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terça-feira, 11 de março de 2025

SOBRE ONTOLOGIA

 

CRÍTICA DA RAZÃO CONSENSUAL ( oitava parte)

Postulados

1.Sobre a Ontologia

A interrogação fundamental foi desde sempre a seguinte: O que é a realidade? O que é que existe verdadeiramente? Existe apenas o que percepciono? Qual a relação entre linguagem e realidade objectiva? Entre esta e a crença? Duas outras formulações: “Porque é que existe alguma coisa e não o nada?”, “Qual a relação entre Ser e Pensamento?”.

Observa-se que a existência pessoal era finita, mortal, que uma doença ou simples acidente pode afectar profundamente o pensamento e a comunicação, que todos os outros possuem em comum essa condição, que nascemos depois de muitas gerações terem desaparecido, povos e civilizações terem-se extinguido ou transformado profundamente. Constatamos que sem o trabalho humano não poderíamos jamais ter produzido os bens indispensáveis à vida.  Trabalho executado por escravos, servos, trabalhadores de alguma espécie.

Fizemos depender a nossa existência quer do trabalho produtivo, quer dos que o administram como seus proprietários. Submetemo-nos em função do grau da nossa ignorância, medo, impotência. Mais tarde ou mais cedo rebelámo-nos, adotámos novas crenças, por via da falência de tradições e poderes, doutrinas, transformações lentas do ambiente social e natural- novas divisões sociais do trabalho, novos modos de produzir, distribuir e administrar, novas classes e estratos sociais, viagens e descobertas.

 Qual a relação entre o Ser e o Pensar? Que se entende por Ser? É tudo que não é constructos mentais. A Natureza, os corpos, as coisas materiais. Formulação que tanto admite que o Pensamento não é o Ser de modo algum. (ainda que dele participe), como o contrário: o pensamento é um efeito derivado dos corpos e da natureza. Suponha-se que o Ser é o Universo, então o Pensamento, ou parte dele (Espírito, Alma), seria, para alguns, algo completamente distinto, sobrenatural. Ora, todas as provas e indícios têm vindo a demonstrar que o Ser (natureza e sociedades) é o que é tudo e nada se verificou existir para fora. O Pensar é uma atividade corporal e social. É uma atividade, entre outras, conhecidas e desconhecidas, do universo (Matéria-Energia). Uma entre infinitas atividades. O universo é a única substância com infinitos atributos, atuais e possíveis. O universo material é o Todo, contém tudo e nada mais pode existir que não seja seu atributo. Em biliões de galáxias não existe seguramente apenas o pensamento humano. Sem este universo, nas condições em que se formou, se cria a se destrói, sem as estrelas que forneceram os ingredientes básicos da vida, sem as condições físicas que permitiram que neste pequeno planeta a vida sobrevivesse até hoje, sem a água, o carbono, o oxigénio, os nossos corpos não existiriam, sem eles não surgiria a atividade mental desta espécie que não se extinguiu por acaso, depois de muitas outras se terem extinguido. Houve um tempo em que uma pequena população inventou a agricultura e com ela a sedentarização e as cidades, as disputas territoriais e as guerras pelos excedentes, pela mão de obra, pelo comércio, inventaram-se múltiplas e sem novas submissões. Uma espécie natural suplantou-se sobre as outras espécies, de presa tornou-se predadora, de obscura e temerosa tornou-se temerária e dominadora.

As diversas expressões do pensamento da espécie humana somente foram possíveis devido à atividade cerebral, surgida tardiamente (após biliões de anos de existência da Vida, propiciada ocasionalmente pela última das cinco extinções que devastaram quase a totalidade da vida na Terra), devido ao processo natural combinado de mutações e seleções e desenvolvida graças aos modos inventados pela espécie para transformar o ambiente natural, comunicar, agrupar-se.

Se hoje parece-me ser um erro grosseiro afirmar-se o primado onto-gnosiológico (nalguns casos até a anterioridade) das ideias sobre a Matéria (ou Energia, Natureza), perante o quadro geral que as ciências nos oferecem, porque motivo se acreditou nisso em Filosofia (a crença conserva-se inamovível nas múltiplas formas de religiosidade, nomeadamente mais perigosas – fundamentalistas e sectárias)? Provavelmente pela ausência da Ciência, pela hegemonia despótica da religião, pela posição egocêntrica e classista do filósofo (houve um tempo longo em que desprezar a matéria significava desprezar o trabalho). O pensar humano é, naturalmente, antropocêntrico. Jugamo-nos superiores e completamente distintos dos outros animais. Outras espécies, porém, sabemo-lo hoje, possuem dispositivos cerebrais próximos dos nossos, embora rudimentares comparativamente. Os elos da longa cadeia que as liga a nós vão-se conhecendo, destronando a crença de que fomos iluminados subitamente por deuses ou alienígenas.

O erro principal de determinadas filosofias foi o deitarem fora a Ontologia com o argumento de que transportava a doença das metafísicas. Pode-se abandonar o método metafísico de argumentação, mas não se pode abandonar os problemas ontológicos.

No marxismo grandes pensadores, que importa conhecer, contribuíram para a elucidação de uma ontologia inspirada nos textos de Marx e Engels. Lenine e G. Lukacs, entre outros.

Com certeza que a resposta que avancei acima às interrogações fundamentais não tem que ser a única (nem jamais o será), verdade absoluta. Ignorar a diferença é prova de fraqueza ou de arrogância. Queimar bibliotecas é uma pura abominação.

O grande filósofo M. Heidegger não começou (a questão principal no método está no começo) pelo Todo, pela Natureza cósmica, pelo seu primado criador, mas pelos significados que atribuiu à existência humana. Nem por isso o seu irracionalismo, latente ou manifesto, deixou de ser tremendamente influente em importantes filósofos posteriores. De resto, quantas vezes não extraímos deste ou daquele pensador, de qualquer época, elementos da sua filosofia total para reconstruirmos a nossa? G. Deleuze constituiu um digno exemplo dessa prática que não é nova; ele próprio, não tendo sido marxista, é hoje um magnífico desafio para os marxismos. Aliás, o melhor exemplo encontra-se no próprio Marx que soube recolher do sistema idealista de Hegel o que entendeu correto.

Nenhum investigador se sente obrigado a expor a sua posição ontológica quando analisa fenómenos da natureza ou da sociedade. Somos nós, seus leitores, que a podemos detectar através do seu método de análise, do acerto dos significados com os dados objetivos.

Que corrente filosófica desprezou a ontologia e combateu, em particular, a ontologia marxista? O positivismo. Seguir-se-ia uma larga parte dos estruturalistas e, por fim, dos chamados pós-modernos. Uma tese célebre fez confinar o materialismo dialético a uma teoria do conhecimento e nada mais. O materialismo histórico foi abandonado como mero discurso metafísico. O propósito dos mentores da “pós-modernidade” vai mais longe: foi, continua a ser, eliminar definitivamente a filosofia marxista, classificada como uma das “narrativas” metafísicas da Modernidade. A Filosofia é, assim, uma luta permanente entre tendências, “linhas” ou “partidos” (Lénine). Essa luta exprime e acompanha as lutas políticas.

O marxismo não desapareceu evidentemente. Filósofos, historiadores, sociólogos, têm produzidos obras notáveis nos últimos trinta anos. Economistas da mais inesperada origem têm encontrado em Marx inspiração. Não é Marx que não está vivo, ou redivivo, mas é a ontologia marxista que parece não ter recuperado ainda. Apesar da obra ímpar em Portugal de José Barata-Moura, e dos estudos produzidos no Brasil sobre a última obra de G. Lukács (Para uma Ontologia do ser social). No respeitante à filosofia os países da América do sul merecem-nos toda a atenção.

A Ontologia

Tratamos aqui da Ontologia designada tradicionalmente como Geral  e que não é a Metafísica.

Temos dois caminhos à escolha:

O particular ou o universal, a parte ou o todo.

Os inconvenientes do começo pelo Todo: sujeita-se à crítica de Kant (antinomias da Razão Pura) e não se permite ignorar a crítica de Heidegger à metafísica e de quase toda a filosofia contemporânea.

O acerto: entenda-se o Todo como totalidade de totalidades; tudo que conhecemos até hoje do nosso universo, a realidade conhecida pela astrofísica e pela física quântica; a Natureza (Matéria, Energia), a sua origem e desenvolvimento desde o big bang; a história do nosso planeta; o desenvolvimento da matéria orgânica; as extinções de diversas e sucessivas formas de vida; a história documentada do homo sapiens. Argumento: Sem essas realidades a espécie humana não existiria. Se ontologia significa “ O que é o Ser?”, a resposta mais conforme à Ciência: é este universo habitado pela nossa galáxia entre biliões delas, pelo nosso planeta entre uma multidão incalculável, por nós entre muitas espécies. Portanto, toda a matéria-energia, com todas as suas manifestações conhecidas. Um Todo em movimento, com um começo e muito provavelmente um fim. Donde surgiu e em que se transformará saberemos o bastante um dia para termos razão para acreditarmos que a Matéria é eterna e infinita.

Os inconvenientes do argumento pelo particular: nada é em absoluto singular (Marx em O Capital não explica as relações através das biografias de determinados capitalistas); sem o geral não existe ciência; a parte é parte de algo maior; cada indivíduo é uma meada de relações, desempenha papéis numa determinada organização. O homem em geral? Pode-se começar por aí, sim, vê-lo agir, sentir e pensar, em situação; mas não basta, porque de nenhum indivíduo se pode abstrair a concreta organização social e, esta, por sua vez, da unidade e diferença com as demais formações sociais, regredindo às suas origens e respectivos processos de desenvolvimento. Por fim, não se pode omiti a natureza, que é quase todo o mundo externo (o universo), anterior e criadora, e sem a qual, os seus estímulos físicos, químicos, não funcionariam as sensações; a natureza é, para cada um de nós, primeiramente, o nosso corpo. Devia, pois, começar-se pelo corpo? E porquê o do próprio e não a totalidade? Não é mais adequado começar pelo que há de comum e universal em todos os corpos, conforme os dados das ciências? Esse rumo não nos obriga  a ascender da espécie (género humano) ao que há de comum com outras espécies até alcançarmos as determinações da Vida (o geral, a totalidade)?

---Mas quem usa nome como “Natureza”, é um ser dotado de linguagem (imagens, sensações, ideias). Os nomes do Ser (Natureza, Matéria-Energia, Universo, ou Vida, Sociedade) usamo-los com toda a carga de determinações fornecidas pela Ciência, pelas nossas informações e ideias próprias. Como destrinçar do mundo material a linguagem e o pensamento? Esse é um dos grandes problemas.

A mente é parte inclusiva do corpo e, este, parte inclusiva do mundo externo. A mente reflete, por meios próprios que o corpo dispõe, o mundo externo. As emoções, sentimentos, consciência, imagens, memória, operações intelectuais, atitudes, motivações, etc., dependem das características adquiridas pela espécie humana, dos meios e processos de socialização, dos modos como cada um os assimila e organiza, das experiencias sociais e da prática pessoal e coletiva. Não existe coisa alguma no indivíduo que seja independente do corpo físico e da formação social concreta na qual ele se move. Na há nada nas ci~encias contemporâneas que contrarie estas asserções, bem pelo contrário, vamos conhecendo cada vez mais e melhor os processos, as ligações, a dialética das interações, a complexidade das mediações sujeito/objecto, consciência-cérebro-sociedade.

Entre velhas e novas contradições, velhos e novos enigmas, a ciência prossegue o seu caminho rejeitando como mistificações, ilusões ou erros, as teses fundantes do idealismo objectivo de Platão e seus seguidores, tal como Galileu derrotou a física aristotélica. Classifica como mera curiosidade o idealismo sensista absoluto de Berkeley, o inatismo cartesiano, o empirismo radical de Hume, o apriorismo de Kant, a Consci~encia Absoluta de Hegel. Digo: as teses fundantes, e não muitos outros dos seus argumentos, a eventual utilidade dos seus métodos, as contribuições geniais de alguns para os rumos desbravados pela filosofia e pela ci~encia. Aliás, se as soluções que grandes filósofos defenderam para os percuscientes problemas da Filosofia não são mais admitidas (o mundo das ideias, de Platão, as “provas” da exist~encia de Deus criador e da imortalidade da alma, as ideias inatas, o mundo como somente aquilo que percepciono, as categorias a priori do entendimento, a selecção natural das espécies como quadro explicativo suficiente das lutas e diferenças sociais e individuais, etc.), não significa que não deixaram marcas profundas, que sejam falsas as suas filosofias. A ser assim, construir-se-ia um mundo obscurantista e perverso no qual seriam ignoradas todas as “falsidades” e venerada como verdade absoluta – sem discussão – uma única doutrina. Alguns escritores utopista quiseram-no para as suas sociedades perfeitas, pois julgava que resolviam de uma vez para sempre as as guerras e as disputas. Outros guias dos povos, menos utópicos e mais distópicos, aplicaram a receita com as consequ~encias que se conhece. A Crítica da Razão Consensual pretende denunciar a ameaça real e contemporânea de um pensamento único, imposto tanto pela coerção como –perigosamente- pela persuasão.

---As mediações entre sujeito/objecto.

----Os centramentos em que incorreram as filosofias. Os enigmas e as aparências. Marx-Engels como resolveram esses problemas. A história dos combates dos materialistas contra as mistificações (e o poder)

---Engels e a dialéctica da natureza. O que realmente ele disse.

---No estádio atual da ciência o agnosticismo não faz sentido, nem o idealismo subjectivo. Fará sentido o idealismo objectivo?

---Da ontologia/gnoseologia materialista dialética para a análise científica das relações sociais. A política.

A Dialéctica da Natureza, de Engels, é constituída por um conjunto de ensaios escritos para responder a situações políticas que exigiam a sua intervenção. Imperativos políticos. Após a morte do seu grande amigo, Marx, Engels fica sozinho nesse combate de defender o movimento social-democrata alemão das tergiversações. O marxismo é hegemónico na II Internacional e no movimento, o prestígio de Marx e dele próprio é enorme, contudo o marxismo ainda não se completou como uma ideologia comunista. Circulam teorias heterogéneas, livros com forte impacto, controvérsias à volta das ideias de Marx, frequentemente ataques soezes e teorias medíocres apresentadas como a última palavra sobre o socialismo. “O Capital”, de Marx, entretanto em publicação, não supre as necessidades teóricas do Movimento, pela dificuldade de leitura. Cientistas e pseudo-cientistas divulgam apreciações erróneas ou pelo menos controversas que colidem com as convicções filosóficas de Engels. O “Anti-During”, de Engels, é uma peça fundamental nos combates ideológicos, contra a steorias políticas perigosas, o empirismo, o naturalismo, o materialismo grosseiro.

Contra os “naturalismos” (expressão de Engels) é preciso completar o edifício da filosofia marxiana. Com quê? Com uma filosofia da natureza. Engels não procura construir uma ontologia, termo que, aliás, não utiliza. Combate o método “metafísico”, no qual engloba tudo que não é dialéctica marxiana, isto é, a dialéctica de Hegel “invertida”. A Dialéctica da natureza visa esclarecer o materialismo dialéctico, mostrar que está conforme as ciências, que ele mesmo é científico. A filosofia é rejeitada, enquanto metafísica ou desnecessária, substituída pela ciência experimental. Da filosofia sobra o que ela possui de valioso: o método dialéctico, aplicado a todas as áreas do saber, método que reflecte as propriedades objectivas do mundo físico e social. O marxismo (expressão que Engels não utiliza), isto é o materialismo histórico e dialéctico, não se circunscreve às ciências sociais, à política, abrange as ciências da natureza. Trata-se, portanto, de demonstrar que a dialéctica é também natural, isto é a natureza na sua totalidade (universo) rege-se por leis dialécticas. Engels não nega evidentemente que outras leis expliquem o movimento dos corpos. Recusa e critica o uso do termo “forças”, é mais adequado falar-se em energia. Matéria equivale a massa e energia. Engels revela um pensamento científico notável e excepcional para a época. A essência da Matéria-Energia é o movimento. Este manifesta-se de diversos modos. Em terminologia espinosanas 8que ele não usa) diremos que Tudo, o Todo, é material, é a natureza, infinita e terna, dotada de infinitos atributos, sendo o pensamento um deles.

É de todo o interesse divulgar, esclarecer e confrontar-se com os adversários da filosofia em geral, mas neste caso importa sobretudo da filosofia marxista. A filosofia marxista rereceu muitas interpretações durante o século passado, mas, apesar de tudo, atravessou uma época em que provocava debates, pelo menos nos meios académicos europeus e a minha geração acompanhou-os e, por vezes, participou, sempre apaixonadamente (vivíamos sob uma ditadura terrorista). Neste século aparentemente nada mais se passa, excepto os temas económicos. Na verdade, se estivermos atentos, livros, artigos, congressos, têm-se realizado sobre a filosofia de Marx e Engels, mas parecem passar desapercebidos do grande público dominados pelos media. As universidades portuguesas estão muito auém nesse aspecto das espanholas ou outras. Compreende-se que as questões económicas ocupem mais espaço, alguns autores são famosos merecidamente (David Harvey, e outros).

Ora, é no momento em que o comunismo é combatido e alguns partidos deixaram de o ser, no momento em que, contraditoriamente, a teoria de Marx sobre o capital, a sua obra-prima “O Capital”, é redescoberto por autores por vezes inesperados, é urgente passar à ofensiva. Tarefa que compete a todos, mas particularmente aos professores e outros intelectuais (historiadores, sociólogos, etc.).

A filosofia marxista é o materialismo dialéctico. O segundo termo – dialética – faz toda a diferença com os filósofos e cientistas que são materialistas, com mais ou menos consciência disso, porém recusam o socialismo (o grande cientista norte-americano, de origem portuguesa, António Damásio é claramente materialista mas recusa o socialismo, di-lo ele próprio numa das suas últimas obras). A meu ver ser materialista não é raro entre os cientistas. Os materialismos evolucionistas ou naturalistas, neo-darwinistas, dominam claramente sobre todas as ouras formas de materialismo, nomeadamente o materialismo histórico-dialético.  E porquê alguns mostram perfilhar teses anti-capitalistas, citam Marx, adoptam algumas das suas teses, porém são anarquistas ou mesmo são pseudo-marxistas (como Zizék, Badiou, Bourdieu)?

Um outro problema: Foi Engels contra a filosofia? Há contradição entre o que ele afirma na Dialética da Natureza e no Anti-Duhring, e no seu “L. Feuerbach e o Fim da Filosofia clássica alemã”? Reserva para a filosofia apenas a lógica, isto é a dialéctica, ficando tudo o mais a cargo das ciências “positivas”? Ou há nele elementos para uma ontologia marxista? E se a filosofia fica apenas com a lógica, para quem fica a moral-ética, a estética, o Direito, a Política? São estas áreas tarefas da ciências? São elas ciências?

“Dialética da natureza” – Desde 1873 que Engels projectava escrever uma obra sobre a dialética da natureza (conforme correspondência com Marx), mas desde 1858 o seu interesse manifestava-se quanto a um estudo aprofundado das ciências naturais. O propósito que o orientava era de criticar o “método metafísico”, defender o me´todo dialético, criticar a dialética “mistificadora” e idealista de Hegel, defender a “dialética racional” do materialismo filosófico , “a dialética despojada de todo o misticismo converte-se em uma necessidade absoluta para as ci~encias naturais (manuscritos da Dialética da Natureza (Esboço com o título “Buchner”). Em 1873 projectava escrever, antes do Anti-Duhring, um Anti-Buchner, materialista vulgar. Depois de publicar a 1ª edição do seu Anti-Duhring, (1878) Engels trabalha n a Dialética da natureza. A morte de Marx em 1883, a imperiosa edição dos tomos segundo e terceiro de O Capital, as tarefas políticas na II Internacional, impedem que ele organize os materiais. A sua morte em 1895, impede de vez a publicação. Esquecidos os manuscritos, a obra só sai em Moscovo, 1925, a versão alemã e russa. Nova edição, amplamente corrigida, em 1927, em alemão. Demasiado tardia: a enorme projecção e prestígio de Engels desde o desaparecimento de Marx (muito maior do que do próprio Marx) viria a esmorecer desde 1914. A Dialética da natureza é, pois, uma colecção de manuscritos, alguns inacabados, versando variados assuntos das ciências naturais: Formas de movimento da matéria. Classificação das ciências; matemáticas; Mecânica e Astronomia; Física; Química; Biologia, e capítulos de grande importância  sobre Dialética. Nada do que afirma sobre temas das ciências (as marés, o calor, a electricidade, etc) perdeu interesse ou é erróneo; apresenta-nos intuições penetrantes sobre as teorias mais avançadas; defende o papel pioneiro da filosofia, nomeadamente Kant; desenvolve uma análise sobre o papel do trabalho que fez escola até hoje (“ O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”), no qual G. Lukacs se inspirou para o seu último trabalho famoso “Para uma ontologia do ser social” (1971). Embora não possamos tratar aqui de toda a produção de Engels, é mister dizer que o seu enorme génio revela-se no carácter pioneiro das suas obras: “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, para citar só esta. O Anti-Duhring é uma obra notável, com va´rias edições ainda em vida de Engels. Na Primeira Parte trata da filosofia da natureza; da moral e do direito (Liberdade, igualdade e necessidade); da dialética. Nas duas restantes trata da teoria da violência; das descobertas de Marx (Teoria do valor, capital e mais-valia, etc.); do socialismo (produção, distribuição, Estado, família, educação. A sua leitura acompanhada é uma tarefa inadiável, sobretudo para os mais novos.

O materialismo dialético é uma filosofia ou uma ciência? “Prefácio” à 2ª edição do Anti-Duhring e no chamado “Velho Prefácio” coligido para a Dialética da Natureza.

José Barata-Moura – Presumo que não é outro outro propósito dele ao publicar as seguintes obras: A Filosofia em O Capital, Lénine e a Filosofia, sen~so este: demonstrar que há uma filosofia marxiana, e que a filosofia de Lenine respeita-a com rigor e combatividade.

A tendência gnosiológica, própria do neopositivismo, mas também de um determinado irracionalismo que percorre as teses cépticas de muitos pós-modernos (com as raras excepções de Perry Anderson e F. Jameson). Movimento pós-moderno que rejeita trabalhar com totalidades, valores universais, Verdade e conhecimento objectivo, as grandes doutrinas filosóficas a que chamam “Grandes narrativas” (ficções, discursos) que significa rejeitarem a ideologia, sobretudo, ou quase só, o marxismo. Rejeita postular o “fundamento” para poder rejeitar os fundamentos materiais do ser social. Rejeita, em suma, as teorias de emancipação humana, isto é, a própria possibilidade de emancipação- alternativa ao capitalismo.

Já tivemos a hegemonia do físico-quimismo e do biologismo darwinista e eugenista entre o termo do século XIX e as primeiras décadas do século XX, que atingiu todos: nazi-fascistas, liberais, marxistas sociais-democratas. Tivemos o positivismo imperial. A fé absoluta na tecno-ciência porque aos capitalistas trazia abundantes lucros. Essa fé no Progresso.

Foi nesse período que apreceram marxistas (?) a quererem completar” de fora, a teoria económica de Marx (com Mach), e contra o qual saíu a terreiro Lenine (;aterialismo e Empiriocriticismo), ou com Kant no plano ético…

A Modernidade – As correntes filosóficas “pós-modernas” consideram que as “grandes narrativas” de “emancipação humana” faliram. A Modernidade terminou os seus dias. Existem diferentes correntes nesse movimento, com posições polítcas muito diferenciadas, é necessário não confundi-las; vão desde as reacionárias, às neo-anarquistas (diferenciadas pelo seu lado) e às que se conservam no largo espectro dos marxismos. Adopto a posição de que os novos fenómenos sociais e as novas características do capitalismo são evidentes e suficientemente largas e profundas para ser impossível recusar aceitar-se novos conceitos para um novo quadro geral que podemos sem dificuldade de maior classificar como “pós-modernidade”. O que me obriga a colocar alguns problemas e reservas:

1. As ideologias não morreram. A ideologia burguesa conserva-se. O capitalismo encontra-se na sua fase mais aguda e crítica do imperialismo. Apesar de algumas alterações no conteúdo e nas formas da ideologia burguesa, a burguesia continua a existir e a prosseguir as suas finalidades fundamentais.

2. A doutrina liberal (filosofia burguesa) que foi o eixo principal da ideologia da Modernidade desde o século XVII, é agora o neo-liberalismo.

3. O liberalismo não foi, porém, a única filosofia e ideologia da Modernidade. Já no século XVI O livro de Tomás More, “A Utopia”, marcou uma diferença com enorme influência posterior, sobretudo nos escritores utopistas do século XVIII (Morelly, Dom Deschamps, Mably, etc.),e em Rousseau, Diderot, para citar apenas os filósofos mais influentes. Durante a Revolução Francesa opuseram-se às ideias liberais as correntes da Esquerda, tanto no interior dos jacobinos como à sua esquerda. G. Babeuf e o Movimento dos Iguais lançaram o primeiro manifesto comunista, inspirando-se em Morelly. Rousseau veio a ser nesta Revolução o principal mentor, e ele não defendera o liberalismo. O socialismo tornou-se, desde Saint-Simon, Owen, e outros doutrinadores célebres, a oposição no interior da Modernidade. Esta, portanto, não foi homogénea, mas profundamente contraditória. Todo o século XIX foi de lutas pelo cumprimento das promessas que o liberalismo pregava (nas diversas revoluções que liderou), ou, mais radicalmente, a favor de doutrinas desejavam realizar efetivamente o que o liberalismo jamais poderia querer realizar enquanto filosofias e ideologias burguesas que o eram e sempre o foram apesar das grandes diferenças que o capitalismo foi sujeito durante séculos.

4. Desde modo desde os inícios da Modernidade que existiram, e combateram-se, diferentes versões de liberalismo (Kant não era igual a outros liberais, nem Hegel) e doutrinas completamente contrárias. A ideia reducionista de que a Modernidade foi toda igual, sem contradições, é completamente errada. As lutas de classes sempre existiu (camponeses, pequena burguesia, grande burguesia, proletários), a consolidação do capitalismo fez-se à custa de guerras e outros violentos confrontos. As lutas ideológicas foram intensas. A ideia de Progresso não foi entendida da mesma maneira. A grande burguesia que conciliou diversas ocasiões com a aristocracia ou com as monarquias absolutas e os “despotismos iluminados” beneficiou sem dúvida das doutrinas filosóficas de grandes pensadores (Maquiavel, Boécio, Hobbes, Montesquieu, etc.), porém outros outro tanto grandes não exprimiram os seus interesses, ou iam mais além. Chamo “excedente” a esse mais-além, que se encontra em Espinosa, no próprio J. Locke, Rousseau, Diderot, Kant, Hegel. Em quase todos os grandes filósofos que defendiam a propriedade privada e os direitos políticos que convergiam com as reivindicações das classes e camadas burguesas, a emancipação humana não se restringia às reivindicações imediatas da grande burguesia comercial e, em seguida, manufactureira, iam muito além dessas camadas. Marx mostrou que a classe ascendente apresenta-se como representante do género humano, dos interesses e necessidades naturais (“direitos naturais”), da natureza humana; as suas reivindicações mistificam-se como direitos universais. Na verdade, muitos desses direitos são universais. Ao tempo as instituições políticas que se reivindicavam ou se constituíram (Inglaterra, Revoluções do século XVII) foram grandes avanços civilizacionais, às vezes classificadas como meras utopias. O “excedente” é um conjunto de concepções (propostas, soluções para os grandes problemas da Justiça, da Moral, do Direito, da Ciência) em que o filósofo acredita efectivamente e que julga trazerem a Paz perpétua (Kant). Não sendo uma utopia típica (romances de viagens a ilhas governadas pela melhor das repúblicas, como eram usuais) aproximam-se delas, contêm um elã, um impulso utópico. São produtos autónomos do pensamento, porque o pensamento goza de autonomia, não é um mero reflexo mecânico da economia ou das bandeiras político-partidárias.

A Modernidade é também a época da grande Revolução Russa de 1917 e das revoluções nacionalistas e independentistas. A Revolução Russa e a URSS inauguraram uma época nova que ainda não fechou, bem pelo contrário. A visão que temos do Modernismo é geralmente percebida como positivista, tecnocêntrica e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-modernismo, em contraste, privilegia a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos totalizantes são o marco do pensamento pós-moderno.

Segundo Eagleton (1987), o pós-modernismo assinala a morte das metanarrativas, cuja função terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana universal.  A ciência e a filosofia devem abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si mesmas, mais modestamente, como um conjunto de narrativas.

5. A idéia de Moderno teve suas bases no que Habermas chama de projeto da modernidade que surge durante o século XVIII. A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livremente e criativamente em busca da emancipação e do enriquecimento da vida diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais.

6. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação de irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder... (HARVEY, 2004:23). E assim, os pensadores iluministas acolheram o turbilhão de mudanças e perceberam a transitoriedade, fugidio e o fragmentário como condição necessária por meio do qual o projeto modernizador poderia ser realizado. Abundavam doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência humana e razão universal.

7. Entretanto, o projeto iluminista possuía como propósito a dominação da natureza e, respectivamente do que era o ser humano, o que no final só poderia levar a uma tenebrosa condição de autodominação. Deste modo, o pensamento iluminista internalizava uma imensa gama de problemas e não possuía poucas contradições incômodas.

que se opunha à racionalização técnico-burocrática. Coerente
com a proposta que apresenta no título do capítulo – desconstruindo a
crítica pós-modernista – o autor afirma que “há mais continuidade do que
diferença entre a ampla história do modernismo e o movimento denominado
pós-moderno” (HARVEY, 2006, p. 113).
Examinam-se, na segunda parte, os fundamentos políticoeconômicos da mudança. Nessa parte, o autor salienta a profundidade e
a importância das transformações na economia política do capitalismo no
final do século XX. Analisa, no fordismo, a preocupação com o consumo
de massa, para a além da produção em massa, destacando a necessária
atuação do Estado na projeção desse modelo de desenvolvimento. de esclarecer vínculos materiais entre processos político-econômicos e
processos culturais. O autor aceita, inicialmente, a proposição de Frederic
Jameson, ao associar a crise da experiência espaço-temporal à mudança
pós-moderna, apontando para a substituição das categorias temporais
modernas pelas espaciais. A proposta de Harvey é superar o hiato entre a
mudança cultural e a dinâmica da economia política por meio de estruturas
interpretativas gerais, encontrando um ponto de apoio que permita discutir
mais profundamente a experiência cambiante do espaço na história do
modernismo e do pós-modernismo.
Harvey argumenta que o domínio do espaço e do tempo é
fundamental na busca do lucro. O dinheiro pode ser usado para dominar o
tempo (dos trabalhadores) e o espaço, assim como o domínio do espaço e
do tempo podem se converter em dinheiro. A ideia
de tempo progressivo e retilíneo foi sistematicamente abalada, cedendo
espaço à ideia do tempo cíclico, dos ciclos econômicos. O sentido de
espaço mudara em face da integração econômica, capaz de fazer uma crise
atingir todo um continente a um só tempo. A natureza e o significado do
dinheiro também entraram em crise pela tensão entre dinheiro de crédito
e dinheiro em espécie, alterando o sentido de tempo (taxa de retorno dos
investimentos). A diversificação de valores, a emergência da mentalidade
esquizofrênica e a busca pelo poder são aspectos destacados por Harvey
como próprios da vida pós-moderna, influenciada pelas mudanças
ocorridas na sociedade e na economia. A criação de imagens de produtos
e de pessoas é analisada pelo autor por ser um ponto utilizado por autores pós-modernistas para apontar a ultrapassagem da teoria marxiana.


pós-m se esperar, então, uma “virada” para as forças culturais, seja como forma
de explicar o que está acontecendo ou como forma concreta de realidade,
porém o autor mostra que mudanças desse tipo não são novas, colocandoas no plano da análise materialista histórica. A crítica de Harvey ao pósmodernismo, nesse sentido, diz respeito à autonomia da vida cultural em
relação aos aspectos econômicos.
A crítica principal de Harvey é ao pós-modernismo como forma
de interpretar o mundo, por (i) reduzir o conhecimento e o significado a
um conjunto desordenado de significantes; (ii) representar a complexidade
do mundo em proposições retóricas simplificadoras; (iii) deslizar para
o paroquialismo em face das forças universalizantes do capitalismo,
com risco de cair no sectarismo e inverter o respeito pelos outros
em competição. odernistas para apontar a ultrapassagem da teoria marxiana. O autor aponta saídas para a crise pela qual passa o
materialismo histórico no que tange: (i) ao tratamento da diferença e da
alteridade que deveria estar onipresente em toda tentativa de apreensão


da dialética da mudança social; (ii) à produção de imagens e de discursos,
que é faceta importante da atividade e merece análise cuidadosa como
parte integrante da reprodução e da transformação da ordem simbólica;
(iii) ao reconhecimento das dimensões tempo e espaço como relevantes
na determinação das geografias, redes de ação social, territórios e espaços
de poder reais e metafóricos, como forças organizadoras na geopolítica
do capitalismo, que tem que ser compreendido tanto em si mesmo como
no âmbito da lógica global do desenvolvimento capitalista e (iv) o resgate
do materialismo histórico-geográfico como modo de pesquisa aberto e
dialético, pois a metateoria não é uma afirmação da verdade total, mas a
tentativa de chegar a um acordo com as verdades históricas e geográficas
que caracterizam o capitalismo em geral e na fase atual.
No último capítulo, Harvey expõe as contradições do pósmodernismo e as evidências da possibilidade de sua autodestruição ou
dissolução em algo diferente. Diante das ideias de retomada do classicismo
e da sugestão da trilha do caminho dos modernos, Harvey encerra
posicionando-se a favor do modernismo, no qual a visão do futuro e da
transformação dele são mais importantes.

(*) “Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-moderno, em contraste, privilegia ‘a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural”. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno”. “O que há em comum nesses exemplos é a

 

“(...) eles alegavam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade iluminista é uma lógica da dominação e da opressão”. 

(*) “E há também quem – e isso é, como veremos, o cerne do pensamento filosófico pós-modernista – insista que devemos, em nome da emancipação humana, abandonar por inteiro o projeto do Iluminismo. A posição a tomar depende de como se explica o ‘lado sombrio’ da nossa história recente e do grau até o qual o atribuímos aos defeitos da razão iluminista, e não à falta de sua correta aplicação”. P.24
“[O LEGADO DO ILUMINISMO] Bernstein: ‘O desenvolvimento da [racionalidade proposital-instrumental] não leva à realização concreta da liberdade universal, mas à criação de uma ‘jaula de ferro’ da racionalidade burocrática da qual não há como escapar’. Se a ‘sóbria advertência de Weber soa como o epitáfio ((fúnebre)) da razão iluminista, o ataque anterior de Nietzsche às suas próprias premissas deve por certo ser considerado a sua nêmese. Era como se Nietzsche mergulhasse por inteiro no outro lado da formulação de Baudelaire para mostrar que o moderno não era senão uma energia vital, a vontade de viver e de poder, nadando num mar de desordem, anarquia, destruição, alienação individual e desespero“Como Baudelaire logo percebeu, se o fluxo e a mudança, a efemeridade e a fragmentação formavam a base material da vida moderna, então a definição de um estética modernista dependia de maneira crucial do posicionamento do artista diante desses processos”. P.29

“O modernismo só podia falar do eterno ao congelar o tempo e todas as suas qualidades transitórias”. P.30

“O modernismo internalizou seu próprio turbilhão de ambigüidades, de contradiçoes e de mudanças estéticas pulsantes, ao mesmo tempo que buscava afetar a estética da vida diária”. P.31

(*) “É importante ter em mente, portanto, que o modernismo surgido antes da Primeira Guerra Mundial era mais uma reação às novas condições de produção (a máquina, a fábrica, a urbanização), de circulação (os novos sistemas de transportes e comunicações) e de consumo (a ascensão dos mercados de massa, da publicidade, da moda de massas) do que um pioneiro na produção dessas mudanças”. P.32
“As mudanças por certo foram afetadas pela perda da fé na inelutabilidade do progresso e pelo crescente incômodo com a fixidez categórica do pensamento iluminista”. “O movimento socialista contestava cada vez mais a unidade da razão iluminista e inseriu uma dimensão de classe no modernismo. Seria a burguesia ou o movimento dos trabalhadores que daria forma e dirigiria o projeto modernista? E de que lado estavam os produtores culturais?”

“A mudança no tom do modernismo também decorria da necessidade de enfrentar diretamente o sentido de anarquia, de desordem e de desespero que Nietzsche semeara numa época de espantosa agitação, insatisfação e instabilidade na vida política-econômica (...)”. “Essa manifestação particular do modernismo, portanto, teve de reconhecer a impossibilidade de representar o mundo numa linguagem simples. A compreensão tinha de ser construída por meio da exploração de

múltiplas perspectivas. Em resumo, o modernismo assumiu um perspectivismo e um relativismo múltiplos como sua epistemologia, para revelar o que ainda considerava a verdadeira natureza de uma realidade subjacente unificada, mas complexa”. P.37

“O modernismo assumiu no período entre-guerras uma forte tendência positivista(...). O positivismo lógico era tão compatível com as práticas da arquitetura modernista quanto com o avanço de todas as formas de ciência como avatares do controle técnico. Foi esse o período em que as casas e as cidades puderam ser livremente concebidas como ‘máquinas nas quais viver’”. 

“O problema do modernismo ‘heróico’ foi, para resumir, o fato de que, uma vez abandonado o mito da máquina, qualquer mito podia alojar-se na posição central da ‘verdade eterna’ pressuposta no projeto modernista”. P.39

“Enquanto o modernismo dos anos entre-guerras era ‘heróico’ mas acossado pelo desastre, o modernismo ‘universal’ ou ‘alto’ que conseguiu hegemonia depois de 1945 exibia uma relação muito mais confortável com os centros de poder dominantes da sociedade”. 

“A crença no progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordem sociais ideais sob condições padronizadas de conhecimento e de produção era particularmente forte. Por isso, o modernismo resultante era ‘positivista, tecnocêntrico e racionalista’, ao mesmo tempo que era imposto como a obra de uma elite de vanguarda formada

por planejadores, artistas, arquitetos, críticos e outros guardiães do gosto refinado. A ‘modernização’ de economias européias ocorria velozmente, enquanto todo o impulso da política e do comercio internacionais era justificado como o agente de um benevolente e progressista ‘processo de modernização’ num Terceiro Mundo atrasado”. P.42

“Seu real lado inferior estava, sugiro, em sua celebração subterrânea do poder e da racionalidade burocráticos corporativos, sob o disfarce de um retorno ao culto superficial da máquina eficiente como mito capaz de encarnar todas as aspirações humanas. Na arquitetura e no planejamento, isso significava desprezar o ornamento e a personalização (...). Significava ainda uma enorme paixão pelos espaços e perspectivas maciços, pela uniformidade e pelo poder da linha reta”. P.43

“Embora fracassado, ao menos a partir dos seus próprios termos, o movimento de 1968 tem de ser considerado, no entanto, o arauto cultural e político da subseqüente virada para o pós-modernismo. Em algum ponto entre 1968 e 1972, portanto, vemos o pós-modernismo emergir como um movimento maduro, embora ainda incoerente, a partir da crisálida do movimento antimoderno dos anos 60”. P.44

Capítulo 3: Pós-modernismoEngels tem por objetivo analisar o trabalho em geral, assim também como Marx fará no início do capítulo V do livro primeiro de O Capital. Neste excerto muito conhecido e utilizado, Marx está analisando o processo de trabalho em geral, o trabalho como um processo contínuo, dialético e necessário entre homem e natureza em qualquer modo societal. Segundo Marx, “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre homem e natureza” (MARX, 1985, p.211). O interessante é que Engel teve estes “insights” sem uma ciência paleontrapológica sedimentada, pois muitas de suas percepções dos textos somente foram confirmadas depois dos anos 60 por achados fósseis, e pela criação de uma linha da paleantropologia que viu o papel do fogo, do consumo de carne e das mãos nesta transformação. Embora a postura bípede, parece que surgiu no Ardiphitecus, muitos antes do que se pensava, em relação a Lucy que já vivia em Savanas tropicais, e não em Selvas tropicais na Etiópica. A postura bípede, talvez tenha surgido por propósitos sexuais, pois facilitava trazer comida para a fêmea e para a prole, pelo macho e isto teria liberado as mãos, o que favoreceu a tecnologia. O cérebro encontrou o instrumento para transformar a natureza chegando ao seu apogeu com a sociedade tecnológica capitalista criada pela Revolução Industrial, uma fração mínima do tempo da história da evolução natural do homem. A dialética da natureza em Engels sempre foi rotulada como excessivamente positivista, por autores essenciais como Gramsci e mais autores como John Bellamy Foster (1999) privilegiam uma nova interpretação em que o marxismo precisa dialogar com as ciências naturais, para buscar um ecomarxismo ou um ecossocialismo possível, superador das práticas autoritárias, hierárquicas, burocráticas que resultaram na subjugação do homem e da natureza, em experiência do socialismo real guiadas pelo stalinismo. Os seres humanos são seres naturais, pois a espécie humana surgiu pela evolução da natureza e permanece ligado a ela, inclusive se esta ligação da sociedade-natureza é modificada pelo desenvolvimento das forças produtivas (BAGAROLO, 1996, p. 372), que jamais pode ser suprimida. Esta primazia da natureza equivale afirmar, ao menos em parte, a ação transformadora do homem, em termos ontológicos, a uma visão materialista da natureza e do ser humano (BAGAROLO, 1996). Assim, a defesa do enfoque materialismo nunca foi uma abordagem sem relevância, visto que correspondia a uma necessidade teórica, pelo fato que apontava uma luta para conquistar as mentes do trabalhador frente os desafios para sua classe. O materialismo histórico dialético oferece uma síntese social para as novas abordagens científicas das teorias dos sistemas, da complexidade, da ecologia profunda, que não entendem as relações sociais engendradas pelos humanos na constituição de forças produtivas, classes e ideologias. Tais idéias se apropriam da técnica pela razão instrumental na formação de uma estandardização comercial e cultural em tempos de globalização neoconservadora com dominação do sistema financeiro transnacional que serve à uma minoria de multimilionários que conduzem a humanidade a barbárie, a falta de água, comida, habitação, as guerras neocolonialistas centradas no superimperialismo Europeu, dos EUA, etc.

Para Engels, o prestígio das ciências naturais, contribuía para acalentar leituras do ser humano segundo dogmas naturalistas ou muitas vezes, deterministas, excluindo a historicidade do debate. Todavia, a luta pelo materialismo possui um sentido e razão bem precisa; conscientizar os homens de que podiam ser os donos do seu próprio destino, ao menos quando tomasse sua libertação das formas de consciência alienada (BAGAROLO, 1996, p. 374).

A partir disso, o materialismo corresponde a uma compreensão e à valorização da potencialidade de libertação humana sob o ponto de vista do progresso das ciências e das forças produtivas, que apenas o socialismo pode colocar ao oferecimento à todos. Isto significa que, o materialismo de Engels não afirma a redutibilidade do real à matéria como lado físico, como por muito tempo assinalava o mecanicismo do século XVIII e o materialismo vulgar do século XIX, senão uma opção a favor da unidade do real (homem e natureza, matéria e espírito), na qual o homem é parte e a natureza do todo e o pensamento é o dado derivado e não originário (BAGAROLO, 1996, p. 375).

Segundo o pensamento Engelsiano, a dialética é um método do pensamento mais real para compreendermos teoricamente a natureza quanto processo e devir; ela é a “lógica da coisa mesma”. Engels procura demonstrar que esta hipótese de trabalho está fundada e se torna inseparável do surgimento da ciência moderna da natureza e de seus resultados precisos. Ou seja, que as leis da dialética podem ser investigadas tanto na esfera do pensamento como na natureza. Ou seja, para Engels

a dialética é, acima de tudo, “ciência das relações”, o modo de pensar e as conexões do que se encontra aparentemente distante e separado, a transformação do que parece imutável, a transformação incessante das formas naturais, a emergência de novas possibilidades do curso mesmo da evolução natural e histórica, assim como o elo de unidade e diferenciação, de solidariedade e luta, que subsiste entre o homem e a natureza (BAGAROLO, 1996, p. 376).

2 Premissas conceituais: trabalho e natureza em Marx

Para chegar a uma definição de trabalho, é preciso procurar os elementos que definem, ao longo da trajetória humana bem como as relações estabelecidas entre o homem e o ambiente. Ora, “o trabalho só começa quando uma determinada atividade altera os materiais naturais, modificando sua forma original” (COGGIOLA, 2002, p. 182). Ou seja, pode-se definir o trabalho como o processo que realiza a mediação entre o ambiente e o homem, quando este põe em ação as forças de que seu corpo está dotado – braços, pernas, cabeça, mãos –, transformando os elementos que encontra disponíveis na natureza em produtos, suprindo assim suas necessidades, não importando “se elas se originam do estômago ou da fantasia” (MARX, 1985, p. 45).

O trabalho assim concebido – ação deliberada sobre o meio, caracterizada e dirigida pela inteligência e pela capacidade de abstração e formulação de conceitos – nada tem a ver com as atividades que realizam outros animais, como as abelhas ou as formigas. O homem, ao atuar “sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 1985, p. 49). O trabalho humano não é ação sobre o meio realizado de forma instintiva ou mecânica, mas processo complexo de aprendizagem, onde o homem não se limita a repetir ações e processos, como os outros animais, mas desenvolve técnicas e tecnologia que lhe são úteis. Ou seja, o homem se diferencia pois cria suas próprias ferramentas e sua ação não se limita a modificar os materiais que encontra disponíveis na natureza:

No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1985, p. 149-50).

Todavia, entendemos no corpo do pensamento marxiano-engelsiano que o trabalho humano apenas media a relação homem-natureza, tornando adaptada a natureza as demandas humanas, mas a fonte de riqueza é a natureza da qual são os produtos e bens de consumo por via do trabalho (RODRIGUES, 2002). O que evidencia na abordagem, que para Marx, humanidade e natureza estão inter-relacionadas e que a maneira historicamente específica das relações de produção constitui o cerne dessa inter-relação em qualquer período. Pois o mesmo, já havia aludido nos Manuscritos de 1844, citados por Foster e Lowy tal relação:

O homem vive da natureza, isto é, a natureza é seu corpo, e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, porque o homem é parte dela (FOSTER, 1999, p. 165; LOWY, 2005, p. 21).

Desde os primeiros tempos da humanidade houve uma divisão do trabalho, que no início se dava em função de características fisiológicas, como gênero, idade, força física, até considerando mútua cooperação entre culturas e exercendo influência nos povos contemporâneos (DURKHEIM, 2005). Nas sociedades antigas o trabalho se dava de modo coletivo, orgânico, destinado basicamente a produção de bens, visando de maneira objetiva à satisfação das necessidades primárias e o cerne limitava-se à obtenção de valores de uso (RODRIGUES, 2002, p. 12). A própria dança, o folclore, os rituais ensejavam uma base cultural de mediação do homem e da natureza, ainda não dicotomizada pelas relações produtivas engendradas na Antiguidade ou nos novos entornos sociais do capitalismo estabelecido no sistema mundo, com seu centro e sua periferia.

Logo, é na sociedade capitalista que as mediações se tornam mais complexas, onde o valor atua como mediador das relações humanas e de acesso à natureza (RODRIGUES, 2002, p. 12). Mas, à medida que o trabalho se diversificava e se tornavam mais complexas tanto a técnica como a tecnologia, essa primeira divisão do trabalho foi sendo superada pela divisão entre o trabalho material e o trabalho intelectual. Passava a haver, quanto à função imediata do indivíduo no meio social, um trabalho realizado pela mente e um trabalho realizado pelas mãos, sendo o primeiro entendido como afastado da prática humana, um produto da consciência humana e não de um órgão. Cada indivíduo ficou limitado a esferas profissionais particulares, exclusivas, não devendo sair delas, sendo unicamente caçador, operário, professor ou administrador. Com essa divisão, o trabalho e seus produtos passaram a ser, qualitativa e quantitativamente, distribuídos de forma desigual (MARX E ENGELS, 1996, p. 44-48). Também as relações homem-natureza assumem novos postulados, em que novas perspectivas são assumidas no lucro, exigindo um uso mais acelerado dos recursos naturais extraídos pelo trabalho (RODRIGUES, 2002, p. 12).

Conclusão

A partir de nossas breves observações, entendemos que é necessário, no referencial das ciências sociais, restabelecer a centralidade da categoria trabalho para entender a vida humana (SILVA, 1997), retomando a compreensão do trabalho como ação que “produz a natureza humana na mesma medida em que a delimita e a diferencia da natureza puramente animal, através de uma apropriação específica do próprio mundo natural” (COGIOLA, 2002, p. 183).

Dentro desse panorama, teríamos dois breves apontamentos: a) Na sociedade refletida por Marx e Engels, o trabalho com as mãos é ato de rebaixamento do homem, ficando condicionados a seres “inferiores”. Um outro tipo de “trabalho cerebral”, recebe importância maior, sendo muitas vezes não considerado trabalho, esquecendo-se inclusive que depende de um órgão do corpo humano, o cérebro. Do mesmo modo, esquecemos que não há trabalho puramente cerebral ou puramente manual, sendo a prática uma parte constitutiva do aprendizado. Olvidamos também que aqueles trabalhadores supostamente menos relevantes, os que trabalham com as mãos, são os que produzem as riquezas materiais que servem para suprir as necessidades humanas. Se negamos ao trabalho sua importância fundamental, negamos nossa própria história, a história do “animal racional” (no puro sentido Aristotélico) que chegou a ser o que é, a tornar real um mundo de sonhos e maravilhas, ou de até, no pessimismo revolucionário, ser incapaz de transformar suas relações sociais pelo trabalho (GORZ, 1987. p. 85); b) por fim, asseveramos que Engels, da mesma forma que Marx, deixou cristalizado em sua obra a participação do homem na natureza, de sua posição diferenciada ao comparar com as outras espécies vivas, de sua presença modificadora. Neste movimento a própria natureza humana é construída e modificada constantemente e, segundo a abordagem marxiana-engelsiana, com o surgimento do modo de produção capitalista, com o aparecimento da burguesia explorando os trabalhadores e degradando a natureza. De tal conseqüência histórica, surge a possibilidade histórica dos oprimidos construírem a transformação por completo do modo de produção existente e, com ele, a ordem social vigente ao mesmo tempo em que ressignifique a relação das sociedades com a natureza, produzindo outras relações socioambientais

David Harvey adquiriu fama com a publicação, em 1989, de Condição pós-moderna. engendramento de uma nova sensibilidade ou do sentimento qualificado como pós-moderno) com a emergência de modalidades diferentes, mais flexíveis de acumulação do capital, isto é, ao início de um novo ciclo de “compressão do tempo-espaço na organização do capitalismo”. Isso não significa, no entanto, que ele endosse a tese do surgimento de uma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial, ao contrário. Para Harvey, o pós-modernismo não significa apenas uma mudança no estatuto da produção cultural, sinaliza também uma modificação no próprio modo de vida com a generalização de novas práticas, experiências e formas de vida. Em sua obra anterior, Os limites do capital (1982), Harvey examinou a teoria marxista das crises econômicas. Nesse registro, compreende o pós-modernismo como uma ruptura com o modelo de desenvolvimento do capitalismo prevalecente no pós-guerra. Desde a recessão de 1973, a forma de acumulação predominante, o fordismo, foi minada pela crescente competição internacional, por baixas taxas de lucros corporativos e por um processo inflacionário em aceleração, processo esse que mergulhou a economia capitalista numa crise de superacumulação.

A resposta da classe capitalista e dos governos dos países centrais a essa situação desdobrou-se como um novo regime de acumulação “flexível”, no qual o capital ampliava sua margem de manobra intensificando a flexibilidade dos mercados de trabalho – privilegiando contratos temporários, a incorporação de força de trabalho imigrante etc. –, dos processos de fabricação – pela via da transposição de unidades fabris para outros países ou regiões –, da produção de mercadorias – por processos just in time, por lotes de encomendas etc. –, nos mercados financeiros – desregulamentados nas transações atinentes ao câmbio, ao crédito e aos investimentos.

Essa nova forma de acumulação fornece a base para a cultura pós-moderna, para uma sensibilidade ligada à desmaterialização do dinheiro, ao caráter efêmero das moedas, à instabilidade da “nova economia”.

acumulação e as estratégias políticas, diplomáticas e militares que denomina “acumulação por espoliação”, renomeando o arsenal de práticas que Marx chamava de acumulação primitiva.

A predecessora mais ilustre dessa posição foi Rosa Luxemburgo. Harvey compartilha com ela a tese de que a acumulação capitalista não prescinde de alguma espécie de ambiente externo. Discorda, no entanto, que esse “outro” seja sempre uma forma de produção pré-capitalista. O próprio capitalismo, em sua geografia e história, pode produzir esse “exterior”, como no caso do desemprego em massa que amplia o exército industrial de reserva. Tampouco concorda que a sucessão de crises que perpassa o capitalismo seja explicável pelo “subconsumo”. Para Harvey, as crises advêm da dificuldade em absorver de forma lucrativa os excedentes de capital e são, portanto, “crises de sobreacumulação”. Sua resolução acarreta tanto a desvalorização de ativos e a destruição de regiões como configura uma nova paisagem espaço-temporal para acomodar a perpétua acumulação de capital e, sua companheira inseparável, a acumulação interminável de poder.

Essa teoria permite a Harvey explicar de forma convincente os principais fenômenos político-econômicos dos últimos 35 anos, apresentando a financeirização, a globalização e a política neoliberal como estratégias da “acumulação por espoliação”. Seu predomínio manifesta-se na vida política por meio da cisão dos movimentos antiglobalização, divididos entre a esquerda socialista – cuja ênfase na reprodução ampliada coloca como central a luta anticapitalista –, e os novos movimentos sociais que tendem a assumir formas difusas, fragmentárias e avessas ao controle do aparelho de Estado, posto que seu combate prioritário é contra a espoliação. Para explicar o pós-modernismo, Harvey recorre ainda ao arsenal teórico da “escola da regulação”, em particular, à sua famosa distinção entre “regime de acumulação” e o “modo de regulação” social e política que lhe é associado. Nesse diapasão, Harvey identifica no pós-modernismo uma ruptura com o modelo de desenvolvimento capitalista prevalecente desde 1945. A partir da recessão de 1973, a forma de acumulação predominante, o fordismo, foi minada pela crescente competição internacional e pela combinação de baixas taxas de lucros corporativos e de um processo inflacionário em aceleração. A soma desses fatores desencadeou uma crise de superacumulação.

A resposta da classe capitalista e dos governos dos países centrais a essa situação desdobrou um novo regime de acumulação. Nesse regime, denominado “flexível” por Harvey, o capital retomou sua margem de manobra e seu controle sobre o mercado de trabalho. Sua principal estratégia foi a “precarização” das relações trabalhistas, com o estabelecimento de contratos temporários e a incorporação de força de trabalho imigrante.

Contribuíram para tanto outros fatores como a transposição – em busca de custos reduzidos – de unidades fabris para outros países ou regiões. A produção de mercadorias também foi revolucionada por processos just in time, pela prioridade dada aos lotes de encomendas etc. A principal transformação, no entanto, ocorreu nos mercados financeiros com a desregulamentação das transações em moedas (câmbio), crédito e investimentos. Esse novo regime de acumulação forneceu o solo para a cultura pós-moderna, para uma nova sensibilidade moldada pela desmaterialização do dinheiro, pelo teor efêmero da referência monetária, pela instabilidade econômica.

J. Estáline – O Materialismo Dialéctico e o Materialismo Histórico.

“ O materialismo dialéctico é assim chamado, porque a sua maneira de considerar os fenómenos da natureza, o seu método de investigação e de conhecimento é dialéctico e a sua interpretação, a sua concepção dos fenómenos da natureza, a sua teoria é materialista.”  Segundo o método dialéctico “os fenómenos da natureza estão eternamente em movimento e em transformação e o desenvolvimento da natureza é o resultado do desenvolvimento das contradições da natureza, o resultado da acção recíproca das forças contrárias da natureza( “Le Materialisme Dialectique et le Materialisme Historique (edições em Línguas Estrangeiras- Moscovo, 1951)

A natureza “como um todo único, coerente, em que os objectos, os fenómenos, estão ligados organicamente entre eles, dependem uns dos outros e condicionam-se reciprocamente.” “Ao contrário da metafísica, a dialéctica encara a natureza, não como um estado de repouso e de imobilidade, mas como um estado de movimento e transformação perpétuos”. E cita Engels : “Toda a natureza, diz Engels, das partículas mais ínfimas aos corpos maiores, do grão de areia ao Sol, do protiste (célula viva primitiva. . Estáline) ao homem, está empenhada num processo eterno de aparecimento e desaparecimento, num fluxo incessante, num movimento e numa transformação perpétuos. (Dialéctica da Natureza, F. Engels). E, mais, adiante: “A natureza, diz Engels, é a pedra de toque da dialéctica e é necessário dizer que as ciências modernas da natureza forneceram, para esta prova, materiais que são extremamente ricos e que aumentam cada vez mais; assim, provaram que a natureza, em última instância, comporta-se dialecticamente e não metafisicamente(…)”. Continua a citá-lo abundantemente. E a extrair consequências políticas!! Tanto da dialéctica aplicada aos fenómenos sociais e históricos (o que não surpreende), como ddas suas “leis” que regem a natureza, por exemplo, “a passagem das mudanças quantitativas lentas a mudanças qualitativas bruscas e rápidas” passa para as revoluções….”Por consequência, para não nos enganarmos em política, é preciso sermos revolucionários e não reformistas.”

A política e a ideologia

Domenico Losurdo

O socio-centrismo, antropocentrismo e antropomorfismo, eurocentrismo (Ocidente), egocentrismo

Ao colocar o pólo material como primado, Marx critica a “objetivação” que Hegel faz do pensamento contemplativo como o “único comportamento objetivo”. Critica a valorização do pensamento especulativo como o trabalho que impulsiona a dialética. “O materialismo de Marx, como o oposto rigoroso do idealismo de Hegel, encontra precisamente no trabalho humano o equivalente dialético do trabalho do pensamento que impulsionava a Lógica. E porque o trabalho é para Marx uma relação de produção definida por seu conteúdo material, o trabalho como relação dialética fundamental define, em toda a sua extensão, o significado materialista da dialética”.

 O ponto de partida não é a consciência, o trabalho intelectual, mas o homem em seu processo vital, em seu trabalho produtivo com a natureza. Desde este ponto de vista, o materialismo marxista nos aparece como uma ‘antropogênese’ [...]”. O trabalho, como relação dialética fundamental, opera essa “antropogênese” numa relação ativa e recíproca entre o homem e a natureza.

 Há a dialética homem e natureza na produção dos meios vitais necessários para a manutenção da vida. A natureza só adquire significatividade para o homem quando da exteriorização do homem e este só possui significatividade em uma natureza: “Um ser que não tenha sua natureza fora de si não é um ser natural, não faz parte da essência da natureza. Um ser que não tenha nenhum objeto fora de si não é um ser objetivo. Um ser que não é, por sua vez, objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser como objeto seu, isto é, não se comporta objetivamente, seu ser não é objetivo. Um ser não objetivo é um não-ser”.

 O materialismo de Marx é um materialismo dinâmico, que relaciona homem e natureza, natureza e homem. Mesmo tendo o primado da matéria, do pólo objetivo, o seu oposto – o espírito, o homem, a subjetividade – não é colocada como mero reflexo do primeiro pólo. Pois pela práxis (que une teoria e ação, objetividade e subjetividade) dá-se a dialeticidade da relação homem-natureza, objetivo-subjetivo. Esclarecedor da perspectiva singular do materialismo de Marx e que o distingue de outros materialistas é este trecho da Teses sobre Feuerbach: “O defeito principal de todo o materialismo conhecido até hoje – inclusive o de Feuerbach – é que a realidade concreta e sensível não é aí concebida senão  sob a forma do objeto ou da representação, e não como atividade sensorial do homem, como prática humana, ou seja, não subjetivamente... Feuerbach tem em vista os objetos concretos, realmente distintos dos objetos do pensamento; entretanto, ele não considera a atividade humana em si mesma como atividade objetiva... Por conseguinte, ele não apreende a significação da atividade ‘revolucionária’, prático-crítica”. Quanto à questão teleológica, o pensamento complexo nos ajuda a evitá-la ao mostrar-nos a não-linearidade, a possibilidade de “saltos” no desenrolar histórico, que não necessariamente signifique positividade. Ainda mais, se pensarmos nas possibilidades das ações humanas que podem se voltar tanto para a positividade quanto para a negatividade. A teleologia, se não bem dosada, é sempre perigosa, pois predispõe à “mania de videntes” e pode nos levar a querer tudo compreender e a impor um futuro já dado de antemão (conseqüências que o século XX não deixou de experimentar com os regimes totalitários e a lógica do fim da história).

 Quanto á confiança exarcebada na ciência, o auxílio da complexidade nos dá a compreender e a conhecer que a ciência não é a única forma de apreensão do real. A ciência, por mais importante que seja não detêm o monopólio da apreensão do mundo, e sozinha, isolada da companhia das assim chamadas humanidades, corre o risco de errar pelos caminhos da autodestruição humana.

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades profundamente e crescentemente desiguais. Com o Império norte-americano até a doutrina adversa ao Estado, do “mercado livre”, revelou-se uma mentira. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonham, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas. Nenhuma doutrina conseguiu um predomínio tão global desde o início do século como o neoliberalismo Este fenómeno chama-se hegemonia, ainda que, positivamente, milhões de seres humanos resistam a tais regimes. Veremos o que vai impor-se neste século que ora começa.

------NOZES PIRES----

T. Vedras, 2020

 


 

 


 

 

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