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sexta-feira, 27 de novembro de 2009
200 anos
Uma edição: ESCRITO À MÃO DUZENTOS ANOS DEPOIS
Autores: Luís Filipe Rodrigues/ poemas
José Pedro Sobreiro/ ilustrações
Editora : Município de Torres Vedras
Novembro de 2009
Objectivo: comemorar os 200 anos das Linhas de Torres Vedras (bi-centenário das Invasões Francesas)
Avaliação: Excelente.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
NA HORA DA NOSSA MORTE (cont.)
DIÁRIO DE MARTA – 7
A igreja de São Pedro, o seu tamanho de capela, a sua arte interior e a modéstia do seu exterior, apesar da bonita portada manuelina, agrada-me, acolhe-me sem vaidades e ostentação. Sinto-me mais recolhida, como em todos os templos pequenos, mais sossegadamente só, comigo mesma ou talvez com Deus, se acaso Ele existir. Eu quero crer que existe, eu gostava que existisse, necessitava que existisse, todo Ele bom, misericordioso, compassivo e compreensivo. A igrejinha de São Miguel também é assim, sóbria e discreta mais ainda, como se fosse uma igreja construída por pobres para os pobres. Eu sei que os pobres admiram as igrejas ricas, cobertas de oiro e esplendor, que os submete, intimida e parecem demonstrar o vasto e eterno poder da Igreja católica. Comigo não se passa assim. Nessas vejo somente o poder de uma instituição terrena, nas outras deixo-me invadir pela vontade de crer, pela comoção, e pela saudade depois da perda da minha filha. Nada peço, porque nada há a esperar após a morte de um ser tão querido, se não e apenas o luto. Refugio-me no canto mais discreto, longe das beatas que recitam orações e imploram curas milagrosas para os seus achaques de velhas, logo após as suas visitas perpétuas ao Centro de Saúde. No hospital chama-se por Deus e quem acode somos nós, os médicos, as enfermeiras.
À saída recebo uma sms da Carla, convida-me para tomar uma bica em Lisboa, respondo-lhe que aceito, no Centro Comercial do Saldanha, amanhã, pela tarde. Mesmo a propósito, pensava enviar-lhe um convite, gostava de saber quem é esse Carlos de que falou com suspeita ligeireza. Carlos há muitos evidentemente, mas desde que me pareceu vislumbrar o Carlos da minha juventude, passei a interessar-me por eles. Certamente que não é ele, mas quem sabe?
A igreja de São Pedro, o seu tamanho de capela, a sua arte interior e a modéstia do seu exterior, apesar da bonita portada manuelina, agrada-me, acolhe-me sem vaidades e ostentação. Sinto-me mais recolhida, como em todos os templos pequenos, mais sossegadamente só, comigo mesma ou talvez com Deus, se acaso Ele existir. Eu quero crer que existe, eu gostava que existisse, necessitava que existisse, todo Ele bom, misericordioso, compassivo e compreensivo. A igrejinha de São Miguel também é assim, sóbria e discreta mais ainda, como se fosse uma igreja construída por pobres para os pobres. Eu sei que os pobres admiram as igrejas ricas, cobertas de oiro e esplendor, que os submete, intimida e parecem demonstrar o vasto e eterno poder da Igreja católica. Comigo não se passa assim. Nessas vejo somente o poder de uma instituição terrena, nas outras deixo-me invadir pela vontade de crer, pela comoção, e pela saudade depois da perda da minha filha. Nada peço, porque nada há a esperar após a morte de um ser tão querido, se não e apenas o luto. Refugio-me no canto mais discreto, longe das beatas que recitam orações e imploram curas milagrosas para os seus achaques de velhas, logo após as suas visitas perpétuas ao Centro de Saúde. No hospital chama-se por Deus e quem acode somos nós, os médicos, as enfermeiras.
À saída recebo uma sms da Carla, convida-me para tomar uma bica em Lisboa, respondo-lhe que aceito, no Centro Comercial do Saldanha, amanhã, pela tarde. Mesmo a propósito, pensava enviar-lhe um convite, gostava de saber quem é esse Carlos de que falou com suspeita ligeireza. Carlos há muitos evidentemente, mas desde que me pareceu vislumbrar o Carlos da minha juventude, passei a interessar-me por eles. Certamente que não é ele, mas quem sabe?
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Cont. da novela
As Invasões Francesas
Seria de todo conveniente que os textos publicados sobre as Invasões Francesas (ver «Badaladas»), a propósito das comemorações do bi-centenário, não se limitassem às questões militares, mas esclarecessem as questões político-ideológicas desses acontecimentos de enorme relevância para o futuro do país de então. Qual o papel da Igreja portuguesa na organização dos levantamentos populares, das guerrilhas, da «terra queimada», das crueldades cometidas em resposta às crueldades e saques dos exércitos napoleónicos? Em nome do «rei ausente»? Que tipo de patriotismo e independentismo (isto é, que valores e conteúdo, que interesses)? Qual a actividade dos portugueses «afrancesados» ou simpatizantes dos ideais da Revolução Francesa nesses acontecimentos? Que tipo de patriotismo (subversivo, revolucionário ou simplesmente reformista) era defendido e disseminado por estes adeptos? Exprimiriam os interesses das burguesias nacionais?Como se explicaria a Revolução de 1820 sem este fermento?
José Tengarrinha, o Dicionário de História de Portugal dirigido por Joel Serrão, algumas das Histórias de Portugal, para citar apenas o mais conhecido, contêm esclarecimentos incontornáveis.
Certamente que os abusos e a devastação causada pelos exércitos napoleónicos, nas retiradas sobretudo, alienaram muito do que poderia existir ou possiblitar uma simpatia expectante pelos ideais proclamados e pelas promessas declaradas por Napoleão Bonaparte e seus generais, e alimentaram a reacção aversiva das populações expoliadas e famélicas facilmente recrutadas pelos padres, contudo as minorias letradas (discípulas dos Iluministas) e sectores da Burguesia comercial não reagiram da mesma forma. A revolta contra o absolutismo não surgiu mais tarde vinda do nada ou apenas por causa do martírio de Gomes Freire de Andrade, como muito bem nos relata a peça «Felizmente há luar»...Convinha re-ligar as análises económicas e sociológicas (classes e sectores de classe) com as ideias e as ideologias.
José Tengarrinha, o Dicionário de História de Portugal dirigido por Joel Serrão, algumas das Histórias de Portugal, para citar apenas o mais conhecido, contêm esclarecimentos incontornáveis.
Certamente que os abusos e a devastação causada pelos exércitos napoleónicos, nas retiradas sobretudo, alienaram muito do que poderia existir ou possiblitar uma simpatia expectante pelos ideais proclamados e pelas promessas declaradas por Napoleão Bonaparte e seus generais, e alimentaram a reacção aversiva das populações expoliadas e famélicas facilmente recrutadas pelos padres, contudo as minorias letradas (discípulas dos Iluministas) e sectores da Burguesia comercial não reagiram da mesma forma. A revolta contra o absolutismo não surgiu mais tarde vinda do nada ou apenas por causa do martírio de Gomes Freire de Andrade, como muito bem nos relata a peça «Felizmente há luar»...Convinha re-ligar as análises económicas e sociológicas (classes e sectores de classe) com as ideias e as ideologias.
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As Invasões Francesas
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Os Materialismos
Crítica da Razão Consensual (5ª Parte)
Teses
1. A Crítica que, há anos atrás na revista VÉRTICE, decidi intitular «Crítica da Razão Consensual», que segue agora com uma quinta parte, ambiciona respeitar a Crítica, isto é, a Filosofia da Crítica, ou seja: o marxismo (havendo mais do que um, persigo aquele que entendo). O marxismo é também a Crítica das críticas, pois que posições de crítica ele há muitas, sendo que algumas delas não criticam coisa alguma, porque o seu propósito não é subverter, mas justificar. A Filosofia Crítica vai à raiz dos problemas e tira as devidas consequências práticas.
2. A Razão criticada é tanto a racionalidade tecno-científica quando escamoteia os contextos sociais, as causas e as consequências políticas e idolatra os progressos técnicos, quanto a ideologia propagandística (incluindo a que se adorna com ouropéis de utopias abstractas), em primeiríssimo lugar a inseminada pelas centrais ideológicas do capitalismo e, em segundo lugar, aquelas que propõem alternativas ora reformistas inconsequentes, ora meramente especulativas sem transgredir os limites da sociedade capitalista. Filósofos da envergadura de G. Deleuze caíram sob esta ratoeira, isto é, e sem mais delongas, o capitalismo captura-os perfeitamente e devora-os com lágrimas nos olhos como choram os crocodilos quando engolem a presa inteira.
3. Não se trata de afirmar que todos os outros estão errados, porque não é do erro que se fala, mas de opções ou alternativas e da utilidade prática, da consequência que responde à pergunta: E agora, que fazer?
4. Para separar as águas, a questão do que é o Materialismo perfila-se como incontornável, quer seja no início do método crítico, quer no momento em que é necessário justificar os fundamentos da Crítica. Ora, o fundamento radical da Crítica é a definição de materialismo que o próprio entende como mais adequada. Assim, a Crítica da Razão Consensual (o dito racionalismo que justifica os consensos sem apelar aos conflitos (que faz por não ver) ou, pior ainda, impõe o consentimento com vista à submissão) assenta numa definição de materialismo.
5. Entendo como boa a afirmação de que toda a realidade é essencialmente material (incluindo a humana e os seus produtos ditos «imateriais»). Esta asserção geral (e aqui o geral, sendo abstracto, é o mais concreto, conforme opinou Hegel) cobre três áreas:
O materialismo filosófico, histórico e científico. Em cada área os argumentos específicos justificam a tese geral.
6. O materialismo filosófico afirma ontologicamente a dependência unilateral do ser social em relação ao ser biológico; epistemologicamente afirma a existência independente dos objectos do pensamento (pelo menos alguns, isto é, e de novo, «a realidade é independente do pensamento (científico, pois que pretende ser o mais objectivo dos géneros de pensamento), começando por ser-lhe anterior no tempo e no espaço; prático, afirmando o papel constitutivo da acção transformadora do homem na reprodução e na transformação dos modos sociais do viver.
7. O materialismo histórico evidencia o primado causal do modo de produção dos homens e de reprodução do seu ser natural (o trabalho, as actividades práticas, os meios e as relações de produção). Daí a Economia Política (Isto é, a Crítica da Economia), assente nestas bases, ser a ciência mestra que ilumina a Crítica Social (ou sociológica) e, portanto, a prática da filosofia da praxis.
8. O materialismo científico é constituído pelos resultados confirmados das descobertas e axiomas científicos. Deste modo, existe uma Psicologia materialista, uma Biologia materialista, etc.
9. É para nós evidente que a última área confirma as outras e, estas, confirmam a última, ou dela resultam também por dedução (mas não só). Ou seja: a Física (tanto a micro como a macro), a Química, a Biologia, a Antropologia, confirmam a tese geral (tudo que existe á apenas matéria, ou, pelo menos, depende da matéria (o físico, a natureza).
(cont.)
Teses
1. A Crítica que, há anos atrás na revista VÉRTICE, decidi intitular «Crítica da Razão Consensual», que segue agora com uma quinta parte, ambiciona respeitar a Crítica, isto é, a Filosofia da Crítica, ou seja: o marxismo (havendo mais do que um, persigo aquele que entendo). O marxismo é também a Crítica das críticas, pois que posições de crítica ele há muitas, sendo que algumas delas não criticam coisa alguma, porque o seu propósito não é subverter, mas justificar. A Filosofia Crítica vai à raiz dos problemas e tira as devidas consequências práticas.
2. A Razão criticada é tanto a racionalidade tecno-científica quando escamoteia os contextos sociais, as causas e as consequências políticas e idolatra os progressos técnicos, quanto a ideologia propagandística (incluindo a que se adorna com ouropéis de utopias abstractas), em primeiríssimo lugar a inseminada pelas centrais ideológicas do capitalismo e, em segundo lugar, aquelas que propõem alternativas ora reformistas inconsequentes, ora meramente especulativas sem transgredir os limites da sociedade capitalista. Filósofos da envergadura de G. Deleuze caíram sob esta ratoeira, isto é, e sem mais delongas, o capitalismo captura-os perfeitamente e devora-os com lágrimas nos olhos como choram os crocodilos quando engolem a presa inteira.
3. Não se trata de afirmar que todos os outros estão errados, porque não é do erro que se fala, mas de opções ou alternativas e da utilidade prática, da consequência que responde à pergunta: E agora, que fazer?
4. Para separar as águas, a questão do que é o Materialismo perfila-se como incontornável, quer seja no início do método crítico, quer no momento em que é necessário justificar os fundamentos da Crítica. Ora, o fundamento radical da Crítica é a definição de materialismo que o próprio entende como mais adequada. Assim, a Crítica da Razão Consensual (o dito racionalismo que justifica os consensos sem apelar aos conflitos (que faz por não ver) ou, pior ainda, impõe o consentimento com vista à submissão) assenta numa definição de materialismo.
5. Entendo como boa a afirmação de que toda a realidade é essencialmente material (incluindo a humana e os seus produtos ditos «imateriais»). Esta asserção geral (e aqui o geral, sendo abstracto, é o mais concreto, conforme opinou Hegel) cobre três áreas:
O materialismo filosófico, histórico e científico. Em cada área os argumentos específicos justificam a tese geral.
6. O materialismo filosófico afirma ontologicamente a dependência unilateral do ser social em relação ao ser biológico; epistemologicamente afirma a existência independente dos objectos do pensamento (pelo menos alguns, isto é, e de novo, «a realidade é independente do pensamento (científico, pois que pretende ser o mais objectivo dos géneros de pensamento), começando por ser-lhe anterior no tempo e no espaço; prático, afirmando o papel constitutivo da acção transformadora do homem na reprodução e na transformação dos modos sociais do viver.
7. O materialismo histórico evidencia o primado causal do modo de produção dos homens e de reprodução do seu ser natural (o trabalho, as actividades práticas, os meios e as relações de produção). Daí a Economia Política (Isto é, a Crítica da Economia), assente nestas bases, ser a ciência mestra que ilumina a Crítica Social (ou sociológica) e, portanto, a prática da filosofia da praxis.
8. O materialismo científico é constituído pelos resultados confirmados das descobertas e axiomas científicos. Deste modo, existe uma Psicologia materialista, uma Biologia materialista, etc.
9. É para nós evidente que a última área confirma as outras e, estas, confirmam a última, ou dela resultam também por dedução (mas não só). Ou seja: a Física (tanto a micro como a macro), a Química, a Biologia, a Antropologia, confirmam a tese geral (tudo que existe á apenas matéria, ou, pelo menos, depende da matéria (o físico, a natureza).
(cont.)
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
NA HORA DA NOSSA MORTE (cont.), novela.
DIÁRIO DE MARTA – 6
Fui ontem à noite a Santa Cruz. Percorri a estrada que leva à escadaria da praia da Formosa, segui mais adiante e estacionei no exíguo espaço do miradouro no topo da falésia que os namorados escolhem, num acesso de romantismo, para atraírem o abismo para eles. Um pequeno muro impede-nos de lançar o carro arriba abaixo. Podemos fazê-lo mais à esquerda, por um caminho estreito e lamacento no inverno. Não sou a primeira a pensá-lo, nem a primeira a passar da intenção à acção. Imagino o automóvel a rebolar por ali abaixo, a as arestas a rasgarem a chapa, o tejadilho a esmagar-se, o depósito de gasolina a explodir. Estremeço. Desejo morrer e ao mesmo tempo não quero. A minha tristeza não é daquele género que leva as mulheres a beber veneno para os ratos (matou-se deste modo uma vizinha, encontraram-na horrivelmente inchada), ou a lançar o automóvel do cimo das falésias de Santa Cruz. Preferia deitar-me e não acordar. Preferia snifar coca, injectar heroína, fumar ópio e, assim, desvanecer sem imaginação e sem dor. Porém, nunca experimentei essas drogas, não sei sequer onde buscá-las. Até para isso precisava de ter iniciativa, e iniciativa é o que me falta seja para o que for. Necessito e quero realizar actos, contudo há um motor avariado no meu cérebro, limito-me a cumprir os comportamentos profissionais de rotina e nada mais. Quereria ir ao cinema regularmente, tantas vezes quantas os muitos filmes anunciados que me agradam, assistir aos espectáculos da Olga Roriz, ou da Companhia Nacional de Bailado, de que gosto tanto. Porém, não sou capaz sozinha de me decidir. Saio dos turnos do hospital mais do que exausta, exaurida, sufocada com o sofrimento a que assisto, às dores e às mortes que não posso evitar. Trago comigo um sono de séculos, como se a cura pelo sono a que me submeti não tivesse terminado. Talvez seja a defesa natural do meu corpo. Dormir. Esquecer. No entanto, tenho de repetir os mesmos actos: erguer-me com as imagens da minha filha morta a ocupar-me todo o espaço dos meus pensamentos, logo pela manhã.
O meu ex-marido enviou-me uma mensagem perguntando-me se estava tudo bem comigo. O sacana. Ainda se atreve. Eu sei que ele me ama, que deseja mais que tudo o meu perdão. Nem amor, nem perdão. Ponto final.
A minha tristeza não tem fim. É constante e acerada como uma faca espetada na mente, no coração. Rodeiam-me acontecimentos que não me interessam nada, atravesso-os com absoluta indiferença. Vejo mas não olho. Vejo o mundo a desabar, a anarquia nas ruas, as chusmas de desempregados em fúria, as multidões iradas a clamar contra os impostos e os salários congelados, os partidos políticos a organizarem manifestações de protesto contra um governo que não acautelou a dívida pública, que perdeu o controlo da economia, que privatiza tudo para baixar o deficit, que já não tem dinheiro nos cofres para pagar aos funcionários. Vejo velhos e novos partidos a defenderem a salvação do país através de soluções totalitárias: novos messias, novos Salazares, dom Sebastião que emerge do nevoeiro, a democracia posta entre parêntesis, proclamações delirantes de patriotismo serôdio em reacção às ameaças das potências europeias de intervir drasticamente no nosso país de merda. Merda para tudo isso, merda para todos eles. Que se afunde o país, que se afundem nove séculos de história. Afundada estou eu e ninguém me acode. Na realidade, sou eu que ando a acudir aos desgraçados que me caem nas mãos na urgência do hospital. A mim ninguém me socorre.
sábado, 21 de novembro de 2009
FEDERICO GARCÍA LORCA (Assassinado pelos fascistas numa madrugada de Agosto de 1936)
I.
BÚZIO
Trouxeram-me um búzio.
Dentro dele canta
um mar de mapa.
Meu coração
enche-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.
Trouxeram-me um búzio.
II.
CANÇÃO TONTA
Mamã.
Eu quero ser de prata.
Filho,
terás muito frio.
Mamã.
Eu quero ser de água.
Filho,
terás muito frio.
Mamã.
Borda-me em tua almofada.
Está bem!
Agora mesmo!
BÚZIO
Trouxeram-me um búzio.
Dentro dele canta
um mar de mapa.
Meu coração
enche-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.
Trouxeram-me um búzio.
II.
CANÇÃO TONTA
Mamã.
Eu quero ser de prata.
Filho,
terás muito frio.
Mamã.
Eu quero ser de água.
Filho,
terás muito frio.
Mamã.
Borda-me em tua almofada.
Está bem!
Agora mesmo!
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Antologia Poética,
Relógio D´Água,
trad. de José Bento
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Artaut e Deleuze
Em O Anti-Édipo (1972), escrto com o psiquiatra F. Guattari, o filósofo G. Deleuze recria as experiências e os escritos de A. Artaut, seguir-seá a série intititulada «Capitalismo e esquizofrenia» que termina com Mille plateaux (1980). Critica S. Freud que muito embora haja descoberto o inconsciente como produção desejante imparável, ilimitada, pareceu atemorizar-se perante essa força produtiva selvagem e instaurou a ficção do «Édipo» para reprimir e ordenar. Ora, Deleuze, tal como Artaut, não persegue identidades fixas(«Eu, Antonin Artaut, sou o meu filho, o meu pai, a minha mãe, etc.». Deleuze forja, então, o conceito de «máquinas desejantes» (qualquer estrutura que produz e consome). O corpo cheio sem órgãos é, pois, o desejo, a energia, que não conhece limites. As máquinas desejnates actualizam transitoriamente e episodicamente essa força sem forma que pode ser todas as formas, matriz de todas as formas e de todos os processos. «O capital é o corpo sem órgãos (...) do ser capitalista». «Corpo sem órgãos» é uma expressão de Artaut. O esquizofrénico é o arquétipo (o negativo é o psicótico das sociedades capitalistas contemporâneas). A «esquizo-análise» de Deleuze e Guattari projectam sobre a ilusão do ego a mais completa desmitificação.
Antonin Artaut:Loucura e Lucidez,Tradição e Modernidade-Caudio Willer
Em O Teatro e seu duplo, obra na qual apresenta o conjunto de ideias que constituíram o teatro da crueldade, Antonin Artaud defende uma linguagem que pudesse exprimir objectivamente verdades secretas. Uma linguagem mais concreta que a utilizada para falar da esfera psicológica: mudar a finalidade da palavra no teatro é servir-se dela em um sentido concreto e espacial, combinando-a com tudo o que o teatro contém de especial e de significação em um domínio concreto; é manipulá-la como objecto sólido, capaz de abalar as coisas inicialmente no ar, e em seguida em um domínio mais misterioso e mais secreto.
Por isso, o teatro da crueldade é um ritual, valorizando o gestual e o objecto, trocando o lugar de palco e plateia. Em outras de suas obras, como Heliogábalo, O anarquista coroado e Viagem ao país dos Taraumaras, criou uma recíproca desse teatro, uma espécie de semiologia onde as coisas têm significado e formam discursos. A leitura de Viagem ao país dos Taraumaras, e do que escreveu depois sobre o ritual do peiote, mostra que esse rito do sol negro foi, para ele, a mais autêntica realização do teatro da crueldade.
Em uma das Cartas de Rodez, quando esteve internado nessa instituição psiquiátrica em 1945, Artaud responde a Henry Parisot, que lhe havia mandado o Jabberwocky (Jaguadarte) de Lewis Carroll (obra na qual é inventada a palavra-baú) perguntando-lhe se não queria traduzi-la. Diz que não, que Lewis Carroll não tem uma visão fecal do ser, e o acusa de haver roubado um texto seu: tendo escrito um texto como Letura d'Eprahi Talli Tetr Fendi Photia O Fotre Indi, não posso tolerar que a sociedade atual (…) só me deixe traduzir um outro feito a sua imitação. (…) Aqui estão alguns experimentos de linguagem aos quais a linguagem desse livro antigo devia assemelhar-se. Mas que só podem ser lidos se escandidos em um ritmo que o próprio leitor deverá achar para entender e para pensar:
ratara ratara ratara
atara tatara rana
otara otara katara
otara retara kana
ortura ortura konara
kokona kokona koma
kurbura kurbura kurbura
kurbata kurbata keyna
pesti anti pestantum putara
pest anti pestantum putra
Há outros exemplos dessa linguagem em Artaud, em sua fase pós-internamento. Mas ele não a inventou: o uso de fonemas não-semantizados é arcaico. Octavio Paz, no ensaio Leitura e Contemplação (publicado na colectânea Convergências), trata das glossolálias, o "falar línguas", expressão de estados alterados de consciência por gnósticos e outras doutrinas místicas. Analisa o modo como reaparecem em autores modernos – Huidobro, Khlebnikov, Fargue, Michaux, Hugo Ball e Artaud: na história da poesia moderna, reaparece a mesma obsessão dos gnósticos e dos cristãos primitivos, dos montanistas e dos xamãs da Ásia e da América: a busca de uma linguagem anterior a todas as linguagens, e que restabeleça a unidade do espírito. Embora intraduzível para tal ou qual significação, essa linguagem não carece de sentido. Mais exactamente: aquilo que enuncia não está antes, mas depois da significação. Não é um balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao mesmo tempo física e espiritual, audível e mental, que transpôs os domínios do significado e os incendiou.
O paralelo entre a escrita de Artaud e ideias gnósticas e herméticas também é apontado por Susan Sontag, comentando as passagens, em Artaud, nas quais as palavras são tratadas primariamente como material (som): elas têm um valor mágico. A atenção ao som e forma das palavras, como distinta de seu significado, é um elemento do ensinamento cabalístico do Zohar, que Artaud estudou na década de trinta. Isso é evidente em textos como Para acabar com o julgamento de Deus, onde afirma que toda verdadeira linguagem é ininteligível, e exemplifica com glossolálias: potam am cram/ katanam anankreta/ karaban kreta/ tanamam anangteta/ konaman kreta/ e pustulam orentam/ taumer dauldi faldisti. Para acabar… é um catecismo de heresias. Afirma que onde cheira a merda, cheira a ser, perguntando, em uma suprema blasfémia: É deus um ser?/ Se o for, é merda. São blasfémias ditas a partir de um ponto/ em que me vejo forçado/ a dizer não,/ NÃO/ à negação. A liberdade está no avesso: Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas/ como no delírio dos bailes populares/ e esse avesso será/ seu verdadeiro lugar.
Semelhante escrita do avesso é uma sobrevivência de ideias gnósticas, nascidas nas areias da Palestina, inventadas por um concorrente do Cristo, Simão o Mago, para depois se disseminarem em remotos séculos I e II, por seitas que buscavam formar religiões secretas, principalmente no Egipto, convivendo com o neoplatonismo e o hermetismo. Os crentes na criação do mundo por uma divindade decaída, o Demiurgo, e na salvação humana pela obtenção de um conhecimento resultando, não da adesão, mas da luta contra Deus. Para alguns, pela adopção de um código moral às avessas. Desapareceram diante da organização teológica e política do cristianismo, perseguidos e combatidos como hereges, para reaparecer na Idade Média como bogomilos e, no século XIII, como cátaros da Provença, exterminados militarmente. A inversão da história do Jardim do Éden, na qual a serpente é portadora, não da perdição, porém da sabedoria, além de se manter em cultos demoníacos da Idade Média e da Renascença, aparece na criação literária como adesão ao avesso, fascinação romântica e pós-romântica pelo desafio, não apenas à ordem social, mas universal. A permanência da heresia como sombra da História é a expressão da revolta contra um mundo e uma sociedade onde tudo está errado, fora do lugar. Por isso, engendrado por um ente maligno, o Demiurgo. William Blake, que acreditava em um Deus ruim e opressor, em conflito com um Deus bom, é um escritor antecipado pela Gnose, mais que pelo paganismo. Assim como, a seu modo, Baudelaire, Nerval, Lautréamont, Jarry e Artaud.
Cosmogonias invertidas, glossolálias e pensamento mágico também comparecem nos delírios, nos surtos psicóticos. Diferentes sociedades em diferentes épocas tiveram suas representações da loucura e lugares para o louco. É possível mostrar que no xamã, sacerdote tribal primitivo, os três lugares são o mesmo. Confundem-se também em William Blake, que conversava com profetas bíblicos. A loucura de Artaud consistiu em ele ter sido um personagem de si mesmo, identificando obra e vida. Inspirado em seus textos, praticou-os na vida real, como no famoso episódio, relatado por Anais Nin, da palestra (O Teatro e a peste, de O teatro e seu duplo), em que declarou que não iria falar da peste, porém mostrá-la, encarnando o empestado, sofrendo, contorcendo-se até cair no chão, de forma tão chocante que esvaziou o auditório. Ou nas ocasiões em que afirmou que Paris era Roma antiga e ele, Artaud, era Heliogábalo.
Identificar linguagem e realidade, querer que o símbolo se torne efectivo, activo no plano da realidade, é pensamento mágico. E também pensamento poético, busca da anulação do tempo. A confusão entre criação, ideias típicas do sintoma e temas de uma tradição esotérica chega a nós pela corrente subterrânea da história; passa a ser um dos modos da tradição da ruptura, para utilizar a expressão criada por Octavio Paz (em Os filhos do barro). Em seus elogios e homenagens a Lautréamont, Nerval e Poe, Artaud se assume como representante dessa tradição. Reescreve uma história da literatura como história de escritores loucos, que culmina nele.
É especialmente fascinante como Artaud, depois de viajar ao México para tomar peiote entre os Taraumara, de ter uma crise ao voltar e ser internado, produziu textos literariamente superiores, pela força, ritmo e riqueza de imagens. Onde se pode ver como antagónicos, em muitos escritores, um componente psicótico, destrutivo, e um componente criador, em Artaud ambos interagiam; um alimentou o outro. Sua obra culmina, em 1947, com Van Gogh, o suicidado pela sociedade, esplêndido poema em prosa onde reitera que louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis. Afirma que um dos meios de a sociedade burguesa marginalizar artistas videntes é através de bruxarias. Insiste em que seu internamento é obra de uma conjuração, pois, se o deixassem solto, mudaria o mundo. Caracteriza Van Gogh como vítima solidária do mesmo enfeitiçamento.
Assumindo a óptica de Artaud, distinguir entre categorias como normalidade e loucura, ou entre arte, sintoma e delírio, é uma falsa questão. É inevitável, ao discuti-lo, adoptar a perspectiva e o tipo de epistemologia defendida por Michel Foucault na parte final de As Palavras e as Coisas, e, a meu ver, de modo mais consistente pelo surrealismo. Consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva ajuda a esclarecer a modernidade de Hölderlin, Nerval, Lautréamont, Corbière, Germain Nouveau, Jarry e Artaud. Permitindo a intervenção do inconsciente, rompem com o discursivo e com a sociedade: rompem com o discurso da sociedade. Fazem arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade: por isso falo em tomá-la como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objecto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o carácter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, que não permite uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos da modernidade: teatro, poesia, contracultura, antipsiquiatria. É universal por expressar contradições fundamentais, entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real, o absoluto e o contingente, o poético e o prosaico.
Por isso, o teatro da crueldade é um ritual, valorizando o gestual e o objecto, trocando o lugar de palco e plateia. Em outras de suas obras, como Heliogábalo, O anarquista coroado e Viagem ao país dos Taraumaras, criou uma recíproca desse teatro, uma espécie de semiologia onde as coisas têm significado e formam discursos. A leitura de Viagem ao país dos Taraumaras, e do que escreveu depois sobre o ritual do peiote, mostra que esse rito do sol negro foi, para ele, a mais autêntica realização do teatro da crueldade.
Em uma das Cartas de Rodez, quando esteve internado nessa instituição psiquiátrica em 1945, Artaud responde a Henry Parisot, que lhe havia mandado o Jabberwocky (Jaguadarte) de Lewis Carroll (obra na qual é inventada a palavra-baú) perguntando-lhe se não queria traduzi-la. Diz que não, que Lewis Carroll não tem uma visão fecal do ser, e o acusa de haver roubado um texto seu: tendo escrito um texto como Letura d'Eprahi Talli Tetr Fendi Photia O Fotre Indi, não posso tolerar que a sociedade atual (…) só me deixe traduzir um outro feito a sua imitação. (…) Aqui estão alguns experimentos de linguagem aos quais a linguagem desse livro antigo devia assemelhar-se. Mas que só podem ser lidos se escandidos em um ritmo que o próprio leitor deverá achar para entender e para pensar:
ratara ratara ratara
atara tatara rana
otara otara katara
otara retara kana
ortura ortura konara
kokona kokona koma
kurbura kurbura kurbura
kurbata kurbata keyna
pesti anti pestantum putara
pest anti pestantum putra
Há outros exemplos dessa linguagem em Artaud, em sua fase pós-internamento. Mas ele não a inventou: o uso de fonemas não-semantizados é arcaico. Octavio Paz, no ensaio Leitura e Contemplação (publicado na colectânea Convergências), trata das glossolálias, o "falar línguas", expressão de estados alterados de consciência por gnósticos e outras doutrinas místicas. Analisa o modo como reaparecem em autores modernos – Huidobro, Khlebnikov, Fargue, Michaux, Hugo Ball e Artaud: na história da poesia moderna, reaparece a mesma obsessão dos gnósticos e dos cristãos primitivos, dos montanistas e dos xamãs da Ásia e da América: a busca de uma linguagem anterior a todas as linguagens, e que restabeleça a unidade do espírito. Embora intraduzível para tal ou qual significação, essa linguagem não carece de sentido. Mais exactamente: aquilo que enuncia não está antes, mas depois da significação. Não é um balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao mesmo tempo física e espiritual, audível e mental, que transpôs os domínios do significado e os incendiou.
O paralelo entre a escrita de Artaud e ideias gnósticas e herméticas também é apontado por Susan Sontag, comentando as passagens, em Artaud, nas quais as palavras são tratadas primariamente como material (som): elas têm um valor mágico. A atenção ao som e forma das palavras, como distinta de seu significado, é um elemento do ensinamento cabalístico do Zohar, que Artaud estudou na década de trinta. Isso é evidente em textos como Para acabar com o julgamento de Deus, onde afirma que toda verdadeira linguagem é ininteligível, e exemplifica com glossolálias: potam am cram/ katanam anankreta/ karaban kreta/ tanamam anangteta/ konaman kreta/ e pustulam orentam/ taumer dauldi faldisti. Para acabar… é um catecismo de heresias. Afirma que onde cheira a merda, cheira a ser, perguntando, em uma suprema blasfémia: É deus um ser?/ Se o for, é merda. São blasfémias ditas a partir de um ponto/ em que me vejo forçado/ a dizer não,/ NÃO/ à negação. A liberdade está no avesso: Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas/ como no delírio dos bailes populares/ e esse avesso será/ seu verdadeiro lugar.
Semelhante escrita do avesso é uma sobrevivência de ideias gnósticas, nascidas nas areias da Palestina, inventadas por um concorrente do Cristo, Simão o Mago, para depois se disseminarem em remotos séculos I e II, por seitas que buscavam formar religiões secretas, principalmente no Egipto, convivendo com o neoplatonismo e o hermetismo. Os crentes na criação do mundo por uma divindade decaída, o Demiurgo, e na salvação humana pela obtenção de um conhecimento resultando, não da adesão, mas da luta contra Deus. Para alguns, pela adopção de um código moral às avessas. Desapareceram diante da organização teológica e política do cristianismo, perseguidos e combatidos como hereges, para reaparecer na Idade Média como bogomilos e, no século XIII, como cátaros da Provença, exterminados militarmente. A inversão da história do Jardim do Éden, na qual a serpente é portadora, não da perdição, porém da sabedoria, além de se manter em cultos demoníacos da Idade Média e da Renascença, aparece na criação literária como adesão ao avesso, fascinação romântica e pós-romântica pelo desafio, não apenas à ordem social, mas universal. A permanência da heresia como sombra da História é a expressão da revolta contra um mundo e uma sociedade onde tudo está errado, fora do lugar. Por isso, engendrado por um ente maligno, o Demiurgo. William Blake, que acreditava em um Deus ruim e opressor, em conflito com um Deus bom, é um escritor antecipado pela Gnose, mais que pelo paganismo. Assim como, a seu modo, Baudelaire, Nerval, Lautréamont, Jarry e Artaud.
Cosmogonias invertidas, glossolálias e pensamento mágico também comparecem nos delírios, nos surtos psicóticos. Diferentes sociedades em diferentes épocas tiveram suas representações da loucura e lugares para o louco. É possível mostrar que no xamã, sacerdote tribal primitivo, os três lugares são o mesmo. Confundem-se também em William Blake, que conversava com profetas bíblicos. A loucura de Artaud consistiu em ele ter sido um personagem de si mesmo, identificando obra e vida. Inspirado em seus textos, praticou-os na vida real, como no famoso episódio, relatado por Anais Nin, da palestra (O Teatro e a peste, de O teatro e seu duplo), em que declarou que não iria falar da peste, porém mostrá-la, encarnando o empestado, sofrendo, contorcendo-se até cair no chão, de forma tão chocante que esvaziou o auditório. Ou nas ocasiões em que afirmou que Paris era Roma antiga e ele, Artaud, era Heliogábalo.
Identificar linguagem e realidade, querer que o símbolo se torne efectivo, activo no plano da realidade, é pensamento mágico. E também pensamento poético, busca da anulação do tempo. A confusão entre criação, ideias típicas do sintoma e temas de uma tradição esotérica chega a nós pela corrente subterrânea da história; passa a ser um dos modos da tradição da ruptura, para utilizar a expressão criada por Octavio Paz (em Os filhos do barro). Em seus elogios e homenagens a Lautréamont, Nerval e Poe, Artaud se assume como representante dessa tradição. Reescreve uma história da literatura como história de escritores loucos, que culmina nele.
É especialmente fascinante como Artaud, depois de viajar ao México para tomar peiote entre os Taraumara, de ter uma crise ao voltar e ser internado, produziu textos literariamente superiores, pela força, ritmo e riqueza de imagens. Onde se pode ver como antagónicos, em muitos escritores, um componente psicótico, destrutivo, e um componente criador, em Artaud ambos interagiam; um alimentou o outro. Sua obra culmina, em 1947, com Van Gogh, o suicidado pela sociedade, esplêndido poema em prosa onde reitera que louco é o homem que a sociedade não quer ouvir, e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis. Afirma que um dos meios de a sociedade burguesa marginalizar artistas videntes é através de bruxarias. Insiste em que seu internamento é obra de uma conjuração, pois, se o deixassem solto, mudaria o mundo. Caracteriza Van Gogh como vítima solidária do mesmo enfeitiçamento.
Assumindo a óptica de Artaud, distinguir entre categorias como normalidade e loucura, ou entre arte, sintoma e delírio, é uma falsa questão. É inevitável, ao discuti-lo, adoptar a perspectiva e o tipo de epistemologia defendida por Michel Foucault na parte final de As Palavras e as Coisas, e, a meu ver, de modo mais consistente pelo surrealismo. Consiste em pensar o delírio, tanto quanto o sonho e a criação poética, como meios de conhecimento. Assim como a linguagem científica abre campos de conhecimento, a linguagem não-instrumental, não-discursiva, abre outros campos de experiência do real. Entender o inconsciente como consciência não-discursiva ajuda a esclarecer a modernidade de Hölderlin, Nerval, Lautréamont, Corbière, Germain Nouveau, Jarry e Artaud. Permitindo a intervenção do inconsciente, rompem com o discursivo e com a sociedade: rompem com o discurso da sociedade. Fazem arte revolucionária, pela radicalidade da rebelião individual, e por sua crítica à realidade: por isso falo em tomá-la como meio de conhecimento, e não apenas como algo a ser interpretado, como objecto do paradigma clínico ou de uma teoria literária. A inserção consciente de Artaud na tradição da ruptura acentua o carácter universal de sua contribuição, por mais que esta se tenha manifestado de modo particular, irredutível, que não permite uma escola ou doutrina de seguidores, apesar da sua influência em tantos campos da modernidade: teatro, poesia, contracultura, antipsiquiatria. É universal por expressar contradições fundamentais, entre o sujeito e o mundo que lhe é exterior, o imaginário e o real, o absoluto e o contingente, o poético e o prosaico.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
CONFISSÃO ( Cintio Vitier-n.1921)
Bem que eu não saiba história, ou muito pouca, sou o autor destas páginas.
Tudo me aconteceu desde o princípio.
Sou o protagonista,
a vítima, o culpado e o carrasco.
Sou o que olha e o que actua.
As idades descansaram em mim.
Os dias foram meu alimento.
As ideias, minhas asas,
meus punhais.
Pelo vazio de minhas mãos passou
o rio das armas.
Meus olhos são os fornos em que ardeu
a criação inteira.
Meu canto é o silêncio.
Homem, mulher, crianças, ancião,
cada gesto meu treme nas estrelas
atravessando o tempo irrepetível.
Eu sou. Não busquem outro,
não torturem outro,
não amem outro.
Não tenho maneira de escapar.
Tudo me aconteceu desde o princípio.
Sou o protagonista,
a vítima, o culpado e o carrasco.
Sou o que olha e o que actua.
As idades descansaram em mim.
Os dias foram meu alimento.
As ideias, minhas asas,
meus punhais.
Pelo vazio de minhas mãos passou
o rio das armas.
Meus olhos são os fornos em que ardeu
a criação inteira.
Meu canto é o silêncio.
Homem, mulher, crianças, ancião,
cada gesto meu treme nas estrelas
atravessando o tempo irrepetível.
Eu sou. Não busquem outro,
não torturem outro,
não amem outro.
Não tenho maneira de escapar.
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in Rosa do Mundo.,
Trad.: José Bento
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
DENIS DIDEROT
Denis Diderot nasceu em Langres no dia 5 de Outubro de 1713; faleceu em Paris no dia 30 de Julho de 1784. O pai era um rico cutileiro que desejava para o filho uma carreira de padre. Bom estudante no Colégio dos Jesuítas, cedo mostrou-se indisciplinado e pouco convicto, tentou uma fuga para Paris, impedida pelo pai, que o matriculou nessa cidade em outro colégio jesuíta. Sempre muito bom estudante, prefere as matemáticas às teologias. O pai, furioso por o filho não se submeter a nenhuma das suas escolhas, corta-lhe a mesada. Aos 21 anos Denis Diderot entrega-se à boémia. Para pagar os gastos, dá explicações, escreve sermões para padres, traduz livros ingleses. No meio de uma vida amorosa intensa lê com paixão as novelas do grande Voltaire, as meditações de Montaigne, os escritos satíricos de Montesquieu e descobre na literatura inglesa – Swift, Toland e especialmente Shaftesbury- uma fonte inesgotável de interesse e novidade. Casa-se com uma costureira, Antoinette Champion, que lhe dá quatro filhos, três dos quais morrerão cedo. A filha restante tornar-se-á sua confidente e redigirá uma biografia do pai. Um casamento infeliz que compensará com o grande amor da sua vida, Sophie. Conhece os grandes espíritos do seu tempo, os iluministas, e Rousseau, que deixara de pertencer ao movimento, e o abade Condillac, mentor da corrente sensualista. Frequenta o círculo do barão d´Holbach, o materialista ateu. Ensaia a filosofia com Pensamentos Filosóficos, em que professa um deísmo, e o ensaio que lhe dá imediata notoriedade, Promenade du sceptique, de 1747. Nasce por essa altura o grandioso projecto da Enciclopédia, juntamente com o seu amigo d´Alembert, famoso matemático. Publica As jóias indiscretas, que acrescentam escândalo ao já provocado pela publicação regular da Enciclopédia. Diderot passa a ser conhecido e admirado como o «espírito enciclopédico» do seu tempo (de todos os tempos, no dizer de alguns), o «filósofo». Publica sucessivamente O sonho de d´Alembert, Jacques, o Fatalista, Refutação de Helvétius, Suplemento à Viagem de Bougainville, A Religiosa. O Sobrinho de Rameau é publicado postumamente e talvez seja a sua obra mais perfeita. Interessado por todos os temas, intervém nas querelas sobre arte e estética, publica artigos e ensaios (O Paradoxo sobre o Comediante).
Diderot foi sem dúvida alguma o filósofo mais inquieto e inconformista do século dezoito francês, o criador da Enciclopédia, um enorme escritor de insuperável ironia, um pensador irreverente, uma personalidade de excepção.
As suas Obras Completas encontram-se publicadas. Várias das suas obras estão traduzidas em diversas línguas. Em português encontramos, sobretudo, Jacques (ou Tiago), o Fatalista (contem um conto absolutamente extraordinário), A Religiosa, As jóias indiscretas, Suplemento à Viagem de Bougainville.
O iniciado ou o mestre de Filosofia não podem ignorar o pensamento multifacetado de Diderot, expoente de um século fecundo, tanto em França como em Inglaterra. Aquele que se interroga sobre o valor, a justificação e a utilidade em filosofia dos materialismos, defrontar-se-á necessariamente com Denis Diderot. Nas questões religiosa, ética e estética, outro tanto.
Diderot foi sem dúvida alguma o filósofo mais inquieto e inconformista do século dezoito francês, o criador da Enciclopédia, um enorme escritor de insuperável ironia, um pensador irreverente, uma personalidade de excepção.
As suas Obras Completas encontram-se publicadas. Várias das suas obras estão traduzidas em diversas línguas. Em português encontramos, sobretudo, Jacques (ou Tiago), o Fatalista (contem um conto absolutamente extraordinário), A Religiosa, As jóias indiscretas, Suplemento à Viagem de Bougainville.
O iniciado ou o mestre de Filosofia não podem ignorar o pensamento multifacetado de Diderot, expoente de um século fecundo, tanto em França como em Inglaterra. Aquele que se interroga sobre o valor, a justificação e a utilidade em filosofia dos materialismos, defrontar-se-á necessariamente com Denis Diderot. Nas questões religiosa, ética e estética, outro tanto.
domingo, 15 de novembro de 2009
DOCUMENTOS
SENTENÇA JUDICIAL DE 1833
Como se tratava o estupro em 1833.
Leia e veja porque havia menos estupros naquele tempo...
'Ipsis litteris, ipsis verbis' - TRATA-SE DE LINGUA PORTUGUESA ARCAICA
SENTENÇA JUDICIAL DATADA DE 1833 - PROVÍNCIA DE SERGIPE
PROVÍNCIA DE SERGIPE
O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.
CONSIDERO:
QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar , porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;
QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;
QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
CONDENO:
O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.
Nomeio carrasco o carcereiro.
Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe, 15 de Outubro de 1833.
Fonte: Instituto Histórico de Alagoas
Como se tratava o estupro em 1833.
Leia e veja porque havia menos estupros naquele tempo...
'Ipsis litteris, ipsis verbis' - TRATA-SE DE LINGUA PORTUGUESA ARCAICA
SENTENÇA JUDICIAL DATADA DE 1833 - PROVÍNCIA DE SERGIPE
PROVÍNCIA DE SERGIPE
O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant'Ana quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de em uma moita de mato, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem queria para coisa que não se pode trazer a lume, e como ella se recuzasse, o dito cabra abrafolou-se dela, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará. Elle não conseguiu matrimonio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujo em flagrante. Dizem as leises que duas testemunhas que assistam a qualquer naufrágio do sucesso faz prova.
CONSIDERO:
QUE o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chumbregâncias, coisas que só marido della competia conxambrar , porque casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana;
QUE o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranas com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;
QUE Manoel Duda é um sujeito perigoso e que não tiver uma cousa que atenue a perigança dele, amanhan está metendo medo até nos homens.
CONDENO:
O cabra Manoel Duda, pelo malifício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa.
Nomeio carrasco o carcereiro.
Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Vila de Porto da Folha Sergipe, 15 de Outubro de 1833.
Fonte: Instituto Histórico de Alagoas
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sábado, 14 de novembro de 2009
Resumo da novela «Na Hora da nossa morte»
Os episódios até agora descritos da minha novela deram-nos a conhecer as seguintes personagens:
Marta- médica no hospital de Torres Vedras, meia-idade, divorciada, perdeu a filha, Gisela, num desastre de automóvel provocado por desleixo do pai, Antero.
Carlos- Arquitecto, que vê com inquietação aproximar os cinquenta anos, residente no concelho de Torres Vedras, oriundo de uma família burguesa abastada, herdeiro único, não tendo precisado de trabalhar muito produziu pouco, sonha com uma ponte que realizará um projecto que dará sentido à sua vida de indiferente, conformista, na qual as mulheres, os prazeres, o dinheiro, nunca faltaram. Julga ter reencontrado Marta, uma namorada de tempos longínquos, projecta nela a esperança de uma vida emocionalmente estável e segura.
O professor Ramos- Professor aposentado, sexagenário, leccionou Filosofia e Psicologia no Liceu onde Carlos estudou.
A mãe de Marta- Fez-se de amores com o dono de uma galeria, Bártolo, para quem a falecida mulher de Carlos trabalhou.
Carla- última namorada de Carlos, jovem mulher que trabalha em part-time no gabinete de arquitectos e estudante universitária.
Marta- médica no hospital de Torres Vedras, meia-idade, divorciada, perdeu a filha, Gisela, num desastre de automóvel provocado por desleixo do pai, Antero.
Carlos- Arquitecto, que vê com inquietação aproximar os cinquenta anos, residente no concelho de Torres Vedras, oriundo de uma família burguesa abastada, herdeiro único, não tendo precisado de trabalhar muito produziu pouco, sonha com uma ponte que realizará um projecto que dará sentido à sua vida de indiferente, conformista, na qual as mulheres, os prazeres, o dinheiro, nunca faltaram. Julga ter reencontrado Marta, uma namorada de tempos longínquos, projecta nela a esperança de uma vida emocionalmente estável e segura.
O professor Ramos- Professor aposentado, sexagenário, leccionou Filosofia e Psicologia no Liceu onde Carlos estudou.
A mãe de Marta- Fez-se de amores com o dono de uma galeria, Bártolo, para quem a falecida mulher de Carlos trabalhou.
Carla- última namorada de Carlos, jovem mulher que trabalha em part-time no gabinete de arquitectos e estudante universitária.
Na Hora da Nossa Morte-novela-cont.
DIÁRIO DE MARTA- 5
A dor é uma companheira cruel. Não me seduz com palavras mansas, emoções doces, mas com punhaladas, agulhas de aço, fotografias a preto e branco, um nevoeiro que afugenta o sol, um redemoinho no mar, uma lagoa fétida, uma torrente de sangue, uma sirene, uma maca, uma maquina, um ecrã, um gráfico, aquele apito assustador da máquina…Gisela, minha filha, meu amor, pedaço de mim, perdi-te para sempre e não vou encontrar nunca mais nada que te substitua. Gisela, em que ia a pensar o desgraçado do teu pai quando te matou na curva fatídica da estrada? Porque não morreu ele em vez de ti? Que farei de mim nesta vida sem sentido?
Do alto das falésias de Santa Cruz apenas me chega o silêncio ensurdecedor do oceano. Estou mais só que Deus no infinito. Deus não me escuta.
DIÁRIO DE CARLOS-8
Procurei fotografias de Marta, de nós, revolvi gavetas, dossiês, sacudi livros, discos, meti-me no carro e fiz a viagem à velha casa que meus pais me deixaram em Mafra com a esperança de que lá tivesse deixado há vinte ou mais anos as fotografias que procurava. Em vão. Lembro-me de ter destruído muita coisa que me lembrasse o namoro fracassado. Realmente foi uma destruição completa. Os meus pais, então, haviam apreciado esse namoro –namorico, teriam pensado –conheceram-na, levei-a a casa deles, que era a minha também, a minha mãe aprimorou-se no jantar, sorria, o meu pai também. Agora recordo tudo nos seus mínimos pormenores. Porém, está tudo na minha memória, de objectivo, de material, nada resta.
Uma noite destas hei-de ir à Ericeira e às escadinhas da Praia do Seixo em Santa Cruz, locais mágicos dos nossos primeiros encontros, primeiros beijos. Que nostalgia, que solidão…Marta, hei-de reencontrar-te! Hei-de mostrar-te o projecto da minha ponte, convidar-te-ei para estares ao meu lado no dia da sua inauguração. Estarás ainda casa? Terás filhos? Irei aos hospitais, às Centros de Saúde, procurar por ti. Encontrar-te-ei. Serás feliz ou infeliz?
A dor é uma companheira cruel. Não me seduz com palavras mansas, emoções doces, mas com punhaladas, agulhas de aço, fotografias a preto e branco, um nevoeiro que afugenta o sol, um redemoinho no mar, uma lagoa fétida, uma torrente de sangue, uma sirene, uma maca, uma maquina, um ecrã, um gráfico, aquele apito assustador da máquina…Gisela, minha filha, meu amor, pedaço de mim, perdi-te para sempre e não vou encontrar nunca mais nada que te substitua. Gisela, em que ia a pensar o desgraçado do teu pai quando te matou na curva fatídica da estrada? Porque não morreu ele em vez de ti? Que farei de mim nesta vida sem sentido?
Do alto das falésias de Santa Cruz apenas me chega o silêncio ensurdecedor do oceano. Estou mais só que Deus no infinito. Deus não me escuta.
DIÁRIO DE CARLOS-8
Procurei fotografias de Marta, de nós, revolvi gavetas, dossiês, sacudi livros, discos, meti-me no carro e fiz a viagem à velha casa que meus pais me deixaram em Mafra com a esperança de que lá tivesse deixado há vinte ou mais anos as fotografias que procurava. Em vão. Lembro-me de ter destruído muita coisa que me lembrasse o namoro fracassado. Realmente foi uma destruição completa. Os meus pais, então, haviam apreciado esse namoro –namorico, teriam pensado –conheceram-na, levei-a a casa deles, que era a minha também, a minha mãe aprimorou-se no jantar, sorria, o meu pai também. Agora recordo tudo nos seus mínimos pormenores. Porém, está tudo na minha memória, de objectivo, de material, nada resta.
Uma noite destas hei-de ir à Ericeira e às escadinhas da Praia do Seixo em Santa Cruz, locais mágicos dos nossos primeiros encontros, primeiros beijos. Que nostalgia, que solidão…Marta, hei-de reencontrar-te! Hei-de mostrar-te o projecto da minha ponte, convidar-te-ei para estares ao meu lado no dia da sua inauguração. Estarás ainda casa? Terás filhos? Irei aos hospitais, às Centros de Saúde, procurar por ti. Encontrar-te-ei. Serás feliz ou infeliz?
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Sou um homem comum
Sou um homem comum.
Sento-me à beira do rio a ver as águas passar
E penso numa qualquer Lídia sentada ao pé de mim
“A morte é uma quimera, Lídia, quando ela vier eu já não sou”.
Surpreendo-me com a simplicidade das coisas pequenas,
Porque são elas que sustentam a vida.
Morrem no instante em que nascem.
Por isso, paro nos passeios a ver os calceteiros calcetar
E não me aborreço com os entardeceres de Setembro,
Caminho sobre a espuma e pegada alguma permanece.
Comum como as pedras e os bichos pequenos.
O aroma do café às sete da manhã desperta-me um sentimento largo
Que abraça o mundo que trabalha.
Depois sorrio com os trolhas que dizem piadas às raparigas que passam
e o mundo não desaba porque são eles que o erguem.
Sento-me num banco de jardim e penso
Que a vida é uma paródia
E em cada minuto a morte dá mais um passo sobre mim.
A pequena da sapataria, quase uma criança, arruma sapatos na montra,
A brasileira do quiosque sobe as grades e boceja,
Uma mãe apressada leva pela mão uma garotinha muito loira para a escola.
Durante dezenas de anos repeti os mesmos gestos, nas mesmas horas,
A pasta dos livros, o tema da aula a subir à superfície.
Fragmentos de sonhos a recuarem na neblina.
Sou um homem comum.
O que eu fiz fizeram-no incontáveis outros iguais antes de mim,
Farão o mesmo depois de mim.
Operários, camponeses, empregados de escritório, lojistas, professores,
Em vós me multiplico.
Sou um homem comum.
Sento-me à beira do rio a ver as águas passar
E penso numa qualquer Lídia sentada ao pé de mim
“A morte é uma quimera, Lídia, quando ela vier eu já não sou”.
Surpreendo-me com a simplicidade das coisas pequenas,
Porque são elas que sustentam a vida.
Morrem no instante em que nascem.
Por isso, paro nos passeios a ver os calceteiros calcetar
E não me aborreço com os entardeceres de Setembro,
Caminho sobre a espuma e pegada alguma permanece.
Comum como as pedras e os bichos pequenos.
O aroma do café às sete da manhã desperta-me um sentimento largo
Que abraça o mundo que trabalha.
Depois sorrio com os trolhas que dizem piadas às raparigas que passam
e o mundo não desaba porque são eles que o erguem.
Sento-me num banco de jardim e penso
Que a vida é uma paródia
E em cada minuto a morte dá mais um passo sobre mim.
A pequena da sapataria, quase uma criança, arruma sapatos na montra,
A brasileira do quiosque sobe as grades e boceja,
Uma mãe apressada leva pela mão uma garotinha muito loira para a escola.
Durante dezenas de anos repeti os mesmos gestos, nas mesmas horas,
A pasta dos livros, o tema da aula a subir à superfície.
Fragmentos de sonhos a recuarem na neblina.
Sou um homem comum.
O que eu fiz fizeram-no incontáveis outros iguais antes de mim,
Farão o mesmo depois de mim.
Operários, camponeses, empregados de escritório, lojistas, professores,
Em vós me multiplico.
Sou um homem comum.
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Poemas do desen-canto
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Tonino Guerra (n.1920)
O BANHO DOS POBRES
Os pobres da minha terra
tomam banho no rio
e estão de molho na água
um dia inteiro.
Ali há muito ar muito sol muitos borrifos.
Voltam quando é noite
Encontram outra vez as velhas casas
com as cabeças dos gatos aos janelos
e toda a água nos cântaros represa.
Os pobres da minha terra
tomam banho no rio
e estão de molho na água
um dia inteiro.
Ali há muito ar muito sol muitos borrifos.
Voltam quando é noite
Encontram outra vez as velhas casas
com as cabeças dos gatos aos janelos
e toda a água nos cântaros represa.
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Assírio e Alvim,
in «Rosa Do Mundo»,
Trad. Alexandre O´Neill
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Na Hora da Nossa Morte-novela-cont.
DIÁRIO DE CARLOS - 7
Há dias cruzei-me com uma mulher dentro de um automóvel que me pareceu conhecê-la. Foi apenas um instantâneo, não me permitiu observar os pormenores, um ápice, um relance, um olhar de esguelha, mas uma luz intensa, um pequeno foco de luz que colocou na sombra tudo o mais: o presente factual e os pensamentos, um rosto na escuridão que, pouco a pouco, se transfigurou num rosto muito antigo, juvenil. Podia não ser ela, quantas vezes confundimos caras. Podia ser, mas creio que não. E creio cada vez mais. Foi há dias e a recordação que emergiu de um passado distante torna-se cada vez mais nítida. Sempre tive dificuldade em recordar nomes, mas este nunca esqueci: Marta! Se acaso foi ela. Era bem estranho que fosse. Há trinta anos que não a vejo. Não foi o primeiro amor, mas foi, talvez, o mais genuíno. Porventura aquele que mais nostalgia me deixou. Talvez porque não guarde dele, ao contrário de alguns outros amores, amargura, ressentimento. Talvez porque me ficasse sempre a impressão de que eu seria feliz se a relação continuasse. Talvez porque nunca fosse capaz de explicar a mim mesmo qual o motivo do seu termo. Ainda por cima, desfecho abrupto. Apenas porque sentimos a certa altura necessidade premente de variarmos, de experimentarmos, de outras novidades e acontecimentos, e dissemo-lo um ao outro quase ao mesmo tempo. E rumámos cada um para o seu lado à procura. Preferi suspeitar que havia alguém próximo dela a fazer pressão, porém nunca quis confirmar, perguntar a outrem nunca, persegui-la para descobrir jamais. Nunca me inclinei para atitudes dessas. Se ela disse que não, ainda que me mentisse, pelo não fiquei. Até hoje, depois de ter casado, depois de ter enviuvado, depois de ter perdido a juventude. Gostaria de ter a certeza que era ela. Não tenho qualquer interesse normalmente em águas passadas; neste caso, contudo, faria uma excepção.
Ontem fui visitar o meu antigo professor. O sô Doutor Ramos, como é usual os estudantes abreviarem, não apreciava que lhe chamassem doutor, mas professor, embora possua mestrado e doutoramento, explicava sempre no início dos anos aos estudantes que doutores eram os médicos, ele era professor. E que professor! O ensino para ele era uma missão humanista, quase religiosa, e o ensino dele era um prazer, uma quase constante novidade, por vezes, quando inspirado, um acontecimento. Nessas ocasiões merecia um auditório enorme, de voluntários, e não uma sala modesta onde uma boa dúzia de ouvintes não entendia o que ouviam. Uma vez por outra visito-o na sua casa resguardada por um muro não muito alto, de pedras sem cimento ou reboco, construído por ele próprio, que em vez de afastar, atraía, pelo seu ar rústico e bravio. Um largo quintal nas traseiras e um espaço ajardinado na frente, ambos trabalhados a primor, fariam pensar a um passeante que havia ali um agricultor. A mim sempre me pareceu a vivenda de um inglês, onde não faltava sequer uma estufa envidraçada. Sinto-me bem quando lá vou. Não falamos quase nunca do passado, nem eu nem ele temos qualquer gosto nisso, ainda que o tempo passado com ele na escola, aluno e professor, tivesse sido dos mais felizes. Eu então ria com gosto e facilidade, adorava os desportos, mas tirava um grande prazer dos livros que lia, ou devorava, dos sempre novos conhecimentos que bebia com sofreguidão, e até dos exames não tinha receio, muito embora me enervassem bastante. Foi por esse tempo que namorei com a Marta.
“A solidão é um estado de espírito, sempre se pode mudar um estado de espírito!”, diz-me o professor. “Somos animais de hábitos, um hábito pode ser substituído por um hábito mais potente”. Potência é uma palavra que ele gosta de empregar, potências positivas, assim como as há negativas. “As primeiras produzem alegria, as últimas são a tristeza, o medo, a inveja, a esperança”. Gosta de citar os seus filósofos preferidos: Epicuro, Lucrécio, Séneca, Espinosa, e ensinou-me que todos eles, no fundo, são semelhantes, e que o que escreveram é sempre actual, muito embora somente mais velhos os entendamos bem.
Falei-lhe na Marta, fora aluna dele também. Aqui fizemos uma pequena excepção: falámos desse passado. Mas queria ouvi-lo dizer que a Marta fora uma excelente aluna e apesar de ser tímida e discreta, não participara menos por isso nas actividades. Conversámos sobre a possibilidade de ser ela mesma que eu vislumbrei na cidade onde eu resido. Talvez, afinal Lisboa onde estudámos não é longe, ela cursou medicina, portanto pode ter andado de hospital em hospital. Mas deve encontrar-se há pouco tempo onde a vi, porque de outro modo seria completamente estranho não me ter cruzado com ela. “Olha, meu caro, até pode lá andar há muito, só que nenhum de vós andaria então disponível para se reconhecerem…”. Andarei eu disponível, eu que enviuvei de uma mulher que já não amava há muito? Andará ela disponível para um encontro? “Pergunta-lhe e logo saberás!». É verdade, professor.
Há dias cruzei-me com uma mulher dentro de um automóvel que me pareceu conhecê-la. Foi apenas um instantâneo, não me permitiu observar os pormenores, um ápice, um relance, um olhar de esguelha, mas uma luz intensa, um pequeno foco de luz que colocou na sombra tudo o mais: o presente factual e os pensamentos, um rosto na escuridão que, pouco a pouco, se transfigurou num rosto muito antigo, juvenil. Podia não ser ela, quantas vezes confundimos caras. Podia ser, mas creio que não. E creio cada vez mais. Foi há dias e a recordação que emergiu de um passado distante torna-se cada vez mais nítida. Sempre tive dificuldade em recordar nomes, mas este nunca esqueci: Marta! Se acaso foi ela. Era bem estranho que fosse. Há trinta anos que não a vejo. Não foi o primeiro amor, mas foi, talvez, o mais genuíno. Porventura aquele que mais nostalgia me deixou. Talvez porque não guarde dele, ao contrário de alguns outros amores, amargura, ressentimento. Talvez porque me ficasse sempre a impressão de que eu seria feliz se a relação continuasse. Talvez porque nunca fosse capaz de explicar a mim mesmo qual o motivo do seu termo. Ainda por cima, desfecho abrupto. Apenas porque sentimos a certa altura necessidade premente de variarmos, de experimentarmos, de outras novidades e acontecimentos, e dissemo-lo um ao outro quase ao mesmo tempo. E rumámos cada um para o seu lado à procura. Preferi suspeitar que havia alguém próximo dela a fazer pressão, porém nunca quis confirmar, perguntar a outrem nunca, persegui-la para descobrir jamais. Nunca me inclinei para atitudes dessas. Se ela disse que não, ainda que me mentisse, pelo não fiquei. Até hoje, depois de ter casado, depois de ter enviuvado, depois de ter perdido a juventude. Gostaria de ter a certeza que era ela. Não tenho qualquer interesse normalmente em águas passadas; neste caso, contudo, faria uma excepção.
Ontem fui visitar o meu antigo professor. O sô Doutor Ramos, como é usual os estudantes abreviarem, não apreciava que lhe chamassem doutor, mas professor, embora possua mestrado e doutoramento, explicava sempre no início dos anos aos estudantes que doutores eram os médicos, ele era professor. E que professor! O ensino para ele era uma missão humanista, quase religiosa, e o ensino dele era um prazer, uma quase constante novidade, por vezes, quando inspirado, um acontecimento. Nessas ocasiões merecia um auditório enorme, de voluntários, e não uma sala modesta onde uma boa dúzia de ouvintes não entendia o que ouviam. Uma vez por outra visito-o na sua casa resguardada por um muro não muito alto, de pedras sem cimento ou reboco, construído por ele próprio, que em vez de afastar, atraía, pelo seu ar rústico e bravio. Um largo quintal nas traseiras e um espaço ajardinado na frente, ambos trabalhados a primor, fariam pensar a um passeante que havia ali um agricultor. A mim sempre me pareceu a vivenda de um inglês, onde não faltava sequer uma estufa envidraçada. Sinto-me bem quando lá vou. Não falamos quase nunca do passado, nem eu nem ele temos qualquer gosto nisso, ainda que o tempo passado com ele na escola, aluno e professor, tivesse sido dos mais felizes. Eu então ria com gosto e facilidade, adorava os desportos, mas tirava um grande prazer dos livros que lia, ou devorava, dos sempre novos conhecimentos que bebia com sofreguidão, e até dos exames não tinha receio, muito embora me enervassem bastante. Foi por esse tempo que namorei com a Marta.
“A solidão é um estado de espírito, sempre se pode mudar um estado de espírito!”, diz-me o professor. “Somos animais de hábitos, um hábito pode ser substituído por um hábito mais potente”. Potência é uma palavra que ele gosta de empregar, potências positivas, assim como as há negativas. “As primeiras produzem alegria, as últimas são a tristeza, o medo, a inveja, a esperança”. Gosta de citar os seus filósofos preferidos: Epicuro, Lucrécio, Séneca, Espinosa, e ensinou-me que todos eles, no fundo, são semelhantes, e que o que escreveram é sempre actual, muito embora somente mais velhos os entendamos bem.
Falei-lhe na Marta, fora aluna dele também. Aqui fizemos uma pequena excepção: falámos desse passado. Mas queria ouvi-lo dizer que a Marta fora uma excelente aluna e apesar de ser tímida e discreta, não participara menos por isso nas actividades. Conversámos sobre a possibilidade de ser ela mesma que eu vislumbrei na cidade onde eu resido. Talvez, afinal Lisboa onde estudámos não é longe, ela cursou medicina, portanto pode ter andado de hospital em hospital. Mas deve encontrar-se há pouco tempo onde a vi, porque de outro modo seria completamente estranho não me ter cruzado com ela. “Olha, meu caro, até pode lá andar há muito, só que nenhum de vós andaria então disponível para se reconhecerem…”. Andarei eu disponível, eu que enviuvei de uma mulher que já não amava há muito? Andará ela disponível para um encontro? “Pergunta-lhe e logo saberás!». É verdade, professor.
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terça-feira, 10 de novembro de 2009
A ESCOLA PÚBLICA
A escolaridade obrigatória, universal, inclusiva e tendencialmente gratuita, foi um avanço civilizacional indiscutível na Europa, berço das democracias, e uma construção revolucionária depois de liquidado um Regime fascista (o mais longo da Europa) que nos legou milhões de analfabetos e escolas para uns mais afortunados (o esforço dos mais pobres que para nelas ingressarem mais acentua a discriminação em que assentava esse modelo) – os liceus- e escolas comerciais e industriais para outros (no ensino superior uma escassa minoria). Após o 25 de Abril, um único sistema de ensino ( que se foi prolongando justamente até ao 12ºano) o qual permitiria ou o acesso ao ensino superior ou a cursos profissionais, correspondeu ao que de mais avançado se perseguia. O que faltou foi respeitá-lo e cumpri-lo. O insucesso escolar deve-se certamente também aos professores, mas com um peso bem mais secundário do que as diferentes bagagens culturais que os alunos trazem de «fora». Os professores precisam de receber actualização continuada, mas a atmosfera cultural do país também. Os professores precisam de uma profissão garantida e protegida, mas os jovens e os portugueses em geral também precisam de empregos presentes e futuros, efectivos e bem remunerados. Há jovens que preferem ou possuem mais competências para profissões de média qualificação, mas é preciso que as encontrem.
É urgente reformar o ensino, mas sem ter como modelo as escolas privadas e, muito menos, fazer degradar as públicas para justificar o negócio das últimas. A avaliação externa das escolas públicas demonstra que estão em geral bem organizadas e geridas. O que faz falta é premiar o esforço e a competência, oferecer condições que promovam a progressão justificada numa carreira digna e bem gratificada, com um outro Estatuto que não o actual, que não presta. É preciso que a avaliação dos docentes se faça inspirando-nos no que se faz com mais justiça e resultados em muitos países da Europa. O profissional de uma actividade tão delicada e rigorosa como o é a de professor (desde o jardim de infância até ao topo) deve responder pelo seu profissionalismo através de um relatório ( de auto-avaliação) criteriosamente didáctico, pedagógico e científico, suportado por indicadores de assiduidade, participação activa no seu grupo de pares e na escola ou agrupamento, e cumprimento do seu código deontológico, documento sério que deverá ser analisado pelo Conselho Pedagógico, Directivo e pelo seu grupo ou departamento. Dever-se-á ter na devida conta o seu empenho efectivo na sua auto-promoção no conhecimento geral e específico, e nas pedagogias –(cursos de formação continuada, pós-graduações, etc.). O juízo a fazer sobre o docente não deve ignorar o meio em que se insere a sua escola (quão valioso é aquele que trabalha com dedicação numa zona social problemática!), nem as enormes distâncias que ele tem por vezes de percorrer (ou obrigar-se a alugar um pequeno quarto).
Os professores são uma pequena parte do problema mais geral, e são, seguramente, uma parte maior da sua solução. Cem mil professores conscientes de que é o país que precisa de profundas reformas, com democracia e justiça social, com desenvolvimento económico e cultural, podem constituir uma enorme força social de mudança. Não são eles quem mais e melhor ensinam?
É urgente reformar o ensino, mas sem ter como modelo as escolas privadas e, muito menos, fazer degradar as públicas para justificar o negócio das últimas. A avaliação externa das escolas públicas demonstra que estão em geral bem organizadas e geridas. O que faz falta é premiar o esforço e a competência, oferecer condições que promovam a progressão justificada numa carreira digna e bem gratificada, com um outro Estatuto que não o actual, que não presta. É preciso que a avaliação dos docentes se faça inspirando-nos no que se faz com mais justiça e resultados em muitos países da Europa. O profissional de uma actividade tão delicada e rigorosa como o é a de professor (desde o jardim de infância até ao topo) deve responder pelo seu profissionalismo através de um relatório ( de auto-avaliação) criteriosamente didáctico, pedagógico e científico, suportado por indicadores de assiduidade, participação activa no seu grupo de pares e na escola ou agrupamento, e cumprimento do seu código deontológico, documento sério que deverá ser analisado pelo Conselho Pedagógico, Directivo e pelo seu grupo ou departamento. Dever-se-á ter na devida conta o seu empenho efectivo na sua auto-promoção no conhecimento geral e específico, e nas pedagogias –(cursos de formação continuada, pós-graduações, etc.). O juízo a fazer sobre o docente não deve ignorar o meio em que se insere a sua escola (quão valioso é aquele que trabalha com dedicação numa zona social problemática!), nem as enormes distâncias que ele tem por vezes de percorrer (ou obrigar-se a alugar um pequeno quarto).
Os professores são uma pequena parte do problema mais geral, e são, seguramente, uma parte maior da sua solução. Cem mil professores conscientes de que é o país que precisa de profundas reformas, com democracia e justiça social, com desenvolvimento económico e cultural, podem constituir uma enorme força social de mudança. Não são eles quem mais e melhor ensinam?
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A Escola e avaliação
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
HÁBITOS
Quantas vezes Platão assoou o nariz,
e São Tomás de Aquino
tirou os sapatos,
quantas vezes Einstein escovou os dentes,
e Kafka ligou e desligou a luz,
antes de enfim chegarem
ao que lhes cabia fazer?
Semanas sem fim, feitas as contas,
levamos
abotoar e desabotoar camisas,
procurar os óculos
ou, tomada a decisão,
novamente descartá-la.
Como são efémeras as nossas opiniões
e as nossas obras, em comparação
com aquilo que nos é comum:
cozinhar, lavar a roupa, subir escadas –
repetições de pouco relevo,
pacíficas, corriqueiras
e mais indispensáveis que qualquer chef d'oeuvre.
Hans Magnus Enzensberger
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Da Corrupção
Se sempre existiu, inclusive nos regimes que se diziam perfeitos, é, por isso aceitável? Não. Nenhuma moral a justifica, ainda que em alguns lugares algumas leis a permitam. Sempre os estados e os regimes a negaram, mentindo, incluindo aqueles que eram tão cegos que a não a viam. Se ela renasce quando é atacada, devemos resignarmo-nos? Não. É tanto mais escandalosa quanto mais é desmentida. É tanto mais prejudicial, quanto mais é tolerada. A corrupção por mais doentia que seja não é a doença, é o sintoma, uma metástase. Quando a corrupção alastra, esse regime político está condenado a prazo. Os grandes impérios exibiram a sua caducidade quando a corrupção era já epidémica. Ergueram-se ditaduras em nome do combate à corrupção, e nem sempre foi mera propaganda. Estalaram tumultos, revoltas, sedições, revoluções, com clamores contra os corruptos que prosperavam à custa da miséria aflitiva de muitos.
O s islamitas reprovam a corrupção do Ocidente, porém a corrupção floresce tanto nos mais «moderados» como nos mais fundamentalistas. Por acusar de corruptos o partido de Arafat é que o Hamas ganhou as eleições. É tão corrupto como a democracia israelita, embora noutras proporções.
As máfias sustentam o Estado italiano e sustentam-se. O Vaticano teve corruptos de alto coturno, conforme nos retrata a trilogia O Padrinho. O regime dos teólogos e dos «Guardas da Revolução» está pejado de corruptos, conforme nos relata Robert Fisk, A Grande Guerra pela Civilização, A conquista do Médio Oriente, e o Iraque que lhe fez uma guerra medonha, outro tanto.
A questão é saber-se porque é que a corrupção não abalou até aos alicerces os Estados britânico, norte-americano, ou outros, porque não os obrigou a mudar de Estado, de Regime, ou de sociedade. Quando muito mudaram os governos e as administrações. Causou o colapso dos regimes socialistas do Leste? Não, pelo menos não foi a causa principal.
O PSD e o PS sempre alimentaram corruptos nos seus governos, mesmo que uns tantos corruptos não façam corrupto um governo. Deixaram, por isso, de serem alternativa um ao outro?
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Da corrupção
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
JORGE DE SENA
Ao desconcerto humanamente aberto
entendo e sinto:as coisas são reais
como meus olhos que as olharam tais
a luz ou treva que há no tempo certo.
De olhá-las muito não as vejo mais
que a luz mudável com que a treva perto
sempre outras as confunde:entreaberto,
menos que humano, só verei sinais.
E sinta que as pensei, ou que as senti
ou pense, ou julgue nos sinais que vi
ler a harmonia, como ali surpresa,
oculta que era pura eu vê-la agora,
meu desconcerto é o desconcerto fora,
e Deus um só pudor da Natureza.
entendo e sinto:as coisas são reais
como meus olhos que as olharam tais
a luz ou treva que há no tempo certo.
De olhá-las muito não as vejo mais
que a luz mudável com que a treva perto
sempre outras as confunde:entreaberto,
menos que humano, só verei sinais.
E sinta que as pensei, ou que as senti
ou pense, ou julgue nos sinais que vi
ler a harmonia, como ali surpresa,
oculta que era pura eu vê-la agora,
meu desconcerto é o desconcerto fora,
e Deus um só pudor da Natureza.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Na Hora da Nossa Morte (Novela-cont.)
DIÁRIO DE MARTA – 4
Não se pode circular. Automóveis avariados no meio das ruas, em cima dos passeios, montanhas de lixo, cães vadios chafurdando nos restos fétidos, mendigos famélicos disputando entre si e com os animais, como animais, abandono a avenida Humberto Delgado e desvio para a Henriques Nogueira, pior a emenda que o soneto, uma manifestação silenciosa impede-me o avanço, deixo-me ir atrás contando os segundos, meto na primeira à esquerda, chego sem mais percalços ao parque da várzea e fujo para fora da cidade. O mundo desabou. Não há futuro, o presente é passado. Só tenho um passado.
Nem quero pensar nos amores fúteis da minha mãe. Verdadeiramente ridículo. Com aquela idade, a disfarçar as brancas com o artifício do loiro, quando se maquilha é uma máscara, não assusta mas faz sorrir, a condescendência que se tem por uma velha gaiteira. Enfim, ainda não é tão velha como isso. E não estarei a ser preconceituosa? O amor não pede bilhete de identidade. Quando chega, chega. Mas é a minha mãe, pôssa! E o marido atraiçoado é o meu pai. Como será esse Bártolo? Dono de uma galeria de arte?? Isso enriquece? O tipo oferece-lhe diamantes e rubis? Champanhe e caviar? Tenho que admitir que ela é culta, tem bom gosto e conhecimentos de história da arte, nas estantes não lhe faltam livros desses, sim, é verdade, a coisa atraiu-a, a sedução dele andará por aí, exposições, inaugurações, artistas, gente bem falante, sim, esse mundo agrada-lhe evidentemente. A cama vem a seguir. O costume.
Ontem, numa das rotundas da várzea, cruzei-me com um carro e a pessoa que o conduzia provocou-me aquela emoção que se sente quando vemos alguém do outro mundo. Não identifiquei aquele homem, mas reconheci-o. Vinha de tempos imemoriais, como se subisse do fundo do oceano, viesse à superfície, ficasse a flutuar entre as névoas da memória. Tinha o cabelo completamente grisalho, um rosto de homem maduro, a começar a envelhecer, mas forte, bonito. Não me viu, por isso faltou-me a certeza de um «clique», uma troca surpreendida e cúmplice de olhares. Passei a tarde a pensar nisso. Seguramente que o conheci em qualquer altura da minha vida. Havia nele traços físicos inconfundíveis, invulgares. Somente à noite quando estava prestes a adormecer, o nome me surgiu como a legenda de uma fotografia: Carlos! Exactamente. Na fotografia é um rapaz de dezoito anos, cabelo e sobrancelhas negras, olhos castanhos grandes e inteligentes, às vezes cheios de doçura, outras vezes perdidos no além, fundos de melancolia, eu dizia-lhe: «Tens saudades do futuro!». O Carlos. Meu amor primeiro dos dezasseis anos. Aqui. Bem perto de mim. Reaparecido como dom Sebastião.
E fiquei a pensar naquela frase tão batida: não há amor como o primeiro.
Não se pode circular. Automóveis avariados no meio das ruas, em cima dos passeios, montanhas de lixo, cães vadios chafurdando nos restos fétidos, mendigos famélicos disputando entre si e com os animais, como animais, abandono a avenida Humberto Delgado e desvio para a Henriques Nogueira, pior a emenda que o soneto, uma manifestação silenciosa impede-me o avanço, deixo-me ir atrás contando os segundos, meto na primeira à esquerda, chego sem mais percalços ao parque da várzea e fujo para fora da cidade. O mundo desabou. Não há futuro, o presente é passado. Só tenho um passado.
Nem quero pensar nos amores fúteis da minha mãe. Verdadeiramente ridículo. Com aquela idade, a disfarçar as brancas com o artifício do loiro, quando se maquilha é uma máscara, não assusta mas faz sorrir, a condescendência que se tem por uma velha gaiteira. Enfim, ainda não é tão velha como isso. E não estarei a ser preconceituosa? O amor não pede bilhete de identidade. Quando chega, chega. Mas é a minha mãe, pôssa! E o marido atraiçoado é o meu pai. Como será esse Bártolo? Dono de uma galeria de arte?? Isso enriquece? O tipo oferece-lhe diamantes e rubis? Champanhe e caviar? Tenho que admitir que ela é culta, tem bom gosto e conhecimentos de história da arte, nas estantes não lhe faltam livros desses, sim, é verdade, a coisa atraiu-a, a sedução dele andará por aí, exposições, inaugurações, artistas, gente bem falante, sim, esse mundo agrada-lhe evidentemente. A cama vem a seguir. O costume.
Ontem, numa das rotundas da várzea, cruzei-me com um carro e a pessoa que o conduzia provocou-me aquela emoção que se sente quando vemos alguém do outro mundo. Não identifiquei aquele homem, mas reconheci-o. Vinha de tempos imemoriais, como se subisse do fundo do oceano, viesse à superfície, ficasse a flutuar entre as névoas da memória. Tinha o cabelo completamente grisalho, um rosto de homem maduro, a começar a envelhecer, mas forte, bonito. Não me viu, por isso faltou-me a certeza de um «clique», uma troca surpreendida e cúmplice de olhares. Passei a tarde a pensar nisso. Seguramente que o conheci em qualquer altura da minha vida. Havia nele traços físicos inconfundíveis, invulgares. Somente à noite quando estava prestes a adormecer, o nome me surgiu como a legenda de uma fotografia: Carlos! Exactamente. Na fotografia é um rapaz de dezoito anos, cabelo e sobrancelhas negras, olhos castanhos grandes e inteligentes, às vezes cheios de doçura, outras vezes perdidos no além, fundos de melancolia, eu dizia-lhe: «Tens saudades do futuro!». O Carlos. Meu amor primeiro dos dezasseis anos. Aqui. Bem perto de mim. Reaparecido como dom Sebastião.
E fiquei a pensar naquela frase tão batida: não há amor como o primeiro.
Os Polvos
«Face Oculta»: um «policial negro», à maneira de R. Chandler, G. Simenon, D. Hammett, ou o nome prosaico para um «polvo» à portuguesa? Tinhamos cozido à portuguesa, bacalhau com todos, fado, futebol e fátima, temos agora polvo à portuguesa. Mais um. Eles eram bancos e paraísos fiscais, perdão de dívidas, lay-off e falências fraudulentas, deslocalizações licenciadas e legítimas à luz do santo mercado, salários em atraso, salários congelados, câmaras e futebóis, e mais futebóis e árbitros, conselheiros e comendadores, ex-governantes emoldurados em ouro fino, parques mayer e outros negócios, licenças de «interesse municipal» (para aterros, por exemplo), e um nunca acabar de pequenas e mui grossas corrupções, subornos, clientelismos, nepotismos, e outros ismos. Agora temos um sucateiro com muitos e ilustres amigos. Um país com muitas «caras». Seria um carnaval todo o ano, se não fosse uma pouca-vergonha.
Os suínos
Porque é que a gripe suína não ataca só os suínos? Quero dizer, os porcos, não a espécie porcina...
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Na Hora da nossa morte (novela)
DIÁRIO DE CARLOS -6
Desci a montanha de faces lisas como um cone apontado ao céu. Pedregosa, as pedras rolando, os sapatos rompendo-se nos gumes acerados dos sílex espetados no solo. Escorreguei e caí de borco uns metros abaixo, na argila seca e dura, sem um caule de arbusto, sem uma flor silvestre que a alegrasse. A planície abria-se diante de mim, lívida sob uma lua de cemitério. Vasta, imensa, sem sinal de rio, lagoa ou mar, que trouxesse uma miragem ou uma brisa. Desértica, árida, silenciosa como um túmulo, nem um golpe de asa, um grasnido de animal feroz, o vulto de um roedor noctívago. O único espectro era eu, que não sabia o que fazia ali, que não sabia sequer que era eu. Somente uma sombra difusa que me identificava. Alguém em mim gritou. Nenhum eco se ouviu. Ao longe, muito ao longe, uma pequenina e diáfana luminosidade parecia que me chamava, guiando-me os passos. Mas aquilo que em mim sentia teve medo. Um antiquíssimo medo, vindo dos confins das florestas e das savanas. Aquilo que em mim era um corpo estava semi-curvado, equilibrando-se com dificuldade sobre os pés, as unhas grossas e encurvadas, totalmente coberto de pêlos, negros e hirsutos. Fez-se subitamente escuro, uma nuvem tapou a lua. Dei um passo, tacteei o solo, dei outro passo e mergulhei num poço. Tombei sobre algo mole que me aparou a queda. Mexeu-se. A lua reapareceu e vi. Vi um corpo semelhante ao meu. Olhava-me com uma espécie de contentamento nos olhos nebulosos. Uma mão mais fina que a minha procurou o meu ombro. Estremeci e despertei. A janela estava escancarada e a lua era pálida. Levei a mão ao copo de água à minha cabeceira e bebi-a de um trago. Estivera a sonhar. Estranho sonho que não se compunha manifestamente do presente, claro o seu significado latente, porém escapava-me o seu propósito. A propósito de que coisa, situação, emoção? Vejo-o com um regresso, retrocesso, como se me colocasse sem recurso a máquinas que hão-de vir num presente já passado, remotíssimo, em que eu – nós - não possuía ainda um eu, uma individualidade, apenas um corpo bruto em transição, sensitivo desprovido de sentimentos, daquela matéria de que se fazem os pensamentos.
Quem sou? Que faço aqui?
Meu amor que nunca vieste, nunca ficaste, nunca foste, quem sou?
Desci a montanha de faces lisas como um cone apontado ao céu. Pedregosa, as pedras rolando, os sapatos rompendo-se nos gumes acerados dos sílex espetados no solo. Escorreguei e caí de borco uns metros abaixo, na argila seca e dura, sem um caule de arbusto, sem uma flor silvestre que a alegrasse. A planície abria-se diante de mim, lívida sob uma lua de cemitério. Vasta, imensa, sem sinal de rio, lagoa ou mar, que trouxesse uma miragem ou uma brisa. Desértica, árida, silenciosa como um túmulo, nem um golpe de asa, um grasnido de animal feroz, o vulto de um roedor noctívago. O único espectro era eu, que não sabia o que fazia ali, que não sabia sequer que era eu. Somente uma sombra difusa que me identificava. Alguém em mim gritou. Nenhum eco se ouviu. Ao longe, muito ao longe, uma pequenina e diáfana luminosidade parecia que me chamava, guiando-me os passos. Mas aquilo que em mim sentia teve medo. Um antiquíssimo medo, vindo dos confins das florestas e das savanas. Aquilo que em mim era um corpo estava semi-curvado, equilibrando-se com dificuldade sobre os pés, as unhas grossas e encurvadas, totalmente coberto de pêlos, negros e hirsutos. Fez-se subitamente escuro, uma nuvem tapou a lua. Dei um passo, tacteei o solo, dei outro passo e mergulhei num poço. Tombei sobre algo mole que me aparou a queda. Mexeu-se. A lua reapareceu e vi. Vi um corpo semelhante ao meu. Olhava-me com uma espécie de contentamento nos olhos nebulosos. Uma mão mais fina que a minha procurou o meu ombro. Estremeci e despertei. A janela estava escancarada e a lua era pálida. Levei a mão ao copo de água à minha cabeceira e bebi-a de um trago. Estivera a sonhar. Estranho sonho que não se compunha manifestamente do presente, claro o seu significado latente, porém escapava-me o seu propósito. A propósito de que coisa, situação, emoção? Vejo-o com um regresso, retrocesso, como se me colocasse sem recurso a máquinas que hão-de vir num presente já passado, remotíssimo, em que eu – nós - não possuía ainda um eu, uma individualidade, apenas um corpo bruto em transição, sensitivo desprovido de sentimentos, daquela matéria de que se fazem os pensamentos.
Quem sou? Que faço aqui?
Meu amor que nunca vieste, nunca ficaste, nunca foste, quem sou?
domingo, 1 de novembro de 2009
Os imperialismos
O melhor livro que li sobre a história recente do Médio Oriente é o de Robert Fisk, A Grande Guerra Pela Civilização (Ed. 70). Leva-se bastante tempo a ler-se, é enorme e denso, mas empolgante como um romance. Depois fica-se num estado de cepticismo prolongado, tanto a Oriente como a Ocidente. Este século carrega consigo duas ideologias dominantes. Terrivelmente adversárias, terrivelmente agressivas. Porém, ao contrário do que parece, a Oriente os confrontos internos duram há décadas e a ideologia que lá domina não olha a meios para atingir os seus fins, e os seus adversários fazem o mesmo. Um Médio Oriente unido é um mito. Não existe somente um exército que faz a guerra ao Ocidente, existem vários que fazem a guerra entre si. Nalgumas dessas guerras foram armados e manipulados pelo Ocidente. O imperialismo capitalista confronta-se com mais do que um imperialismo. Assistiremos a guerras inter-imperialistas, como foi a Primeira Guerra Mundial?
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Oriente versus Ocidente
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