Sobre o Acordo Estabelecido Pelo Governo PS Com As Associações Patronais E A UGT
O papel da “Concertação Social”
A
“concertação social” que os patrões e os governos das classes
dominantes desejam é um instituto reaccionário que pretende enganar os
trabalhadores, na base do pressuposto de que é possível conciliar os
interesses dos patrões e dos trabalhadores – coisa que, de resto, o
patronato sabe muito bem que não é. A tentativa de “conciliar” as
classes exploradora e trabalhadora é uma linha comum que interessa a
todos os governos emanados das relações de produção capitalistas. Nos
regimes fascistas pretendia-se organizar as sociedades na base de
instituições comuns ao patronato e aos trabalhadores – as corporações. A
Câmara Corporativa em Portugal sob o regime fascista e a Carta del
Lavoro na Itália mussoliniana, por exemplo, visavam esse objectivo,
usando a violência própria dos regimes fascistas.
Com
um regime democrático burguês essa violência bruta não é exercida, a
“coisa” é apresentada como uma negociação em que todas as partes
aparentemente gozam dos mesmos direitos, mas isso em nada altera o
interesse capitalista de evitar a luta dos trabalhadores, na “paz
social” que decorre do poder do patronato sobre eles. A “concertação
social” é um isco que o patronato lança para atrair os trabalhadores a
“negociações” que sempre satisfazem os interesses do mais forte e,
sobretudo, visam a “paz” social, isto é, impedir a luta dos
trabalhadores tentando amarrá-los a “acordos”. O governo aparece como
mediador mas, de facto, como governo burguês, está do lado do patronato.
Da
“concertação social” à portuguesa nunca saiu nada que beneficiasse os
trabalhadores, como se sabe. Mais uma vez, muito bem, a CGTP-IN não
assinou este “acordo” em 2018. Mais uma vez, a UGT assinou-o. Mais uma
vez o patronato saiu a ganhar com medidas que pioram o Código do
Trabalho quanto a salários, horários de trabalho, precariedade e outras
matérias.
De
todas as vezes que se reúne este “conselho de concertação”, seria
obrigatório fazer a denúncia da sua natureza perante os trabalhadores e o
povo e, já agora, da UGT, peça-chave desta encenação, já que, bem ou
mal a Central sindical dos trabalhadores decidiu participar no teatro.
Constantemente martelada pela comunicação social, sem combate ideológico
da outra parte, fica a persistir entre as massas a noção maligna da
“concertação” entre trabalhadores e patrões e a ilusão de que ali se
pode resolver alguma coisa a seu favor. Os sindicatos de classe têm de
explicar aos trabalhadores que a conciliação dos interesses entre
trabalhadores e patrões é simplesmente impossível.
O papel do governo PS
Uma
vez mais o PS – o Partido Socialista e não apenas o governo – se
colocou ao lado dos patrões. Mesmo que não seja imediatamente visível,
há dois conjuntos de questões para os trabalhadores que, não por acaso,
ficaram de fora da chamada “posição conjunta” entre o PS e o PCP: o
princípio da caducidade e o princípio do tratamento mais favorável, que
aqui não se vão explicar. Deles decorrentes em grande parte, estão em
causa o preço da força de trabalho, o salário, a duração e gestão do
tempo de trabalho, a natureza dos vínculos de trabalho e o desemprego
(cujos números apresentados pelas estatísticas oficiais não são
fidedignos).
Estas
questões são hoje o cerne dos interesses dos trabalhadores para a
melhoria da suas condições de vida. Do mesmo modo, e em sentido inverso,
são o cerne dos interesses do patronato para obter mais lucros. Na
administração pública, a questão do preço da força de trabalho tem-se
apresentado sob a forma de exigência de progressão nas carreiras e da
contagem do tempo de trabalho roubado. Pelo facto de o patronato tanto
ter a ganhar com a manutenção da situação é que não se consegue alterar o
Código do Trabalho.
O que faz o PS? Acolhe totalmente as exigências do patronato e recusa a satisfação dos interesses dos trabalhadores.
Na
administração pública e no sector público, esta questão coloca-se em
duas vertentes. Por um lado, o Estado enquanto entidade patronal, por
outro, o Estado enquanto responsável pelo funcionamento dos serviços
públicos que a CRP o obriga a promover. É aqui que se entrecruzam as
reivindicações dos trabalhadores da administração pública e do sector
público e o funcionamento dos serviços públicos.
Faltam
médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica. Faltam professores e
auxiliares. Faltam agentes da segurança pública. Faltam bombeiros e
funcionários das autarquias locais. Faltam obras públicas essenciais.
Faltam fundos para a cultura e a investigação científica. Faltam
serviços postais e balcões da CGD… O país parece rebentar pelas
costuras.
Falta
dinheiro, não se pode fazer tudo de uma vez, diz o governo. Toda a
gente vê que não falta. Houve milhares de milhões para as PPP na saúde,
nas autoestradas, em empresas de transportes, há dinheiro para pagar as
rendas à EDP, etc., etc.
A
CGTP-IN denuncia que, com o banco de horas grupal previsto no acordo de
“concertação” social 150 horas anuais por trabalhador são poupadas ao
patronato, o que baixa de imediato o preço-hora da força de trabalho. Se
o banco de horas fosse aplicado a todos os trabalhadores, 2,6 mil
milhões de euros ficariam no bolso do patronato, ao que se deve
acrescentar os 4,2 mil milhões que não paga aos precários, porque ganham
menos 30%, em média, do que os contratados sem termo. Obviamente que
estas poupanças até permitem acenar com o aumento do salário mínimo.
Tudo
isto se torna cada vez mais visível para toda a gente. Não é preciso
tirar um curso de política. A “nova fase da vida política nacional” vai
perdendo o brilho perante a sua cada vez mais semelhança com a “velha
fase”, naquilo que verdadeiramente interessa a quem vive do seu
trabalho. As expectativas do povo vão-se defraudando.
A política dos trabalhadores
“A
CGTP-IN rejeita acordo celebrado pelo governo, Confederações patronais e
a UGT”, “A CGTP-IN” recusa assinar acordo sindical que ataca os
trabalhadores”, “Nova legislação laboral é uma declaração de guerra aos
trabalhadores”, pode ler-se no sítio da Confederação de sindicatos.
O
acordo de “concertação” foi aprovado na AR, na generalidade, no dia 18
de junho, com os votos contra do PCP, BE e PEV e a abstenção do PSD, CDS
e PAN. Na especialidade, haverá seguramente propostas dos partidos que
se reclamam dos trabalhadores ou de esquerda. Porém, o PS (com o PSD e o
CDS) já antes rejeitou projectos de lei com o objectivo de repor direitos
roubados pelo anterior governo, designadamente sobre as questões atrás
referidas do fim da caducidade das convenções colectivas e do princípio
do tratamento mais favorável ao trabalhador. Por isso, não haverá
grandes dúvidas quanto ao sentido das votações: o PS, PSD e CDS votarão a
favor do patronato e contra o que favorecer os trabalhadores.
Não
vale a pena fazer apelos ao PS ou aos deputados do PS a que procedam de
modo diferente. Revelaria uma grande falta de memória e ignorância a
respeito da história do PS ao longo destes 44 anos de regime pós 25 de Abril. O PS iniciou a contra-revolução, esteve sempre ao lado do capital
e assim continuará a ser. O PS não vai “romper” - seja lá o que isto
for – com coisa nenhuma e muito menos com a política de direita. O PS
vai fazer acordos com o PSD quando isso lhe interessar e vai fazer
“olhinhos” à esquerda quando precisar disso para se prolongar no
governo. Valeria a pena, isso sim, continuar a desmascarar o PS e a sua
natureza de classe e não iludir os trabalhadores com hipóteses que
jamais se concretizarão enquanto a via parlamentar for determinante.
Estamos a desperdiçar tempo, muito tempo na consciencialização dos
trabalhadores para o que virá a seguir. E não será bom. E bom seria
também que os que dizem defender os interesses dos trabalhadores não
perdessem a credibilidade.
Entretanto,
há uma lição que os trabalhadores podem já tirar. Só as lutas duras,
persistentes, determinadas, podem arrancar algumas concessões ao governo
e ao patronato. O parlamentarismo não basta e as leis não são
suficientes. O próprio governo não as cumpre.
No
campo da política dos trabalhadores existe o problema da quadratura do
círculo, que se chama orçamento de Estado para 2019. É o orçamento de
Estado que vai dizer, afinal, aquilo para que há dinheiro: se para as
imposições e compromissos com a UE, para os bancos, para as isenções e
os bónus fiscais aos lucros e rendas obscenos, para o financiamento de
grandes empresas, para as PPP, etc., se para bens e equipamentos
necessários à satisfação das necessidades dos trabalhadores e sua
famílias, para os reformados, para as justas reivindicações dos
trabalhadores da administração pública e para todas as coisas que
sabemos estarem em falta. Lamentamos: quando chove no nabal não há
maneira de não chover na eira, ou, em versão filosófica, tudo o que
fazemos tem consequências.
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