Os produtos com que a Monsanto contamina o planeta
O envenenamento do meio
ambiente e de populações com PCB's, a aplicação massiva de Agente
Laranja no Vietname, os perigos para a saúde pública causados pela
hormona de crescimento bovino, a contaminação de culturas pelos OGM ou
os efeitos do herbicida Roundup nas células humanas são algumas das
matérias que a Monsanto procura branquear a todo o custo.
23 de Março, 2014 - 13:00h
Foto eco-logical photography/Flickr (recortada)
Sendo, atualmente, uma empresa mundial de biotecnologia agrícola
especializada em sementes transgénicas e herbicidas, que tem vindo a
mudar a face da agricultura e a ditar a alteração dos nossos hábitos
alimentares, a Monsanto começou como um fornecedor de produtos químicos.
Tentando, por todos os meios - manipulação de estudos, técnicas de
marketing agressivas, entre outros -, limpar a sua imagem, a Monsanto
auto intitula-se como “uma companhia de agricultura sustentável”
i com o objetivo "produzir melhores alimentos para os consumidores e uma melhor alimentação para os animais".
A empresa oculta da sua história
ii
“pequenos pormenores”, como as consequências profundamente dramáticas
para o meio ambiente e a saúde pública da produção de PCB's, a
contaminação de vietnamitas e veteranos de guerra com o Agente Laranja
ou a toxicidade do Roundup, o herbicida que se transformou numa mina de
ouro.
PCB's: Consequências dramáticas para o meio ambiente e a saúde pública
Cerca de 99% dos PCB's
iii
utilizados nos EUA foram produzidos pela Monsanto na sua fábrica de
Sauget, em Illinois - que apresenta a taxa mais elevada de morte fetal e
de nascimentos prematuros do estado
iv -, até terem sido totalmente proibidos pelo Congresso norte americano em 1976.
Estes compostos, produzidos desde 1930 e utilizados como refrigerantes e
lubrificantes em equipamentos elétricos, são cancerígenos, e têm
efeitos prejudiciais para o fígado, sistema endócrino, sistema
imunológico, sistema reprodutor, sistema de desenvolvimento, pele, olhos
e cérebro
v.
Em janeiro de 2002, o jornalista Michael Grunwald, do Washington Post, descrevia no seu artigo, intitulado “
Monsanto Hid Decades of Pollution”,
a forma como, durante cerca de quatro décadas, a Monsanto envenenou a
população de Anniston, despejando regularmente lixo tóxico num riacho na
zona Oeste desta pequena cidade americana.
Em 1966, os administradores da Monsanto aperceberam-se que os peixes do
riacho estavam a morrer. Três anos depois, encontraram peixes noutro
riacho com 7.500 vezes os níveis legais de PCB's. Em 1975, um estudo
verificou que os PCB's causavam tumores em ratos. Os responsáveis da
Monsanto ordenaram a alteração dos resultados.
Vários memorandos internos, classificados como “confidenciais”
comprovam que a Monsanto sabia quais as consequências das suas práticas,
mas isso não a impediu de lucrar durante quatro décadas com a produção
de PCB's. "Nós não nos podemos dar ao luxo de perder um dólar de
negócios", frisava um dos documentos.
As indemnizações pagas décadas depois representaram somente uma pequena
fração dos lucros, demonstrando que, de facto, o crime compensou.
Quase 30 anos depois de os PCB's serem proibidos nos EUA, continuam a
aparecer no sangue de mulheres grávidas, conforme avança um estudo de
2011 da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Outras pesquisas
apontam um paralelo entre PCB's e autismo.
DDT: O inseticida proibido nos EUA em 1972
Em 1944, a Monsanto tornou-se num dos primeiros fabricantes do
pesticida DDT, utilizado para combater os mosquitos transmissores da malária e do tifo e que foi massivamente utilizado na agricultura.
Ainda que durante décadas a Monsanto tenha assegurado veementemente que
o DDT era seguro, em 1972, o inseticida foi proibido em todo os EUA,
após terem ficado provados os verdadeiros efeitos da toxicidade do
produto.
No livro
Silent Spring
a bióloga norte Americana Rachel Carson demonstra como o DDT pode
provocar cancro em seres humanos e interfere com a vida animal,
causando, por exemplo, o aumento de mortalidade entre os pássaros.
Carson chegou a comparar o efeito das pulverizações massivas de DDT ao
de uma nova bomba atómica. Vários estudos assinalaram que o DDT estava a
matar vários insetos inofensivos essenciais para os ecossistemas e o
pesticida chegou a ser responsabilizado pela quase extinção de, pelo
menos, uma ave, o falcão-peregrino.
Em 23 de maio de 2001, 122 países assinaram a Convenção de Estocolmo
sobre poluentes orgânicos persistentes (POPs), com o objetivo de
eliminar uma lista inicial de 12 substâncias tóxicas, na qual se incluía
o DDT.
Desenvolvimento das primeiras armas nucleares
Pouco depois de adquirir, em 1936, a Thomas e Hochwalt Laboratories, em
Dayton , Ohio, a Monsanto transformou esta divisão no seu Departamento
de Investigação Central, que, entre 1943 e 1945, teve uma participação
significativa no
Projeto Manhattan, cujo objetivo era desenvolver a primeira bomba atómica.
O
Dr. Charles Thomas,
que veio a assumir a presidência da Monsanto, era responsável pela
purificação final do plutónio e esteve presente no primeiro teste de
explosão da bomba atómica.
Utilização do Agente Laranja aos EUA durante a Guerra do Vietname
Entre 1961 e 1971, a Monsanto forneceu Agente Laranja
vi,
resultante da combinação entre os herbicidas 2,4-D e 2, 4, 5-T, ao
exército norte americano, que o utilizou para desfolhar as árvores da
selva tropical do Vietname durante a guerra. Os cerca de 80 milhões de
litros deste desfolhante despejados no país pela Força Aérea dos EUA
foram contaminados com dioxina, uma substância altamente tóxica e
cancerígena criada como um subproduto do processo de fabrico do Agente
Laranja
vii.
Até hoje, a utilização do desfolhante durante a Guerra do Vietname
traduz-se em consequências devastadoras para a população vietnamita e
para os veteranos de guerra norte americanos, que vieram a processar a
Monsanto.
Os Veteranos do Vietname da América identificaram pelo menos 50 doenças
associadas à exposição ao Agente Laranja, bem como 20 tipos de defeitos
de nascença
viii.
Segundo a Rede de Agricultura Sustentável (RAS)
ix,
algumas estimativas dão conta da existência de mais de 500 mil crianças
nascidas no Vietname desde os anos 60 com deformidades relacionadas à
dioxina contida no Agente Laranja.
A RAS refere ainda que uma ação judicial, originada pela denuncia de
trabalhadores ferroviários expostos a dioxinas em consequência de um
descarrilamento, evidenciou a manipulação de estudos para apoiar a
posição da Monsanto. Um funcionário da Agência de Proteção Ambiental
Americana (EPA) chegou à conclusão que os estudos foram manipulados por
forma a levarem a crer que os efeitos da dioxina se limitava à cloroacne
- uma enfermidade da pele. A Monsanto acabou por ser multada em 16
milhões de dólares, verificando-se ainda que muito dos produtos da
empresa estavam contaminados por dioxina.
No artigo “A Obscura História da Monsanto”
x,
publicado pela RAS, é também citado um memorando da Dra. Cate Jenkins,
da EPA, de 1990, onde se pode ler que "a Monsanto remeteu informações
falsas à EPA”. “A empresa adulterou amostras de herbicida que remeteram
ao Departamento do Ministério da Agricultura dos EUA para registar o
2,4-D e vários clorofenóis; ocultou provas sobre a contaminação do
Lysol, além de excluir centenas dos seus antigos trabalhadores doentes
dos seus estudos comparados de saúde”, avança a RAS.
BST: Degradação da saúde dos animais e perigo para a saúde pública
Em 1993, a Monsanto conseguiu a aprovação, por parte da Food and Drug
Administration (FDA), da comercialização da BST, uma substância com
efeito hormonal utilizada para fazer aumentar, entre 10% a 20%, a
lactação nas vacas.
Em 1994, o Government Accountability Office (GAO) chegou a promover uma
investigação a três funcionários da FDA envolvidos na aprovação da BST,
por existirem suspeitas de conflito de interesses. Michael Taylor,
Margaret Miller e Suzanne Sechen estiveram envolvidos nos estudos
iniciais da Monsanto sobre a BST, tendo mais tarde vindo a integrar a
FDA e a avaliar esses mesmos estudos. Ainda que tenham ficado
perfeitamente demonstradas as inúmeras ligações entre a Monsanto e a
FDA, o GAO acabou por concluir que nenhum destes funcionários tinha
violado qualquer regra sobre conflito de interesses, defendendo não
existir base legal para qualquer processo
xi.
Um estudo da comissão científica da União Europeia veio, entretanto, a
concluir que a utilização da BST aumenta substancialmente a incidência
de problemas de saúde nos animais, entre os quais problemas nas patas,
processos infecciosos agudos das glândulas mamárias (mastite) e doenças
do aparelho reprodutor. No caso das vacas com mastite, o leite produzido
apresenta pus, sendo que são administrados antibióticos que trazem
problemas para os animais e enormes perigos sobre os seres humanos
xii.
Por outro lado, quando se administra BST na vaca é estimulada a
produção de outra hormona, o Fator de Crescimento 1 (IGF1). Em 1996, um
estudo da Universidade de Illinois, Chicago, mostrou que as
concentrações de IGF1 que se verificam no leite das vacas tratadas com a
BST multiplicam por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e
por sete o risco de cancro da mama nas mulheres
xiii.
A partir de 1999, a BST começou a ser proibida em vários países:
primeiro no Canadá, depois na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão, em
Israel e em toda a União Europeia.
Em 2000, a BST já se tinha tornado no produto farmacêutico mais vendido na história da indústria de laticínios
xiv.
Sacarina: Um produto cancerígeno?
No início da sua atividade, a Monsanto dedicou-se à produção do
adoçante sacarina. Em pouco tempo, a empresa tornou-se na principal
fornecedora de matérias primas da Coca-Cola.
Em 1977, a Food and Drug Administration (FDA) tentou retirar a
sacarina do mercado após Arnold D.L. e outros autores terem
assinalado que este produto induzia cancro da bexiga. Esta mesma conclusão foi corroborada, em 1980, num
estudo
do National Cancer Institute, que assinalou ainda que a sacarina
produzia também vários outros tipos de tumores em ratos. Em 1981, a
sacarina foi, inclusive, incluída na lista de substâncias carcinogénicas
em humanos da NTP National Toxicology Program (NTP).
A sacarina continuou, contudo, a ser comercializada, mediante a pressão
da indústria de alimentos dietéticos e dos próprios consumidores
exibindo, contudo, e até ao final da década de 90, uma advertência com a
indicação de que tinha apresentado sinais cancerígenos.
Posteriormente, alguns estudos revelaram que os resultados dos estudos
apenas se aplicavam a ratos, na medida em que os tumores nestes animais
se deviam a um mecanismo não relevante em humanos. Em 2000, esta
substância foi
retirada da lista de substâncias carcinogénicas.
Vários cientistas
desaconselharam
a retirada da sacarina desta lista. O documento oficial tem, até à
data, a seguinte redação: "embora seja impossível concluir com certeza
que não representa uma ameaça para a saúde humana, não se pode afirmar
razoavelmente que a sacarina sódica é um carcinógeno humano em condições
de uso geral como um adoçante artificial”.
OGM: Contaminação de culturas e perseguição aos agricultores
Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) são organismos cujo
material genético foi manipulado de modo a favorecer alguma
característica desejada. No caso das sementes produzidas pela Monsanto,
as mesmas foram geneticamente modificadas por forma a repelirem pragas
ou a resistirem exclusivamente aos herbicidas comercializados pela
empresa.
O milho transgénico, por exemplo, liberta um forte inseticida que não
só aniquila os insetos passíveis de destruir as colheitas como também
aqueles que lhes são benéficos, e essenciais para os ecossistemas, como
borboletas e abelhas.
Uma das preocupações no que se refere ao cultivo de plantas
transgénicas prende-se com a polinização cruzada entre estas espécies e
as espécies nativas ou as culturas que não foram manipuladas
geneticamente. O pólen transportado por insetos ou pelo vento pode
implicar a contaminação de campos situados até dezenas de quilómetros,
dependendo da distância percorrida pelo mesmo e da própria planta em
causa.
Esta contaminação pode ter consequências bastante preocupantes. Em
meados dos anos 90, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA)
descobriu que o milho Starlink, da empresa Aventis, era alergénico,
interditando a sua comercialização para consumo humano. Contudo, entre
2000 e 2001, foram recolhidos mais de 300 produtos alimentares que
continham traços do produto e 44 pessoas queixaram-se de reações
alérgicas como consequência do consumo desses alimentos
xv.
Por forma a espalhar a sua tecnologia por todo o mercado de
fornecimento de sementes, a Monsanto não só comercializa as suas
próprias sementes patenteadas, como também, tal como refere o Food &
Water Watch
xvi,
utiliza acordos de licenciamento com outras empresas e distribuidores
permitindo, nomeadamente, que a concorrência utilize características
genéticas desenvolvidas pela Monsanto nos seus produtos.
Em documentários como "Food, Inc." e "The Future of Food" é abordada a
perseguição da Monsanto contra os agricultores. A Monsanto não se coíbe
de processar pequenos agricultores por quebrarem o acordo de
licenciamento da tecnologia da empresa ao qual se vinculam quando, tão
simplesmente, adquirem um saco de sementes da multinacional.
Este acordo estipula, por exemplo, que os agricultores não podem
guardar e replantar as sementes e são responsáveis pelo acompanhamento
de todos os procedimentos incluídos no Guia de Utilização da Tecnologia
da Monsanto, bem como que a Monsanto pode investigar as plantações dos
agricultores e aceder aos seus registos na USDA Farm Service Agency. A
Monsanto criou, inclusive, uma linha gratuita para que qualquer cidadão
possa denunciar os agricultores que utilizam a tecnologia da Monsanto
sem licença
xvii.
Não só os agricultores que adquiriram produtos da Monsanto são alvo de
processos como também aqueles que, inadvertidamente, acabam por
encontrar características genéticas desenvolvidas pela empresa nas suas
culturas graças à polinização cruzada.
As mais valias tão propaladas do cultivo de OGM, como aumentar a
produtividade ou diminuir a necessidade da aplicação de pesticidas e
herbicidas, têm vindo a ser desmentidas pela comunidade científica. Ao
invés de "produzir melhores alimentos para os consumidores e uma melhor
alimentação para os animais", a Monsanto procura encher os seus cofres
impondo uma alteração radical dos sistemas agrícolas a nível mundial e
dos hábitos alimentares das populações.
Em 2009, os produtos da Monsanto cresciam em 282 hectares a nível
mundial e em 40% da área cultivada nos EUA. Perto de 93% de toda a
plantação de soja e 80% da plantação do milho nos EUA foram cultivadas
com sementes contendo material genético patenteado pela Monsanto
xviii. A Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo.
A expansão da utilização de OGM traduz-se na perda permanente de
biodiversidade e numa ameaça à soberania e segurança alimentar,
principalmente nos países mais pobres, onde as populações sobrevivem à
custa da conservação de sementes.
Roundup: O veneno que se transformou numa mina de ouro
Criando sementes transgénicas que resistem unicamente a este herbicida,
a Monsanto obriga os agricultores a adquirir o Roundup, tornando a sua
comercialização numa verdadeira mina de ouro. Em 2011, as vendas do
Roundup e de outros herbicidas representaram 27 por cento do total das
vendas líquidas da Monsanto.
No documentário “O Mundo Segundo a Monsanto”, Marie-Monique Robin
reproduz a peça publicitária na qual a Monsanto apresenta o Roundup,
como um produto “biodegradável, (que) deixa o solo limpo e respeita o
meio ambiente”. “O glifosfato é menos tóxico para os ratos do que o sal
de mesa ingerido em grande quantidade” , acrescenta a Monsanto,
esquecendo-se de referir que o Roundap é muito mais tóxico na sua
fórmula global.
Na realidade, os estudos que justificaram a homologação do Roundup
foram produzidos somente com base na análise do princípio ativo, não
sendo tidas em conta as características da fórmula final.
O professor Robert Bellé, do Centro Nacional de Investigação Científica
francês, citado por Robin, concluiu que o Roundap desencadeia a
primeira etapa que pode conduzir a situações de cancro 30 a 40 anos mais
tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e em concentrações mais
fracas é um perturbador endócrino para os fetos”, escreveu.
Gilles-Eric Seralini, professor de biologia molecular na Universidad de
Caen (Francia), que desenvolveu várias investigações para a Comissão
Europeia sobre os efeitos dos alimentos transgénicos na saúde, foi
taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas: “mata-as
diretamente”
xix.
Vários estudos
xx têm associado ainda a utilização do Roundup ao desenvolvimento de problemas do sistema reprodutor.