Da glória à queda: Garcia Pereira, "anticomunista primário"
Na
mais recente purga do MRPP, a polémica não se fica pelas querelas
ideológicas: está em causa saber quem controla o dinheiro proveniente da
lei de financiamento dos partidos
Um
raro momento mediático da campanha do Partido Comunista dos
Trabalhadores Portugueses - Movimento Reorganizativo do Partido do
Proletariado (PCTP-MRPP) nas legislativas do passado dia 4 de outubro
foi a polémica em torno da palavra de ordem "morte aos traidores". Quem
diria então que, pouco mais de um mês depois das eleições, o principal
rosto daquele partido seria obrigado a apresentar a sua demissão,
acusado de... traidor.
Na sequência do
desaire eleitoral (60 045 votos contra 62 610 em 2011) que, mais uma
vez, deixou o PCTP-MRPP às portas de São Bento, Garcia Pereira foi
suspenso, juntamente com os outros membros do comité permanente do
comité central, acusados de "incompetência, oportunismo e anticomunismo
primário". Nas últimas semanas, a luta entre a autoproclamada "linha
marxista-leninista", do líder histórico Arnaldo Matos, e a "linha
capitulacionista", assim batizada pelos opositores de Garcia Pereira,
azedou no seio do partido maoista.
A
violência verbal subiu de tom e chegou a ser dirigida à mulher e à filha
do conhecido advogado lisboeta, que o tinham defendido no Facebook.
Garcia Pereira, que ainda a 13 de outubro tweetava um link para um
artigo de Arnaldo Matos, acabou por atirar a toalha ao chão: "Informo
que, embora com uma enorme mágoa, mas também com a firme convicção de
que a história não nos deixará de julgar a todos, me vi constrangido,
como única alternativa com um mínimo de dignidade, a apresentar, no
passado dia 18 de novembro, a minha demissão", lê-se no comunicado que
enviou aos jornais.
A crise no
PCTP-MRPP foi desencadeada por uma carta incendiária publicada no jornal
online Luta Popular, logo no dia seguinte às eleições. Assinada
"Espártaco", exigia a purga dos dirigentes que falharam a missão, apesar
de terem "as melhores condições objetivas de sempre para alcançar os
seus objetivos políticos imediatos: uma situação política geral de
profundo repúdio pela política de austeridade governativa, cerca de 800
mil euros em dinheiro, provenientes da lei de financiamento dos partidos
(12 euros por voto obtido nas eleições legislativas de 2011 e durante
quatro anos), e um membro do comité permanente do comité central com um
programa de televisão semanal na ETV [Garcia Pereira]".
Num
tom imperativo, a carta exigia, além da suspensão do secretário-geral
(Luís Franco) e dos membros do comité permanente, a formação de uma
Comissão Política Especial, destinada a preparar um congresso
extraordinário. A rematar, duas palavras de ordem: "Viva o partido
comunista operário! Morte aos traidores!"
Ao
mesmo tempo, multiplicaram-se no jornal online do partido os artigos
assinados por Arnaldo Matos, de 76 anos, o líder histórico que
abandonara formalmente o MRPP há quase quatro décadas. Ao longo dos
últimos 30 anos, o advogado madeirense, que ficou conhecido em 1975 como
o "grande educador da classe operária" (ver caixa), continuou a ser
considerado pelos militantes como um mentor. Mas há muito que, para os
media e para os eleitores, o rosto do PCTP-MRPP passara a ser outro
advogado: Garcia Pereira.
Embora o
cargo de secretário--geral fosse ultimamente ocupado por Luís Franco,
sindicalista do metro, a figura mais conhecida daquela força política
continuou a ser Garcia Pereira, habitual cabeça de lista às legislativas
e à Câmara de Lisboa, além de candidato às presidenciais.
O
litígio que agora opõe os antigos camaradas não se deve, unicamente, a
divergências políticas. Logo na primeira carta, Espártaco ordenava: "Os
atuais responsáveis pelas finanças do partido devem apresentar o
relatório e contas de todo o tempo em que dirigiram financeiramente o
partido, entregando a pasta à nova comissão no prazo de 15 dias, sem
prejuízo de entregar imediatamente à Comissão Financeira as contas
bancárias e os dinheiros do partido."
É
neste clima de acusações que surge uma ex-secretária de Arnaldo Matos,
Sandra Raimundo. Acusada no Luta Popular de "insultar pessoalmente o
partido e alguns dos seus militantes nas chamadas redes sociais", é
apresentada como sobrinha do dirigente suspenso Domingos Bulhão, "o
responsável pelos dinheiros e contabilidade do partido, atualmente sob
investigação". A visada escreveu um direito de resposta irreproduzível
aqui, mas que foi publicado no blog Insurgente.
No
meio da lavagem de muita roupa suja, Sandra Raimundo identifica
Espártaco como um pseudónimo de Arnaldo Matos. E faz várias referências a
questões financeiras, que terão afinal contribuído para tornar
desavindos camaradas com mais de quatro décadas de militância em nome do
proletariado.»
Jornal Diário de Notícias
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