Riccardo
Marchi é doutorado em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE e é
considerado uma dos maiores especialista na extrema-direita em Portugal.
Ao Expresso deu conta de algumas das particularidades da atual
emergência de partidos extremistas na Europa e explica porque é que
Portugal, por enquanto, ainda escapa ao contágio
Entrevista Helder C. Martins
O
sucesso do Vox, partido ultranacionalista espanhol que obteve 24
deputados nas eleições gerais deste domingo, não terá efeito na subida
da extrema-direita em Portugal, defende Riccardo Marchi, investigador do
Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa
(CEI-IUL).
“As condições em Portugal para o
surgimento de um partido populista de direita existem”, afirma este
especialista em radicalismo de direita. Mas, “não existe um empresário
político com autonomia financeira suficiente e capaz de apresentar uma
oferta política em consonância com os temas fraturantes que existem na
sociedade portuguesa”. E nem a própria velha extrema-direita nutre
grande interesse por muitas das propostas dos novos partidos.
Nesta
entrevista, Marchi distingue ainda velhos e novos discursos da
extrema-direita na Europa e dá conta da dinâmica vivida por estes
partidos nos últimos 25 anos.
Só
Portugal e mais cinco países da União Europeia não têm partidos de
extrema-direita eleitos no Parlamento. Como se pode explicar esta
tendência, a que escapam, além de Portugal, a Irlanda, o Luxemburgo,
Malta, o Reino Unido e a Roménia ?
Apesar de se
assistir a um crescimento generalizado da extrema-direita na Europa,
este fenómeno tem diferenças de dinâmica e de cronologia. Nos últimos 25
anos, pelo menos, temos partidos de extrema-direita que tiveram um
sucesso relâmpago, mas também quedas abruptas (caso do Romania Mare);
partidos que subiram, desceram e voltaram a subir (caso da Lega, em
Itália, a nível nacional); partidos que alcançaram boas percentagens
eleitorais mas que a partir daí estagnaram (caso do partido de Geert
Wilders, na Holanda). E há ainda partidos que nunca tiveram nenhum êxito
relevante, embora estejam presentes no sistema político há mais de uma
década, caso do PNR em Portugal.
O que explica o êxito relativo de cada partido?
Os
fatores de sucesso ou insucesso têm a ver muito com as características
internas nacionais. Não conheço os casos específicos de Malta ou do
Luxemburgo. Mas podemos dizer que nos países onde existe uma forte
tradição de nacionalismo de esquerda (Irlanda) é mais difícil o
nacionalismo de extrema-direita vingar. O mesmo se pode dizer para
países com comunidades de imigrantes inseridas num tecido económico em
crescimento e sem grandes problemas de desemprego, marginalidade social
ou riscos de proletarização da classe média nacional (Luxemburgo).
Que
diferenças há entre os “velhos” partidos de extrema-direita, como a
Frente Nacional. em França, ou a Liga, em Itália, e os novos?
Refere-se
à Frente Nacional (hoje Rassemblement National) e à Liga Norte como
“velhos partidos de extrema-direita”, imagino por estarem na cena
política há várias décadas. Os estudos científicos costumam dividir a
velha extrema-direita da nova extrema-direita através de outros fatores,
nomeadamente a reivindicação do legado fascista, ou seja o afundar as
raízes do partido nos autoritarismos entre as duas guerras mundiais.
Todos estes partidos caracterizam-se por se colocarem (ou melhor: por
serem colocados) na extrema-direita da clivagem direita-esquerda dos
respetivos países; por se assumirem como atores políticos antissistema.
Os partidos da “nova” extrema-direita rejeitam qualquer referência ao fascismo e até se definem abertamente antifascistas
Mas o que separa os novos dos velhos partidos de extrema-direita?
A
diferença reside na terceira característica: o legado do passado
autoritário. Os partidos da “velha” extrema-direita reconhecem as suas
raízes no passado fascista, os da “nova” rejeitam qualquer referência ao
fascismo e até se definem abertamente antifascistas. Na “velha”
extrema-direita encontramos partidos clássicos, como o Movimento Social
Italiano (MSI) – partido que deu origem à Aliança Nacional e, mais
recentemente, aos Irmãos de Itália - ou como o Partido Nacional
Britânico. Existem também os casos do Partido Nacional Democrático da
Alemanha (NPD), do Jobbik, na Hungria, ou o Aurora Dourada, na Grécia.
E na nova extrema-direita?
Na
nova Extrema Direita encontramos partidos como o Rassemblement National
(França), a Liga (Itália), o Partido da Liberdade, de Geert Wilders
(Holanda), o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), entre
outros. Embora todos estes partidos da velha e da nova extrema-direita
tenham hoje agendas políticas muito parecidas – eurocéticos,
anti-imigração, anti-islamismo, um discurso populista contra as elites
político-económicas dos respetivos países e da UE, os dados mostram que
só os partidos da nova extrema-direita conseguem resultados eleitorais
assinaláveis, obtendo entre 15% e 25% dos votos. O que lhes permite
chegar à liderança de governos nacionais. Esta evidência empírica já
levou alguns partidos da velha extrema direita ou que tinham no seu
interior fações ligadas ao passado autoritário a modificar a própria
imagem ou expulsar os saudosistas. Com maior ou menor sucesso foram os
casos do FPO, na Áustria, dos Democratas Suecos ou do Jobbik, na
Hungria. Existem também partidos que permanecem imutáveis neste aspeto,
como o Aurora Dourada, na Grécia, ou o Casa Pound, em Itália.
Mudança de imagem para conquistar eleitorado?
Neste
sentido, os partidos mais recentes que surgem – é o caso do Vox – mesmo
que pertençam à velha extrema-direita, assumem desde logo uma
iconografia, imagem, discurso, agenda moldada mais na nova
extrema-direita. O Vox assume assim uma posição muito dura contra a Lei
da Memória Histórica, em defesa do passado franquista, mas sem recorrer à
parafernália clássica da galáxia franquista ou falangista espanhola.
A entrada do Vox no Parlamento espanhol, pode contagiar Portugal?
A
entrada do Vox no Parlamento espanhol quebrou o mito da Pensínsula
Ibérica imune à extrema-direita. Contudo, não creio que haja um efeito
direto entre o sucesso de Vox e a subida da extrema-direita em Portugal.
Por várias razões. Em primeiro lugar, o Vox surge de uma base de
direita dura já presente e organizada dentro do PP há anos: uma base
descontente com a crise do PP pela sua moderação e pelos escândalos de
corrupção. Em segundo, o Vox surge como reação a uma clivagem muito
forte em Espanha, que é a dos nacionalismos periféricos, nomeadamente o
catalão, com toda a grave crise dos últimos anos. Em Portugal não temos
rastilhos parecidos: a crise do PSD produziu cisões ou moderadas
(Aliança) ou personalistas (Basta, de André Ventura). A viragem ao
centro liberal do CDS com Assunção Cristas e Mesquita Nunes não
favoreceu de forma significativa – até agora – a linha interna mais à
direita: Tendência Esperança em Movimento (TEM).
E para além do espetro partidário?
Fora
dos partidos, não há clivagens que fraturem a sociedade portuguesa
oferecendo janelas de oportunidade para eventuais atores de
extrema-direita. A crise económica, os escândalos de corrupção, a crise
da elite financeira com a falência dos bancos e as suas ligações ao
mundo político, já têm quase uma década e não produziram efeitos
significativos na cena política, mesmo à luz das últimas sondagens para
as europeias. Não estou a ver que seja o sucesso de um partido na
vizinha Espanha a modificar este cenário.
Nestas
quatro décadas surgiram pelo menos duas gerações de eleitores que não
tiveram experiência direta do autoritarismo e que não são impedidas pela
memória antifascista respirada em família - quando e se ela existe - de
sentir atração por agendas políticas populistas de direita
Porque é que Portugal não teve ainda um partido de extrema-direita?
O
facto de que em Portugal a velha extrema-direita ser pouco expressiva
está em linha com a generalidade dos países europeus. Diferente é o caso
da nova extrema-direita em ascensão na Europa, mas ainda pouco
expressiva em Portugal. Os fatores explicativos frequentemente apontados
são: ausência do problema migratório a nível nacional; presença de uma
comunidade islâmica reduzida e historicamente integrada; ausência de
graves fraturas étnico-regionais; presença de um próeuropeismo difuso na
opinião pública; existência de um PCP com discurso soberanista e
antieuropeísta; relativa proximidade do passado autoritário.
Concordo
com as primeiras cinco explicações, menos com a última. Já passaram
mais de quarenta anos do fim do Estado Novo. Do ponto de vista político
não é um período assim tão curto. Nestas quatro décadas surgiram pelo
menos duas gerações de eleitores que não tiveram experiência direta do
autoritarismo e que não são impedidas pela memória antifascista
respirada em família - quando e se ela existe - de sentir atração por
agendas políticas populistas de direita, calibradas nas contingências
socio-político-económicas atuais. Os casos da Grécia (Aurora Dourada) e
de Espanha (Vox), com regimes autoritários “recentes”, como em Portugal,
demonstram isso.
Porque motivo não vingam os partidos de extrema-direita em Portugal ?
A
razão desta fraca expressividade reside nas carências da oferta
populista em Portugal. As condições em Portugal para o surgimento de um
partido populista de direita existem. Basta ver os dados relativos à
insatisfação com as instituições políticas — com os partidos em primeiro
lugar —, a percentagem de abstencionismo nas eleições, o descrédito da
elite político-económica com a crise financeira, o colapso dos bancos, a
corrupção percecionada, os níveis de emigração por desemprego. Mas não
existe um empresário político com autonomia financeira suficiente e
capaz de apresentar uma oferta política em consonância com os temas
fraturantes que existem na sociedade portuguesa. O que permitiria, por
um lado, mobilizar parte do abstencionismo e, por outro, transferir
votos dos eleitores descontentes dos partidos mainstream. Creio que em
Portugal existe um sentimento antielites interessado num populismo de
protesto mais do que num populismo identitário. Um sentimento
antielitista não disponível para partidos da velha extrema-direita, mas
também pouco interessado em agendas políticas da nova extrema-direita,
focadas na pequena criminalidade, na castração química, nos conflitos
étnicos ou similares.
Os portugueses estão mais interessados num populismo de protesto do que num populismo identitário?
Digo
isso porque causa-me alguma perplexidade a estratégia eleitoral e
comunicacional do único candidato que não rejeita o rótulo de populista
de direita: André Ventura. Por um lado, Ventura, apesar de ter um
capital social mediático relevante, decidiu fazer uma coligação com três
partidos já em declínio (PPM) ou sem qualquer prova dada de radicação
territorial e eleitoral (Partido Cidadania e Democracia Cristã e o
movimento Democracia 21). Uma estratégia que não traz qualquer vantagem
para além de ultrapassar os eventuais problemas de recolha das
assinaturas para o Tribunal Constitucional. Ventura apostou também muito
em temas como a prisão perpétua e a castração química, que para além de
não serem típicos da extrema-direita - existem já há anos na legislação
de outros países europeus, e não por mão da extrema-direita- não estão
entre as prioridades das preocupações do eleitorado português. A isso
somam-se posições pró-europeias que podem até alhear algum voto
nacionalista por quanto escasso este seja. A este último respeito, vale a
pena um aceno para o PNR, que pode de facto perder algum eleitorado em
favor do Ventura, por ter uma imagem mais apelativa para os média. Os
dados não apontam para nenhuma subida relevante do PNR, que ainda paga
muito o ostracismo dos média.
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