—Praticamente Teórico
[história, filosofia, arte e ciência] "um lugar onde a diferença entre teoria e prática é praticamente teórica"
Breve tutorial: Realismo Especulativo e Ontologia Orientada aos Objetos
Aqui no Praticamente Teórico, trabalhamos com ideias que nos inquietam, que rendem frutos para discussões informais que são o combustível desses posts. Nessa série “Posts Clássicos” vamos traduzir/transcrever posts de diversos blogs que lemos, e que, por algum caminho trilhado nas discussões, tornaram-se fundamentais para dirigir o nosso pensamento. Tratam-se de textos introdutórios, conceituais e tutoriais que poderão orientar o leitor mais aventureiro (e a nós mesmos) pelas questões mais espinhosas.
Eu tenho me aproximado de diversos textos que são mais ou menos organizados dentro do termo “Realismo Especulativo” (RE). Essa nomeclatura, como vamos ver, abriga diversas abordagens que serão paulatinamente discutidas conforme os tópicos forem abordados no futuro. O blog Conversa Possível também tem publicado um interessante material sobre o tema que também vale a pena ser conferido, especialmente o seu último post sobre “Correlacionismo“, que está diretamente relacionado ao post traduzido aqui.
O tutorial que segue, introduz os termos “Speculative Realism”, “Object-Oriented Philosophy” e “Object Oriented Ontology”. Trata-se de um post clássico de Graham Harman no blog Object-Oriented Philosophy. Ao conceder a permissão para essa tradução, o professor Harman mencionou que o post original será o primeiro capítulo do seu novo livro “Bells and Whistles: More Speculative Realism” que deve ser publicado em agosto nos EUA. Informo que não sou tradutor profissional, mas apenas um leitor entusiasta dos realismos especulativos. De qualquer forma, ficamos gratos por inaugurar os “posts clássicos” do Praticamente Teórico com um autor que é descrito como uma mistura do estilo de “William James fundido com o espírito de H.P. Lovecraft” , além de ser pessoalmente bastante generoso. Segue a tradução:
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Breve tutorial sobre RE/OOO*
Um crescente número de emails começou a chegar nas últimas semanas, muitos deles bem gratificantes.
Uma coisa que eu percebi pelas várias mensagens é que o RE e a OOO começaram a se misturar na cabeça das pessoas. Por exemplo, Meillassoux é muitas vezes referido como um “filósofo orientado aos objetos”, o que não é verdade. Então, para aqueles que são novos nessa parte da blogosfera, aqui está um sumário renovado do que esses diferentes termos significam.
“Realismo Especulativo”
Esse termo foi cunhado por Ray Brassier. A ideia foi dele, em 2006, nos reunirmos com Meillassoux e Iain Hamilton Grant para um só evento, que então ocorreu em abril de 2007.
Inicialmente nós tivemos dificuldades para chegar a um bom termo que definisse esse grupo. Inicialmente eu estava preparado para ceder e deixar ele se chamar “materialismo especulativo”, que é o termo que Meillassoux usa para definir sua própria filosofia, mesmo eu sendo um anti-materialista. Mas em algum momento, poucos meses antes do envento, Brassier propôs um termo substituto, “realismo especulativo”, e eu adorei. Tanto ele quanto Meillassoux, no final, acabaram torcendo o nariz para esse termo por diferentes razões, mas eu ainda guardo muita afeição por ele.
“Realismo Especulativo” é um termo extremamente amplo. Tudo o que é necessário para ser um realista especulativo é se opor ao “correlacionalismo”, termo de Meillassoux para o tipo de filosofia (ainda hoje dominante) que baseia toda a filosofia no efeito recíproco entre humano e mundo.
Perceba que os realistas especulativos nem mesmo concordam sobre o que está errado em relação ao correlacionismo! Por exemplo, o que Meillassoux detesta do correlacionismo é seu compromisso com a “finitude”, a noção de que o conhecimento absoluto de qualquer tipo é impossível. Mas ele não se importa com a perspectiva correlacionista de que “nós não podemos pensar X fora do pensamento sem pensar sobre o mesmo, e por isso não podemos escapar do círculo do pensamento”. (Ele simplesmente quer radicalizar essa afirmação e extrair um conhecimento absoluto disso. Meillassoux não é um realista tradicional; o Idealismo Alemão é a sua verdadeira terra natal, assim como para Zizek, e em um grau ligeiramente menor para Badiou).
Em contraste, eu vejo o problema do correlacionismo exatamente no oposto. Eu não ligo para a parte da finitude, que parece inevitável para mim. O que eu, por outro lado, detesto, é considerar a ideia do círculo correlacional (“não se pode pensar um X não pensado, sem torná-lo um X que é pensamento) como válida. Eu a acho a ideia inconsistente.
Em qualquer caso, o realismo especulativo sobrevive como um termo guarda-chuva útil para diferentes tipos de filosofias sensíveis ao realismo que trabalham de maneira geral com o idioma continental. Mas o grupo original dos quatro não vai mais repetir encontros. As divergências intelectuais agora são simplesmente muito grandes.
“Filosofia Orientada aos Objetos”
Esse termo é de cunho próprio, datado de 1999. (Se alguém usou a frase antes disso, eu não estou ciente, mas eu ficaria feliz de dar crédito se eu for alertado).
Nenhum dos demais realistas especulativos originais faz uma filosofia orientada aos objetos. De fato , todos preferem pensar anti-objeto, cada um ao seu modo. (Até Grant, cuja posição é mais perto da minha que Brassier ou Meillassoux, não pensa que o mundo é feito primariamente de entidades individuais. Essas emergem para ele, através de obstruções ou retardos de uma energia mais primal e global).
A filosofia orientada aos objetos pode ser vista como uma subespécie do realismo especulativo (muito embora seja 7 ou 8 anos mais velha). Para ser um realista especulativo, tudo o que você precisa fazer é rejeitar o correlacionalismo por qualquer razão que você deseje.
Para ser um filósofo orientado para os objetos, o que você deve fazer é considerar que entidades individuais de variadas e diferentes escalas são as coisas definitivas do cosmo. Note que isso inclui tanto Latour quanto Whitehead; eu defino o termo de tal maneira que os atores de Latour e as entidades reais de Whitehead (e possivelmente até sociedades) também contam como “objetos” no sentido mais amplo.
Mas então eu critico tanto Whitehead quanto Latour por reduzirem essas entidades individuais às suas relações. E eu continuo a sustentar esse ponto, embora haja um número crescente de afirmações de que Whitehead e Latour não façam tal coisa. Eu intenciono continuar a lutar essa batalha, mas eu não vejo como esse argumento pode ser evitado. Ambos não apenas reduzem entidades às suas relações, mas fazem isso de maneira bem orgulhosa e explícita. De fato, ambos consideram tal coisa como algo que está entre as suas maiores inovações.
Em resumo, a filosofia orientada aos objetos envolve um conjunto bastante generalizado de parâmetros mínimos que deixam um bom espaço para variações pessoais. Você pode concordar com Whitehead ao invés de mim e ainda ser um filósofo orientado aos objetos. Minha própria versão não tem um princípio básico, mas dois:
1. Entidades individuais de várias escalas diferenciadas (não apenas pequenos quarks e elétrons) são o material definitivo do cosmos.
2. Essas entidades nunca são exauridas por qualquer uma de suas relações ou até pela soma de todas as relações possíveis. Objetos retiram-se da relação.
O resto da minha filosofia segue esses dois pontos, eu acho.
Quanto ao termo relacionado, “Ontologia Orientada aos Objetos”, esse foi cunhado por Levi Bryant em julho de 2009. Ian Bogost, Levi e eu, juntamente com Steven Shaviro e Barbara Stafford (os últimos dois participaram mais como críticos amistosos da casa) iniciamos o movimento OOO em abril de 2010 no Georgia Tech em Atlanta.
Eu espero que isso ajude a esclarecer a diferença entre os dois termos.
Sim, eu me considero tanto um realista especulativo quanto um filósofo orientado aos objetos, assim como eu me considero tanto um cidadão dos EUA quanto um residente permanente de Iowa. A OOO pode ser vista como um dos “estados” dentro de uma união realista especulativa mais ampla.
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*Post original por Graham Harman – publicado em 23 de julho de 2010 em Object-Oriented Philosophy
com a devida vénia ao blog
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