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terça-feira, 13 de maio de 2014

ENTREVISTA

Ajudas a Portugal e Grécia foram resgates aos bancos alemães

É incorrecta a narrativa que os alemães contaram a si próprios de que a crise do euro teve a ver com o Sul a querer levar o dinheiro deles, diz ex-conselheiro de Durão Barroso.
Uma grande parte da explicação é que o sector bancário dominou os governos de todos os países e as instituições da zona euro. Foi por isso que, quando a crise financeira rebentou, foram todos a correr salvar os bancos, com consequências muito severas para as finanças públicas e sem resolver os problemas do sector bancário. O problema tornou-se europeu quando surgiram os problemas da dívida pública da Grécia. O que teria sido sensato fazer na altura – e que era dito em privado por muita gente no FMI e que este acabou por dizer publicamente no ano passado – era uma reestruturação da dívida grega. Como o Tratado da União Europeia (UE) tem uma regra de “no bailout” [proibição de assunção da dívida dos países do euro pelos parceiros] – que é a base sobre a qual o euro foi criado e que deveria ter sido respeitada – o problema da Grécia deveria ter sido resolvido pelo FMI, que teria colocado o país em incumprimento, (default), reestruturado a dívida e emprestado dinheiro para poder entrar nos carris. É o que se faz com qualquer país em qualquer sítio. Mas não foi o que foi feito, em parte em resultado de arrogância – e um discurso do tipo ‘somos a Europa, somos diferentes, não queremos o FMI a interferir nos nossos assuntos’ – mas sobretudo por causa do poder político dos bancos franceses e alemães. É preciso lembrar que na altura havia três franceses na liderança do Banco Central Europeu (BCE) – Jean-Claude Trichet – do FMI – Dominique Strauss-Kahn – e de França – Nicolas Sarkozy. Estes três franceses quiseram limitar as perdas dos bancos franceses. E Angela Merkel, que estava inicialmente muito relutante em quebrar a regra do “no bailout”, acabou por se deixar convencer por causa dolobby dos bancos alemães e da persuasão dos três franceses. Foi isto que provocou a crise do euro.
Como assim?
Porque a decisão de emprestar dinheiro a uma Grécia insolvente transformou de repente os maus empréstimos privados dos bancos em obrigações entre Governos. Ou seja, o que começou por ser uma crise bancária que deveria ter unido a Europa nos esforços para limitar os bancos, acabou por se transformar numa crise da dívida que dividiu a Europa entre países credores e países devedores. E em que as instituições europeias funcionaram como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos devedores. Podemos vê-lo claramente em Portugal: a troika (de credores da zona euro e FMI) que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas. Já é mau demais ter-se um patrão imperial porque não tem base democrática, mas é pior ainda quando este patrão lhe impõe o caminho errado. Isso tornou-se claro quando em vez de enfrentarem os problemas do sector bancário, a Europa entrou numa corrida à austeridade colectiva que provocou recessões desnecessariamente longas e tão severas que agravaram a situação das finanças públicas. Foi claramente o que aconteceu em Portugal. As pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.
Quando diz que os Governos e instituições estavam dominados pelos bancos quer dizer o quê?
Quero dizer que os Governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses dos cidadãos. Por várias razões. Em alguns casos, porque os Governos identificam os bancos como campeões nacionais bons para os países. Em outros casos tem a ver com ligações financeiras. Muitos políticos seniores ou trabalharam para bancos antes, ou esperam trabalhar para bancos depois. Há uma relação quase corrupta entre bancos e políticos. No meu livro defendo que quando uma pessoa tem a tutela de uma instituição, não pode ser autorizada a trabalhar para ela depois.
Também diz no seu livro que quando foi conselheiro de Durão Barroso, o avisou claramente logo no início sobre o que deveria ser feito, ou seja, limpar os balanços dos bancos e reestruturar a dívida grega. O que é que aconteceu? Ele não percebeu o que estava em causa, ou percebeu mas não quis enfrentar a Alemanha e a França?
Sublinho que isto não tem nada de pessoal. O presidente Barroso teve a abertura de espírito suficiente para perceber que os altos funcionários da Comissão estavam a propôr receitas erradas. Não conseguiram prever a crise e revelaram-se incapazes de a resolver. Ele viu-me na televisão, leu o meu livro anterior (*) e pediu-me para trabalhar para ele como conselheiro para lhe dar uma perspectiva alternativa. O que foi corajoso, e a mim deu-me uma oportunidade de tentar fazer a diferença. Infelizmente, apesar de termos tido muitas e boas conversas em privado, os meus conselhos não foram seguidos.
Porquê? Será que a Comissão não percebeu? A Comissão tem a reputação de não ter nem o conhecimento nem a experiência para lidar com uma crise destas. Foi esse o problema?
Foram várias coisas. Claramente a Comissão e os seus altos funcionários não tinham a menor experiência para lidar com uma crise. Era uma anedota! O FMI é sempre encarado como a instituição mais detestada [da troika], mas quando foi juntamente com a Comissão à Irlanda, as pessoas do FMI foram mais apreciadas porque sabiam do que estavam a falar, enquanto as da Comissão não tinham a menor ideia. Por isso, uma das razões foi inexperiência completa e, pior, inexperiência agravada com arrogância. Em vez de dizerem “não sei como é que isto funciona, vou perguntar ao FMI ou ver o que aconteceu com as anteriores crises na Ásia ou na América Latina”, os funcionários europeus agiram como se pensassem “mesmo que não saiba nada, vou na mesma fingir que sei melhor”. Ou seja, foram incapazes e arrogantes. A segunda razão é institucional: não havia mecanismos para lidar com a crise e, por isso, a gestão processou-se necessariamente sobretudo através dos Governos. E o maior credor, a Alemanha, assumiu um ponto de vista particular. Claro que isto não absolve a Comissão, porque antes de mais, muitos responsáveis da Comissão, como Olli Rehn [responsável pelos assuntos económicos e financeiros], partilham a visão alemã. Depois, porque o papel da Comissão é representar o interesse europeu, e o interesse europeu deveria ter sido tentar gerar um consenso de tipo diferente, ou pelo menos suscitar algum tipo de debate. Ou seja, a Comissão poderia ter desempenhado um papel muito mais construtivo enquanto alternativa à linha única alemã. E, por fim, é que, embora seja politicamente fraca, a Comissão tem um grande poder institucional. Todas as burocracias gostam de ganhar poder. E neste caso, a Comissão recebeu poderes centralizados reforçados não apenas para esta crise, mas potencialmente para sempre, que lhe dão a possibilidade de obrigar os países a fazer coisas que não conseguiram impor antes. É por isso que parte da resposta é também uma tomada de poder.
A impressão que tivemos, em Portugal, é que a arrogância destes altos funcionários europeus vinha de uma falta de orientações políticas e de liderança, de Barroso e de Rehn... Como é que foi possível que uma instituição com uma responsabilidade tão grande sobre a vida das pessoas pudesse ter funcionado em roda livre sem orientação política?
Houve orientação política, só que vinha da Alemanha. E a Alemanha aconselhou mal, em parte por causa da forma particular como os alemães olham para a economia, por causa da ideologia conservadora, e porque agiu no seu próprio interesse egoísta de credor em vez de no interesse europeu alargado. A UE sempre funcionou com a Alemanha integrada nas instituições europeias, mas aqui, a Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. É por isso que temos uma Alemanha quase-hegemónica, o que é muito destrutivo.
Pensa que isso foi uma decisão tomada conscientemente por Angela Merkel?
Os erros vieram todos da violação da regra do “no bailout”. Merkel tem a seu favor o facto de ter atrasado durante muito tempo [a ajuda à Grécia]. Penso que ela não queria violar a regra do “no bailout”. Só que foi convencida a fazê-lo pelos três franceses e pelos bancos alemães, que disseram todos que seria irresponsável deixar a Grécia entrar em default. E, por causa deste erro fatal, de repente os contribuintes alemães sentem que são responsáveis pelas dívidas de todos os outros países. Por isso, a resposta natural dos alemães foi dizerem que querem maior controlo sobre os orçamentos e políticas económicas dos outros. Este foi o erro crasso. Transformou a natureza da UE, que passou de uma comunidade voluntária entre iguais para esta relação hierárquica entre credores exercendo o seu controlo sobre os devedores. Uma coisa é Portugal e outros, numa altura de desespero, aceitarem termos injustos, outra completamente diferente é aceitar numa base duradoura este sistema anti-democrático. Se nas próximas eleições for eleito um Governo diferente do actual e o sucessor de Olli Rehn for à televisão dizer que é preciso manter exactamente as mesmas políticas do governo anterior, naturalmente que os portugueses vão ficar escandalizados porque acabaram de eleger um novo Governo, pessoas diferentes e quem diabo é este comissário europeu não eleito que me diz que decisões sobre despesas e receitas é que tenho de tomar? Isto não é politicamente sustentável.
Então para si, a crise do euro foi antes de mais uma crise bancária mal gerida....
Foi. É antes de mais uma crise bancária. Se olhar para Portugal, o principal problema era a dívida privada. Antes da crise, a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha – 67/68% do PIB – mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a dívida privada que estava acima de 200% do PIB. Antes da crise, o que aconteceu em Portugal era, no essencial, bancos estrangeiros a emprestarem a bancos portugueses e estes a emprestar aos consumidores portugueses. A subida da dívida pública era reduzida, houve uns pequenos aumentos nos primeiros anos do euro, mas bastante menos do que na dívida privada. Este é que era o problema real, mas que os portugueses não enfrentaram, a UE e o FMI não ligaram, só se concentraram na redução da dívida pública. Por isso, como não resolveram os problemas reais do sector bancário, não resolveram o problema da dívida privada, só se concentraram na consequência, que foi o aumento da dívida pública. Só que as consequências sociais para Portugal desta profunda, longa e desnecessária recessão económica são trágicas. E ninguém é responsabilizado. Se tivesse sido um erro feito pelo Governo português, bom, podia ser corrido nas próximas eleições. Mas aqui as pessoas que fizeram os erros não são responsabilizadas. E depois as pessoas perguntam-se porque é que os europeus já não gostam da Europa. É surpreendente?
Pensa que a dívida portuguesa também deveria ter sido reestruturada, a pública e a privada?
Depende. Com base nas políticas seguidas, a dívida portuguesa atingiu um nível perigoso [129% do PIB]. Os bancos deveriam ter sido reestruturados e a dívida do sector privado deveria ter sido resolvida. Nas empresas, através de procedimentos de insolvência do FMI que lhes permite continuar a funcionar enquanto a dívida é reduzida. Para os consumidores, com reduções de dívida a partir do momento em que os bancos reconhecem as perdas e as incluem nos balanços. Se isto tivesse sido feito, a trajectória da dívida pública portuguesa poderia ter permanecido sustentável, porque o sector bancário estaria a funcionar, a dívida privada seria inferior e por isso haveria mais crédito para investimento e maior consumo. Mas por causa dos erros feitos Portugal está numa situação difícil. Há quem pense que o que eu digo é uma loucura, alegando que os mercados estão a emprestar a Portugal a taxas muito baixas e que por isso a crise acabou, blá blá, blá, mas isso simplesmente não é verdade. Isso também aconteceu nos anos da bolha [financeira], antes de 2007, em que os mercados também emprestavam de forma incrivelmente fácil, o que não significava que não havia problemas. Neste momento tem havido entrada de liquidez, que está a tapar os problemas subjacentes, mas essa liquidez pode inverter-se se o BCE, como penso que vai acontecer, nos desiludir da ideia de que poderá haver um Quantitative Easing (injecção de liquidez). Mas a situação vai mudar na mesma, porque as taxas de juro americanas vão subir, o que afectará todas as taxas de juro no mundo inteiro, incluindo em Portugal. Ao mesmo tempo, se olharmos para a economia subjacente, há agora um crescimento do PIB positivo, mas a inflação caiu tanto que o crescimento nominal do PIB é muito, muito baixo. E é muito difícil sair de uma dívida gigantesca quando se tem um crescimento nominal do PIB muito baixo. Por isso, na ausência de inflação, é preciso reestruturar a dívida.
Neste momento?
Penso que Portugal deve procurar obter uma redução da dívida oficial [dos empréstimos dos países do euro]. Também deve aproveitar agora a estupidez do mercado que está a emprestar a baixo custo para levantar o máximo possível de fundos e usar parte desse dinheiro para pagar parte da velha dívida. Mas não se deixem enganar que os problemas estão resolvidos, porque não estão.
Então, em sua opinião, os resgates a Portugal e Grécia foram sobretudo resgates disfarçados aos bancos alemães e franceses para os salvar dos empréstimos irresponsáveis, e que estão a ser pagos pelos contribuintes portugueses e gregos?
Claro que foram. No caso de Portugal, também havia bancos espanhóis, mas que também tinham obtido empréstimos dos bancos franceses e alemães. Era uma cadeia....
Isso significa que o sofrimento dos portugueses, o desemprego astronómico, os cortes de salários e pensões e os aumentos de impostos, tudo isto foi feito para salvar os bancos alemães e franceses?
Bom, é preciso sublinhar que dado o crescimento gigantesco do crédito que aconteceu em Portugal antes de 2007, Portugal sofreria de alguma forma. Não estou a dizer que seria tudo perfeito. Mas a recessão foi desnecessariamente longa e profunda e, em resultado dos erros cometidos, a dívida pública é muito mais alta do que teria sido. A austeridade foi completamente contraproducente, as pessoas sofreram horrores e isso prejudicou imenso a economia.
Mas pelo menos parte da dívida pública foi assumida para salvar dívida privada, incluindo dos bancos, portugueses e alemães. O que significa que são os contribuintes portugueses que estão a pagar para salvar esses bancos?
Sim, é verdade.
Numa união europeia, numa união monetária, governos e instituições europeias puseram os  interesses dos bancos à frente do bem estar das pessoas?
Essa é a questão essencial. Estou inteiramente de acordo. Na primeira fase da crise, já foi suficientemente mau que os contribuintes tenham tido de salvar os bancos dos seus próprios países. Mas quando o problema alastrou a toda a UE, o que aconteceu foi que a zona euro passou a ser gerida em função do interesse dos bancos do centro – ou seja, França e Alemanha – em vez de ser gerida no interesse dos cidadãos no seu conjunto. O que é profundamente injusto e insustentável.
E destrutivo para a UE...
Exactamente. Essa é a tragédia. Em resultado dos erros cometidos, a Europa está a ser destruída, o apoio à Europa caiu a pique, velhos ressentimentos foram reavivados, outros nasceram, a par de tensões sociais no interior dos países. Podemos esperar que as eleições europeias sejam um sinal de alarme, mas duvido, porque o sentimento contra a Europa tem assumido frequentemente a forma de extremismos. Ora, é muito fácil atacar o extremismo, o que está certo, mas sem olhar para as causas subjacentes. Há pessoas que votam para partidos nazis porque são racistas, mas há outras que votam nesses partidos porque estão infelizes, perderam a esperança, sentem-se injustiçadas. É preciso olhar para as causas subjacentes, porque se não a UE está em muitos maus lençóis.
Em concreto: como a Alemanha e os outros países do centro são co-responsáveis pelos erros cometidos nos países ajudados para salvar os seus bancos, não deveriam agora aceitar um perdão de pelo menos uma parte dos empréstimos concedidos ao abrigo dos resgates?
Sim, deveriam, necessariamente. Só que o problema, agora, é que os contribuintes alemães vão sentir que os outros estão atrás do seu dinheiro e acham injusto. E têm razão, é injusto. Só que a culpa não é dos ‘mal-comportados’ portugueses ou gregos, a culpa é de Angela Merkel que aceitou resgatar os bancos alemães com os empréstimos a Portugal e Grécia. É isso que é tão terrível, é que ao fazer justiça a Portugal e Grécia, está-se a confirmar, de facto, a narrativa incorrecta que os alemães se contaram a si próprios de que esta crise tem a ver com os maus do sul a quererem levar o dinheiro deles. Mas, de facto, o que aconteceu foi que Angela Merkel permitiu que os contribuintes alemães resgatassem, de forma indirecta, os bancos alemães. Esta é a tragédia.
Qual e a solução agora?
É preciso um discurso de verdade. Não acredito que Merkel seja capaz de o fazer porque teria de admitir os erros. Seria preciso que algum líder ou político alemão explicasse a verdadeira história sobre o que aconteceu. Mas tem de haver um reconhecimento da verdade.
Mas pelo menos no caso da Grécia, a Alemanha vai ter de fazer alguma coisa, porque a dívida é totalmente insustentável...
Totalmente insustentável. [O ex-chanceler alemão] Helmut Schmidt disse que deveria haver uma conferência de dívida e Trichet poderia expiar os seus pecados fazendo-o, enquanto gesto de solidariedade europeia, como aconteceu com a dívida da Alemanha em 1924 e 1928. Se pensarmos bem, o que a Alemanha, a Comissão e as instituições da UE em geral fizeram foi abusar do facto de Portugal e Grécia quererem desesperadamente ser europeus e estarem aterrados com o que lhes poderia acontecer se saíssem do euro e por isso puderam impôr-lhes condições muito injustas. É um pouco como um marido violento que bate na mulher e que sabe que pode continuar porque ela ainda gosta dele e porque tem medo de o deixar. Isto é exactamente o oposto da solidariedade em que é suposto a Europa ser baseada. Por isso, quando digo que precisamos de um gesto de solidariedade, não é para resgatar o mau comportamento de Portugal e Grécia, mas um gesto de solidariedade para corrigir os erros horríveis dos últimos anos. Se os contribuintes alemães ficarem zangados, então a solução poderá ser uma taxa sobre os bancos alemães para recuperar o dinheiro, porque não?
O que sugere para Portugal poder começar a crescer?
É preciso uma reestruturação dos bancos, um perdão de dívida tanto pública como privada, é preciso investimento do Banco Europeu de Investimentos (BEI), dos fundos estruturais da UE e através dos ganhos de um perdão de dívida que reduza os pagamentos dos juros. Se os bancos estiverem a funcionar como deve ser, também haverá crédito ao investimento. E é preciso reformas, porque durante esta crise, as reformas defendidas pela Comissão e Alemanha foram, no essencial, redução de salários. Isto foi baseado num falso diagnóstico. Não é verdade que os aumentos salariais no sul da Europa foram excessivos nos anos pré-crise. Em termos de peso no PIB, os salários até caíram. Por isso não é verdade que esta foi a causa da crise, não é verdade que os salários precisavam de ser reduzidos. Só que esmagar salários provoca o colapso do consumo, agrava a recessão e agrava o peso da dívida, porque se os salários baixam, é mais difícil pagá-la. Tudo isto é baseado no erro de concepção alemão de que os custos salariais são uma coisa má e têm de ser reduzidos, quando, de facto, deveriam ser tão altos quanto possível, desde que justificados pela produtividade. Uma das histórias bonitas aqui é a dos fabricantes portugueses de calçado que ignoraram os conselhos da UE de reduzir salários, porque perceberam que com a concorrência de baixo custo da Turquia e China, se cortassem os salários, entrariam numa corrida para baixo. Em vez disso, decidiram investir para chegar ao topo do mercado, e em resultado disso, as exportações aumentaram, os salários aumentaram, o emprego aumentou. Este é o modelo que é preciso seguir, não caminhar para salários cada vez mais baixos.
E para a UE ? Qual é a solução para a crise? Falar de maior integração, de união política e orçamental tem sentido?
Não creio que seja preciso maior integração para resolver a crise. O plano em três pontos que dei a Durão Barroso em 2010 – reestruturação de bancos, reestruturação de dívidas, investimento e reformas – pode ser feito com as actuais instituições. Mas é preciso, sim, uma reforma institucional para fazer a zona euro funcionar melhor no futuro. E, a esse respeito, penso que é preciso ter um mecanismo verdadeiramente independente de resolução dos bancos, porque o actual não é. É preciso que o papel do BCE enquanto credor de último recurso dos governos seja tornado permanente em vez do actual mecanismo temporário e condicional [OMT]. Terceiro, é preciso restaurar a regra do “no bailout”. E é preciso dar aos Governos muito mais liberdade e flexibilidade para contrair crédito e para gastar – para isso, é preciso deitar fora o Tratado orçamental – embora prevendo, em última análise, a possibilidade de default. Esta é a disciplina. Os Governos e os mercados têm de saber que há o risco dedefault. A longo prazo, será preciso criar um tesouro da zona euro, com algum poder de tributação fiscal e de contrair crédito, que responda democraticamente perante o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais. Seria bom que houvesse um mecanismo de partilha de risco no seio da zona euro, mas infelizmente penso que ainda não existem condições para isso, porque os alemães olham para qualquer mecanismo de partilha de riscos como uma forma de transferência, e com todo o sentimento anti-europeu do momento, não há condições políticas. Mesmo que, de facto, fosse mais respeitador das democracias nacionais do que o sistema que temos agora. Porque teríamos mais integração ao nível europeu, com um orçamento da zona euro, mas igualmente muito maior liberdade ao nível nacional.
Sobre os resgates em si: disse que no caso do programa da Grécia as projecções macro-económicas eram totalmente irrealistas e que as condições impostas a Portugal foram “bárbaras”. Quem foi responsável por isto, o FMI ou a Comissão Europeia?
Foi a troika que o fez em conjunto, mas penso que o essencial da responsabilidade da parte orçamental dos programas é da Comissão. As projecções eram completamente falsas. Dá vontade de rir quando se comparam as projecções de 2011 com os resultados de 2013,  é uma anedota. Isto resultou em parte da incompetência das pessoas responsáveis, mas há outro problema que é o da responsabilidade democrática. Olli Rehn e os seus altos funcionários decretam que o desemprego vai ser 12% mas se afinal é 20%, dizem “ah, ok, temos de mudar aqui este número na folha de cálculo”. Ou seja, não estão a lidar com a realidade. Esta instituição é uma redoma completamente desligada da realidade.
Estas mesmas pessoas vão continuar a mandar nas nossas vidas....
Pois é, é assustador. Além das alterações que é preciso fazer na zona euro, é preciso que a Comissão Europeia seja muito mais controlada no plano democrático. O que significa um presidente da Comissão eleito e maior controlo democrático perante o PE e os parlamentos nacionais. É preciso ligar o debate em Bruxelas com o que está a acontecer nos Estados membros. Porque este tipo de sistema quase imperial sem controlo democrático não é sustentável. Isto não vai mudar com as próximas eleições. Mas vai ser preciso, nos próximos cinco anos, construir uma democracia europeia a sério, mudar a natureza da Europa. Ou seja, precisamos de uma Primavera Europeia.
(*) European Spring: Why our Economies and Politics are in a mess” (2014); Aftershock: Reshaping the World Economy After the Crisis(2010); Immigrants: Your Country Needs Them (2007); Open World: The Truth About Globalisation (2002)

sábado, 10 de maio de 2014

Sobre Veiga Simão, recentemente falecido, ilustre democrata reciclado




De: Jorge Seabra [
Enviada: quinta-feira, 8 de Maio de 2014 20:39
Assunto: Re: Texto para o Público

Caros amigos:
O  Público, não só não publicou o meu pequeno texto (pelo menos até hoje) como arranjou espaço para um terceiro artigo elogioso de Veiga Simão, a duas colunas com foto, no verso da última página, que também nada diz sobre as zonas mais sombrias da sua actuação em vida.
Na realidade, não se trata da pessoa em si mas do que representa como exercício do poder e reescrita  do passado. 
Não quis invocar as minhas memórias pessoais mas, quando Veiga Simão era Ministro da Educação, em 70,71 e 72, eu era estudante da Faculdade de Medicina e Dirigente da Associação Académica de Coimbra (AAC). Nessa condição, fui, com dezenas de outros colegas, preso em Caxias e torturado na sede da Pide e posteriormente (1972)  julgado no Tribunal Plenário do Porto.
Nesse julgamento, houve cerca de 120 testemunhas de defesa, entre elas professores da Universidade de Coimbra e alguns dos mais brilhantes intelectuais, escritores ,médicos, advogados e economistas do país.
 Veiga Simão que tinha dado cobertura à brutal invasão da AAC pela polícia e ao seu imediato encerramento (em 1971) abriu as Faculdades, sob a sua jurisdição, à Pide e à Polícia de Choque que aí fizeram cargas e prisões, espancando estudantes e professores nos corredores.
Dos sete estudantes que foram julgados no Tribunal Plenário, um acabou por se suicidar como sequela da tortura (depois de uma primeira tentativa feita ainda em Caxias tento estado em coma, nos cuidados intensivos, durante mais de uma semana) e uma outra querida companheira ficou com sequelas para toda a vida.
 Veiga Simão, nunca mostrou qualquer arrependimento nem teve nenhuma palavra de desculpa.
O 25 de Abril foi também para as pessoas mudarem (mas não demasiado depressa e com amnésias selectivas).
Não podemos deixar que reescrevam a História e que apaguem a memória. E é isso que está a acontecer.
Obrigado pelo apoio
Abraço amigo
Jorge Seabra
PS - Faz amanhã, 9 de Maio, 43 anos que uma manifestação dos estudantes de Coimbra frente ao Teatro Gil Vicente (1970), foi reprimida a tiro. Um estudante, Fernando Seiça, foi alvejado à queima roupa , esteve à beira da morte e perdeu o baço e o rim. As paredes e vidros da Associação  ficaram crivadas de balas - numas escadas as marcas estavam ao nível da cabeça - o que prova que só por sorte não houve mais vítimas. 

Enviado por e-mail
Jorge Seabra

quinta-feira, 8 de maio de 2014

HTTP://WWW.PUBLICO.PT/POLITICA/NOTICIA/ESTA-UNIAO-EUROPEIA-E-IRREFORMAVEL-1631219

ENTREVISTA

“Esta União Europeia é irreformável”

 
07/04/2014 - 07:15
O candidato da CDU explica como Portugal deve "preparar a saída do euro". Esse cenário, central no discurso de João Ferreira, depende de uma condição indispensável: "um Governo patriótico e de esquerda" em Portugal. Não basta, contudo, uma maioria de esquerda, porque para os comunistas, não há qualquer possibilidade de alternativa "tendo o PS votações de 30 ou 40%".
João Ferreira, 35 anos, biólogo, membro do comité central do PCP, vereador sem pelouro na Câmara Municipal de Lisboa, eurodeputado. A acumulação de cargos é uma mais-valia na óptica do comunista cabeça de lista às europeias, que considera que agora Portugal está mais longe de uma saída, forçada, do euro. Pede “um reforço substancial” da CDU, "mais votos e mais mandatos". E garante que o PS não conta para a alternativa que defende: "Não ajuda à clarificação que é necessária incluir no campo da esquerda gente que tem estado comprometida com políticas de direita."O voto na CDU nestas europeias é o que melhor expressa o eurocepticismo em Portugal?É o voto que melhor expressa um desejo de mudança na vida nacional e de ruptura com um processo de integração que se revelou intrinsecamente injusto, desigual e profundamente desfavorável a países como Portugal, a economias que viram, em lugar da prometida convergência com economias mais desenvolvidas, agravadas as suas fragilidades.Essa análise que a CDU faz é reflexo da crise desde 2008? Nas anteriores eleições apresentavam-se como o partido que melhor defenderia os interesses de Portugal na Europa...Não creio que exista uma diferença. Pelo contrário, esta é uma avaliação que a CDU faz desde o início da integração de Portugal na CEE e até antes quando avaliávamos o que seriam os efeitos da integração de Portugal no então mercado comum. É uma análise à qual a crise veio dar razão, isso sim.Esta União Europeia (UE) é irreformável?Esta UE, pelas suas características e pelos tratados que a definem é irreformável. O que não quer dizer que não exista um outro caminho para a construção de um projecto de cooperação na Europa. Nós acreditamos que sim. Agora, este não é o primeiro processo de integração que existe na Europa. Certamente não será o último.A CDU defende a revogação do Tratado Orçamental (TO)?Nós defendemos a institucionalização da possibilidade da revogação dos tratados, não apenas do TO. O TO não é, em rigor, um tratado da UE.Pode ser revogado unilateralmente pelos países. Há países da UE que não o subscreveram. A desvinculação do TO é uma necessidade, como é a reversão dos tratados da própria UE, concretamente do Tratado de Lisboa, que é profundamente antidemocrático. O Tratado de Lisboa começou com a elaboração do projecto de tratado constitucional, que foi rejeitado, e que foi, de alguma forma, recauchutado em Tratado de Lisboa. Em Portugal, o primeiro governo do PS de Sócrates, prometeu em campanha eleitoral, e depois incluiu no programa de governo, um referendo ao futuro tratado da UE. É interessante recuperar essa formulação do programa de governo do PS, considerando que outra solução não era aceitável, que o processo tinha um défice de legitimidade democrática.Na altura, foi uma condição negociada que os países abdicassem do referendo para que houvesse acordo...Nada pode impedir o povo português, se for essa a sua vontade soberana, de se desvincular desse tratado.Mesmo se isso tiver como consequência possível a desvinculação da própria UE?As rupturas que defendemos como necessárias com a UE pressupõem uma acção articulada com outros países, começando naqueles que enfrentam dificuldades semelhantes. Sendo certo que não fazemos depender as rupturas necessárias ao país dessa convergência. Mas naturalmente que importa procurá-las.A par da reversão dos tratados, a renegociação da dívida é outra das propostas. Esse é o caminho ideal para preparar a saída de Portugal do euro?A renegociação da dívida articula-se com um conjunto de outras medidas, que seriam importantes para preparar o país para uma saída do euro, seja uma saída por vontade própria, seja imposta em virtude dos desenvolvimentos da crise na zona euro. Independentemente disso, propusemos a renegociação da dívida em 2011, antes da assinatura do programa da troika. A renegociação da nos seus prazos, juros e montantes e uma auditoria à dívida pública que envolvesse várias entidades, o Banco de Portugal, a própria Assembleia da República. Na altura, o governo de maioria PS e o PSD e o CDS rejeitaram esta possibilidade. Também será interessante perguntar que medo tinham estes três partidos de responder a três perguntas tão simples. A quem devemos, quanto devemos e porquê. Esta pergunta retórica tem uma resposta simples: confrontaria os três partidos com responsabilidades no processo e deixá-los-ia sem um dos argumentos para a assinatura do programa da troika.Na renegociação que defende está incluído um perdão de dívida?A expressão perdão é desadequada. Nenhum perdão é devido quando uma parte da nossa dívida resulta de um processo de especulação sobre os juros. É mais rigoroso falar em cancelamento de uma parte da dívida. Isso é inevitável que aconteça. É necessária uma renegociação tão cedo quanto possível, se a tivéssemos feito há três meses tínhamos poupado o país a tudo o que aconteceu. É importante que se faça no interesse do país e não dos credores.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A arte como mercadoria na obsessão do lucro

No cenário de mercantilização generalizada que caracteriza o capitalismo global, os setores culturais estão cada vez mais imersos na busca indiscriminada de lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a todos os campos de atividades. Zygmunt Bauman é preciso ao ressaltar que a cultura se torna um “armazém de produtos para consumo, uma espécie de seção da loja de departamentos (…) na qual se transformou o mundo habitado por consumidores.”[1] Imagens e objetos artísticos transcendem as intenções originais de seus criadores para completar um circuito de produção e comercialização integrado à cadeia do consumismo, sob a égide de um sistema tecnológico que interliga as economias em tempo real e expande os meios de transmissão, reprodução, exibição, visibilidade, incidência e assimilação social das tendências e valores que difunde. Esse circuito engloba eventos midiáticos, espaços públicos, festivais, galerias, bienais, centros culturais, feiras, museus, pontos turísticos e plataformas digitais, ampliando exponencialmente a conversão de bens simbólicos em mercadorias vendáveis.
O que se observa é a prevalência de interesses comerciais tanto sobre valores estéticos e artísticos quanto sobre o seu significado ético-social. Não me parece excessivo dizer que estão sendo diluídas antigas fronteiras entre a produção econômica e a vida cultural, na medida em que fatia preponderante da produção cultural se mescla com o jogo do mercado e suas consequências, sejam elas praticamente incontornáveis (financiamentos, patrocínios, auxílios, incentivos fiscais e subsídios públicos e privados às artes) ou atordoantes (a tirania do dinheiro, como bem a definiu Milton Santos, tentando estabelecer como única cultura “interessante” aquela que gera rentabilidade, audiências cativas e consumidores potenciais).
A lógica da mercantilização arrasta para o consumo de massa um conjunto de manifestações até então tidas como elitistas (exposições, ciclos de conferências, concertos de música erudita) e que agora se projetam nas agendas midiáticas atreladas à publicidade, aos esquemas promocionais e à geração de dividendos. Obtêm patrocínios e financiamentos públicos e privados, aproveitando leis de incentivos e isenções tributárias. Mostras itinerantes de Monet, Rodin, Cézanne e Picasso distinguem-se como chamarizes para vultosas receitas que começam nas bilheterias e prolongam-se na venda de catálogos, reproduções de quadros, vídeos, pôsteres, calendários, camisetas, DVDs, coleções virtuais, etc.
A exploração da arte acentuou-se em proporções inimagináveis décadas atrás, um campo de negócios que já incluía marchands, colecionadores, leilões, bolsas de negócios, mostras, bienais e salões. Hoje, exposições viabilizam-se comercialmente através de repartição de custos entre museus, galerias, governos, bancos (Chase Manhattan, Santander e Deustsche Bank), corporações (Exxon, Samsung e Telefónica) e magnatas colecionadores (como o mexicano Carlos Slim, dono do grupo Telmex e um dos homens mais ricos do mundo, que possui a maior coleção de obras de Auguste Rodin fora da França). Formam-se circuitos mundializados de exibição, envolvendo parcerias entre Guggenheim, Louvre e Centro Pompidou em Paris, Tate Modern em Londres, Prado em Madri, MoMA e Metropolitan em Nova York.[2]
Cabe reconhecer que certas exposições itinerantes e temporárias, quando patrocinadas por instituições públicas, às vezes redundam em maior acesso do público em geral aos patrimônios exibidos, graças a ingressos subsidiados e até à gratuidade (em casos cada vez mais escassos). Como aponta Eric Hobsbawm, não há dúvida de que certas infraestruturas de produção artísticas (grandes companhias de orquestras sinfônicas ou filarmônicas, balés e óperas, por exemplo) dificilmente seriam mantidas sem subsídios públicos ou patrocínios provados, ou uma combinação dos dois, daí a necessidade de mantê-los.[3]
Mas, por outro lado, não há como deixar de constatar: “espetacular inflação de preços no mercado das artes visuais que os muitos ricos podem comprar”, nas palavras de Hobsbawm[4]; e a enorme rentabilidade trazida por doações, patrocínios, acordos, subsídios, parcerias com corporações transnacionais, ingressos e serviços agregados fez disparar as aplicações privadas no setor. Os fundos de investimentos em arte superaram as expectativas do mercado e apresentam altas taxas de retorno. A valorização das obras nos últimos anos transformou a arte em “commodity abstrata”. Só o The Fine Art Fund Group, com investidores de vários países, dispõe de US$ 150 milhões em ativos.[5]
Segundo a colunista Sonia Racy, os riscos financeiros são os mesmos de qualquer outra aplicação − ou seja, o mercado da arte hoje é tão especulativo e sujeito a oscilações quanto uma carteira de ações −, mas existe um diferencial na expressão artística que atrai investidores. Racy explica:
E qual a razão para investir em arte? Diversificação tem sido a resposta mais frequente. Os preços nesse meio se movem, muitas vezes, em direções diferentes das adotadas em aplicações em títulos e ações. O que significa, no fim das contas, que o investidor diversificou seus riscos. Um fundo de arte pode superar os percalços da economia explorando boas oportunidades em leilões e trabalhando em colaboração com galeristas para rastrear o histórico de vendas dos artistas. Assim sendo, o investidor tem um marchand trabalhando em tempo integral para ele. Infelizmente, o que se compra não dá para levar para casa e colocar na parede – se fosse assim, seria uma coleção de arte, não um investimento. [6]
Nos últimos anos, a crise econômica e as sucessivas quedas nas carteiras de ações de grandes empresas contribuíram para fortalecer o mercado da arte. O aumento das vendas de obras caras nos Estados Unidos, por exemplo, tem sido atribuído por especialistas ao propósito de proteger o capital da volatilidade do mercado financeiro.[7]Pesquisa realizada pela consultoria Barclays Wealthmostrou que os milionários estão aplicando, em média, 9,6% de suas fortunas em ativos não financeiros.[8] Prova mais eloquente dessa corrida ao ouro não poderia haver: a gigante norte-americana do varejo online Amazon lançou, em agosto de 2013, uma plataforma para a comercialização da arte, com mais de 40 mil obras disponíveis, a preços podem chegar a US$ 2,5 milhões pelo quadro Fragment de Nymphéas, de Claude Monet. A empresa atua como intermediária entre compradores, 150 galerias e marchands de arte dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Holanda. Cobra comissões entre 5% e 20% baseadas nos preços das obras oferecidas.[9]
A própria noção de museu alterou-se radicalmente nas últimas décadas. Os antigos templos de fruição estética para iniciados e experts sobressaem como lugares coligados ao cosmopolitismo cultural. Não são poucos os que dispõem de wi-fi em seus salões, projetando itens dos acervos em telões digitais instalados em jardins e áreas de convivência. As exposições extrapolam os espaços convencionais e se virtualizam nas páginas da internet ou em DVDs vendidos em boutiques e livrarias anexas. As bilheterias passaram a ser apenas um dos componentes da milionária receita dos museus. Em Paris, a livraria do Louvre fatura mais de US$ 30 milhões anuais com 3,5 milhões de visitantes, enquanto no Centro Georges Pompidou (Beaubourg) o lucro comercial cresceu 64,4% com concessões, locação de espaços e permutas. O Guggenheim, de Nova York, expandiu-se numa lucrativa rede de filiais para Berlim, Veneza, Las Vegas, Bilbao e Dubai. Desde a inauguração, em 1997, da filial do Guggenheim, Bilbao tornou-se o destino anual de 1,5 milhão de turistas, gerando US$ 775 milhões em impactos econômicos. O sucesso levou prefeituras de mais de 120 cidades do mundo a proporem projetos semelhantes à Fundação Guggenheim.[10]
Mencionemos ainda a comercialização de espaços religiosos com valores históricos e patrimônios artísticos. Várias igrejas de Veneza, Paris, Barcelona, Berlim e Londres agora cobram entradas dos visitantes, abriram lojas de lembranças e se associaram a agências de viagens para fazerem parte de pacotes turísticos oferecidos em mais de uma centena de países. Uma mínima ideia do faturamento obtido: cada um dos 800 mil visitantes anuais, de 46 nacionalidades diferentes, paga 8 euros para conhecer a Sainte-Chapelle, igreja gótica construída no século XIII em Paris.
Podemos perceber, assim, como a espiral da maximização dos lucros costuma ser indiferente ao valor cultural dos bens simbólicos. A meta primordial é subordinar objetos artísticos ao estatuto de mercadoria, vale dizer, à exigência de alcançar o auge da rentabilidade para o capital investido. A dissolução da aura da alta cultura e os investimentos em mercadorias da cultura de massa conjugam-se ao diagnóstico de Fredric Jameson: na economia globalizada, “o objetivo da produção não está mais voltado a nenhum mercado específico, a nenhum conjunto específico de consumidores ou de necessidades individuais ou sociais, mas antes à sua transformação naquele elemento [o valor-de-troca] que, por definição, não tem nenhum conteúdo ou território e, de fato, nenhum valor-de-uso”.[11]
Portanto, no frenesi mercantil em que vivemos, sob o bombardeio audiovisual de ofertas e apelos consumistas, a criação artística como expressão singular da imaginação sensível parece perder significância, trazendo-nos a inquietante dúvida: pode tornar-se mero pretexto de marketing para a ganância calculada?
Desenvolvo questões abordadas neste artigo em meu livro Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação(Boitempo, 2013), em parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano. Agradeço à jornalista Lívia Assad de Moraes a cooperação na pesquisa sobre mercantilização da arte.
Notas:
[1] Zygmunt Bauman, 44 cartas ao mundo líquido moderno (Rio de Janeiro, Zahar, 2001, p. 91).
[2] Philippe Pataud Célérier, “Quando os museus viram mercadoria”, Le Monde Diplomatique, fevereiro de 2007; Vicente Verdú, “La larga cola del museo”, El País, 3 de maio de 2008.
[3] Eric Hobsbawm, Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX (São Paulo, Companhia das Letras, 2013, p. 75).
[4] Ibidem, p. 72.
[5] Dados obtidos no site do The Fine Art Fund Group. Disponível aqui.
[6] Sonia Racy, “Commodity abstrata”, Tam nas Nuvens, setembro de 2012.
[7] Katya Kazakina, “Derrocada de Wall Street aquece mercado da arte”,Bloomberg, 24 de agosto de 2012.
[8] Ben Steverman, “De mal com a bolsa, investidores ricos partem para ‘ativos tesouro’”, Bloomberg, 20 de junho de 2012.
[9] Greg Bensinger, “Amazon se prepara para vender obras de arte”, The Wall Street Journal/Brasil, 30 de junho de 2013.A plataforma de comercialização da arte da Amazon está disponível aqui.
[10] Dênis de Moraes, Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (Buenos Aires: Paidós, 2010, p. 55-57).
[11] Fredric Jameson, A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização(Petrópolis, Vozes, 2001, p.163).
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segunda-feira, 5 de maio de 2014

La mayoría de las personas quemadas vivas en Odesa eran del Partido Comunista o de organizaciones de izquierda

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3 mayo, 2014 10 Comentarios Fuente: Josafat S. Comin
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En las redes comienzan a aparecer las primeras informaciones sobre la pertenencia política de las víctimas de la carnicería que organizaron ayer los activistas de “Praviy Séktor” en Odessa en la zona del “campo de Kulikovo”. La mayoría de los que ayer fueron quemados vivos pertenecían a organizaciones de izquierda, al Partido Comunista y “Borotba”.
“La “druzhina” de Odessa sigue viva. Hay heridos, detenidos, gente que ha pasado a la clandestinidad, pero no parece que haya muertos. La peor parte se la han llevado las organizaciones de izquierda, PCU y “Borotba”. Son ellos en su mayoría a los que han quemado en la Casa de los sindicatos”, informan los usuarios de las redes sociales.
Aquellos que sobrevivieron en la Casa de los Sindicatos, son enviados a prisión preventiva, acusados de terrorismo y separatismo, informa el usuario @pmzher
Todas esas fábulas sobre supuestos agentes rusos entre los quemados, que se difunden por los medios ucranianos, son desmentidas por las Fuerzas del Orden de Odessa y las grabaciones donde se muestra como los fallecidos tenían documentación ucraniana.
Una vez que fue sofocado el incendio en el edificio de la Federación regional de los Sindicatos, fueron hallados 36 cuerpos de fallecidos, informa el servicio de prensa de la Dirección General de Protección Civil de la región de Odessa.
En total tras los enfrentamientos entre “Praviy Sektor” y militantes de antimaidán, se informa de 43 fallecidos entre los partidarios de la federalización y 174 heridos.

Uno de los supervivientes: “Nos arrinconaron dentro del edificio y cerraron todas las vías de salida”

El redactor de “Antifascista” consiguió ponerse en contacto por teléfono con uno de los activistas en el campo de Kulikovo, que sobrevivió de milagro en el terrible incendio, desatado por los asesinos de la Junta en el edificio de la Casa de los Sindicatos de Odesa. Este alférez de la reserva de 49 años, Yuri, después de varias horas, continúa en estado de shock y da gracias a dios por haber podido regresar del infierno.
En palabras de Yuri, en Kulikovo en el momento de los enfrentamientos con los “perros” de Praviy Séktor”, no estaban más de 250 compañeros. En ese número entraban alrededor de tres decenas de jóvenes del servicio de seguridad; el resto eran odesitas de mediana edad y personas de edad avanzada, entre los que había muchas mujeres.
“Tras los enfrentamientos en la calle Gréchaskaya y la plaza Sobornaya, los fascistas comenzaron el ataque en el campo de Kulikovo. Eran miles. Las fuerzas eran claramente desiguales y además nosotros no teníamos ningún tipo de arma. Nos vimos obligados a retroceder y refugiarnos en la Casa de los Sindicatos, que se encontraba al lado. Tolo lo que vino después, es algo que no me cabe en la cabeza”, la voz del testigo sigue temblorosa.
Según Yuri, a él le dispararon con armas de fuego y pistolas de aire comprimido. El chaval que tenía a mi lado, fue uno de los primeros en caer. Nos arrinconaron dentro del edificio y cerraron todas las vías de salida. Yo acabé en el ala derecha del tercer piso. Éramos unas diez personas en una habitación. Los nazis de Praviy Séktor comenzaron a arrojar cócteles molotov y a disparar a las ventanas. El primer piso estaba en llamas e iban subiendo. El humo invadía los pasillos. No había forma de salir. Hubo quien saltó. Abajo los acababan de rematar. Se oían gritos de “Slava Ukrainie” y “Smert vragam” (gloria a Ucrania, muerte a los enemigos)…Era un auténtico infierno. Llegaron los bomberos y comenzaron a sofocar el primer piso…”, relata el testigo.
Luego con dificultad consigue recordar lo que hizo después. “Todos alrededor se estaban asfixiando, en el edificio se oían gritos de desesperación y súplicas pidiendo compasión…
Recuerdo como me quité el traje de camuflaje, y el chaval que tenía al lado “de civil” me dio una sudadera deportiva. Nos lanzamos al pasillo, tropezando con los cadáveres. Había una gran cantidad, no sabría decir cuantos, pero muchos…todo estaba a oscuras, algo crujía alrededor. Como zombis llegamos a la escalera de incendios del 1-er piso. No sé ni cómo lo conseguimos. En el 1-er piso, el fuego ya había sido sofocado. Junto a la salida de emergencia vimos a varios nazis. Se estaban haciendo los tontos y cuando nos dieron el alto, les respondimos: “eh chavales que somos de los vuestros”. Por lo que fuese tampoco entraron a hacer averiguaciones. Por lo visto tenían otras tareas encomendadas… Así conseguimos salir al exterior y sin nada que nos identificase, confundirnos entre la multitud…”, relata Yuri.
“Perdimos esa batalla porque no estábamos listos ni organizados. Pero todos los caídos en Kulikovo son unos héroes. Fueron a una muerte segura. Es el Játyn de Odessa… cuando pude coger aire y volver en sí (me iba a estallar a cabeza, apenas podía hablar), marqué el número de mi amigo, que estaba en el edificio de la Casa de los Sindicatos, en alguno de los pisos inferiores…alguien descolgó y dijo que estaba muerto…nunca olvidaré este horror…” resumió nuestro interlocutor y pusimos fin a la entrevista, mientras nos decía que iba a seguir llamando a todos los compañeros de los que tiene el número de teléfono, para intentar averiguar quién ha sobrevivido.

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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Milton Friedman e a defesa do (neo)liberalismo

Milton Friedman
Milton Friedman era o mais conhecido e influente representante vivo do liberalismo econômico. Sua morte em 16 de novembro, aos 94 anos, não significará o fim do liberalismo, mas ela ocorre num momento em que as políticas neoliberais estão muito questionadas.

O liberalismo não é um fenômeno novo. No século XVIII Adam Smith elaborou a teoria que sustentaria este movimento. Antes dele os fisiocratas já haviam levantado a palavra de ordem do liberalismo: Laissez Faire, ou seja, liberdade para produzir, liberdade para o mercado. Na política o liberalismo também já se fazia presente com o próprio Smith e outros autores como Hobbes e Locke, era a exaltação ao individualismo.

Smith afirmou que se deixássemos o mercado livre, sem interferências do Estado, ele se caminharia, como que conduzido por uma imensa mão invisível, ao melhor nível de bem-estar econômico e social. Posteriormente, David Ricardo, no século XIX, levou a defesa do liberalismo ao plano internacional ao afirmar que se os países se especializassem em determinados produtos e liberassem o comércio internacional todos sairiam ganhando.

Marx, partindo de Smith e Ricardo, criticou a economia burguesa e o liberalismo, estendendo à luta de classes a compreensão de que é o trabalho que produz riqueza. Com isso demonstrou que os trabalhadores são explorados pela burguesia.

As idéias de Marx geraram muita inquietação na teoria econômica dominante de modo que se desenvolveu uma nova corrente que nega a teoria do valor-trabalho e retoma a defesa do liberalismo. Esta escola (Neoclássicos ou utilitaristas) teve muita influência na economia do final do século XIX e início do século seguinte. O grande problema a combater era o excesso de intervenção do Estado na economia.

Mas com a Grande Depressão, após a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929, o liberalismo ficou fragilizado e ganhou influência a corrente que, ainda que no campo da teoria econômica burguesa, defendia uma intervenção efetiva do Estado na economia para retomar o crescimento econômico. Este movimento, o keynesianismo, manteve-se com grande aceitação enquanto a sua fórmula dava certo e os "anos dourados" do capitalismo presenciavam expansão da economia. Porém, a década de 1970 foi marcada pela crise da economia internacional e o liberalismo novamente ganhou força.

Friedman e a retomada do liberalismo
O livre mercado é a melhor forma de enriquecimento dos indivíduos. Esta era a convicção de Friedman e da Escola de Chicago, da qual fazia parte. Intransigente defensor da não intervenção estatal na economia, ele também defendeu a adoção de taxas de câmbio totalmente flexíveis no mercado internacional, ou seja, o livre mercado entre as nações.

Com o Prêmio Nobel de Economia que ele ganhou em 1976 se fortaleceu a corrente liberal conhecida como monetarismo que busca um controle da emissão de moedas como condição necessária e determinante para minimizar a inflação e conseguir crescimento econômico. Daí decorre a adoção de diversos instrumentos de política econômica, entre os quais a elevação de juros para conter a inflação. O monetarismo minimiza o papel do investimento a afirma ser possível manter a estabilidade da economia apenas com controle monetário e liberdade de mercado.

Friedman influenciou diversos governos desde Nixon (EUA, 1969-1974) até Margareth Thatcher (Grã-Bretanha, 1979-1990) e Ronald Reagan (EUA, 1981-1989) do qual foi conselheiro. Os dois últimos abriram a fase do neoliberalismo e construíram as bases para o Consenso de Washington (receituário de medidas neoliberais). George Bush lamentou a morte de Friedman afirmando que seu trabalho melhorou a estabilidade econômica e o nível de vida em muitos países, mais que isso: ele "foi um pensador revolucionário que fez com que a dignidade e a liberdade humanas avançassem". Será?

A influência de Friedman lamentavelmente não se restringiu aos EUA. Apesar de teoricamente defensor das liberdades econômicas e individuais, ele foi conselheiro do ditador Pinochet no Chile e muitas de suas idéias foram adotadas por Delfim Neto, quando ministro da Fazenda, durante a ditadura militar brasileira.

Com o avanço do neoliberalismo nos anos 1980 e 1990, os governos da América Latina abriram suas economias, desregulamentaram o câmbio e outros instrumentos de proteção de suas economias, privatizaram o patrimônio estatal de forma escandalosa e retiram direitos históricos de seus trabalhadores, tudo isso conduzido e aplaudido pelo FMI e governos imperialistas. O resultado foi o aprofundamento da crise econômica latino-americana e a ocorrência de verdadeiras insurreições populares.

Isso fez, e ainda faz, com que diversos governos fossem substituídos por outros não identificados com o neoliberalismo e tidos como de esquerda. Infelizmente, estes governos não conseguiram e não se propuseram a romper o pilar central da economia burguesa, a propriedade privada dos grandes meios de produção, não conseguiram sequer negar a fundo o próprio liberalismo.


A não intervenção do Estado na economia é um mito defendido pelos arautos da economia burguesa. Não existe uma economia em que o Estado não tenha que se fazer presente. O liberalismo internacional só tem como resultado a manutenção dos países subdesenvolvidos na condição de pobres e subordinados às nações ricas. 


Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.