Translate

domingo, 5 de maio de 2019

Com a devida vénia ao jornal EXPRESSO publico esta entrevista, embora o entrevista se haja esquecido de apontar a relevância de fortes movimentos e partidos em Portugal que mantêm viva a memória do pesadelo fascista.





Entrevista

Riccardo Marchi

“A entrada do Vox no Parlamento espanhol quebrou o mito da Pensínsula Ibérica imune à extrema-direita”


<span class="creditofoto">Foto Reuters</span>
Foto Reuters
Riccardo Marchi é doutorado em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE e é considerado uma dos maiores especialista na extrema-direita em Portugal. Ao Expresso deu conta de algumas das particularidades da atual emergência de partidos extremistas na Europa e explica porque é que Portugal, por enquanto, ainda escapa ao contágio
Entrevista Helder C. Martins
O sucesso do Vox, partido ultranacionalista espanhol que obteve 24 deputados nas eleições gerais deste domingo, não terá efeito na subida da extrema-direita em Portugal, defende Riccardo Marchi, investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL).
“As condições em Portugal para o surgimento de um partido populista de direita existem”, afirma este especialista em radicalismo de direita. Mas, “não existe um empresário político com autonomia financeira suficiente e capaz de apresentar uma oferta política em consonância com os temas fraturantes que existem na sociedade portuguesa”. E nem a própria velha extrema-direita nutre grande interesse por muitas das propostas dos novos partidos.
Nesta entrevista, Marchi distingue ainda velhos e novos discursos da extrema-direita na Europa e dá conta da dinâmica vivida por estes partidos nos últimos 25 anos.

<span class="creditofoto">Foto Goffredo Adinolfi</span>
Foto Goffredo Adinolfi

Só Portugal e mais cinco países da União Europeia não têm partidos de extrema-direita eleitos no Parlamento. Como se pode explicar esta tendência, a que escapam, além de Portugal, a Irlanda, o Luxemburgo, Malta, o Reino Unido e a Roménia ?
Apesar de se assistir a um crescimento generalizado da extrema-direita na Europa, este fenómeno tem diferenças de dinâmica e de cronologia. Nos últimos 25 anos, pelo menos, temos partidos de extrema-direita que tiveram um sucesso relâmpago, mas também quedas abruptas (caso do Romania Mare); partidos que subiram, desceram e voltaram a subir (caso da Lega, em Itália, a nível nacional); partidos que alcançaram boas percentagens eleitorais mas que a partir daí estagnaram (caso do partido de Geert Wilders, na Holanda). E há ainda partidos que nunca tiveram nenhum êxito relevante, embora estejam presentes no sistema político há mais de uma década, caso do PNR em Portugal.
O que explica o êxito relativo de cada partido?
Os fatores de sucesso ou insucesso têm a ver muito com as características internas nacionais. Não conheço os casos específicos de Malta ou do Luxemburgo. Mas podemos dizer que nos países onde existe uma forte tradição de nacionalismo de esquerda (Irlanda) é mais difícil o nacionalismo de extrema-direita vingar. O mesmo se pode dizer para países com comunidades de imigrantes inseridas num tecido económico em crescimento e sem grandes problemas de desemprego, marginalidade social ou riscos de proletarização da classe média nacional (Luxemburgo).
Que diferenças há entre os “velhos” partidos de extrema-direita, como a Frente Nacional. em França, ou a Liga, em Itália, e os novos?
Refere-se à Frente Nacional (hoje Rassemblement National) e à Liga Norte como “velhos partidos de extrema-direita”, imagino por estarem na cena política há várias décadas. Os estudos científicos costumam dividir a velha extrema-direita da nova extrema-direita através de outros fatores, nomeadamente a reivindicação do legado fascista, ou seja o afundar as raízes do partido nos autoritarismos entre as duas guerras mundiais. Todos estes partidos caracterizam-se por se colocarem (ou melhor: por serem colocados) na extrema-direita da clivagem direita-esquerda dos respetivos países; por se assumirem como atores políticos antissistema.
Os partidos da “nova” extrema-direita rejeitam qualquer referência ao fascismo e até se definem abertamente antifascistas
Mas o que separa os novos dos velhos partidos de extrema-direita?
A diferença reside na terceira característica: o legado do passado autoritário. Os partidos da “velha” extrema-direita reconhecem as suas raízes no passado fascista, os da “nova” rejeitam qualquer referência ao fascismo e até se definem abertamente antifascistas. Na “velha” extrema-direita encontramos partidos clássicos, como o Movimento Social Italiano (MSI) – partido que deu origem à Aliança Nacional e, mais recentemente, aos Irmãos de Itália - ou como o Partido Nacional Britânico. Existem também os casos do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), do Jobbik, na Hungria, ou o Aurora Dourada, na Grécia.
E na nova extrema-direita?
Na nova Extrema Direita encontramos partidos como o Rassemblement National (França), a Liga (Itália), o Partido da Liberdade, de Geert Wilders (Holanda), o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), entre outros. Embora todos estes partidos da velha e da nova extrema-direita tenham hoje agendas políticas muito parecidas – eurocéticos, anti-imigração, anti-islamismo, um discurso populista contra as elites político-económicas dos respetivos países e da UE, os dados mostram que só os partidos da nova extrema-direita conseguem resultados eleitorais assinaláveis, obtendo entre 15% e 25% dos votos. O que lhes permite chegar à liderança de governos nacionais. Esta evidência empírica já levou alguns partidos da velha extrema direita ou que tinham no seu interior fações ligadas ao passado autoritário a modificar a própria imagem ou expulsar os saudosistas. Com maior ou menor sucesso foram os casos do FPO, na Áustria, dos Democratas Suecos ou do Jobbik, na Hungria. Existem também partidos que permanecem imutáveis neste aspeto, como o Aurora Dourada, na Grécia, ou o Casa Pound, em Itália.
Mudança de imagem para conquistar eleitorado?
Neste sentido, os partidos mais recentes que surgem – é o caso do Vox – mesmo que pertençam à velha extrema-direita, assumem desde logo uma iconografia, imagem, discurso, agenda moldada mais na nova extrema-direita. O Vox assume assim uma posição muito dura contra a Lei da Memória Histórica, em defesa do passado franquista, mas sem recorrer à parafernália clássica da galáxia franquista ou falangista espanhola.
A entrada do Vox no Parlamento espanhol, pode contagiar Portugal?
A entrada do Vox no Parlamento espanhol quebrou o mito da Pensínsula Ibérica imune à extrema-direita. Contudo, não creio que haja um efeito direto entre o sucesso de Vox e a subida da extrema-direita em Portugal. Por várias razões. Em primeiro lugar, o Vox surge de uma base de direita dura já presente e organizada dentro do PP há anos: uma base descontente com a crise do PP pela sua moderação e pelos escândalos de corrupção. Em segundo, o Vox surge como reação a uma clivagem muito forte em Espanha, que é a dos nacionalismos periféricos, nomeadamente o catalão, com toda a grave crise dos últimos anos. Em Portugal não temos rastilhos parecidos: a crise do PSD produziu cisões ou moderadas (Aliança) ou personalistas (Basta, de André Ventura). A viragem ao centro liberal do CDS com Assunção Cristas e Mesquita Nunes não favoreceu de forma significativa – até agora – a linha interna mais à direita: Tendência Esperança em Movimento (TEM).
E para além do espetro partidário?
Fora dos partidos, não há clivagens que fraturem a sociedade portuguesa oferecendo janelas de oportunidade para eventuais atores de extrema-direita. A crise económica, os escândalos de corrupção, a crise da elite financeira com a falência dos bancos e as suas ligações ao mundo político, já têm quase uma década e não produziram efeitos significativos na cena política, mesmo à luz das últimas sondagens para as europeias. Não estou a ver que seja o sucesso de um partido na vizinha Espanha a modificar este cenário.
Nestas quatro décadas surgiram pelo menos duas gerações de eleitores que não tiveram experiência direta do autoritarismo e que não são impedidas pela memória antifascista respirada em família - quando e se ela existe - de sentir atração por agendas políticas populistas de direita
Porque é que Portugal não teve ainda um partido de extrema-direita?
O facto de que em Portugal a velha extrema-direita ser pouco expressiva está em linha com a generalidade dos países europeus. Diferente é o caso da nova extrema-direita em ascensão na Europa, mas ainda pouco expressiva em Portugal. Os fatores explicativos frequentemente apontados são: ausência do problema migratório a nível nacional; presença de uma comunidade islâmica reduzida e historicamente integrada; ausência de graves fraturas étnico-regionais; presença de um próeuropeismo difuso na opinião pública; existência de um PCP com discurso soberanista e antieuropeísta; relativa proximidade do passado autoritário.
Concordo com as primeiras cinco explicações, menos com a última. Já passaram mais de quarenta anos do fim do Estado Novo. Do ponto de vista político não é um período assim tão curto. Nestas quatro décadas surgiram pelo menos duas gerações de eleitores que não tiveram experiência direta do autoritarismo e que não são impedidas pela memória antifascista respirada em família - quando e se ela existe - de sentir atração por agendas políticas populistas de direita, calibradas nas contingências socio-político-económicas atuais. Os casos da Grécia (Aurora Dourada) e de Espanha (Vox), com regimes autoritários “recentes”, como em Portugal, demonstram isso.
Porque motivo não vingam os partidos de extrema-direita em Portugal ?
A razão desta fraca expressividade reside nas carências da oferta populista em Portugal. As condições em Portugal para o surgimento de um partido populista de direita existem. Basta ver os dados relativos à insatisfação com as instituições políticas — com os partidos em primeiro lugar —, a percentagem de abstencionismo nas eleições, o descrédito da elite político-económica com a crise financeira, o colapso dos bancos, a corrupção percecionada, os níveis de emigração por desemprego. Mas não existe um empresário político com autonomia financeira suficiente e capaz de apresentar uma oferta política em consonância com os temas fraturantes que existem na sociedade portuguesa. O que permitiria, por um lado, mobilizar parte do abstencionismo e, por outro, transferir votos dos eleitores descontentes dos partidos mainstream. Creio que em Portugal existe um sentimento antielites interessado num populismo de protesto mais do que num populismo identitário. Um sentimento antielitista não disponível para partidos da velha extrema-direita, mas também pouco interessado em agendas políticas da nova extrema-direita, focadas na pequena criminalidade, na castração química, nos conflitos étnicos ou similares.
Os portugueses estão mais interessados num populismo de protesto do que num populismo identitário?
Digo isso porque causa-me alguma perplexidade a estratégia eleitoral e comunicacional do único candidato que não rejeita o rótulo de populista de direita: André Ventura. Por um lado, Ventura, apesar de ter um capital social mediático relevante, decidiu fazer uma coligação com três partidos já em declínio (PPM) ou sem qualquer prova dada de radicação territorial e eleitoral (Partido Cidadania e Democracia Cristã e o movimento Democracia 21). Uma estratégia que não traz qualquer vantagem para além de ultrapassar os eventuais problemas de recolha das assinaturas para o Tribunal Constitucional. Ventura apostou também muito em temas como a prisão perpétua e a castração química, que para além de não serem típicos da extrema-direita - existem já há anos na legislação de outros países europeus, e não por mão da extrema-direita- não estão entre as prioridades das preocupações do eleitorado português. A isso somam-se posições pró-europeias que podem até alhear algum voto nacionalista por quanto escasso este seja. A este último respeito, vale a pena um aceno para o PNR, que pode de facto perder algum eleitorado em favor do Ventura, por ter uma imagem mais apelativa para os média. Os dados não apontam para nenhuma subida relevante do PNR, que ainda paga muito o ostracismo dos média.

Sem comentários:

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.