Sou um homem comum.
Sento-me à beira do rio a ver as águas passar
E penso numa qualquer Lídia sentada ao pé de mim
“A morte é uma quimera, Lídia, quando ela vier eu já não sou”.
Surpreendo-me com a simplicidade das coisas pequenas,
Porque são elas que sustentam a vida.
Morrem no instante em que nascem.
Por isso, paro nos passeios a ver os calceteiros calcetar
E não me aborreço com os entardeceres de Setembro,
Caminho sobre a espuma e pegada alguma permanece.
Comum como as pedras e os bichos pequenos.
O aroma do café às sete da manhã desperta-me um sentimento largo
Que abraça o mundo que trabalha.
Depois sorrio com os trolhas que dizem piadas às raparigas que passam
e o mundo não desaba porque são eles que o erguem.
Sento-me num banco de jardim e penso
Que a vida é uma paródia
E em cada minuto a morte dá mais um passo sobre mim.
A pequena da sapataria, quase uma criança, arruma sapatos na montra,
A brasileira do quiosque sobe as grades e boceja,
Uma mãe apressada leva pela mão uma garotinha muito loira para a escola.
Durante dezenas de anos repeti os mesmos gestos, nas mesmas horas,
A pasta dos livros, o tema da aula a subir à superfície.
Fragmentos de sonhos a recuarem na neblina.
Sou um homem comum.
O que eu fiz fizeram-no incontáveis outros iguais antes de mim,
Farão o mesmo depois de mim.
Operários, camponeses, empregados de escritório, lojistas, professores,
Em vós me multiplico.
Sou um homem comum.
5 comentários:
Caro professor Nozes,
Estou-lhe muitíssimo agradecida pelo seu comentário. Não imagina como são importantes para mim essas palavras. Dão-me força, principalmente agora que as frequências vão começar... Tenho a primeira já na segunda-feira!
Infelizmente, não tenho tido grande tempo para visitar o seu blogue, mas assim que estiver mais desanuviada passarei a vir cá mais vezes!
Tenha um bom fim-de-semana!
Meu caro amigo,
Cada vez mais raros os homens comuns, como este!
Mas os homens comuns não escrevem...
Um abraço
São os homens comuns que fazem a história e comuns são também os que a sabem relatar e sentem a felicidade de ser como todos os outros. Bom trabalho caro amigo em comunhão com todos nós.
"Depois sorrio com os trolhas que dizem piadas às raparigas que passam
e o mundo não desaba porque são eles que o erguem."
tudo dito, caro senhor. encontrei-o na lucidez de um comentário que teceu sobre estética e ética ou vice-versa.
Vim lê-lo. vou continuar a ler. agrada-me encontrar neste mundo imenso que é a blogoesfera seres comuns, pensantes. que me obriguem a reflectir sobre as coisas comuns. tão comuns como eu própria.
bem-haja.
todo a liberdade de linkar o seu blog nos meus que aqui lhe deixo
www.noitedemel.blogs.sapo.pt
(mera tentativa poética)
e www.noitedemel.blogspot.com
(igualmente mera tentativa de ser prosa, crónica, conto ... ou tão só, escrita em "carreirinha" quando a não decido cortar em fatias ...
cordiais cumprimentos
Mel
Cara colega das sociologias Mel de Carvalho: já visitei o teu blog, não pude colcoar comentário porque não tenho conta na sapo (enfim, não soube fazer). Quis manifestar o meu apreço pelos seus poemas (aqueles que agora li). Seguirei o seu blog com atenção. Abraço.
Enviar um comentário