A ideologia da classe dominante
A ideologia da classe dominante
Entre a falsa consciência e a consciência do falso.
Como o capital de modo engenhoso pretende convencer-nos, além do mais, que é humano e lindo.
É
tão amplo e concreto o repertório ideológico desenvolvido pela “classe
dominante” que as melhores definições têm requerido métodos dinâmicos e
instrumentais e muito precisos para caracterizar as suas raízes, efeitos
e perspetivas. No objetivo e no subjetivo. Marx escreveu: [30] As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder materialdominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual
dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção
material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção
espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em
média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção
espiritual”. [1. A classe dominante e consciência dominante. Formação da conceção de Hegel do domínio do espírito na história] Feuerbach, Oposição entre as conceções materialista e idealista (Primeiro Capítulo da Ideologia Alemã)
Com o capitalismo a “dominação” desenvolveu novidades
que não se limitaram ao campo dos instrumentos tecnológicos, mas também
avançaram nos territórios do controle do comportamento grupal e
individual, mais além do poder do “ópio do povo”. A dupla moral
refrescada. À classe dominante fazia falta um ser humano dominado,
esvaziado de forças (políticas e físicas) mas também agradecido. Um ser
humano dominado que reconhecesse (de pensamento, palavra e ação) a
superioridade do seu dominador e lhe conferisse toda a razão pelo seu
ser e modo de ser. Fazia falta um dominado, além do mais, que
considerasse a sua condição como um tesouro e dele cuidasse com esmero
para que a sua prole o herdasse como valor moral conquistado durante
gerações. Tudo isso celebrado entre aplausos e festividades mercantis e
ritos consumistas. A ideologia da classe dominante deixa tatuados no
cérebro todos os seus anti valores individualistas. «Triste época a nossa! É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito.» Albert Einstein (1879~1955) O paraíso da dominação.
A
classe dominante, adoradora do capital, ensinou aos seus subordinados a
mesma adoração, mas esvaziada de possessão. Tornou invisíveis todos os
truques engendrados para roubar ao trabalhador o produto do seu
trabalho, enquanto o convencia de que os recursos naturais deviam estar
nas mãos de privados; que o Governo é coisa corrupta que deve ser gerido
por técnicos e que a ordem deve ser respeitada, porque os povos,
mal-educados, são um perigo para eles mesmos. E os povos pagam (alguns
até com orgulho) polícias e exércitos para que os reprimam; bancos e
financeiros para que obtenham lucros disfarçados de “créditos”;
empresários e mercadores para que sequestrem os seus salários;
universidades e academias para que sequestrem os seus conhecimentos;
indústrias “mass media” para que anestesiem a consciência do
saqueado; igrejas e cultos para que sublimem a mansidão; leis e
legislação para legalizar o roubo… um aparato enorme de instituições e
valores fabricados para manter sob controlo qualquer intento de se
sentirem com direitos ou proprietários do trabalho ou das
matérias-primas. A alienação e a privação como protagonistas estelares
do drama da expropriação.
No
seu conjunto as ideias dominantes (com a sua dupla moral) são a
expressão das relações materiais dominantes. O que serve para os
submetidos, não serve aos opressores. A ideologia do que domina é um
repertório amplíssimo de “falsa consciência”, de lixo intelectual para
esconder, debaixo do tapete, os mortos que fabrica e as misérias
que gera. Dupla moral em que tudo o que é proibido para o submetido se
permite para quem o submete. Aqueles que formam a classe dominante sabem
bem o que, como e quando, dominam numa determinada época histórica
específica e como devem atualizar os “mecanismos” materiais e simbólicos
para perpetuar a sua dominação. Essa classe atua permanentemente como
produtora de ideias, ainda que sejam ideias repetitivas e irracionais,
porque delas necessitam para regular a produção e a distribuição das
ideias dominantes da época. E, claro que, no repertório das lutas
inter-burguesas, cada fação organiza as suas cadeias de produção de
ideias para competir no mercado dos pensamentos subordinados.
Há
“grandes maestros” na arte do engano, capazes de garantir a
invisibilidade da exploração do trabalho, divisão do trabalho espiritual
e material, para criarem a ilusão de que são muito ativos no
desenvolvimento da força produtiva, quando, na realidade, são
subalternos com pouco tempo para se educarem e precaver-se dos enganos e
dominar ideias sobre si mesmos ou dominar uma situação da qual se
conhece pouco ou nada. O cúmulo é quando os dominados creem que as
ideias dominantes lhes pertencem e devem defende-las com a própria vida.
Mentiras,
medo e consumismo, com todos os seus derivados concomitantes, são os
nós nevrálgicos nas ideias e na prática de classe dominante sobre as
condições de produção impostas como verdades universais. A submissão
como princípio. A classe dominante impõe os seus gostos e os seus
gestos, as suas amizades [fílias] e fobias, para perseguir os
seus objetivos, apresentando como coletivo o seu próprio interesse e
imprimir em todos as suas ideias. Como alimentar, vestir, distrair e
educar as crianças desde o berço; como se beijar, amar e reproduzir-se…
desde a cama; como andar, saudar, sorrir, abraçar e ate insultar; como
sonhar, como entender, como disfrutar… como acreditar e confiar. Minuto a
minuto, sob uma barragem permanente de estereótipos exibidos pela
ditadura cultural e comunicacional dominantes, a titulo de
modelo de sucesso que, se não for seguido, virá a maldição por não se
adaptar, ser vulgar… pobre.
Elucidar,
desmontar, desacreditar e superar a fraude descomunal da “ideologia da
classe dominante” (ou seja, que o capital não predomine sobre os seres
humanos) é um trabalho que deve ser assumido de maneira científica e,
por isso, sistemática. O debate contra a ideologia da classe dominante,
não é um “desporto” escolástico, nem uma atitude rebelde só para
contrariar, por simples oposição, a uma classe que representa a parte
mais odiosa da sociedade: a sua abjeção. Há que refutá-la no âmago das
suas contradições realmente existentes, para que os povos tenham
condições de se erguerem para se libertarem da classe dominante. E não
derrota-la para a imitar. A dominação da classe não é só a dominação com
as (suas) ideias, há que derrotar os seus métodos de exploração do
trabalho e o saque dos recursos naturais. Uma luta sem a outra
(económica e ideológica) é uma história extenuante que leva a
frustrações e retrocessos enormes. Já vimos isso muitas vezes.
Uma
vez que as ideias dominantes se combatem conjuntamente com as relações
de produção, o que surge de maneira perfeitamente natural, são as ideias
para mudar as relações existentes, ideias que proliferam na relação
sobre os seres humanos, a essência da humanidade, sua filosofia, o seu
desenvolvimento na história, a verdadeira que concluirá que não devemos
contentar-nos só com a análise das ideias dominantes ou as ilusões
induzidas pela classe dominante. Que não nos devemos contentar com
reduzir o império das ideias hegemónicas à sua substância mística ou a
capricho do próprio pensamento. Não nos contentarmos com explicações
mecanicistas nem lineares, puramente economicistas nem puramente
religiosas, que nos levariam ao erro de eliminar da história as
condições materiais e repetir o modelo escapista especulativo. Ilusões,
sonhos e ideias distorcidas para mentir, assustar e vender enquanto se
escondem os negócios e a exploração do trabalho existente.
A
nossa batalha pela supremacia dos seres humanos sobre o capital, contra
a ideologia da classe dominante, deve servir para aprender a distinguir
e atuar, com toda a clareza, o momento de explicar e derrotar as
armadilhas entre o que parece ser e o que realmente é. É urgente contar
com um instrumental de luta que consiga penetrar a todos os níveis da
inteligência humana que até agora foi camuflada como um problema
inconsequente ou inexistente. É urgente.
Dr. Fernando Buen Abad Domínguez
Diretor do Instituto de Cultura e Comunicação
Universidade Nacional de Lanús
Tradução de CS
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