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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Uma vitória que não parece “poucochinho” num cenário que pouco muda

26.05.2019 às 23h41

O PS conseguiu o resultado que desejava, ficando bastante destacado do PSD. A verdade é que o PS fica cinco pontos percentuais acima do PSD e do CDS juntos que, apenas mais um do que em 2014, lhe deu uma vitória “poucochinha”. Ninguém fará esta conta e isso é que interessa. O Bloco de Esquerda é, com o PAN, o que mais tem a festejar nesta noite, recuperando a vantagem à esquerda. Mas não mudou muito em cinco anos

Como nota prévia, a abstenção. A comparação com 2014 é enganadora. É verdade que a abstenção, há cinco anos, foi de 66,2% e este ano foi de 69%. Mas a verdade é que até votaram mais eleitores. Por uma razão: o registo dos emigrantes que vivem noutros países europeus é automático, o que correspondeu a um aumento de um milhão de pessoas nos cadernos eleitorais (emigrantes), aumentando assim a base eleitoral e, por consequência, a taxa de abstenção. Para o que realmente interessa, a abstenção não aumentou de forma significativa. A abstenção é um excelente retrato do nosso europeísmo acrítico. Somos euroabstencionistas. Mas é a verdade é que fazemos parte do clube dos mais abstencionistas. Tenho uma tese sobre isso: nada se joga aqui. Em muitos países europeus, houve, por causa da extrema-direita, uma dramatização que levou mais gente às urnas.

Antes de tudo, temos de decidir o que é vencer ou perder nestas eleições. Uma parte é psicológica – não é nada irrelevante na política –, outra é importante para os efeitos que tem na vida político-partidária, outra é real no campo em que estas eleições acontecem: a Europa. Comecemos pela primeira. E socorro-me do excelente TEXTO preparatório deste dia feito pelo David Dinis, escrito na última quinta-feira, que é um bom guia não adaptado aos resultados quando eles já se conhecem.

Nas Europeias de 2014, o PS teve 31,5%, pouco mais de um milhão de votos – mas legislativas seguintes, em outubro de 2015, teve 32,3%, tendo ficado atrás da coligação de direita. Nas últimas europeias, o PS ficou quatro pontos percentuais acima do PSD e do CDS e António Costa considerou isso “poucochinho”. Se somarmos a votação do PSD e do CDS temos um resultado da direita de 28,2%. Se ainda lhe juntarmos a Aliança, que é uma cisão do PSD, fica com 30%. Com 33,4%, o PS ficou cinco pontos acima disso, no cenário mais simpático. No mais antipático ficou apenas a 3,5. Apesar do mau resultado da direita, não me parece que o PS tenha motivos para fazer uma festa de arromba. A diferença é a mesma que levou Costa a falar de “poucochinho”. Mas como estamos a falar de sensações...
O PS conseguiu o resultado que desejava, ficando bastante destacado do PSD. A verdade é que o PS fica cinco pontos percentuais acima do PSD e do CDS juntos, que, apenas mais um do que em 2014, lhe deu uma vitória “poucochinha”. O Bloco de Esquerda é, com o PAN, o que mais tem a festejar
Como a direita concorreu em conjunto nas últimas legislativas e europeias, só em conjunto pode objetivamente ser avaliada. É verdade que o PSD e o CDS tinham tido 27,7%, cerca de 900 mil eleitores. Tinham sete eurodeputados (seis para o PSD e um para o CDS). Mas não podemos ignorar que, nessas eleições, Marinho Pinto teve 7%. Um ano depois a PàF conseguiu 38,5%, que já era uma grande queda em relação às eleições anteriores. Como recordou David Dinis, o pior resultado do PSD sozinho em europeias foi de 31,1%, em 1999, e a última vez que concorreu sozinho, em 2009, teve 31,7%. Os 22% são uma derrota evidente. Uma pesada derrota, na realidade.

Quanto ao CDS, a última vez que foi a europeias sozinho, em 2009, teve 8,4%. As outras vezes que concorreu sozinho foi em 1999 (8,2%), em 1994 (12,5%), em 1989 (14,2%) e em 1987, quando houve eleições legislativas simultâneas (15,4%). Manteve o eurodeputado eleito mas, com 6,2%, tem um resultado catastrófico. O que tivemos nestas eleições foi uma deslocação de votos para a esquerda. E o CDS ficou preso num discurso radicalizado que não conseguiu segurar os eleitores. PSD e CDS podem ter sido punidos, numa eleição que mobiliza os mais convictos, os professores podem ter contado.

O Bloco teve 4,5% nas últimas europeias, com cerca de 150 mil votos. Só tinha conseguido eleger Marisa Matias. No entanto, este resultado aconteceu num momento extraordinariamente mau para o BE. Nas legislativas seguintes teve 10,2%. O melhor resultado do Bloco em Europeias foi em 2009, com 10,7%. O Bloco é, com o PAN, o maior vitorioso desta campanha. Teve 9,8%, elegeu dois deputados e isto foi um sinal fortíssimo para as próximas eleições.

Já a CDU foi o oposto. Teve um resultado especialmente bom em 2014: 12,7%, mais de 400 mil votos. Em termos de votos, quase o mesmo que teve nas legislativas (pouco menos de 450 mil), que corresponderam a 8,25%. O mais importante no PCP, que sofre menos com a abstenção, são os votos. Um mau resultado nas europeias é um péssimo sinal para as legislativas. Teve 6,8% e perdeu um deputado. É verdade o que diz o PCP: o extraordinário resultado de 2014 teve relação com um forte sentimento antieuropeísta logo depois da intervenção da troika. As coisas são mais difíceis agora. Mas o mais importante, por razões mais psicológicas do que políticas, é a posição relativa em relação ao Bloco. Depois da perda da liderança à esquerda nas legislativas e de ter recuperado, nas últimas europeias, esse lugar, esta derrota terá fortes efeitos nos próximos meses. A estratégia de isolamento do BE, para uma “geringonça” a dois com o PCP, é cada vez mais improvável. Nunca os comunistas se meteriam em tal aventura.

Há ainda os pequenos partidos. Nas ultimas eleições, MPT (com Marinho Pinto), Livre, PAN e MRPP foram os extraparlamentares que ficaram acima de 1%. Graças ao resultado de Marinho Pinto, os partidos fora dos cinco grandes tiveram, juntos, cerca de 16%, e mais de meio milhão de votos. Nestas tiveram cerca de 14%. Mas é evidente que se têm de destacar os resultados extraordinários do PAN: 5% e um eurodeputado. Tudo indica que os animalistas entraram definitivamente no cenário político português. Mas o resultado do PAN desmente a ideia de que o voto nos pequenos é a revolta de quem queria ouvir falar da Europa. O PAN foi, dos pequenos, o que menos o fez. E quem os ouviu a falar sobre o tema terá reparado que era, de todos eles, de longe, o menos preparado de todos. A diferença entre o PAN e Marinho Pinto é que o PAN, já estando na Assembleia da República, pode capitalizar isto para ser mais de um epifenómeno. Mas se este é o nosso fenómeno ecologista, estamos bem tramados. Mas é provável que o PAN venha a ser uma força importante na próxima legislatura. Talvez aquela com que o PS sonha aliar-se: uma aliança que sairia quase de borla. Como nota, Marinho Pinto, que teve direito a participar no debate dos grandes, teve 0,5%.

Em resumo: Poara o ambiente político de que precisa, o PS conseguiu o resultado que desejava, ficando bastante destacado do PSD. A verdade é que o PS tinha quatro pontos percentuais acima do PSD e do CDS juntos que, em 2014, lhe deu uma vitória “poucochinha”. Agora tem cinco. Ninguém fará esta conta - e isso é que interessa. O Bloco de Esquerda é, com o PAN, o que mais tem a festejar, recuperando a vantagem à esquerda. Uma vitória pessoal de Marisa Matias que veremos se o BE consegue transportar às legislativas. A CDU fica numa situação muito difícil, e a dificuldade dos comunistas mata à nascença o sonho infantil de fazer uma geringonça a dois. Não vai acontecer. O CDS talvez aprenda que a radicalização do discurso, tentada por Nuno Melo, não resulta. E o PAN, que terá um papel nas próximas legislativas, prova que não foram os temas europeus que moveram o voto de protesto. Bem espremido, a esquerda à esquerda do PS teve 17% em 2014 e tem 16,5% em 2019. O PS teve 31,5% e tem 33,5%. A direita teve 27,7% e tem 28,2%. E um partido vindo de fora, e que serve bem a função do protesto, teve 7% e agora tem 4,5%. Não mudou muito em cinco anos.

Depois há o impacto real que os resultados nacionais têm em Portugal, sobretudo sabendo que há eleições legislativas em outubro. Devemos ter em conta aquilo que já sabemos de europeias anteriores. Que os partidos extraparlamentares costumam ter a vida muito mais facilitada em legislativas, que não têm um circulo único e onde a pressão do voto útil é inexistente. Que o PCP, com um eleitorado mais fiel, costuma ser beneficiado em eleições onde a abstenção é maior. E que os partidos da oposição tendem a ter melhores resultados nas europeias, não sendo isso um padrão seguro. Vistos os resultados, percebemos o que andou a fazer António Costa. Não andou a falar da oposição à extrema-direita, andou a negociar com os liberais a forma destes e os socialistas poderem competir por lugares com os populares. É só sobre isso que se fala na Europa.

Nenhum destes resultados terá grande peso nos equilíbrios do Parlamento Europeu. Farei uma análise dos resultados no resto da Europa para o texto de terça-feira. Apenas uma ideia simples: que apesar do alívio absurdo, a extrema-direita ganhou mais espaço, que os verdes foram os grandes vitoriosos da noite, que os conservadores caíram muito e os social-democratas se despenharam aparatosamente, não sendo provável que aprendam que alianças à direita os fazem perder votos para todos os lados. É provável que os votos do partido unipessoal de Emanuel Macron chegassem para que os socialistas europeus ficassem à frente do PPE. Mas o aliado de Costa foi para os liberais. E é com eles que os socialistas falarão para conseguir lugares na luta contra os populares. As lições desta eterna cedência e incapacidade de construir um discurso próprio ficam para daqui a cinco anos, quando desaparecerem mais um pouco.

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