A história de uma fraude
Foi
com estranheza e até desilusão (não tenho porque esconder) que assisti
ao espetáculo de maquinação política executado pelo Governo de António
Costa nos últimos dias.
Mais do que as causas do
fracasso negocial, importa esclarecer, para memória futura, as contas da
atualização da carreira dos professores. O Governo avançou vários
números, confundiu âmbitos e tempos de aplicação, insinuou uma
contabilização retroativa do tempo de serviço que nunca esteve em causa,
sem tornar públicos os dados que permitissem a jornalistas, sindicatos,
partidos verificar as contas autonomamente. A opacidade é sempre uma má
prática democrática. Sendo o propósito confundir e assustar, a
opacidade é uma arma poderosa.
Tentemos, com os dados disponíveis, contribuir para um debate são, acerca de medidas praticáveis.
Assim falava Centeno
Segundo
António Costa, a medida, alargada a todas as carreiras especiais,
“implicaria um aumento da despesa certa e permanente de 800 milhões em
cada ano”.
Se eu lhe disser que o descongelamento
das carreiras gerais da Função Pública aprovado em 2017 implicou um
aumento de despesa permanente anual de 992 milhões vai achar estranho,
porque a medida nunca foi apresentada desta forma. Basta ler os
Programas de Estabilidade: o descongelamento tem impactos orçamentais em
três anos e um custo líquido final (descontado dos impostos e
contribuições que o Estado recebe) de 564 milhões. Assim falava Centeno.
Foi
com estranheza e até desilusão (não tenho porque esconder) que assisti
ao espetáculo de maquinação política executado pelo Governo de António
Costa nos últimos dias
Se eu lhe disser que a
despesa com o aumento das pensões em 2019 foi superior a 600 milhões,
vai achar estranho. Todos os anos, desde 2017, as pensões foram
aumentadas em mais de 200 milhões, mas a soma destes aumentos nunca foi
feita, nem assim apresentada. Para 2019, o aumento foi calculado em 268
milhões.
Aliás, boa parte das medidas negociadas
nesta legislatura têm um impacto orçamental permanente: todos os anos o
Orçamento pagará o aumento dos apoios sociais e a descida do IRS. Mas o
rigor impediu que essa fosse a forma de considerar os números. Então,
porque é que o Governo altera agora as suas próprias regras, deturpando
os custos, indo ao ponto de recusar fornecer o valor líquido da
atualização das carreiras dos professores?
E nos Açores, meus senhores?
Ao
contrário das pensões ou do IRS, a despesa associada à atualização das
carreiras dos professores não é permanente. O Estado só pagará os novos
salários, correspondentes aos escalões de reposicionamento, enquanto
estas pessoas estiverem no ativo. Depois, a pensão terá em consideração
toda a carreira contributiva e, nesse cálculo, os 9 anos continuam
congelados. Não é uma questão menor, se tivermos em conta que cerca de
metade dos professores tem mais de 50 anos.
Se
considerarmos ainda que os trabalhadores que saem serão substituídos por
entradas nos escalões iniciais, a despesa com as carreiras diminuirá
significativamente. É por isso que um esquema de reformas antecipadas
teria sido, como propôs o Bloco, uma forma sensata de negociação.
Outra
questão é o prazo para completar o reposicionamento. O Governo fez as
contas a 4 anos. Mas porquê? As propostas aprovadas remetiam apenas para
negociação, sem prazo. Nos Açores e na Madeira, o PS aprovou 7 anos,
que também era a proposta dos sindicatos. O custo anual seria menor, e o
custo total também, devido ao efeito das reformas entretanto havidas,
sem falar na inflação.
Se apresentarmos a proposta
de atualização das carreiras especiais em linha com a formulação que o
Governo usou em 2017 para o descongelamento das carreiras dos restantes
funcionários públicos, teremos o seguinte: a atualização das carreiras
especiais tendo em conta todo o tempo de serviço terá, no final, uma
despesa total líquida de 567 milhões. Tendo em conta que 169 milhões já
foram previstos pelo Governo, no fim do prazo a negociar, o custo
líquido adicional será de 398 milhões (dos quais, 310 milhões relativos
aos professores). Menos dramático que “um aumento da despesa certa e
permanente de 800 milhões em cada ano”, não é?
Mesmo
os valores brutos divulgados pelo Governo (ver quadro) serão
maximalistas. Dependendo de outros fatores, as pré-reformas, as vagas a
abrir nos 5º e 7º escalões ou a taxa de IRS considerada, os valores
podem ser inferiores. A título de exemplo, a UTAO adota uma taxa de IRS
de 15%, resultante das contas do Governo no Programa de Estabilidade,
que parece subestimada. Usando a taxa de retenção de cada escalão, o
impacto líquido pode reduzir-se até 100 milhões de euros.
Teria
sido possível negociar um resultado diferente. Ao invés, para forçar o
embaraço da direita e pressionar os partidos que cumpriram a sua
palavra, o PS estava disposto a demitir-se por uma medida que a UTAO
garante que não colocaria em causa as regras orçamentais europeias, nem o
superávite estrutural.
No recuo, a direita insiste
numa proposta cujas condicionantes atirariam a reposição para daqui a
50 anos. Uma manobra sem consequência.
A febre da maioria absoluta
Números
e factos foram manipulados com o objetivo de despertar na população
portuguesa um sentimento perigoso: o ressentimento social. Insinuações e
comparações absurdas fizeram uma campanha de desinformação com um só
propósito: um toque a rebate eleitoral para recolocar um cenário de
maioria absoluta.
Nada foi deixado ao acaso. O
Governo avançou com o decreto dos professores, isolando-os face às
restantes carreiras especiais e manteve uma pretensa negociação em que
entrou e saiu com a mesma proposta. As conferências de imprensa e
comunicados estão cheios de imprecisões e contradições, sempre tratando a
especificidade da carreira docente como um privilégio, lançando a
desconfiança. Desconfiança que foi alimentada historicamente pela
direita portuguesa para, tirando a todos, não dar nada a nenhum.
Desconfiança que, como qualquer populismo retrógrado, lança o olhar das
pessoas para o lado e para baixo, para que nunca ninguém levante a
cabeça para questionar os verdadeiros privilegiados (como votará o PS as
propostas para terminar privilégios económicos nas PPP da saúde, nas
rendas da energia, na tributação da banca?). Uma desconfiança que um dia
o CDS lançou contra os beneficiários do RSI e que serve agora ao PS.
Uma desconfiança com efeitos de longo prazo.
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