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terça-feira, 11 de março de 2025

Materialismo (s)

 

Crítica da Razão Consensual   (5ª Parte)

 

Teses

1. A Crítica que, há anos atrás na revista VÉRTICE, decidi intitular «Crítica da Razão Consensual», que segue agora com uma quinta parte, ambiciona respeitar a Crítica, isto é, a Filosofia da Crítica Crítica, ou seja: o marxismo (havendo mais do que um, persigo aquele que entendo). O marxismo é também a Crítica das críticas, pois que posições de crítica ele há muitas, sendo que algumas delas não criticam coisa alguma, porque o seu propósito não é subverter, mas justificar. A Filosofia Crítica vai à raiz dos problemas e tira as devidas consequências práticas.

2. A Razão criticada é tanto a racionalidade tecno-científica quando escamoteia os contextos sociais, as causas e as consequências políticas e idolatra os progressos técnicos, quanto a ideologia propagandística (incluindo a que se adorna com ouropéis de utopias abstractas), em primeiríssimo lugar a inseminada pelas centrais ideológicas do capitalismo e, em segundo lugar, aquelas que propõem alternativas ora reformistas inconsequentes, ora meramente especulativas sem transgredir os limites da sociedade capitalista. Filósofos da envergadura de G. Deleuze caíram sob esta ratoeira, isto é, e sem mais delongas, o capitalismo captura-os perfeitamente e devora-os com lágrimas nos olhos como choram os crocodilos quando engolem a presa inteira.

3. Não se trata de afirmar que todos os outros estão errados, porque não é do erro que se fala, mas de opções ou alternativas e da utilidade prática, da consequência que responde à pergunta: E agora, que fazer?

4. Para separar as águas, a questão do que é o Materialismo perfila-se como incontornável, quer seja no início do método crítico, quer no momento em que é necessário justificar os fundamentos da Crítica. Ora, o fundamento radical da Crítica é a definição de materialismo que o próprio entende como mais adequada. Assim, a Crítica da Razão Consensual (o dito racionalismo que justifica os consensos sem apelar aos conflitos (que faz por não ver) ou, pior ainda, impõe o consentimento com vista à submissão) assenta numa definição de materialismo.

5. Entendo como boa a afirmação de que toda a realidade é essencialmente material (incluindo a humana e os seus produtos ditos «imateriais»). Esta asserção geral (e aqui o geral, sendo abstracto, é o mais concreto, conforme opinou Hegel) cobre três áreas:

O materialismo filosófico, histórico e científico. Em cada área os argumentos específicos justificam a tese geral.

6. O materialismo filosófico afirma ontologicamente a dependência unilateral do ser social em relação ao ser biológico; epistemologicamente afirma a existência independente dos objectos do pensamento (pelo menos alguns, isto é, e de novo, «a realidade é independente do pensamento (científico, pois que pretende ser o mais objectivo dos géneros de pensamento), começando por ser-lhe anterior no tempo e no espaço; prático, afirmando o papel constitutivo da acção transformadora do homem na reprodução e na transformação dos modos sociais do viver.

7. O materialismo histórico evidencia o primado causal do modo de produção dos homens e de reprodução do seu ser natural (o trabalho, as actividades práticas, os meios e as relações de produção). Daí a Economia Política (Isto é, a Crítica da Economia), assente nestas bases, ser a ciência mestra que ilumina a Crítica Social (ou sociológica) e, portanto, a prática da filosofia da praxis.

8. O materialismo científico é constituído pelos resultados confirmados das descobertas e axiomas científicos. Deste modo, existe uma Psicologia materialista, uma Biologia materialista, etc.

9. É para nós evidente que a última área confirma as outras e, estas, confirmam a última, ou dela resultam também por dedução (mas não só). Ou seja: a Física (tanto a micro como a macro), a Química, a Biologia, a Antropologia, confirmam a tese geral (tudo que existe á apenas matéria, ou, pelo menos, depende da matéria (o físico, a natureza).

Os Materialismos

Nesta mensagem que continua a 5ª parte da Crítica da Razão Consensual e desenvolve o tema controverso dos Materialismos, torna-se necessário abordar a sua história, inserida evidentemente na história da filosofia ocidental, se bem que seja possível apenas um brevíssimo resumo. Na verdade o materialismo apresenta-se com um percurso consistente desde o nascimento da filosofia, muito embora com uma tal diversidade que não é coisa fácil garantir a sua continuidade linear através das épocas, dos paradigmas, dos pensadores. Até mesmo conceitos como os de progresso e evolução mostram-se de difícil demonstração na realidade dos factos. Deste modo diremos, com grandes cautelas, que o nascimento da filosofia é o nascimento do materialismo, pois que o modo de pensar e o discurso da filosofia começa pela crítica das crenças tradicionais, dos mitos, das superstições populares (que os poderes políticos defendem ou, pelo menos, admitem, e é o que passa nos impérios do médio oriente e do Egipto), das religiões. Tais críticas nem sempre estabelecem uma nítida distinção entre a filosofia e a religião, verifica-se isto nos pensamentos que os pré-socráticos nos legaram. Contudo essa indistinção já é indício de uma atitude crítica, a própria referência a «deuses» já exprime outra coisa diferente das tradições e as analogias poéticas de Heráclito ou as explicações através dos «elementos» (água, fogo, ar) em todos eles até culminarem em Empédocles, já revelam uma outra e nova orientação. Muito ou pouco mitológicos, os «elementos» são coisas materiais, que se elevam à categoria de causas do nascimento e da morte, do movimento e repouso, da mudança e da estabilidade. Os «princípios» nos primeiros filósofos já não são mais transcendentes, mas imanentes, e estas noções são axiais no pensar filosófico, a ideia de imanência (as coisas e as causas, os princípios, estão dentro deste mundo, não é necessário recorrer a «forças» exteriores à Natureza) é central nos materialismos. Além disto (ou porque assim é) o pensamento antigo apoia-se e depende dos progressos científicos da época (aritmética, geometria, astronomia, música, inclusive algumas técnicas –alguns filósofos são engenheiros, inventam-se artefactos movidos a água, embora este aspecto seja mais notável na famosa Alexandria, numa época mais avançada.

Dentro dos avanços da especulação de pendor materialista o mérito vai por inteiro para o atomismo clássico, tacteado primeiramente por Leucipo de Mileto e depois formulado com grande clareza por Demócrito de Abdera (contemporâneo de Sócrates). Jogando no tabuleiro da famosa equação de Parménides «Ser e não-ser» (o Ser é, o não-ser não é), os atomistas afirmam com clareza que o Ser são os átomos (partículas invisíveis e indivisíveis, em eterno movimento) e o não-ser, o vazio. A génese das coisas dá-se por «acaso» e «necessidade»: determinismo mecânico, ausência de finalismo e intencionalidade. Este realismo proto-científico, alcança o seu esplendor (vemos hoje com espanto)com Epicuro (341-270).

Renascimento e Modernidade

Neste percurso dos materialismos que procuramos resumir, assinalamos alguns momentos fortes:

- A influência do pensamento de Averróis, comentador árabe de Aristóteles. O averroísmo difunde-se pela segunda metade do século XIII através de especulações que se não estão ainda dentro do materialismo moderno, abrem-lhe o caminho: a negação da imortalidade da alma humana (portanto, uma cerrada argumentação em favor da sua mortalidade, explorando habilmente a tese de Aristóteles), o mundo como coisa eterna e não criada (negação da criação divina).

-A continuação desta leitura, bem fundada, de Aristóteles, aprofunda-se com Guilherme de Occam no século seguinte: crítica que abala os alicerces do platonismo por meio das teses nominalistas (contra a teoria da realidade dos «universais», explicadas como meras ideias, sinais e nomes), empiristas.

-No século XVI acentua-se a crítica dos dogmas teológicos, a crítica ao sobrenatural. Entretanto, ao lado do mesmo aristotelismo que nega a imortalidade da alma e a ideia de criação divina, assiste-se ao reaparecimento em força do estoicismo e do epicurismo: é a ideia da «alma do mundo», são os panteísmos, a afirmação da Natureza como realidade autónoma, as novas filosofias da natureza, o imanentismo e o infinitismo, ideias que vão adquirir uma invulgar força poética na filosofia de Giordano Bruno 81548-1600). Com tais matérias-primas o materialismo vai rasgando caminho, inclusivamente com o regresso a fontes e autores antigos (Epicuro, Lucrécio, Estóicos) desprezados na filosofia teológica académica dominante na Idade Média.

-Contudo, a palavra «materialismo» ainda espera por uma formulação mais precisa: panteísmo? ou Natureza realmente separada de Deus (ou deuses)? Qual a relação entre matéria e espírito: realidades independentes ou uma dependente da outra? No século dezassete sob a influência da Física de Galileu Galilei e outros factores, ver-se-á surgir um materialismo moderno na filosofia de Hobbes (1588-1679), Pierre Gassendi (1592-1655), Bento Espinosa (1632-1677). O próprio Descartes (1596-1650), dualista, faz muito para minar o terreno às ontologias idealistas com as suas teses mecanicistas.

 

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