunicado da derrota -- que, por ordem do ministro da propaganda, Joseph Goebbels, omitiu a rendição dos 91 mil soldados do 6º Exército -- foi precedido de um rufar de tambores abafados e seguida do segundo movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. Hitler decretou quatro dias de luto nacional e mandou fechar todos os cinemas, teatros e casas de diversão durante esse período.

Todos os números envolvendo a Batalha de Stalingrado são superlativos. O académico soviético A. Samsónov, autor de A Batalha de Stalingrado , conta que o Exército Vermelho derrotou nessa frente cinco exércitos: dois alemães (o 6º e o 4º de tanques); dois romenos (o 3º e o 4º) e um italiano (o 8º). Segundo seus cálculos, os soviéticos destruíram completamente 32 divisões e três brigadas; provocaram a perda de metade dos efectivos de outras 16 divisões; e teriam matado cerca de 800 mil homens. No total, as baixas dos alemães de seus aliados — entre mortos, feridos e capturados — teriam chegado a 1,5 milhão de pessoas, ou 25% das forças de que dispunham no início da invasão da União Soviética, em Junho de 1941. Os nazistas perderam também 3.500 tanques e peças de assalto; mais de 3 mil aviões de combate e de transporte; 12 mil peças de artilharia e morteiros; 75 mil viaturas, etc. Em contrapartida, segundo informa o historiador inglês Antony Beevor, o Exército Vermelho sofreu durante essa campanha 1,1 milhão de baixas, das quais 485.751 fatais.

O sacrifício não foi em vão. Com a derrota em Stalingrado, Hitler não pôde completar seu plano de conquistar a região do Cáucaso, no Sul da URSS, e seguir adiante para juntar as tropas com o Afrika Korps, do marechal Erwin Rommel, que havia chegado ao Egipto em Agosto de 1942. Depois disso, a perspectiva era unir as tropas alemãs com os japoneses, cuja Armada estava no Oceano Índico nessa época, pronta para invadir a Índia.

É mais ou menos consensual a constatação de que Hitler cometeu seu maior erro estratégico ao se decidir pela invasão da União Soviética, em Junho de 1941, dando início à "Operação Barbarossa". Nessa ocasião, as tropas nazistas já haviam feito as principais conquistas na Frente Ocidental (que se estendia desde a Noruega até os Pirineus e do rio Tamisa ao rio Elba), incluindo a ocupação de Paris. O Reino Unido enfrentava a Alemanha praticamente sozinha, sem poder contar ainda com a ajuda dos Estados Unidos, cuja posição isolacionista dividia o país. Em vez de iniciar uma segunda "Batalha da Grã-Bretanha", que certamente submeteria a resistência já combalida dos britânicos, Hitler resolveu abrir a "Frente Oriental", esperando "esmagar a Rússia soviética numa rápida campanha antes do fim da guerra contra a Inglaterra". Seu objectivo era garantir o abastecimento e tornar invencível a sua máquina de guerra com os cereais da Ucrânia e o petróleo do Cáucaso.

Nos primeiros seis meses da invasão, a Wehrmacht obteve vitórias espectaculares. No norte, as divisões Panzer do marechal Wilhelm Josef Franz von Leeb atravessaram os países bálticos e, com o apoio de seus aliados finlandeses, chegaram aos arredores de Leninegrado, a segunda maior cidade russa. No centro, sob o comando do marechal Fedor Bock tomaram Minsk, a capital da Bielorússia em menos de um mês e, logo em seguida, Smolensk, não muito distante de Moscovo, fazendo mais de 600 mil prisioneiros. No sul, o marechal Gerd von Rundstedt capturou a capital da Ucrânia, Kiev (com outros 600 mil prisioneiros), e depois Odessa, o principal porto soviético no mar Negro. A ofensiva final sobre Moscovo teve início em Outubro. Na batalha de Vyasma, as tropas do marechal von Bock capturaram mais 600 mil soviéticos. Em Dezembro, destacamentos alemães chegaram aos arredores da capital, já em pleno inverno. Os soldados estavam exaustos. E o pior para eles é que o marechal Gueorgui Konstantinovitch Júkov iniciava a contra-ofensiva soviética de três meses, com tropas descansadas. Diante do fracasso na batalha de Moscovo, Hitler exonerou o comandante da Wehrmacht, marechal Heinrich Alfred Hermann Walther von Brauchistch, assumindo o posto ele próprio. Foi quando se decidiu pela ofensiva ao Cáucaso, na primavera de 1942.

De acordo com Samsónov, Stalingrado tinha, na época, 445 mil habitantes. Naquela cidade às margens do rio Volga funcionava um importante parque industrial e comercial, com 126 empresas, 30 das quais de importância nacional. Sua fábrica de tractores, símbolo da indústria soviética, havia produzido mais da metade dos 300 mil tractores então em operação no país. A fábrica Krasni Oktiabr produzia 776 mil toneladas de aço por ano e 584 mil toneladas de laminados. Também eram relevantes a fábrica Barricadi, os estaleiros e a central termoeléctrica. Na região, trabalhavam 325 mil operários e empregados. A cidade era também um centro cultural, com 125 escolas, vários centros de ensino superior, teatros, galerias de pintura e ginásios desportivos.

Mais importante ainda, Stalingrado era uma encruzilhada de comunicações, unindo a parte europeia da URSS com a Ásia Central e a região dos Montes Urais. Por ali passava uma estrada que unia as regiões centrais do país com o Cáucaso, escoadouro do petróleo de Baku. Na época, a cidade também se transformou num símbolo, por ter sido baptizada com o nome do líder soviético Joseph Stalin.

É fora de dúvida que o Führer subestimou a capacidade dos soviéticos de lhe opor resistência. Assim, quando o 6º Exército se rendeu, a derrocada do 3º Reich tornou-se uma questão de tempo, a ser consumada com a tomada de Berlim pelos exércitos do marechal Júkov, no dia 7 de 1945.

Três dias depois do final da batalha de Stalingrado, o presidente americano Franklin Roosevelt enviou uma mensagem de congratulações a Stalin "por sua brilhante vitória". Segundo Roosevelt, "os 162 dias da épica batalha pela cidade... serão lembrados como um dos mais dignos capítulos desta guerra dos povos que se uniram contra o nazismo e seus emuladores. Os comandantes e os soldados de seus exércitos e os homens e mulheres que os apoiaram nas fábricas e no campo cobriram de glória não apenas os braços de seu país, mas inspiraram e renovaram com o seu exemplo a determinação de todas as nações unidas de empenhar toda a sua energia para conseguir a derrota final e a rendição incondicional do inimigo comum".

Já no primeiro encontro dos "três grandes" na Conferência de Teerão, em novembro de 1943 — Stalin, Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill — a bravura dos moradores de Stalingrado foi reconhecida por meio de um gesto singelo, a entrega de uma espada enviada pelo rei George VI, na qual foi gravada a seguinte frase: "Aos cidadãos de coração de ferro de Stalingrado, um presente do rei George VI, como sinal da homenagem do povo britânico".

A Batalha de Stalingrado contribuiu para ampliar a moral das forças aliadas e dos movimentos socialistas em várias partes do mundo. Também inspirou toda uma geração de artistas, entre os quais o poeta chileno Pablo Neruda, que compôs o célebre Nuevo canto de amor a Stalingrado . No Brasil, Carlos Drummond de Andrade, em sua Carta a Stalingrado , escreveu:

Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrirmos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado, sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes dá um enorme alento à alma desesperada e ao coração que duvida. 


[*] Texto elaborado pela Oficina de Informações . 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Análises


Pelo Socialismo
Questões político-ideológicas com atualidade
http://www.pelosocialismo.net
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Publicado em: http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1600
Tradução do castelhano de MF
Colocado em linha em: 2013/02/17
O auge da luta socialista na China
Alberto Cruz *
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2013, por CEPRID
O XVIII Congresso do Partido Comunista Chinês é já história. As análises que lhe foram feitas abarcam quase todos os aspetos, menos um: o povo chinês. E um exame detalhado das resoluções deste congresso mostra um medo aberto da direção do Partido ao auge da luta socialista no país que, ao longo de 2012, adquiriu proporções desconhecidas nos últimos 30 anos. Há quem fale mesmo, com mais entusiasmo do que a realidade permite, de uma nova Revolução Cultural em amadurecimento e só esta menção faz com que um calafrio percorra a espinha dorsal da elite chinesa e do capitalismo ocidental.
É um facto que, em cada ano que passa, cresce o descontentamento social com as medidas económicas capitalistas impulsionadas pela direção do PCCh e o repúdio à introdução de métodos ocidentais de estudo nas universidades – multiplicaram-se as greves operárias, não só contra empresas estrangeiras, mas também nacionais (afetando setores informáticos ou da saúde), surgiram protestos dos jornalistas pelo «impacto corrosivo da comercialização» no tratamento da informação e continua o descrédito generalizado da grande maioria dos dirigentes civis. Estes são só alguns indicativos de que o melhor está para vir.
E é isto que preocupa tanto o «situacionismo» dos novos dirigentes como o dos académicos. Os primeiros viram-se obrigados a realizar uma série de gestos inabituais nos últimos 30 anos. Por exemplo, publicar a sua vida familiar (fotos da infância, adolescência e primeiros passos políticos), perfis na internet, ou percorrer as zonas mais pobres do país (as imagens do recém-eleito secretário-geral do PCCh no XVIII Congresso, Xi Jinping, a visitar as aldeias da província de Hubei, nos dias 29 e 30 de Dezembro1 e as suas dificuldades em caminhar sobre a neve e o barro são comovedoras). Gestos que vão acompanhados de uma maçadora insistência para se combater a corrupção (Jinping mostrou-se «indignado»2 ao comprovar, na sua visita às aldeias de Hebei, o desvio de fundos contra a pobreza) e de uma insólita exortação a todos os níveis do Partido para um comportamento exemplar. Os segundos publicaram uma carta aberta, advertindo que o
1 Diário do Povo, 31 de Dezembro de 2012.
2 Ibid.
2
país «corre o risco de uma violenta revolução» se o governo não responder à pressão pública e não acelerar as «reformas políticas suspensas»3 .
São reações da direita, porque são as políticas de direita pró-capitalistas que estão a ser fortemente contestadas. E são os representantes e defensores deste setor que têm medo do povo chinês. Em 2011, pela primeira vez em muito tempo, os chineses celebraram o nascimento de Mao com manifestações massivas e peregrinações à sua cidade natal. Milhões de chineses de todo o tipo, universitários, operários e camponeses realizaram por todo o país reuniões para comemorar «o legado do presidente Mao» e, a 9 de fevereiro de 2011 (dia de entrada do Ano Novo chinês), 700.000 pessoas acorreram a Shaoshan, a cidade natal de Mao, para «lhe render respeito e homenagem». O interessante é que foi uma celebração espontânea e, muitas vezes, desafiando os poderes locais. O facto foi tão surpreendente para o poder que o Diário do Povo teve de fazer eco deste fenómeno4, não sem certa surpresa. Mas, a partir daí, o poder aprendeu e agora junta-se ao coro, sem deixar de fazer uma crítica expressa ao maoísmo. Assim, por um lado, melhoraram as infraestruturas para facilitar a afluência de gente a Shaoshan e existe um grupo de voluntários municipais que atendem as pessoas que acorreram à homenagem a Mao na sua cidade – o seu nascimento foi a 28 de Dezembro de 1893 – com pratos de macarrão e carne5, enquanto, por outro lado, se multiplicaram os artigos e conferências de académicos e intelectuais sobre as «tragédias» que o Grande Salto em Frente ou a Revolução Cultural implicaram. É preciso referir que estas comemorações pró-Mao se verificaram durante dois meses, desde a data do nascimento até à celebração do ano novo chinês.
Mas o povo está disposto a surpreender e em cada aniversário surge um novo elemento com que o poder não conta. Nesta ocasião, as dezenas de milhares de pessoas reunidas em Shaoshan, no dia 28 de Dezembro, entoaram uma emblemática canção maoísta, «O Oriente é vermelho» (1965), o símbolo da Revolução Cultural que muitos interpretaram como uma claro desafio à contrapropaganda oficial face à celebração popular da data de nascimento de Mao.
É que Mao continua a desfrutar de uma grande estima entre uma enorme massa da população chinesa. Tanto que um dos «pequenos príncipes» do PCCh, Bo Xilai, não hesitou em utilizar elementos maoístas – com o que enfrentava o aparelho, já que desautorizava a prática de Deng Xiaoping – para impulsionar a sua política social e económica em Chongqing. Isso custou-lhe a sua destituição, em março de 2012, e mesmo a sua posterior expulsão do Partido (4 de novembro), depois de um processo que terminou, curiosamente, quatro dias antes do XVIII Congresso.
É preciso determo-nos no processo a Bo e no que ele representava para entender o que foi aprovado no XVIII Congresso. Bo Xilai era membro do Burô Político do PCCH e responsável do Partido em Chongqing. A sua queda em desgraça foi muito semelhante à de Lin Biao, em 1971 (considerado o herdeiro de Mao, mas que se foi distanciando deste quando o «grande timoneiro» colocou a aproximação aos EUA para enfrentar a URSS).
3 Reuters, 31 de dezembro de 2012.
4 Alberto Cruz, «China: exército, geopolítica e regresso a Mao» – http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article1205&lang=es
5 Diário do Povo, 28 de Dezembro de 2012.
3
Mas a diferença entre um e outro é que, enquanto Lin Biao era um militar preocupado com a geoestratégia, Bo Xilai tinha-se inclinado para a economia e tinha adotado o Modelo Chongqing, um sistema económico que contrastava de forma aberta com o Modelo Guangdong, impulsionado a partir do poder de Pequim. Não obstante, tanto Lin como Bo se preocupavam com a ideologia e pretendiam «revitalizar as ideias socialistas» a partir de diferentes perspetivas.
Em síntese, o Modelo Guangdong pressupõe um mercado mais livre, um aumento da desigualdade social e um maior esforço produtivo dedicado à exportação. É o modelo em que se baseou o crescimento anual chinês, que colocou o país já como a primeira economia do mundo, como reconhece o próprio FMI, ao vaticinar que será assim sem qualquer dúvida em 2016. Ao contrário, o Modelo Chongqing acolhia medidas económicas com um maior controlo dos poderes públicos e medidas populares para um crescimento rápido e equilibrado.
O surpreendente do caso é que o Modelo Chongqing se aplicava apenas numa reduzida zona da China que, segundo o censo de 2010, tinha 32 milhões de habitantes (um número ridículo num país que roça os 1500 milhões). Logo, a explicação da queda em desgraça de Bo é muito simples: evitar que este modelo económico alternativo se consolidasse, que o seu promotor adquirisse mais poder no Burô Político e eliminar a possibilidade de uma mudança mais igualitária no «caminho para o desenvolvimento» da China.
Chongqing, a cidade vermelha
Chongqing é uma cidade conhecida em todo o país e o seu legado estuda-se nos livros de história, pois foi a capital chinesa durante a invasão japonesa e berço da luta antifascista entre 1937-46. Teve também um papel importante na fundação da República Popular da China, em 1949. A história da cidade foi tida em conta por Pequim na hora de lhe outorgar a categoria de municipalidade dependente do governo central, não do provincial (Sichuan), e, mais tarde, de a elevar à categoria de província, em 1997. O historial de lutas operárias na cidade é espetacular e esteve na vanguarda de muitas delas, especialmente contra a privatização de empresas estatais, até 2000.
Bo Xilai só chegou à cidade em 2003, mas soube captar muito bem o espírito combativo da sua população e encontrou um bom caldo de cultura para a sua experiência económica, ampliando significativamente o papel local na economia e tomando em mãos empresas que iam ser privatizadas. Ao mesmo tempo atribuiu pensões de reforma, construiu habitações públicas de aluguer a baixos preços – o que proporcionou que muitos migrantes rurais encontrassem rápido alojamento na cidade, ao contrário do que acontece no resto do país – e desenvolveu a educação, sobretudo a infantil, e os cuidados com a saúde. É o que ficou conhecido como «Os dez pontos da vida do povo», baseados em que 51% dos gastos do governo local eram destinados à melhoria do bem-estar público. A esquerda chinesa diz que Bo, entre outras coisas, soube «redirecionar» a conflitualidade na cidade com medidas deste tipo, daí que, como se verá, tenha apoiado muitas destas medidas e o Modelo Chongqing.
Isso não quer dizer que Bo Xilai desse primazia a esta componente em detrimento da
4
outra. Era muito cuidadoso e sabia o que enfrentava. Enquanto melhorava o bem-estar da população na base destes parâmetros, oferecia facilidades para a instalação de empresas, como a Foxconn, que deslocalizou uma parte da sua produção de Shenzen. Mas enquanto que em Shenzen os protestos operários foram frequentes, em Chongqing evitaram-se, entre outras coisas graças ao programa de habitações sociais de aluguer, como se referia elogiosamente na Agência Xinhua6 quando Bo ainda não tinha caído em desgraça. Quando, em julho de 2010, os velhos revolucionários, personalidades que participaram na Grande Marcha e fundadores do PCCh, elaboraram uma carta pública de apoio às lutas operárias7 – precisamente o contrário do que fizeram agora uns quantos académicos – apenas se mencionava o tratamento que os operários da Foxconn recebiam em Shenzen, não em Chionqing.
Esta política impulsionada por Bo Xilai é o que se chamou «promover a prosperidade comum» e que agora, depois do XVIII Congresso, se assume oficialmente com um discurso diferente do de Bo, mas reconhecendo que não estava errado: «A China deve ser uma sociedade moderadamente próspera». Mas os matizes são importantes e, entre «prosperidade comum» e «sociedade moderadamente próspera» há uma diferença que põe em causa a essência do sistema.
A esquerda chinesa entende que para conseguir o primeiro, o governo tem de implementar uma série de medidas destinadas ao restabelecimento dos vínculos orgânicos do PCCh com as bases. Traduzido, luta massiva contra a corrupção - e não só contra a privada, mas também, e sobretudo, contra a estatal - e aplicação da «justiça revolucionária». Mas não adiantemos acontecimentos.
Bo tinha-se tornado um problema sério para o Partido. Por isso, quando foi destituído, em Março de 2012, Wen Jiabao – primeiro-ministro – criticou abertamente o Modelo Chongqing e acusou Bo Xilai de «reviver a Revolução Cultural». Curiosamente, enquanto que no interior da China apenas se voltou a falar de Bo até agosto – quando se iniciou o julgamento contra a sua mulher e as suas práticas corruptas – toda uma maquinaria internacional (Wall Street Journal, New York Times, Finantial Times e, até, a seita Falung Gong, todos eles têm páginas web em chinês e publicam suplementos semanais sobre a China) fez lenha da árvore caída, publicando uma saga de corrupção à volta do ex-dirigente de Chongqing. Era preciso extirpar um modelo económico que, num futuro não muito distante, poderia comprometer o capitalismo realmente existente e que adquiria a força do exemplo na China e um não oculto temor entre a classe dirigente, corrupta e pró-capitalista. E não falamos do Ocidente.
A esquerda chinesa: O Coletivo Utopia
Aqui é necessário falar da esquerda chinesa, agrupada à volta do Coletivo Utopia (a sua página web, www.wyzxsx.com, é bloqueada intermitentemente pelo poder e no momento de escrever este artigo estava inacessível). A Utopia tinha manifestado publicamente o seu
6 Xinhua, 27 de julho de 2011.
7 Li Chengrui, Xiantian Gong, Han Xiya, Rixin Liu y Zhao Guangwu: «China: Os velhos revolucionários tomam posição sobre a atual proliferação de greves de trabalhadores» http://www.nodo50.org/ceprid/spip.php?article892
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apoio ao Modelo Chongqing, ainda que as suas propostas vão muito mais além, como a socialização da riqueza, a propriedade pública dos meios de produção e o fortalecimento da moral socialista. Mas tanto a Utopia como Bo Xilai coincidiam no impulsionar uma ampliação do setor público e do bem-estar social, assim como da recuperação dos valores culturais e morais da etapa maoísta. É o que em Chongqing se denominou «promover a cultura vermelha» e que consistia em recuperar as expressões artísticas maoístas – entoar «O Oriente é vermelho» no aniversário de Mao é uma manifestação de como este sentimento calou na população – e «fortalecer a moral socialista», para o que era imprescindível contar com os meios de comunicação. Aqui voltava a haver uma coincidência estratégica entre a Utopia e Bo Xilai, já que as propostas de ambos consistiam em firmar uma televisão e rádio populares, sem publicidade, e «com orientação didática».
E, de novo, o aparelho dirigente, juntamente com bloguistas seguidos no Ocidente – como alguns casos famosos em Cuba ou no Yemen, para mencionar os mais apelativos – e os meios ocidentais capitalistas voltaram a atacar este «projeto de renovação socialista», que equiparavam pura e simplesmente com a Revolução Cultural. Contudo, goste-se ou não, na China há memória e grande parte da população continua a considerar que o país era, sob Mao, um dos mais igualitários do mundo e agora é precisamente o contrário.
O poder sabe-o, e teme a reação social. Daí que, depois do XVIII Congresso do PCCh, «o socialismo com características chinesas» comece a abarcar aspetos como a luta contra a pobreza, a redução das desigualdades e o desenvolvimento sustentável, que não tinham sido tidos em consideração nestes 30 anos do caminho económico idealizado por Deng Xiaoping.
Iniciou-se uma tímida retificação por medo, não por necessidade, e nela influenciaram tanto as turbulências económicas que o mundo vive desde o início da crise capitalista, em 2008, como as respostas populares que se estão a verificar em toda a parte. A atitude do aparelho do PCCh face aos protestos não é muito diferente das que os governos direitistas de Madrid, Atenas ou o Cairo adotam: a repressão. Como um aviso à navegação, no dia 21 de dezembro, a polícia dissolveu com dureza uma manifestação de operários de uma fábrica de sapatos em Guangan (Sichuan), a cidade natal de Deng Xiaoping, que exigiam o pagamento de dois meses de salários. No dia 25 de Dezembro, a situação voltava a repetir-se em Wuhan (capital da empobrecida Hubei), quando os operários protestavam pelo não pagamento de salários e o encerramento da fábrica de papel em que trabalhavam. Mas os operários não só se manifestavam como ocupavam a Câmara Municipal. Quatro dias mais tarde, como se disse antes, o novo secretário-geral do PCCh visitava várias localidades de Hubei. E no mesmo dia 25 de dezembro, em Tongling (Anhui), centenas de médicos e enfermeiras de um hospital pertencente a uma importante empresa estatal, Tongling Nonferrous Metals, bloquearam todos os acessos à cidade, reclamando o pagamento dos seus salários.
Poder-se-ia relatar milhares destas manifestações e protestos. Em muitas delas, as pessoas levam os retratos de Mao como bandeira, sem outros slogans. Há um contínuo de lutas operárias e, ao mesmo tempo, constata-se um cerrar de fileiras entre o capital transnacional, o aparelho do PCCh, os meios de comunicação e um certo setor dos intelectuais e académicos (como os do manifesto citado acima), que farão todo o possível
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para as reconduzir ou para as reprimir. A viagem do novo secretário-geral do Partido a Hubei vai nessa direção e, ironia do destino, é algo que Bo Xilai tinha impulsionado: em Chongqing, os funcionários do Comité Local tinham de realizar visitas semanais às zonas rurais para observar a situação e receber as queixas e sugestões da população. Nessas visitas tinham de viver nas casas dos aldeãos e não podiam alojar-se em hotéis. Precisamente o que fez agora Xi Jinping, que partilhou comidas com aldeãos nas suas casas.
É altura de saber se neste momento o PCCh vai aplicar as resoluções do XVIII Congresso ou os gestos que agora está a fazer vão ser algo mais que gestos, uma mudança de rumo. Vem-se falando, desde 1996, da construção de uma «civilização socialista espiritual», que não é mais do que uma denominação cínica de um corrosivo enriquecimento da elite política e económica; e no anterior congresso, em 2006, foi aprovada uma resolução que defendia «o sistema socialista como um valor fundamental». Nada disso foi levado à prática até agora, à exceção de um fugaz momento, em 2011, por ocasião da comemoração do 90.º aniversário da constituição do PCCh. Terminados os festejos, terminadas as intenções. O PCCh, os líderes civis, para sermos exatos, poderão manter a promessa de defender a constituição socialista ainda vigente – mas só aplicada em parte – ou cair definitivamente no capitalismo neoliberal que têm desenvolvido nos últimos 30 anos. Perante si, têm uma base histórica operário-camponesa, a que agora se juntam universitários e jovens que apostam numa viragem à esquerda e num futuro socialista. Inclusivamente, o Coletivo Utopia e as suas propostas de «renovação socialista» chegaram mesmo a afirmar que o Modelo Chongqing era a única esperança para evitar uma «revolução violenta» na China, ainda que haja quem, como Sima Nan, um dos seus mais conhecidos integrantes, considere que foi um erro estratégico o identificarem-se demasiado com os postulados de Bo Xilai.
O capitalismo está em fase terminal, mas o processo acelerar-se-ia se na China houvesse uma viragem à esquerda. Daí o pânico que no Ocidente se sente perante iniciativas tão moderadas como as do Modelo Chongqing, ou perante a cada vez maior onda de protestos sócio-políticos do povo chinês contra o modelo imposto a partir de Pequim. Intui-se uma reorientação deste modelo nas resoluções do XVIII Congresso, pois não é em vão que se fala de uma reorientação da economia para deixar de estar centrada unicamente na exportação e começar a ter em conta o consumo interno, assim como na menção a uma «sociedade moderadamente próspera». Mais uma curiosidade que aparece nas resoluções: acontece que agora o poder chinês se apercebe de que é necessário «regular» o papel dos meios de comunicação, porque o que há «não se ajusta ao novo contexto» e «não pode separar-se da realidade política do país»8. Ou seja, o mesmo que Bo Xilai havia colocado, o que o Coletivo Utopia reclama e o que os jornalistas criticam pelo «impacto corrosivo da comercialização» no tratamento da informação.
Se se cumprir tudo o que foi decidido neste XVIII Congresso, e não for apenas outra demonstração mais de retórica, assistiremos a uma viragem gigantesca, ou no mínimo moderada, no conhecido até agora, uma vez que já não se legislará unicamente para a classe média urbana – e, sobretudo para a situada nas cidades costeiras – mas para todo povo. E isso, na China, é abarcar uma enorme massa de camponeses e operários muito descontentes com o modelo atual, que não os teve em conta.
Depois deste XVIII Congresso do PCCh o país está numa encruzilhada: ou se transforma num refúgio seguro do capitalismo global ou o enterra definitivamente. No interior do Partido há várias correntes que, sem ser expressamente maoístas, se opõem às medidas neoliberais. Algumas delas participaram nos atos comemorativos do nascimento de Mao, organizados pelo Coletivo Utopia, em Pequim – com a assistência de ex-funcionários do governo, generais do exército e reconhecidos maoístas9 – ainda que não esteja claro o que significa este passo e se ele é o início de uma corrente de esquerda dentro do Partido, ou o anúncio de uma maior resistência aos neoliberais, que continuam a desmantelar o sistema de bem-estar público. As bases – camponeses, operários, trabalhadores migrantes e pobres – já reagiram e começaram a passar à ofensiva. Um dado: a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que, graças à luta operária, os salários na China triplicaram na última década e, para o corrente ano de 2013, subirão mais 9%10.

* Alberto Cruz é jornalista, politólogo e escritor. O seu último livro é «A violência política na Índia. Para lá do mito de Gandhi», editado por La Caída com la colaboração do CEPRID. Os pedidos podem ser dirigidos a libros.lacaida@gmail.com ou a ceprid@nodo50.org albercruz@eresmas.com
8 Diário do Povo
9 Global Times, 28 de Dezembro de 2012.

10 OIT, «Rapport mundial sur les salaires 2012/13: Salaires et croissance équitable», 7 de Dezembro de 2012

sábado, 16 de fevereiro de 2013


Ou as esquerdas se atualizam ou se tornarão cada vez mais irrelevantes

É preciso abandonar o conforto dogmático segundo o qual tudo na economia e na sociedade já foi resolvido pelos “clássicos”, bastando a nós repetir os textos como papagaios, sem consideração das imensas transformações pelas quais o mundo passou.

Dizia Marx na “Sagrada Família” que nenhuma formação histórica pode dar lugar a outra mais avançada se “o velho não estiver ao ponto de cair sozinho e o novo não estiver pronto para substituí-lo”. A crise atual aponta para um capitalismo financeirizado virtualmente falido, mas me exaspera o fato de não ver um projeto de base social nas esquerdas que se apresente como maduro para ocupar seu lugar. Há, sim, em algumas correntes esquerdistas, uma espécie de confiança dogmática, filha do marxismo bastardo, na autodestruição do capitalismo, e nenhuma proposta consistente sobre como ocupar o espaço supostamente a ser deixado vago.

Num contexto histórico diferente, quando o capitalismo fordista estava em ascensão nos Estados Unidos e invadindo a Europa, Gramsci formulou o conceito de “guerra de posição”, que seria uma estratégia de ocupar espaços sucessivos em favor das massas no lugar de pregar uma revolução momentaneamente impossível. Noventa anos depois, é tempo de remontar à guerra de posição para aproveitar em melhores condições as fraquezas do capitalismo. Ou será que alguém acredita numa revolução classista nos Estados Unidos ou no Brasil capaz de destruir a burguesia como classe, o que tornaria inevitável sua destruição também física numa guerra civil?

A democracia moderna é uma invenção burguesa. Mas, como tudo na história, seu resultado contraditório foi abrir frestas crescentes de oportunidade para as massas, muito bem aproveitadas, em seu auge, pelas sociais democracias européias e, em parte, também nos Estados Unidos e mesmo no Brasil. A conformação da atual crise – uma orgia especulativa privada nos países ricos que se converteu, para que num primeiro momento o sistema financeiro fosse salvo, numa crise fiscal sem precedentes – aponta diretamente para a destruição do estado de bem estar social (onde ele existe, ou onde ele é uma aspiração) financiado pelos orçamentos públicos.

A guerra de posição aqui significa, como prioridade máxima, salvar o que existe de estado de bem estar social. E o passo à frente significa radicalizar a democracia. É politicamente impossível, numa democracia de origem burguesa, destruir o direito de propriedade privada de todos os meios de produção. Mas é possível, primeiro, estatizar o sistema bancário, já que a emissão monetária e de crédito deveria ser uma prerrogativa exclusiva do Estado; segundo, é perfeitamente possível socializar a terra; e em terceiro lugar, é de todo conveniente, para a estabilidade social, que empresas produtivas estratégicas fiquem em mãos do Estado.

Não estou dizendo novidade: estou me remetendo às estruturas básicas do país mais bem sucedido econômica e socialmente nas últimas três décadas, a China. E em parte também à Índia, embora neste caso com menor brilho. Os dois países se beneficiam para um forte crescimento de planejamento centralizado, sistemas bancários públicos e grandes empresas estatais (ou nacionais) em setores estratégicos. Diante de um ciclo econômico de baixa, planeja-se, financia-se e executa-se o investimento e a inovação tecnológica no mesmo movimento. Não há vazamentos para fora do efeito multiplicador keynesiano como nos países onde vigora ampla liberdade de movimento de capitais.

Infelizmente, não tenho visto debates nessa linha entre as esquerdas. Vejo, sim, diagnósticos inflamados da crise e de seus culpados, o que é útil para formar uma opinião negativa sobre o capitalismo financeirizado, mas que não traz, em si, uma estratégia de superação. Daí a necessidade de romper com dogmatismos e forjar uma nova utopia. Antes que a direita o faça. Pois não pensem que o capitalismo, que na realidade é funcional da própria civilização em que vivemos, vai apodrecer sem reação num contexto democrático. O risco que corremos é vê-lo conduzir as reformas de cima para baixo, alienando uma vez mais as classes a ele subalternas.

Esse processo já está em curso pelo menos no campo da ideologia. Dois artigos recentes publicados pelo “Wall Street Journal”, o qual não se envergonharia de ser rotulado como porta-voz da ultra-direita norte-americana e mundial, mostram com clareza alguns movimentos táticos surpreendentes da classe dominante, vocalizada por seus intelectuais. Um dos artigos, relativo à Europa, é de Uri Dadush. Outro, sobre a situação atual norte-americana, é de Rex Nutting, da MarketWatch (também do Grupo Murdoch). Ambos foram publicados na edição de 1o de fevereiro.

Dadush se pergunta: Quem diz que a Crise do Euro acabou? E ele mesmo responde: “Mesmo que o euro sobreviva, a crise não acaba até que a periferia (europeia) comece a crescer e as pessoas comecem a encontrar empregos”. Por certo, são razões reais, mas não as do tipo que se encontra na imprensa da direita. Para 18 milhões de desempregados, diz ele, é espantoso o tom triunfalista com que o mercado reagiu à promessa do presidente do BCE, Mario Draghi, de que será comprado o que for necessário dos títulos dos governos dos países periféricos em crise. Isso é bom para os bancos, mas não gera necessariamente empregos.

Ele também cita um proeminente político de oposição de um dos países europeus atingidos pela crise que desmistifica a mudança de sentimento dos mercados em relação a essa promessa de Draghi, argüindo que as políticas correntes não levam a lugar algum. Quando perguntou a esse político como pensava que isso acabaria, ele respondeu com a alegoria da “rã fervida”: “se você põe uma rã em água escaldante, ele disse, ela saltará de lá. Mas se você a põe na água fria e vagarosamente aumenta a temperatura, ela ficará quieta, eventualmente sendo fervida até a morte.”

De fato, a Grécia está sendo fervida numa taxa de desemprego de 26,8%, a Espanha de 26,6%, Portugal de 16,3%, Irlanda de 14,6%, Itália de 11,1%, numa tendência ainda crescente. E é espantosa a divergência entre o desempenho da periferia em relação à Alemanha (desemprego de 5,4%) e os Estados Unidos (7,8%). Também o PIB italiano caiu 6% desde o nível pré-crise, enquanto o da Alemanha subiu 8% e os Estados Unidos 7%. Tudo isso, para Dadush, está longe de ser justificado por diferenciais de produtividade. Reflete principalmente a política econômica de agrilhoamento da zona do euro.

O artigo de Nutting é ainda mais surpreendente, considerando a obsessão da direita norte-americana com a redução do déficit e da dívida pública. Ele também se pergunta: O que poderia ser mais urgente que a redução do déficit? E imediatamente responde: Quase tudo. Nesse tudo ele relaciona cinco problemas maiores, pela ordem: desemprego (19 milhões de desempregados), mudança climática, infraestrutura, desigualdade, democracia (para ele a democracia americana está em retração).

Destaco alguns aspectos do problema da desigualdade, que tem sido justificadamente visados pelas esquerdas mas que não deixa de ser surpreendente aparecerem nas páginas do WSJ: entre 1979 e 2007, a renda média do 1% mais rico dos Estados Unidos cresceu 277%, enquanto a dos 80% que representam a classe média aumentou apenas 38%. Essa tremenda desigualdade foi construída ao longo dos últimos 30 anos, não pela crise. Esta apenas o acentuou. Atualmente, o 1% mais rico da sociedade norte-americana detém 50% da riqueza do país. 

Pode-se argumentar que esses comentaristas não representam o núcleo do pensamento de direita nos Estados Unidos e muito menos o grande capital. Contudo, saltando o Atlântico, o que se pode concluir do fato de que o principal representante do empresariado alemão, Hans-Peter Keitel, presidente da poderosa Federação das Indústrias Alemãs, tenha proposto um “plano Marshall” para a Grécia, em confronto direto com a estúpida política de estrangulamento fiscal imposto ao país pela chanceler Ângela Merkel, pelas mãos da Troika (FMI, BCE e Comissão Europeia)? 

Tudo isso significa que existe uma base comum de diagnóstico, imprescindível para algum nível de negociação entre os representantes de diferentes interesses sociais. Se as esquerdas quiserem ter relevância na formulação das políticas do futuro, elas terão de abandonar a utopia negativa da autodestruição do capitalismo e entrar no jogo da radicalização da democracia com o capitalismo regulado. A propósito: a crítica avassaladora que Nutting faz da regressão da democracia nos Estados Unidos, e que não tenho espaço para reproduzir aqui, está ao nível de qualquer intelectual radical de esquerda, o que é outra base comum de negociação!

Em suma, é preciso abandonar o conforto dogmático segundo o qual tudo na economia e na sociedade já foi resolvido pelos “clássicos”, bastando a nós repetir os textos como papagaios, sem consideração das imensas transformações pelas quais o mundo, e sobretudo o mundo industrializado, passou ao longo do último século. É preciso reconhecer na civilização contemporânea as lições objetivas de suas próprias contradições assumindo o risco de propor novas vias de ação em favor das massas mediante o aperfeiçoamento da democracia, não de sua destruição por alguma forma de ditadura “benigna” que a história tem provado sempre acabar em ditaduras sanguinárias.

P.S.: O Itamaraty está articulando a candidatura brasileira à diretoria geral da Organização Mundial do Comércio, OMC. Considerando que sua ala entreguista não conseguiu amarrar o Brasil à Alca, por oportuna oposição de Lula, pode ter aí três propósitos: 1) estourar o livre-cambismo por dentro; 2) subordinar de vez o país ao livre-cambismo; 3) arranjar empregos para diplomatas brasileiros em Genebra.

J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.