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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Os burros

No tempo em que os animais falavam, um burro dizia para outro:
- De facto, efectivamente, considerando na medida em que, é um supônhamos, realmente somos muito burros!
- Que queres dizer, amigão, somos ainda mais burros do que já somos, é?
- Pois é, mudámos alguma coisa para que tudo fique na mesma! Não é ser burro, hem?
- Hum...realmente, pensando bem...Nunca deixámos de ser burros. Que fazer?
- Beber uma cervejola. Já não me lembro quantas vezes fomos o que somos, tenho a memória curta.
- Pois, com uma memória de caca como é que me hei lembrar quem fui e o que fiz ontem? Vamos mas é emborcar umas imperiais!
- Olé, se não vamos!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O corpo das palavras

Quando se observa a expressão corporal dos felídeos ou dos canídeos domesticados em que o instinto se sobrepõe ao condicionamento, nos sinais que emitem aquando dos estímulos da fome, dos comportamentos de caça ou de apetite sexual, da cauda levantada, da cauda encolhida em sinal de submissão ou medo, do soprar gutural que lembra os lagartos (idêntico aos de aves domésticas, como a caturra); quando se observam os dentes cerrados, os gritos guturais, os punhos em garra fechados, a mão, pelo conrário, aberta ou ao longo do corpo, as pupilas, os movimentos naturais dos corpos no acto sexual, as reacções de fome ou sede, o ruir das convenções e do auto controlo social, os lapsus, os tiques, a equivocidade das palavras, os olhos a contrariar o que se diz ou os sorrisos amarelos, vejo bem como o instinto está vivo e latente, como a superfície é a profundidade, e como alguma profundidade é sem-fundo.

sábado, 26 de setembro de 2009

NA HORA DA NOSSA MORTE (cont.)

Diário de Marta 2




Fui jantar a casa dos meus pais, acabei por aceitar o convite. Preferia estar sozinha, mas era insuportável atender a mãe ao telemóvel constantemente e as desculpas já soavam a mentiras. Odiava mentir. A mãe também, mas a frontalidade dela era diferente da minha, era incómoda, tutelar, invasora, inoportuna, chegava a ser opressiva, sem respeito, sem compreender a necessidade de isolamento da filha.


Comemos peixe, obrigatório naquela casa. Mastigava com a boca seca pequenas tiras do peixe-espada, lembrando-me do apetite que sempre tivera noutros tempos. Observava o cabelo pintado da mãe, que negava a idade, a sua boca rodeada de rugas abrindo-se e cerrando-se conforme falava e comia. Observava e temia que em qualquer momento a mãe voltasse a falar da Gisela. Percebia nas reticências e insinuações a tentação, lançava-lhe um olhar fixo para a conter. A mãe no falar era desbocada, sempre fora, agora com a velhice acentuava o gosto e o vício. Quando trabalhava fora de casa, era conhecida por esse pendor. Verdade se diga que não era de fofoquices e, por isso, tinha sempre amigas no trabalho, nas pequenas escolas onde leccionou dezenas de anos, os pais das crianças gostavam dela. Era a minha mãe, com os seus defeitos e as suas qualidades melhores que os defeitos. Porém, actualmente, não tenho paciência para ela, para o pai um pouco mais, é reservado, silencioso, discreto. Um casal com quarenta anos de vida comum, completa-se, de outro modo não sobreviveria.


Não quero pensar na minha filha, tão pequena, tão mimosa, morta e enterrada, contudo ela está aqui, ao meu lado, provocando a avô com as suas traquinices, fingindo não querer comer para que ela lhe prometa o que lhe apetecer pedir por brincadeira, um jogo em que a idosa cai sempre na armadilha tecida por uma petiz.


Quando estou para terminar a sobremesa, que como com algum gosto, talvez precise de açúcares, tocam os primeiros acordes da Ode Triunfal no telemóvel. Atendo. É o Rogério. Médico, meu colega no serviço, somos amigos mas ele parece desejar mais do que isso. Não possuo nada para lhe dar, nem desejo, nem ternura. Mesmo os esforços que ele faz para me distrair maçam-me. Desistiu de me convidar para discotecas e outros locais ruidosos, ficou-se pelo convite para cinema, ainda assim com uma condição prévia: que não tenha mortes. Regra difícil de respeitar nos filmes de agora. Tarantino ainda suporto, as mortes são teatrais, coreografadas e as histórias são soberbas e irónicas. O filme errado que eu não devia ter visto, foi «Expiação», baseado no livro homónimo de Ian McEwan, o mesmo escritor que me arrasou com «A criança no tempo». Evito, no entanto nem sempre consigo tão premente é o meu gosto pela leitura, até para me distrair, ocupar-me nas horas infindáveis que passo sozinha, isolada, com o gato e a caturra na gaiola.


Digo ao Rogério que me dói a cabeça, não estou capaz de sair para parte nenhuma, mas ele insiste, a noite está esplêndida, um saltinho a Santa Cruz, ir e voltar, e a mãe que escuta a conversa e acena com a cabeça e murmura «Diz que sim, diz que sim!».


Quinze minutos depois toca a campainha, entra, cumprimenta os meus pais com desenvoltura, traz a abundante cabeleira que já começa a clarear bem penteada, uma camisa de ganga que lhe fica bem, um sorriso radiante. No hospital não é galanteador para as enfermeiras, pelo menos à minha frente, apesar de algumas serem bem atrevidas; porém, há qualquer coisa nele de sofisticado que o torna um pouco pedante, pouco natural. Ou simplesmente não me sinto disponível.


No automóvel dele, estacionados no redondel ao lado da Havaneza, tenta beijar-me ao fim de meia hora de conversa. Recuso. Definitivamente estragou tudo. Definitivamente talvez nem tanto, mas fico de sobreaviso e estabeleço os limites. Nada disso me interessa. Com ele não, e não vejo que haja outro.


Estamos sentados num banco altaneiro, atas a casa onde viveu João de Barros, o escritor que me deu a conhecer Homero quando era miúda, as escadarias na falécia, a praia, o oceano. Um dos pontos de Santa Cruz que mais frequento nas horas de evasão, quando a infelicidade é insuportável. Estou absorta, ele fala mas não entendo o que ele diz, apenas fixo o mar e escuto-o a deslizar sobre as areias. Subitamente um minúsculo ser aparece iluminado pelo luar, saltitando na espuma, recuando e avançando. Estremeço, a brisa torna-se gelada. Apetece-me descer a escadaria aos gritos «Gisela! Gisela!». O braço dele sobre os meus ombros, desperta-me. Gisela não está ali.


No regresso viemos silenciosos. O acto precipitado e algo vulgar dele despertou-me a lembrança desagradável do meu marido. Do meu ex, digo. Não sei por onde anda, não faço nem quero fazer a mínima ideia. Culpo-o pela morte da Gisela, e isso é um facto que não estou nada predisposta a alterar. Odeio-o e não lhe perdoo. Preferia que ele me fosse indiferente, mas tal seria libertá-lo da responsabilidade na tragédia que vitimou a nossa filha. A minha filha. Nunca foi dele: é estéril, levámos dois anos a concluir que a causa cabia-lhe a ele não a mim, um ano inteiro para Sua Ex. se decidir a aceitar a inseminação artificial. Portanto, Gisela era minha, não dele. E por causa dele, morreu.









Na Hora da Nossa Morte

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

NÓMADAS E SEDENTÁRIOS

Primeiamente fomos caçadores e recolectores nómadas, depois sedentarizámo-nos. Somente depois descobrimos a domesticação e selecção das plantas e, a seguir, a domesticação dos animais. As cidades não surgiram daqui, vieram do antes, quando os sedentários as inventaram com pedras e, depois, lama cozida ao sol. A sedentarização veio para ficar, espalhar-se pelo pelo planeta, nuns continentes mais depressa, noutros mais lentamente. As bolsas nómadas foram reduzindo-se.
Tornámo-nos o que somos, sedentários, ao longo de dezenas de milhar de anos. Com a sedentarização criaram-se leis, regulamentos, para defender a propriedade comunal e a privada, dos inimigos externos e internos.
Sedentários insubmissos atravessaram as civilizações. O nomadismo como utopia da liberdade, da diferença.
Esta utopia atravessa as últimas obras de Gilles Deleuze.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

EXPLICAÇÃO

A fotografia sob o título deste blog foi tirada por mim e se ela consegue exprimir universalmente o sentimento que o título designa - «NOSTALGIA» -, independentemente do lugar concreto, é sorte minha. Na realidade, é uma escadaria que conduz à Praia do Guincho, em Santa Cruz, Torres Vedras, lugar carregado de simbolismo para mim. Que a minha NOSTALGIA se transmita àqueles que nunca lá foram, mas sentem e sabem o que significa.

A toupeira da História

Antecipando-me a objecções, claro que se pode dar, e deve, uma mão-cheia de exemplos que contrariam de algum modo as palavras do comentário «A Decisão». Por exemplo: a revolução operada por Darwin (a maior de todos os tempos) que germinou plenamente no século vinte com a Biologia; a segunda maior revolução, as teorias da relatividade de Einstein e, paralelamente, a Física Quântica, a astrofísica, a astroquímica; a terceira grande Revolução, realizada em 1917, na Rússia, cujo impacto marcou todo o século e ainda se faz e fará sentir. E muitos outros exemplos: na emancipação das mulheres, nos costumes, nas tecnologias...Antigas utopias transformaram-se em realidades. Inclusivamente dou mesmo como garantida a perda da maior absoluta pelo PS do Sócrates.
As duas teses não se excluem mutuamente. Creio que são até um exemplo vivo da unidade de contrários. Quem excluir uma, é um optimista; quem excluir a outra, um pessimista.
Tudo que parece sólido se dissolve no ar. Acredito que sob o solo mais duro, a toupeirinha (não a doninha, como erradamente lhe chamei) vai escavando incansável, porque é da sua estricta necessidade escavar. E esta metáfora de Hegel exprime bem as duas teses contrárias.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.