O debate
entre Jerónimo de Sousa e António Costa não foi só morno. Não chegou a
ser bem um debate. Houve alguns momentos em que até podia ter sido. Em
que quase foi. Quando o assunto entrou nas leis laborais, na
precariedade e no tempo de experiência. Um ponto em que Jerónimo de
Sousa poderia ter desarmado facilmente António Costa. Distinguiu-se
dele, explicou a sua posição, mas não aproveitou para o fincar o pé que
tinha de fazer. Disse o que tinha dizer, mas quase tratava o
primeiro-ministro por “António”, evitando qualquer confronto. Mesmo onde
ele existe, existiu durante estes quatro anos e todos esperam que
exista.
Isto não seria grave
se apenas correspondesse a um estilo cordato que as pessoas, eu
incluído, gostam no secretário-geral do PCP. Para debater ideias não é
preciso andar à pancada. E ainda mais quando se andou a negociar durante
quatro anos. Mas esta simpatia implica que se acentue ainda mais o
contraste político. Tudo isto se agrava com a postura de Costa, que numa
estratégia que me escapa, tem tratado o PCP como um amigo porreiro,
roçando a condescendência. De tal forma que, no debate desta
segunda-feira, até explicou que “não queria diminuir a exigência que o
PCP sempre pôs nesta relação”. Uma frase que acaba por sublinhar que foi
mesmo essa ideia que inadvertidamente passou.
O
namoro de Costa a Jerónimo é excessivo e acaba por encabular quem deve
aparecer como firme. O incómodo de Costa com Catarina é excessivo e pode
levar a uma troca de palavras que favoreça a dramatização que o PS quer
fazer. Veremos se Catarina consegue resistir à picardia melhor do que
Jerónimo conseguiu resistir à lisonja
Também
nada disto teria importância se a bonomia com Jerónimo não tivesse como
objetivo criar um contraste com Catarina Martins. Pode dar-se o caso de
as excelentes relações com Jerónimo de Sousa funcionarem para o
eleitorado que apenas quer impedir uma maioria absoluta não ter
dificuldade em votar num Jerónimo colaborante. Não apostaria nisso um
cêntimo furado nisso. Até porque o líder do PCP mostra mais reticências
que Catarina Martins em repetir a “geringonça”, o que torna o tom deste
debate ainda mais absurdo.
A
estratégia de Costa, que até pode resultar de simples irritação
pessoal, está a criar um problema para o PCP: a sensação injusta de que
não é tão vigilante como o Bloco. Que se agrava pela atual falta de
estamina política do secretário-geral dos comunistas. Desse ponto de
vista, o debate desta segunda-feira poderia ter sido um bom momento para
Jerónimo de Sousa mudar esta perceção sem ter de partir a louça ou
trair o seu estilo. Reforçou-a.
Apesar
da embirração de Costa com o Bloco beneficiar o Bloco, porque o torna
preferido para quem quer que o PS governe com um cão de guarda que não
lhe largue as canelas, também põe Catarina Martins numa situação
sensível. Como lidar com as ferroadas de Costa sem chegar ao ponto de a
coisa descambar e as pessoas sentirem que os dois não voltarão a
entender-se? É nessa ideia que Costa aposta sem poder parecer ele o
irresponsável irascível.
Até
outubro será um jogo de nervos para a líder bloquista. Na realidade,
semelhante ao que Jerónimo está a viver, mas de sentido oposto. O namoro
de Costa a Jerónimo é excessivo e acaba por encabular quem, até por
razões culturais, deve aparecer como firme. O incómodo de Costa com
Catarina é excessivo e pode levar a uma troca de palavras que comprometa
conversas futuras. O que, do ponto de vista de discurso de campanha,
favorece a dramatização que o PS quer fazer e por isso dificulta a vida
ao BE. Veremos se Catarina consegue resistir à picardia melhor do que
Jerónimo conseguiu resistir à lisonja.
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